O Congresso Nacional, nos estertores da sessão legislativa, está demonstrando uma agilidade fora do comum, certamente movido por interesses corporativistas de seus ilustres integrantes, produzindo instrumentos normativos com uma velocidade nunca antes vista.
Veremos em rápidas pinceladas as principais medidas aprovadas que poderão impactar a economia do País.
I - ELEVAÇÃO DOS SUBSÍDIOS DO STF
O Senado Federal aprovou recentemente com celeridade incomum o projeto legislativo relativo ao aumento dos subsídios dos Ministros do STF para 39,2 mil.
Nada temos contra os ilustres Ministros daquela Alta Corte de Justiça do País. Pessoalmente, entendo que eles devem perceber bem acima do novo subsídio fixado, considerando a relevância dos cargos que ocupam, bem como o regime de dedicação exclusiva da grande maioria de seus integrantes, a causar desgastes físico e mental para dar conta da quantidade enorme de processos que não para de crescer ao longo do tempo. Os experientes e cultos Ministros do STF, fora da judicatura, certamente, ganhariam muito mais do que os subsídios que percebem. Sabemos que um parecer jurídico simples de um jurista custa, no mínimo, 100 mil.
Aliás, o que ganham os Ministros do STF é muito pouco se comparados os seus subsídios com os vencimentos ganhos por alguns Desembargadores de determinados Estados da Federação, sempre com a denominação de “verbas atrasadas” que elevam a remuneração do mês para 60 mil, 80 mil ou 120 mil. Só que ninguém sabe e nem se descobre quando, como e onde tiveram início essas “verbas atrasadas” e quando elas terão um fim. Acrescente-se, ainda, os spreads, que percebem os Tribunais locais e regionais que administram os depósitos bancários para pagamento de precatórios [1]. Ninguém sabe a destinação final desses spreads, uma expressão do mercado financeiro. Sempre pensei, ingenuamente, que tudo que render por conta desses depósitos bancários pertenceria a precatoristas que aguardam na fila, desde 5 de outubro de 1988, quando acorreu o primeiro de uma série de calotes constitucionais de precatórios.
O grande problema da elevação dos subsídios dos Ministros está no efeito cascata desse aumento no momento em que o País se encontra em crise financeira, com um déficit primário de 126 bilhões e um déficit nominal de 562,8 bilhões e, ainda, com tendências ao crescimento desse endividamento, colocando em risco o nosso crescimento econômico, indispensável para atender à crescente demanda nos setores de serviços essenciais. Certamente, outras categorias pleitearão o mesmo benefício invocando, indevidamente, o princípio da isonomia, na verdade, inaplicável ao caso, pois situações desiguais não podem ser tratadas igualmente.
II - ALTERAÇÃO DA LRF
A LRF, Lei Complementar nº 101/2000, veio à luz para preservar a saúde financeira do Estado. Sabendo, que uma das grandes causas do desequilíbrio das contas públicas residia na expansão das despesas com pessoal, a LRF, em seu art. 19, estabeleceu limites máximos de comprometimento da receita líquida corrente de cada entidade política componente da Federação.
Para os municípios, ficou fixado o percentual de 60% de sua receita corrente líquida para prover as despesas com pessoal. E o art. 20 dividiu esse percentual da seguinte forma: a) 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; e b) 54% para o Executivo. Saliente-se que o limite de despesas por Poder foi considerado constitucional pelo STF.
Pois bem, a pretexto de que nos últimos anos os municípios entraram em crise financeira, a Câmara Federal aprovou o Projeto Legislativo que eleva esse percentual máximo de 60% da receita correta líquida para as despesas com pessoal, desde que comprovada a redução de receita da ordem de 10% de um exercício para outro.
Ora, exatamente para enfrentar essa situação enfocada pelos legisladores é que a LRF, em seus artigos 22 e 23, previu os mecanismos de contenção de despesas com pessoal a serem aplicados ao final de cada quadrimestre. Uma das medidas preconizadas envolve até demissão de servidores estáveis, em caso extremo.
O legislador, sem sequer investigar as causas da superação do limite de despesas com pessoal, acabou por propor alteração desse limite de 60% que, por si só, já é bastante exagerado.
