O CONTRATO DE ADESÃO
Vivemos em uma Era moderna em que o consumo é feito de forma massificada. No Brasil, a Revolução Industrial teve início no Século XX, mais precisamente durante o governo de Getúlio Vargas.
A centralização do poder no Estado Novo criou condições para que se iniciasse um trabalho de coordenação e planejamento econômico e isso alavancou o desenvolvimento nacional, permitindo que o país acelerasse seu processo de industrialização.
Dentre as consequências deste processo, houve a diminuição do trabalho artesanal, aumento da produção de mercadorias manufaturadas em máquinas (produção em série), criação de grandes empresas com a utilização em massa de trabalhadores assalariados e o aumento da produção de mercadorias em menos tempo.
Esta evolução tornou necessário o implemento de uma padronização contratual para se adequar ao novo cenário econômico social.
Originalmente, a ideia de relação contratual é composta por partes que estejam em posição igualitária, de forma que as condições do negócio jurídico possam ser discutidas e definidas de acordo a vontade de ambas. Assim, cláusula por cláusula, tudo seria estabelecido em consenso.
Obviamente, este modelo de negócio jurídico não é compatível com os mercados de consumo e crédito atuais, que necessitam de rapidez e eficiência para lidar com milhões de operações diariamente. Assim surgiu a necessidade do contrato de Adesão.
Na visão da jurista Cláudia Lima Marques, contrato de adesão é:
“Aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne verietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito”.
Destarte, deixa-se de lado a formação contratual feita de forma bilateral e o consumidor simplesmente adere ás clausulas que foram previamente elaboradas exclusivamente pelo banco.
O contrato de adesão é amplamente utilizado nas operações bancárias, e no empréstimo consignado não é diferente. Ao realizar o pedido do crédito, o consumidor ou adere ou rejeita o contrato integralmente, não havendo discussão. O CDC, mesmo impondo restrições, aceita o contrato de adesão como meio hábil para efetivar as relações de consumo e dedica um capítulo especial ao contrato de adesão e seu conceito em seu artigo 54:
“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”
Além disso, lhe impõe forma especial conforme disposto nos parágrafos 3° e 4° do mesmo artigo:
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Importante atentar também ao que dispõe o Código Civil sobre o contrato de adesão em seu capítulo V, em dois artigos sequenciais:
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Todos estes dispositivos legais buscam proteger a posição do consumidor, ora aderente, levando em conta que este não participou da constituição contratual, o que lhe torna vulnerável. O papel do beneficiário, no que tange à vontade sobre todas as cláusulas do contrato de adesão, é ínfimo e o fato de existirem campos para preenchimento de dados pessoais, ou até para assinalar opções de negócio, não afasta seu caráter unilateral.
O CDC não permite que sejam utilizadas palavras e expressões difíceis, termos técnicos, fórmulas matemáticas ou letras miúdas, pois o contrato deve ser redigido de maneira que todos possam compreender, do leigo ao perito. Logo, o contrato deve ser cognoscível e não pode gerar dúvidas ou ambiguidades.
No caso de existirem cláusulas que possam limitar o direito do consumidor, estas devem receber destaque e estar em negrito e letras maiúsculas, para que chame a atenção do beneficiário, ora consumidor, para seu teor e relevância. Esta regra é de observância e aplicação nos contratos que tem por objeto a concessão de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS.
Caso as cláusulas do contrato de adesão firam tais dispositivos legais, estas poderão ser desconsideradas no julgamento de eventual lide judicial, pois tem natureza abusiva.
CLÁUSULAS E PRÁTICAS ABUSIVAS
A nossa Constituição Federal, em seu artigo 5°, caput, afirma que todos são iguais perante a Lei, todavia, o Código de Defesa do Consumidor tem como princípio assegurar a igualdade material e praticar a desigualdade jurídica para os que de fato são desiguais, visando a garantir uma real igualdade.
Neste sentido, temos a lição de Pedro Lenza:
“O art. 5º, caput, consagra que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei”
Dessa forma, embora o dispositivo constitucional preceitue que todos são iguais perante a lei, para se garantir paridade entre pessoas físicas, e, principalmente, entre pessoas físicas e pessoas jurídicas, a distinção é medida de rigor.
O CDC em seu artigo 6°, inciso IV, preceitua que é direito básico do consumidor a proteção contra cláusulas abusivas que sejam impostas no fornecimento de produtos e serviços.
