A responsabilidade jurídico penal do psicopata sob a ótica da legislação brasileira

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4 PSICOPATIA

O psicopata é uma figura que atualmente mexe com o imaginário das pessoas. Muito se vê em filmes, séries e livros tal agente delinquindo, entretanto poucos sabem sobre sua origem, seu conceito e suas características. Nem sempre um criminoso é um psicopata e nem todo psicopata tem tendências criminosas. Não é fácil diagnosticar um psicopata, bem como não há tratamento para o seu transtorno, banalizando assim o famoso termo, onde tudo pode se referir a psicopatia e acaba infligindo a população insegurança.

O tema central desta monografia será abordado neste capitulo, onde procuraremos desmistificar o psicopata, trazendo luz também ao que diz a legislação brasileira a respeito desse agente.

4.1 Conceito

O Transtorno de Personalidade Antissocial é o nome técnico da psicopatia. A personalidade é o que nos difere de outras pessoas, ou seja, nossas vivencias e o meio em que vivemos, bem como os fatores hereditários, nos definem como um ser individual, nunca seremos iguais ao outro, mesmo que sejamos irmãos gêmeos, tenhamos a mesma criação, seremos diferentes individualmente.

O Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-IV-TR, 2003) da American Psychiatric Association refere-se a transtorno de personalidade quando traços significativos da personalidade do indivíduo o tornam inflexível ou desadaptado em diferentes ambientes ou situações. A personalidade é apenas parte de um complexo psíquico, descoberto por Freud. Para ele, o aparelho psíquico é dividido em três partes: id, ego e superego.[80]

O ID corresponde aos instintos e impulsos, sendo totalmente inconsciente. Ele é o lado irracional, ilógico e amoral. Consiste no conjunto de reações primitivas da personalidade, que compreende os esforços para conseguir satisfação biológica imediata, sem avaliar as consequências. Tenta impor seus desejos de satisfação imediata e irrestrita.[81]

O EGO media os impulsos do ID, tenta conciliar os esforços e demandas com as exigências da realidade, permitindo ao sujeito olhar-se a si próprio. O EGO apresenta uma função adaptativa e está presidido pelo princípio da realidade.[82]

O SUPEREGO é a expressão da interiorização das interdições e exigências da cultura e da moralidade, representada pelos pais. É nele que se inscreve a lei primária, que é interna e propicia a cada pessoa valorar o que é bom ou mau, certo ou errado. Formado pela vivencia da criança com seus pais, que passam a noção de lei, transgressão e culpa, bem como o afeto e carinho. Dentro da normalidade, o SUPEREGO tem uma função essencial, que é a de cuidado e proteção, mostrando ao EGO o que é moralmente aceitável ou perigoso a integridade da vida.[83]

Em suma, o Transtorno de Personalidade é um padrão persistente de vivência intima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento psíquico ou prejuízo ao funcionamento da personalidade.

Há vários tipos de transtorno de personalidade, segundo o CID 10 (Código Internacional de Doenças):

1 - Transtorno Paranoide: predomina a desconfiança, sensibilidade excessiva a contrariedades.[84] Esses indivíduos recusam qualquer responsabilidade por seus próprios sentimentos e atribuem a responsabilidade a outros. Costumam ser hostis, irritáveis e coléricos. [85]

2 - Transtorno Esquizoide: Predomina o desapego, ocorre desinteresse pelo contato social.[86] Os indivíduos com esse transtorno são vistos como excêntricos, isolados ou solitários. [87]

3 - Transtorno Antissocial: É um padrão persistente de desconsideração e violação dos direitos dos outros, podendo incluir comportamentos antissociais e delinquentes. Prevalece a indiferença pelos sentimentos alheios, podendo adotar comportamento cruel e baixo limiar para descarga de atos violentos.[88]Será destrinchado num próximo tópico.