Um bom governante jamais poderia comprometer as receitas públicas até o limite máximo previsto. Esse limite é para ser atingido tão somente em casos excepcionais, nunca de forma rotineira. Infelizmente, tudo tende a ser nivelado por cima, a exemplo do teto remuneratório. Nunca se pode perder de vista que os servidores públicos são meios para que o município atinja as finalidades públicas previstas na Constituição. Não são um fim em si mesmo. O município não existe para sustentar os burocratas que atrapalham a sadia administração pública. É chocante a ideia de que 60% da receita pública, em sua maioria, originária de tributos pagos pelos contribuintes com imensos sacrifícios, seja direcionada para despesas com a folha, ou seja, para a atividade-meio. Não é por acaso que a sabedoria popular cunhou a expressão: “o brasileiro trabalha para pagar a folha e os juros da dívida pública”.
Os mesmos legisladores que aprovaram a expansão dos limites máximos de despesas com pessoal, em face de diminuição de receitas dos municípios nos últimos anos, são os que estão discutindo, a toque de caixa, a proposta de Reforma Tributária que retira dos municípios o ISS, um imposto de maior arrecadação municipal, sem nada dar em troca. É óbvio e ululante a piora nas receitas dos municípios. Onde a coerência legislativa? Se esse projeto de reforma, que de simplificação só tem o nome, passar como apresentado, o limite de despesas com pessoal deverá ser alterado para próximo de 100% da receita corrente líquida dentro da lógica do raciocínio adotado pelos legisladores que aprovaram o aumento do limite de despesas com pessoal. Outra opção seria a exacerbação do IPTU, o protótipo do imposto que se presta a manobras insidiosas do legislador, por meio da invisível manipulação da base de cálculo inventada pelo PT e que ninguém mais consegue bani-la em nome da transparência tributária (art. 150, § 5º da CF).
A reforma tributária não pode ser considerada como uma panaceia para todos os males, conforme texto que escrevemos anteriormente. Não se faz uma reforma com vaidade para marcar passagem na história, mas, com verdade emanada da prática do dia a dia. A quantidade de tributos previstos na Constituição, por si só, em tempo algum constituiu-se no fator de complexidade ou de dubiedade. Para simplificar a legislação tributária tornando-a inteligível e de fácil operacionalização basta tão somente varrer o lixo autoritário amontoado pela legislação ordinária, resultante da ação nefasta de insensíveis burocratas incrustados no seio da administração pública. No âmbito do Município de São Paulo, por exemplo, os servidores burocratas operam diuturnamente com modificações de programas de computadores que os contribuintes devem acessar para cumprir suas obrigações tributárias principais e acessórias. Para prestar esclarecimentos específicos, onde o sistema informatizado mostra-se totalmente inoperante, o burocrata marca uma agenda com incrível espaçamento de tempo, quando deveria estar de plantão o dia inteiro para atender o cidadão-contribuinte que paga seus salários em vez de ficar curtindo o ócio. Esses burocratas não prestam contas a ninguém. Comportam-se como se estivessem sendo pagos para complicar a vida dos contribuintes, sempre agindo com inusitado sadismo burocrático. No meu tempo de Prefeitura não era assim. Pelo menos os que trabalhavam sob o meu comando tinham que prestar bons serviços ao público e no devido tempo. Fila no setor de atendimento ao público não era tolerada! nem pilhas de processos intocados por meses a fio!
Quem desconhece essa realidade não deveria agitar a bandeira da reforma tributária para simplificar. Aliás, essa proposta de reforma em discussão no Congresso Nacional, no final da sessão legislativa em que 2/3 de seus membros foram banidos pela soberania popular, tem tudo para simplificar a forma de complicar por atacado todo o Sistema Tributário vigente. Para aperfeiçoar o Sistema Tributário Nacional esculpido pelo legislador constituinte bastaria tão só algumas reformas pontuais, como proibir o uso de medida provisória e matéria tributária; vedar o efeito modulatório na área tributária; submeter à lei complementar a definição de fato gerador de contribuição social; proibir a tributação por dentro; expurgar do texto constitucional normas que não se revestem de natureza constitucional como, por exemplo, o § 7º, do art. 150 da CF etc. Isso sim, seria simplificar, não essa proposta que mistura em um enorme balaio cobras e lagartos e alguns batráquios.
