1. INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da civilização humana, têm-se relatos de diversas formas de punição para a pessoa que se comporta de modo diferente dos padrões estabelecidos pelo pensamento dominante.
Desde a década de 1990 há um movimento antimanicomial que busca uma mudança na legislação que trata da assistência em saúde mental, em especial nos países americanos, em divergência aos modelos anteriores, os quais se limitavam a regular uma reação ou punição do Estado a uma infração cometida por pessoas com sofrimento psíquico. No novo modelo proposto, há enfoque na descentralização dos cuidados em saúde mental, abandonando o atendimento hospitalar, adotando a participação efetiva da família, envolvimento da comunidade e dos demais serviços de saúde e atenção às medidas de promoção e prevenção em saúde mental; esse modelo foi exposto em 1990, durante a conferência da Organização Panamericana de Saúde, cujo documento final ficou conhecido como Declaração de Caracas.
No Brasil, a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001) surgiu para estabelecer um modelo de tratamento ao portador de transtornos mentais que cometer infração penal, buscando meios alternativos diversos da internação hospitalar. As medidas de segurança buscam, preventivamente, reduzir os impactos sobre o portador de transtorno mental que transgrediu uma norma penal.
A Lei de Reforma Psiquiátrica denomina as medidas de segurança, em seu art. 6º, III, e art. 9º, de internação compulsória. Essa lei trouxe importantes modificações no Código Penal e da Lei de Execuções Penais, passando a exigir uma releitura dessas leis penais, pois incompatíveis com a Lei 10.216/2001.
O maior problema das medidas de segurança é o limite de prazo para sua aplicação. Ademais, o modelo atual em que as medidas de segurança são aplicadas fere princípios constitucionais daquele submetido a elas.
Faz-se necessária a compatibilização entre a Lei de Reforma Psiquiátrica com o ordenamento jurídico vigente. O que falta para que isso ocorra é um consenso em torno de uma posição que permita aplicar a todas as pessoas com transtorno mental um tratamento médico compatível com a defesa dos direitos humanos.
Muitas vezes, os aplicadores do direito não analisam os transtornos e doenças mentais, assim como os seus subtipos, no momento da aplicação da medida de segurança. Por esse motivo, essa sanção deixa de ser, no caso concreto, individualizada, e torna-se questionável a forma como as pessoas com transtorno são tratadas, do ponto de vista legislativo e institucional.
2. A LOUCURA NA HISTÓRIA
O doente mental teve pouca importância durante a história. Na Idade Média, a “insanidade” era vista como uma falha da razão. Para Foucault (1995, p. 4), a exclusão nesse período foi para com o leproso (portador de hanseníase). O louco, de certa forma, recebeu essa herança, sendo o mais excluído após os leprosos.
Na Idade Moderna havia os navios insanos, que eram não apenas uma exclusão, mas sim um horror à loucura de tal forma que havia a necessidade de procurar esquecê-la. A sociedade não enxergava os “loucos”, pois estes contribuíam para a ruína de suas cidades. Então, os doentes mentais eram fechados em navios, de onde não se escapava, e eram jogados ao mar. Os barcos carregados de loucos atracavam em outras cidades, ou seja, as cidades comercializavam indiretamente o mercado de doentes mentais. Assim, os loucos passaram a ser vistos como um perigo constante.
Vista desse modo, a doença mental, no Renascimento, encontrava seu lado sombrio, burlesco e natural. Desse modo, a população encontrava razão justificável para o afastamento deles, e, ao mesmo tempo, a loucura era vista como algo trágico e defeituoso do homem.
Nos séculos XVI e XVII, a loucura ganha nova roupagem: a ilusão. Para Foucault (1995, p. 40), “o amor decepcionado em seu excesso, sobretudo o amor enganado pela fatalidade da morte, não tem outra saída a não ser a demência”. Foi assim que a loucura ganhou aspecto de delírio ou paixão avassaladora, expresso nos movimentos literários, principalmente com Shakespeare e Cervantes. A ilusão da loucura vai, aos poucos, ofuscando a razão. O início trágico da loucura perdeu a sua força e deu lugar ao seu leve desprezo e sua fuga aos mares.
