JURISPRUDÊNCIA
De acordo com o cenário apresentado, faz se imprescindível a observação do resumo da ementa de algumas decisões dos tribunais sobre a matéria:
SÚMULA DO JULGAMENTO - RECURSO CÍVEL - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO COM PAGAMENTO CONSIGNADO EM FOLHA - VENDA CASADA DE CARTÃO DE CRÉDITO - COBRANÇA COMPLR POR BOLETO - AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO PRECISA AO CONSUMIDOR - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTID ... A disposição contratual, nos termos previstos, não é suficientemente clara e induz a erro o consumidor, notadamente aquele que não detém conhecimentos mais específicos para lidar com modalidade complexa de contrato como a do presente caso. É evidente que o recorrido não sabia que para firmar contrato de mútuo, deveria adquirir também um cartão de crédito para sacar a quantia emprestada, o que se constitui em venda casada, prática vedada pelo sistema jurídico. A inobservância do preceito contido no artigo 6º, III do Código de Defesa do Consumidor, por parte da recorrente, bem como a inexistência de cláusula contratual a autorizar, expressamente, a cobrança na forma de boleto bancário, conduzem à conclusão de que o consumidor poderia não aderir ao serviço proposto, caso soubesse da aquisição condicional do cartão e crédito e que deveria desembolsar quantia complementar, além daquela descontada diretamente de sua folha de pagamento. (TJ-MS - AC: 800461 MS 2010.800461-2, Relator: Juiz José Eduardo Neder Meneghelli, Data de Julgamento: 30/04/2010, 3ª Turma Recursal Mista).
No caso acima, a situação amolda-se perfeitamente ao que fora explicado. O consumidor não foi informado sobre a contratação de um cartão de crédito e pensava tratar-se de um empréstimo consignado comum. Vejamos outras decisões:
PRIMEIRA TURMA DO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS AUTOS Nº 317434-67 RECORRENTE: JAIR CORDEIRO DE ANDRADE RECORRIDO: BANCO BMG S.A. VOTO. Alegação da parte autora de que celebrou junto ao réu contrato de empréstimo consignado em folha; todavia, vem sofrendo descontos mensais em seu contracheque referente ao valor mínimo de um cartão de crédito. Afirma que jamais desejou realizar empréstimo atrelado a um cartão de crédito, pois desejou contratar um empréstimo com descontos mensais em valores fixos e com prazo de término, o que não está ocorrendo... Situação já conhecida desta Turma. Instituição financeira que, ao invés de efetuar um simples empréstimo consignado ao consumidor, celebra com este contrato de cartão de crédito e lança o débito diretamente na fatura de cartão de crédito. Prática comercial adotada que gera inequívoca vantagem para o fornecedor, uma vez que os juros do cartão de crédito são muito superiores aos praticados em empréstimos com desconto mediante consignação em folha de pagamento. Violação a transparência. Intenção clara da financeira em gerar dívida vitalícia em detrimento do consumidor. (TJ-RJ - RI: 03174346720138190001 RJ 0317434-67.2013.8.19.0001, Relator: RENATA GUARINO MARTINS, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: 29/09/2014 00:00).
RECURSO Nº: 0029090-51.2014.8.19.0004 RECORRENTE: FLORINDA NUNES PATTI RECORRIDO: BANCO BMG S.A. VOTO. Narra a parte autora, em síntese, que contratou um empréstimo consignado junto ao banco réu em 2011, e, posteriormente, descobriu que se tratava de um empréstimo por meio de cartão de crédito, onde os juros são muito maiores e sem prazo de término. Sustenta que jamais solicitou o envio de um cartão de crédito, e que vem recebendo faturas a ele referentes, apesar de nunca tê-lo utilizado. Alega tratar-se de venda casada... Instituição financeira que, ao invés de efetuar um simples empréstimo consignado ao consumidor, celebra com este contrato de cartão de crédito e lança o débito diretamente na fatura de cartão de crédito. Prática comercial adotada que gera inequívoca vantagem para o fornecedor... Nulidade do empréstimo contratado através de cartão de crédito. (TJ-RJ - RI: 00290905120148190004 RJ 0029090-51.2014.8.19.0004, Relator: PALOMA ROCHA DOUAT PESSANHA, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: 11/03/2015 00:00).
CONCLUSÃO
O surgimento do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS sem dúvidas gerou uma popularização do acesso aos financiamentos de longo prazo, principalmente para o público que possui restrições no nome junto aos órgãos de proteção ao crédito.
Esta conquista garantiu que os beneficiários pudessem contratar empréstimos com maior facilidade, e com condições e taxas de juros mais baixas.
Entretanto, tais facilidades merecem cautela, especialmente diante das características do contrato de adesão, que impõe a vontade unilateral dos bancos para a contratação em massa de um produto como o empréstimo consignado, com diversas modalidades e principalmente armadilhas para quem não é bem informado.
Caso as instituições financeiras, personificadas na em seus agentes de crédito, não primem pelo princípio da boa-fé objetiva para informar as particularidades de cada operação, inevitável será a violação de direitos consumeristas e comprometimento do bem-estar e dignidade da classe de aposentados e pensionistas.
Por outro lado, os aposentados e pensionistas devem ser diligentes e contratar empréstimos apenas em agências bancárias ou correspondentes autorizados para assim, tentar evitar locais pouco confiáveis.
Importante ressaltar que, embora a lei determine que o limite para contratação de empréstimos em folha de pagamento para os beneficiários do INSS é de 30%, mais 5% para limite de cartão de crédito, os bancos ainda ofertam a este público outras modalidades de crédito como o cheque especial e empréstimo com desconto direto em conta corrente, no cheque e também para pagamento em carnê.
Estes outros produtos não são enquadrados na limitação legal e boa parte também é vendida mediante a assinatura de contratos de adesão. Logo, o consumidor também deve ter consciência de sua condição financeira e possibilidade de pagamento para que não comprometa sua renda além do que pode suportar. A boa-fé deve ser dos dois lados.
Não se pode negar a importância da concessão do crédito consignado e da utilização do contrato de adesão como instrumento pactual em um mundo tão moderno.
Mas é necessário que exista transparência nas relações de consumo para que o beneficiário tenha a oportunidade de tomar conhecimento das condições do contrato de adesão em sua totalidade e dos efeitos reais que advirão da sua contratação.
REFERÊNCIAS
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MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010.
RODRIGUES, Silvio, Direito civil, vol. 3: Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 30ª ed. Atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n° 10.406, de 10-1-2012). - São Paulo: Saraiva, 2004.
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