III - OS LEGISLADORES EM FINAL DE MANDATO (2/3 DELES) APROVARAM A FIXAÇÃO DA MULTA EQUIVALENTE A 50% DOS VALORES PAGOS PELOS COMPROMISSÁRIOS COMPRADORES DE IMÓVEIS EM CASO DE DESISTÊNCIA
Pela sistemática atual esse percentual de multa vem sendo fixado pelo Poder Judiciário mediante exame de cada caso concreto situando-se em torno de 10% a 20% do valor das prestações pagas, tendo em vista o espírito que norteou a elaboração do Código de Defesa do Consumidor que não tolera obrigações iníquas ou abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
Com essa medida legislativa aprovada pela Câmara dos Deputados o Código de Defesa do Consumidor foi esvaziado em sua função de proteger os direitos do consumidor, assumindo a característica de um Código de Defesa da Construção Civil para socorrer o setor, neste momento de crise econômica.
Trata-se de uma visão parcial e unilateral de um fenômeno bem mais amplo.
A crise econômica atingiu, não apenas o setor da construção civil, mas os setores comerciais, industriais e de serviços, causando um desemprego da ordem de 13 milhões de pessoas. Consequentemente, atingiu em cheio os consumidores que perderam o seu poder aquisitivo.
Mas, os legisladores movidos por interesses corporativistas, alheios ao sofrimento de milhares de consumidores, aproveitaram a situação de inadimplência para impor a exagerada multa de 50%. Isso é vestir alguns santos e desvestir milhares.
Essa criação legislativa não tem impacto direto no plano do futuro governo, como as duas primeiras medidas retro referidas, mas trará reflexos negativos na ordem social que está atrelada à ordem econômica.
IV – OUTROS PROJETOS DE IMPACTOS ECONÔMICOS ESTÃO NA PAUTA
A Câmara dos Deputados está preparando as votações de outros pacotes legislativos que poderão impactar as finanças públicas no próximo governo causando rombos bilionários:
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Parcelamento dos débitos do Funrural, projeto apoiado pela bancada ruralista, com um custo estimado de 34 bilhões;
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Prorrogação dos benefícios fiscais do Sudene e do Sudam e extensão do benefício para o Sudeco, conforme quer o Senador Eunício de Oliveira em fim de mandato, sem renovação. Vai custar ao Tesouro cerca de 9,3 bilhões;
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Na MP que prevê a repartição dos recursos do fundo social do pré-sal entre Estados e Municípios a bancada mineira conseguiu meter um jabuti que vai custar 4 bilhões aos cofres da União para anistiar a Cemig.
É claro que, com a aprovação de medidas legislativas da espécie, não restará outra opção ao novo governo, contra sua vontade, senão elevar a carga tributária que espantará ainda mais os investidores no Brasil. É preciso, se é que isso é possível, criar uma corporação de contribuintes para se opor a tantas corporações existentes (dos ruralistas, dos pastores, dos servidores públicos, dos sindicalistas etc.) que não se limitam a pressionar os congressistas, o que seria natural e legítimo, mas os integrantes dessas corporações estão legislando, o que é muito grave, porque os legisladores deixam de ser representantes do povo, para serem representantes deles próprios.
Concluindo, para superar a crise econômica, resultante em última análise da crise ética, há que se observar rigorosamente o princípio da independência e harmonia dos poderes. Não pode um Poder fazer o que bem lhe aprouver, principalmente o Parlamento em final de legislatura abrigando 2/3 de parlamentares não reconduzidos pelo voto popular. É preciso muito diálogo e entendimento entre os três poderes para superar o atual quadro econômico-financeiro do País que aponta um endividamento de 71% do PIB, com perspectivas de sua elevação para 91% do PIB até o ano de 2022, quando a média dos demais países em desenvolvimento situa-se em torno 50%.
NOTA
[1] Esse pagamento aos tribunais locais e regionais foi sacramentado pelo CNJ.