Com a passagem da modernidade, deu-se lugar às internações. O louco passou a escandalizar a sociedade, pois agora esta buscava a verdade racional. Essa nova concepção da doença mental trouxe a ideia de incapacidade dos insanos a uma integração à sociedade. A internação passou a ser uma medida econômica e social.
A internação é uma criação institucional criada no século XVII. Não pode ser comparada com a prisão da Idade Média, pois aquela surgiu como uma medida econômica e precaução social, no momento em que a doença mental é percebida como incapacidade para o trabalho, impossibilidade de se integrar na sociedade, despontando na pobreza, ou seja, passa a ser inserida nos problemas da cidade. Nesse período, as causas da loucura foram catalogadas sem organização. Até mesmo as fases da lua foram ditas que influenciavam o sistema nervoso, alterando a agitação dos loucos. A paixão também estava bem próxima do corpo e da alma e, por isso, também era uma causa da loucura.
O louco era visto como uma ferida, um mal-estar na sociedade burguesa, por isso era necessário eliminar essas pessoas não sociáveis. “O internamento seria assim a eliminação espontânea dos ‘a-sociais’.” (1995, p. 82). Passou-se a exigir asilos, prisões, hospícios e hospitais para que se concretizasse o sonho da burguesia de sociedade, excluindo-se os que eram considerados insanos. Os “a-sociais” passam a sofrer discriminação, e sua exclusão constrói um ciclo vicioso na história. Vários os discursos defendem essa exclusão, afirmando ser para o bem e a segurança da sociedade, pois não há capacidade de observá-los.
Quem não cumprisse as ordens disciplinares (doentes mentais, homossexuais, doentes venéreos, dentre outros), deveria sofrer a necessária correção. Surge todo um conjunto de coações, regras e contratos, inclusos num sistema correcional. Aquele que não respeita as ordens sociais é colocado em internações, simplesmente para não deixar estes indivíduos vagarem livremente pelas ruas da cidade. Essas instituições apenas visam impedir a mendicância e a ociosidade, uma vez que estas são, supostamente, as fontes da desordem.
Certo é que, em todo momento da história, o doente mental se vê em uma situação que o exclui. Contudo, a simples exclusão não traria o domínio do louco, de modo que as embarcações e o internamento não trazem uma defesa moral e normativa. Passou a ser necessário transformar o doente mental em objeto e sua loucura em alvo.
A partir do século XVIII, a loucura não está mais ligada à razão e, por esse motivo, o homem deixou de se comunicar com o louco. A prática da Medicina é realizada por curandeiros, monges, religiosos, boticários, e até mesmo charlatões, ou seja, quem não possuía conhecimento verdadeiro das doenças.
A ciência transformou a insanidade em uma patologia; o louco não percebia o verdadeiro, a essência das coisas. A exclusão territorial foi substituída pela exclusão lógica. Para ser cidadão, o doente mental possui somente duas opções: andar pelos mares ou ser confinado. Assim, havia uma exclusão topográfica, lógica e política.
O hospital se apresentava como um meio de exclusão social, onde os loucos eram internados, além de prostituas, leprosos, criminosos, etc. Lá as pessoas eram “docilizadas”, disciplinadas, controladas constantemente. Atualmente, a coerção física e os maus-tratos contra a loucura estavam mais camuflados, mas o conceito social que essa época trouxe de que a loucura deve ser dominada, persiste e traspassa a nossa sociedade até os dias de hoje.