4 - Transtorno Emocionalmente Instável: Marcado por manifestações impulsivas e imprevisíveis. Apresenta dois subtipos: impulsivo e borderline. O impulsivo é caracterizado pela instabilidade emocional e falta de controle dos impulsos. Já o borderline, além da instabilidade emocional, revela perturbações da autoimagem, com dificuldade de definir suas preferências pessoais, com consequente sentimento de vazio.[89]

5 - Transtorno Histriônico: Prevalece egocentrismo, a teatralidade e a superficialidade.[90] A personalidade exuberante, coexiste com uma incapacidade de manter relacionamentos de longa duração. [91]

6 - Transtorno Narcisista: É um modelo de grandiosidade, com excessiva necessidade por admiração, falta de empatia, reação inadequada a críticas, relacionamento explorador direcionado para satisfazer as necessidades de seu ego. Acreditam ser únicos de qualquer forma. [92]

7 - Transtorno Esquivo: Prevalece a sensibilidade excessiva a críticas,[93] com sentimentos de tensão e apreensão, com tendência a retraimento social por se sentir incapaz.

8 - Transtorno Dependente: É um padrão de comportamento submisso e aderente incapaz de tomar decisões sem aconselhamento e apoio, relacionado a uma necessidade excessiva de proteção e cuidados. Costumam subordinar suas próprias necessidades ás de outrem.[94]

Entretanto, para esta monografia, trataremos apenas do Transtorno de Personalidade Antissocial. Para melhor entendimento, "transtorno de personalidade antissocial", "psicopatia", "sociopatia", se referem ao mesmo transtorno.

4.1.2 Características do Psicopata

Conforme Jorge Trindade, esse transtorno, historicamente, foi conhecido por diferentes nomes: “A Insanidade Sem Delírio” (Pinel, 1806); “Insanidade Moral” (Prichard, 1837); “Delinquência Nata” (Lombroso, 1911), “Sociopatia” (Lykken, 1957) e atualmente, como Transtorno de Personalidade Antissocial.[95]

Para tanto, a psicopatia não é considerada uma doença mental, mas sim um desvio de personalidade, que assomado aos sintomas, nele se vê o total desvio da moral, total falta de afeto e nenhum remorso para com outros indivíduos. No seu universo, como foi citado no tópico acima, seu ID, prevalece por todo o seu mecanismo de consciência, pois o seu superego tem uma falha, tornando-o assim um ser desprovido de qualquer empatia.

Ana Beatriz Barbosa Silva, em sua obra “Mentes Perigosas - O Psicopata mora ao lado”, descreve perfeitamente o psicopata:

Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros "predadores sociais", em cujas veias e artérias corre um sangue gélido.[96]

O psicopata pode ser qualquer um, homem ou mulher, independe de raça, cor, religião ou status social. Literalmente, o psicopata pode morar ao lado. Mas, Jorge Trindade, cita em seu livro, que o Transtorno de Personalidade Antissocial é predominante em sujeitos do sexo masculino, é mais aparente no final da adolescência ou início da vida adulta, tendendo a ficar estável, por volta dos 40 anos.[97]

Diante de inúmeras características para o psicopata, chegou-se em consenso sobre as principais características da psicopatia, que giram em torno da personalidade:[98]

  • Relacionamento com os outros: Na relação interpessoal, costumam ser arrogantes, presunçosos, egoístas, dominantes, insensíveis, superficiais, manipuladores.
  • Afetividade: são incapazes de estabelecer vínculos profundos e duradouros com os outros; não possuem empatia, remorso ou sentimento de culpa.
  • Comportamento: São agressivos, impulsivos, irresponsáveis e violadores das convenções e das leis, agindo com desrespeito pelos direitos dos outros.[99]

Vale ressaltar, que nem todos os psicopatas são criminosos. Apresentamos aqui somente as características dos criminosos, que é o eixo deste trabalho.

Também, é de grande relevância ressaltar que este transtorno não é considerado uma doença mental, visto que o transtorno de personalidade antissocial está estritamente ligado com a personalidade, que é o déficit de controle de emoções ou de diferenciar o certo do errado.[100] Ana Beatriz, cita em seu livro o psiquiatra forense Robert Hare, que assim acrescenta acerca da personalidade do psicopata:

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os psicopatas têm total ciência dos seus atos (a parte cognitiva ou racional é perfeita), ou seja, sabem perfeitamente que estão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles (e é aí que mora o perigo) está no campo dos afetos e das emoções.[101]

Para um diagnóstico de psicopatia, o indivíduo precisa ter 18 anos completos, pois para nossa legislação, aqueles que tem menos de 18 anos não dispõe de formação completa da personalidade.[102]Entretanto, não os eximem de apresentar qualquer característica psicopática.