A abusividade situa-se perante o desrespeito ao direito do que possui menos poder, em regra, o aderente, pela falta dos princípios contratuais.
Não raramente os bancos incluem em seus contratos cláusulas consideradas abusivas pelos órgãos de proteção ao consumidor e ao fazê-lo, abusam da relação contratual expondo o beneficiário a prejuízo exagerado frente aos seus próprios interesses corporativos.
Prática abusiva é aquela que está em desacordo com o padrão de boa conduta frente ao consumidor e ocorre, por exemplo, na fase pré-contratual, quando o banco se prevalece da fraqueza ou ignorância do beneficiário, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Tal postura é imoral, antiética e fere diretamente o direito do consumidor aposentado e pensionista do INSS.
Nesta toada, apesar do acompanhamento feito por entidades como o Ministério Público, Procon, Banco Central, além do próprio órgão pagador, não são raros os casos onde o consumidor se vê em excessiva desvantagem.
Cláusulas que transferem a responsabilidade do banco com terceiros ao consumidor, determinam a utilização obrigatória de arbitragem, autorizam o banco a alterar unilateralmente o conteúdo do contrato após sua celebração e autorizam descontos em conta bancária são as preferidas das instituições financeiras e os dois últimos casos merecem especial atenção.
Em seu artigo 51, o CDC apresenta um rol exemplificativo de cláusulas abusivas e prescreve que são “nulas de pleno direito, entre outras”. Os bancos que praticarem atos abusivos estão sujeitos a sanções administrativas e penais, cabendo dever de reparar e indenizar, inclusive na esfera moral, caso os danos a esta tenham atingido.
DA REVISÃO CONTRATUAL
No âmbito do crédito consignado, mesmo com a existência de proteção legal através da limitação para o desconto em folha de 30% para empréstimos e 5% de margem exclusiva para cartão de crédito, muitas são as insatistações dos contratantes e não são rarar as ações revisionais movidas por aposentados e pensionistas do INSS.
As reclamações atuais mais comuns estão relacionadas a onerosidade excessiva dos contratos de adesão de cartão de crédito devido a ocorrência de anatocismo (juros sobre juros).
Na prática, o consumidor aposentado ou pensionista não é informado, ou não lhe é bem explicado que o valor do saque que fará, é proveniente do limite de um cartão de crédito e, mesmo quando o banco deixa clara a natureza do produto, não passa ao consumidor a forma correta que este deverá realizar pagamento do saldo devedor, lhe deixando subentendido que basta que “parcela” desconte em sua folha de pagamento.
Eis o grande problema, como visto, o contrato de cartão de crédito consignado em muito se assemelha aos cartões de crédito comuns. Logo,ao pensar que está adimplente com sua “parcela” de empréstimo, o beneficiário está, na verdade, pagando mensalmente o mínimo de seu cartão de crédito.
Em consequência, o banco acrescenta os juros sobre o saldo original e no mês seguinte, sobre o saldo já acrescido dos juros anteriores. O valor mínimo descontado não é suficiente frente a cobrança dos juros, que só tendem a crescer junto com o saldo devedor.
Tem-se, pois, uma dívida que pode ser infinita caso o beneficiário não quite, em algum momento, o saldo total ou ao menos realize pagamentos acima do valor mínimo.
Já com relação a mudanças unilaterais no teor do contrato, há casos em que o banco inclui cláusula de reserva para lhe assegurar o direito de mudar o valor e o prazo do desconto em folha em caso de queda de margem consignável e até mesmo de alterar a forma de pagamento para débito em conta corrente.
Em ambos os casos, manifesto é o desrespeito ao beneficiário, havendo clara afronta ao inciso XIII, do artigo 51 do CDC, e ainda, na segunda hipótese, ao descontar as parcelas em conta corrente, o banco não se atém ao limite máximo de 30% da renda.
Os descontos inesperados na conta corrente atingem subitamente a verba alimentar do beneficiário que com ela contava para suprir as suas necessidades e de sua família, referentes à alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.
O banco acaba por descontar o saldo devedor da conta corrente da forma que melhor o apraz, sem atender à preservação de um mínimo suficiente ao sustento do beneficiário e seus dependentes, ferindo assim o princípio da dignidade da pessoa humana.