No fim do século XVIII, havia 126 (cento e vinte e seis) casas de internação na Inglaterra. Anos depois, elas se espalharam por toda a Europa. A própria sociedade passou a isolar os loucos, excluindo-os e lhes atribuindo uma nova pátria. O internamento aparecia como algo desumano, pois os doentes mentais não podiam responder por si mesmos, uma vez que, por serem insanos, não tinham consciências dos seus atos; eram predestinados.
No século XVIII, espalhou-se a notícia de que um mal ameaçava as cidades, o que causava bastante medo nas pessoas. As casas de internamento foram construídas onde antigamente estavam os leprosários e, assim, a lepra contagiou a todos com seu mal. Acreditava-se que o contágio da doença ocorria pelo ar e, como todos respiravam o mesmo ar, todos estavam ameaçados. Diante disso, é fácil entender o lugar que a loucura passou a ocupar na Idade Moderna, sendo o papel do médico proteger as pessoas que estavam livres do internamento.
Inúmeras manufaturas se fecharam, muitos desempregados surgiram, e o século XVIII entrou em crise. Fora da crise, a internação era uma forma de dar trabalho a quem estava preso, mas, na crise, a internação protegia a sociedade contra a agitação decorrente do desemprego. Sempre que surgia uma crise econômica, as casas de internamento se enchiam e voltavam a ter sua significação original. Ao longo do século XVIII, foram feitos protestos pela defesa dos insanos e suas condições de vida dentro dessas casas.
As casas de internamento desapareceram no início do século XIX. O real objetivo das casas passou a ser o de recepção de indigentes e prisão da miséria. Nesse século, os doentes mentais ocuparam os lugares antes ocupados pelos vagabundos e miseráveis, e passaram a ser submetidos a trabalhos obrigatórios. A diferença daqueles para estes é a incapacidade dos insanos de seguir os ritmos da vida coletiva.
O manicômio surgiu após a obra de Pinel (1745-1826). Pinel acabou com a demonização da loucura, e passou a considerá-la como doença mental. A partir de então, o louco necessitava de cuidados, remédios e apoio. O século XIX passou a ser considerado o século dos manicômios, em decorrência da quantidade de hospitais que foram construídos e destinados aos doentes mentais. Para justificar a quantidade de internações, surgiu uma variedade de diagnósticos para a loucura.
As classificações da loucura se multiplicaram, sendo feitas através de imagens, isto é, por intermédio das manifestações da loucura. Mas isso nem sempre representava a realidade, uma vez que também importava a origem e significação dessas manifestações. Segundo Foucault (1995, p. 190), uma classificação deveria questionar apenas as doenças do espírito. Arnould (apud Foucault, p. 191) fala de uma loucura que incide sobre as ideias e seu conteúdo, e uma outra loucura que incide sobre o trabalho reflexivo que elabora as ideias. Esta classificação parte de poderes do espírito para chegar às caracterizações morais.
As classificações que buscavam encontrar formas de loucura identificaram apenas deformações da vida moral. A noção patológica de doença se alterou para uma noção crítica. Até o início do século XIX, as formas de loucura não se alteraram, o que de fato mudavam era o seu nome e sua divisão. A medicina psiquiátrica cresceu, tendo o manicômio como seu núcleo gerador. Ao invés de um lugar de enclausuramento, o manicômio passou a ser instrumento de cura.
Conforme Foucault (1995) “o conceito de loucura não existiu sempre, mas começou a se estruturar a partir do momento em que se criou a distância entre razão e não razão”. Considerando a loucura ao longo da história, percebe-se que o louco sempre esteve desprovido da sua voz para o discurso, excluído do saber. Portanto, é necessária a luta para a liberdade do doente mental.
3. MEDIDA DE SEGURANÇA: PRINCÍPIOS, LEGALIDADE E GARANTISMO
No ordenamento jurídico brasileiro, há duas espécies de sanção penal: as penas e a medida de segurança. Para Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 843), são quatro as diferenças entre essas duas sanções: a) a pena possui caráter retributivo-preventivo; a medida de segurança tem natureza eminentemente preventiva; b) o fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança possui o fundamento exclusivo de periculosidade; c) as penas são determinadas, enquanto as medidas de segurança são por tempo indeterminado, findando quando cessar a periculosidade do agente; e d) as penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis, e as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis e, em casos excepcionais aos semi-imputáveis, caso estes necessitem de tratamento especial.