O instrumento mais adequado para avaliar a psicopatia e identificar fatores de risco de violência, é um teste chamado PCL-R (PsychopathyChecklist-Revised), criado por Robert Hare, psiquiatra canadense, ele levou em consideração as dezesseis características psicopáticas que o Dr. Hervey M. Cleckley traçou que definem o perfil psicopata[103], sendo eles:

Charme superficial e boa inteligência; Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; ausência de manifestações psiconeuróticas; falta de confiabilidade; insinceridade; falta de remorso ou vergonha; comportamento antissocial e inadequadamente motivado; julgamento pobre e dificuldade para aprender com experiência; egocentricidade patológica e incapacidade para amar; pobreza geral nas relações afetivas; especifica falta de insight; falta de responsividade na interpretação geral das relações interpessoais; comportamento fantástico com o uso de bebidas; raramente suscetível ao suicídio; interpessoal, trivial e pobre integração da vida sexual; e falha para seguir planejamento vital.[104]

Segundo explica Jorge Trindade, "o teste é usado em forma de escala usando as características de Cleckley, porem constam de vinte itens que são pontuados conforme a adaptação do indivíduo a cada traço. Cada item da escala é pontuado de acordo com uma escala numérica ordinal de três pontos, tendo em vista o grau em que o comportamento condiz com as descrições do item. Uma elevada pontuação no PCL-R sugere probabilidade elevada de reincidir na conduta criminosa, sendo que o ponto de corte para identificar psicopatia é tradicionalmente trinta pontos. Índices menores, entre quinze e vinte e nove, indicam "traços" sugestivos de personalidade psicopática.[105]

Para Jorge Trindade, a Escala de Hare é de grande valia para constituir uma ajuda técnica para que magistrados possam adotar medidas legais, com mais segurança em suas decisões.[106]

4.2 Psicopata e Doente Mental

Como aventado anteriormente, o psicopata ou a pessoa que possui transtorno de personalidade antissocial, possui total capacidade de entender o caráter delitivo de um crime, a falha está em sua personalidade, onde não há controle em seus instintos primitivos.

Portanto, não há que se falar que o psicopata é um doente mental, como exposto no tópico 2, sobre inimputabilidade, há um conceito que transcrevo, pois, melhor define doença mental, de Francieli Almeida apud Antonio Leiria: "a doença mental, para os efeitos da norma jurídica, apresenta-se como um estado morboso da psique, capaz de produzir profundas inibições na inteligência ou na vontade, no momento da ação ou da omissão".

Nesse sentindo, fica claro o que separa o Psicopata e o Doente Mental é a capacidade de entendimento do que é certo ou errado. O doente mental tem amparo no artigo 26 do Código Penal, entretanto o Psicopata por parte da doutrina é conhecido como fronteiriço ou semi-louco, está entre a loucura e a normalidade e pode ser amparado pelo mesmo artigo e ser internado por medida de segurança ou ser considerado imputável e sofrer sanção penal como a pena privativa de liberdade.

Pois bem, se o doente mental (em decorrência da sua doença ou aquilo que momentaneamente ou permanentemente o afetou) é internado por medida de segurança para um tratamento psiquiátrico, - porque ainda se considera a ressocialização do indivíduo -, o que é feito do psicopata, que pode ser considerado semi imputável? Ele não estigma os mesmos preceitos dos indivíduos imputáveis ou inimputáveis, pois as penas e castigos não o afetam. Tampouco é recomendado o uso de tratamento psicológico para eles. Jorge Trindade corrobora:

até o presente momento, a ciência não dispõe de um tratamento ótimo para controlar os psicopatas, prevalecendo a crença generalizada de que não há nada que se possa fazer para resolver definitivamente o problema.[107]

E ainda relata que algumas abordagens podem agravar a condição que se pretende melhorar, podendo fornecer ao indivíduo um aprimoramento em sua técnica de iludir, ludibriar e enganar.[108]

Arremata Trindade que os "psicopatas não aderem voluntariamente a nenhum tipo de tratamento e, se, quando o fazem, é apenas obter benefícios e vantagens secundárias", ficando claro o quanto é difícil para o Direito enquadrá-lo em qualquer sanção.

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Sobre as autoras
Gabrielle Dayane de Macedo Rangel

Graduada em Direito pela Universidade de Taubaté (2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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