O instituto da medida de segurança surgiu como sanção penal devido à evolução dos estudos dos transtornos mentais, ou seja, é resultado da Psiquiatria Forense. Quando conjecturou-se a noção de inimputabilidade, nasceu a ideia de injustiça da punição igual para todos. Assim, a sanção para os inimputáveis deixou de ser a pena e passou a ser a medida de segurança.
Foi o Código Penal Brasileiro de 1940 que instituiu a aplicação da medida de segurança. No início, o sistema adotado foi o duplo binário, conhecido pela expressão pena+medida de segurança. Nesse sistema, a medida de segurança poderia ser aplicada concomitante à pena. Punia-se o agente não pelo que ele fez, mas sim pelo que ele era, conforme a gravidade do crime e a periculosidade do agente.
No ano de 1969, o anteprojeto criminal de Nelson Hungria foi convertido em lei penal, por meio do Decreto-Lei 1.004. As medidas de segurança foram então classificadas em detentivas e não detentivas, sendo acrescentados a estas a interdição do exercício da profissão e a cassação de licença para direção de veículos motorizados. Contudo, a mudança mais importante foi a adoção do sistema vicariante na aplicação da medida de segurança, ficando proibida a cumulação das sanções detentivas. No caso concreto, caso restasse comprovada a imputabilidade do agente, seria aplicada a pena, como sanção. Se o indivíduo fosse considerado inimputável, seria aplicada a medida de segurança. Caso fosse o agente considerado semi-imputável, cabia ao juiz optar entre a aplicação da pena ou da medida de segurança. Portanto, enquanto o embasamento para a aplicação da pena é a culpabilidade, para a medida de segurança o fundamento é a periculosidade aliada à inimputabilidade do indivíduo.
O Brasil é um Estado Constitucional Democrático de Direito e, por esse motivo, as garantias e princípios constitucionais a serem aplicados na medida de segurança devem ser os mesmos que fundamentam a aplicação da sanção penal. O principal princípio aplicado a ela deve ser o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, e no art. 2º, do Código Penal, pois as medidas devem ser limitadas para que o doente mental não fique em pior condição do que o mentalmente são que comete o mesmo delito. Este princípio impede que o juiz, por seu arbítrio, imponha medidas não expressamente previstas em lei. É ele o principal limite imposto pelas exigências do Estado de Direito ao exercício da potestade punitiva.
Também vigem, quanto à aplicação da medida de segurança, o princípio da anterioridade legal e da retroatividade da lei mais benigna, previstos, respectivamente, no art. 1º, do Código Penal Brasileiro e no art. 5º, XL, da Constituição Federal. Do mesmo modo, há o princípio da jurisdicilidade, para garantir que todas as espécies de medida de segurança tenham sua aplicação determinada por autoridade judiciária.
Há o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 59, do Código Penal, para evitar que a medida de segurança possa resultar em um meio desproporcionalmente grave em comparação com sua utilidade preventiva. Este princípio busca corresponder a pena ao delito praticado, no caso concreto. Determina a existência de uma correspondência entre a gravidade do delito praticado e a duração da medida de segurança. Igualmente ocorre o princípio da igualdade, pelo qual o valor da pessoa deve ser ressaltado.
Por último, é válido ressaltar os princípios da humanidade, encontrado no art. 1º, da Constituição Federal, e da intervenção mínima, previsto no art. 8º, da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789. Daquele podemos extrair que as medidas de segurança devem ser executadas com o máximo respeito à dignidade da pessoa humana, pois o homem não deve ser tratado como uma “coisa”, mas sim como “pessoa”. Em verdade, este princípio deve estar presente em todas as fases do processo penal, e não apenas na aplicação da medida de segurança. Esse princípio exige que as autoridades administrativas confiram ao enfermo mental condições mínimas de tratamento. Quanto ao segundo, denota-se que a duração da medida deve ser indispensável para eliminar a periculosidade criminal do cidadão. Este princípio diz que o direito penal deve ser usado apenas quando e na medida do estritamente necessário. Assim, dentre as soluções alternativas deve-se escolher aquela que ocasionar menor intervenção possível.
Para que um réu seja absolvido por inimputabilidade e a medida de segurança seja aplicada, é indispensável o pressuposto de que ele tenha praticado um fato típico ilícito punível, não bastando, tão somente, a comprovação da doença mental. Assim, para que determinado crime possa ser imputado a um sujeito e para que ele seja responsabilizado penalmente, são necessários três critérios: nexo causal entre o agente e o crime praticado; no momento da ação, o indivíduo deve ter entendimento da ilicitude do fato; e, à época do fato, ele tem eu poder escolher praticá-lo ou não.
Desse modo antes mesmo de abranger a culpabilidade, a sentença deve apreciar a existência do fato típico, sua autoria e a ocorrência ou não de alguma cláusula excludente de ilicitude do fato. Portanto, a imputabilidade baseia-se em dois pressupostos: entendimento da ilicitude do fato praticado e capacidade do indivíduo de possuir o completo livre-arbítrio.
A medida de segurança tem natureza eminentemente preventiva, tendo por finalidade a cura ou tratamento daquele que praticou um fato típico e ilícito. Sua “preventividade compreende o efeito dissuasório mediato, conseguido por meio de instrumentos não-penais, alterando o cenário criminal: o espaço físico, atitudes do enfermo, rendimento do sistema legal, entre outros” (MOLINA, 2003, p. 397). A atual preventividade, de acordo com a moderna criminologia, compreende o lado humano, a aflitividade, os elevados custos pessoais e sociais do problema, porque ressocializar um delinquente com doença mental, reparar o dano causa e prevenir o crime são os objetivos primordiais, com foco sempre nas exigências em conformidade com um Estado Democrático de Direito.
Desse modo, a restrição da liberdade de uma pessoa respaldadas em dogmas de anormalidade e natureza patológica e disfuncional em prol de políticas criminais agressivas e maximalistas, em nada aproveita ao processo de ressocialização desse delinquente enfermo. Portanto, a real finalidade da medida de segurança deveria ser a reintegração social de um indivíduo considerado perigoso para a própria sociedade.
Para a aplicação de uma pena, o principal fundamento é a culpabilidade. Já a medida de segurança tem por fundamento a periculosidade. Periculosidade “é um estado absurdamente subjetivo, mais ou menos duradouro de anti-sociabilidade, tendo por base a anamolia psíquica do agente e sendo sugerida atenção especial médico-psicológica e psicopedagógica” (2012, P. 702).
Em suma, é um conjunto de características pessoais e sociais do indivíduo, avaliado através de vários parâmetros, e não somente vinculado somente à gravidade da doença mental. A periculosidade não pode ser tida como um traço constante, devendo ser analisada por meio de elementos pessoais, ambientais e sociais, pois o quadro do enfermo mental pode evoluir e se agravar e a periculosidade diminuir.
A periculosidade pode ser presumida ou real. Quando a lei estabelece que naquela hipótese o indivíduo é considerado perigoso, sem que seja necessário averiguar a sua periculosidade, diz-se que a periculosidade é presumida. No ordenamento jurídico brasileiro está previsto em relação aos inimputáveis, no art. 26 c/c art. 97, do Código Penal. Já quando é realizada a averiguação da periculosidade, é a periculosidade real, que, no Brasil, é em relação aos semi-imputáveis, com previsão no art. 26, parágrafo único, do Código Penal.
A inimputabilidade é a incapacidade do agente apreciar o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com essa apreciação. Não é um pressuposto da culpabilidade, mas sim integrante desta. O inimputável, seja por maturidade insuficiente, seja por sofrer graves alterações psíquicas, não pode ser considerado culpado e, portanto, não pode ser responsabilizado penalmente, ainda que o fato seja típico e ilícito.
No Direito Penal Brasileiro, são causas de inimputabilidade: a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto e retardado, a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Já os tipos de periculosidade, para o nosso ordenamento jurídico, são dois: a presumida, caso o sujeito seja inimputável, e a real (ou judicial), quando o réu for semi-imputável. Caso este precise de tratamento especial, o juiz deve efetivamente constar e fundamentar sua decisão. Neste sentido, a periculosidade “é o simples perigo para os outros ou para si próprio, e não o conceito de perigosidade, limitado à probabilidade da prática de crimes” (2011, p. 815).
De acordo com a classificação de doenças mentais, as principais doenças são cinco: a oligofrenia, a epilepsia, a neurose, a psicopatia e a psicose Dentro delas há diversas ramificações.
O oligofrenia incorpora vários estados de parada de desenvolvimento mental, decorrentes de causas anteriores à evolução das faculdades psíquicas. Nela há insuficiência mental. Pode ser subdividida em: idiotice (forma mais enfática. Equivale à inteligência de uma criança de até 03 anos de idade; imbecibilidade (equivale à inteligência de uma criança entre 03 e 07 anos de idade); e a debilidade (equivalente à inteligência de uma criança de 07 a 12 anos de idade).
A epilepsia é uma disposição psíquica anormal. Tem momentos de perda do conhecimento, que ocorre por um hiato mental. Já os neuróticos não se adaptam à realidade, pois regridem à infância. Não conseguem controlar seus impulsos.
Na psicopatia há um distúrbio que se manifesta no campo emotivo e no campo da personalidade. Os psicopatas são instáveis e hostis ao meio, além de não possuírem escrúpulos. Possuem um padrão intelectual de médio a elevado. São desprovidos de qualquer sentimento social e ético.
As psicoses são enfermidades psíquicas em sentido estrito, isto é, são a própria demência. Existem diversos tipos de psicoses. Elas são dividias em dois grupos: exógenas (de fora do organismo) e as endógenas (vêm de dentro do organismo).
Para Guilherme Nucci (2009, p. 276), são exemplos de doenças mentais:
“Epilepsia (acessos convulsivos ou fenômenos puramente cerebrais, com diminuição da consciência, quando o enfermo realiza ações criminosas automáticas; diminuição da consciência chama-se ‘estado crepuscular’); histeria (desagregação da consciência, com impedimento ao desenvolvimento de concepções próprias, terminando por falsear a verdade, mentindo, caluniando e agindo por impulso); neurastema (fadiga de caráter psíquico, com manifesta irritabilidade e alteração de humor); psicose maníaco-depressiva (vida desregrada, mudando de humor e caráter alternativamente, tornando-se capaz de ações cruéis com detrimento patente das emoções); melancolia (doença dos sentimentos que faz o enfermo olvidar a própria personalidade, os negócios, a família, as amizades); paranoia (doença de manifestações multiformes, normalmente comporta por um delírio de perseguição, sendo primordialmente intelectual; pode matar acreditando estar em legítima defesa); alcoolismo (doença que termina por rebaixar a personalidade, com frequentes ilusões e delírios de perseguição); esquizofrenia (perda do senso de realidade, havendo a nítida apatia, com constante isolamento; pede-se o elemento afetivo, existindo introspecção não diferencia realidade e fantasia); demência (estado de enfraquecimento mental, impossível de remediar, que desagrega a personalidade) psicose carcerária (a mudança de ambiente faz surgir uma espécie de psicose); senilidade (modalidade de psicose, surgida na velhice, com progressivo empobrecimento intelectual, ideias delirantes e alucinações)”.
Nesse rol de doenças mentais estão todas as alterações mentais ou psíquicas que eliminam do ser humano a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento.
O problema de se utilizar a periculosidade como pressuposto para a aplicação da medida de segurança é que se prioriza o risco do indivíduo para a sociedade, e não o tratamento específico da doença mental do indivíduo. O diagnóstico específico e o tratamento necessário ao caso concreto não têm sido fatores determinantes para a escolha da medida de segurança a ser aplicada. Tem-se colocado o interesse social em detrimento do regime terapêutico necessário para o indivíduo. Atualmente, constatada a inimputabilidade do agente na prática de um delito, o mesmo não recebe pena, mas sim medida de segurança.
As medidas de segurança são tipos penais de caráter punitivo. São duas as espécies de medidas de segurança previstas no Código Penal: a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado” e a “sujeição a tratamento ambulatorial” (art. 96, I e II). O critério para a escolha da espécie de medida de segurança a ser aplicada no caso concreto não é o fato de ser o agente inimputável ou semi-imputável, mas sim a natureza da pena privativa de liberdade a ser aplicada.
O art. 99 do mesmo diploma legal afirma que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. Este dispositivo veda a possibilidade de que o portador de transtorno mental submetido à medida de segurança seja internado num estabelecimento penal comum. Nos termos do art. 97, quando o agente for inimputável o juiz determinará a sua internação, contudo, quando o crime for punível com detenção, é facultado ao juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. O tratamento ambulatorial pode ser substituído por internação hospitalar, em qualquer tempo, caso exista a necessidade para o indivíduo.
Apesar da lei penal se referir ao tratamento ambulatorial somente para as hipóteses de fatos puníveis com pena de detenção, há divergência acerca da possibilidade de aplicação do tratamento ambulatorial quando o crime for punível com reclusão. Vejamos:
“Nos casos de inimputabilidade do autor do fato típico apenado com reclusão deve ser aplicada a medida de segurança de internação” (STJ, AgRg no REsp 141334/MG, 5ª Turma, julgado: 16/06/2015).
“Execução. Condenação a pena de reclusão, em regime aberto. Semi-imputabilidade. Medida de segurança. Internação. Alteração para tratamento ambulatorial. Possibilidade. Recomendação do laudo médico. Inteligência do art. 26, caput e § 1º do Código Penal. Necessidade de consideração do propósito terapêutico da medida no contexto da reforma psiquiátrica. Ordem concedida. Em casos excepcionais, admite-se a substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial quando a pena estabelecida para o tipo é a reclusão, notadamente quando manifesta a desnecessidade da internação” (STF-HC 85401, 2ª Turma, julgado: 04/12/2009).
Nos termos do art. 319, inciso VII, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, há a previsão de medida cautelar diversa da prisão a internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração.
A medida de segurança permanece enquanto continuar a periculosidade. A periculosidade aqui é o simples perigo para os outros ou para a própria pessoa, não o conceito de periculosidade penal, o qual é limitado simplesmente à probabilidade da prática de delitos. A averiguação daquela periculosidade é realizada por perícia médica e, por esse motivo, pode o juiz ser influenciado pela opinião técnica dos médicos. Em princípio, o juiz estabelece o prazo mínimo de duração da medida de segurança, entre um e três anos. Findo o prazo mínimo, deverá ser realizada a perícia médica. Caso a perícia médica não conclua pelo término da periculosidade, a perícia terá que ser repetida anualmente, ressalvada a hipótese do juiz fixar um prazo menor.
O fim da medida de segurança é decidido pelo juiz da execução, de modo condicional, por um ano. Contudo, caso antes de um ano o agente “pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade”, a medida de segurança deve ser restabelecida, conforme previsão do art. 97, § 3º, do Código Penal. Dispõe o § 4º do mesmo diploma legal que “em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos”.