Capa da publicação O desastre da mineradora Vale, em Brumadinho: o pior acidente trabalhista da história do Brasil
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Desastre ambiental da mineradora Vale em Brumadinho – Minas Gerais deverá gerar o pior acidente trabalhista do país

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Pela reforma trabalhista, as indenizações aos trabalhadores da Vale vítimas do desastre de Brumadinho não apenas possuem teto tabelado como dependem de qual era o salário do empregado.

Semelhante o caso presente, vale lembrar que o maior caso já registrado ocorreu em 1971, no desabamento do pavilhão de exposições do Parque da Gameleira, em Belo Horizonte, com 69 mortos.

Em recente posicionamento sobre o caso “Brumadinho”, o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, disse que o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) poderá ser considerado o maior acidente de trabalho da história do país, caso o número de mortos ultrapasse 69, total estes de trabalhadores que morreram em caso semelhante, ocorrido em Belo Horizonte, em meados de 1971, com o desabamento do pavilhão de exposições do Parque da Gameleira.

Infelizmente, ao que os números de desaparecidos indicam, o caso de Brumadinho, ao que parece, irá se sobrepor ao caso de Belo Horizonte. Até o presente momento, ainda se somam aproximadamente 292 desaparecidos, entre empregados próprios e terceirizados da Vale e a comunidade.

Uma força-tarefa foi montada para apurar responsabilidades criminal, civil e trabalhista da tragédia, que incluí, além do Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Advocacia Geral do Estado, Defensoria Pública do estado, polícias Civil e Militar de Minas, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros.

 Até a manhã desta segunda-feira já foram confirmadas 60 mortes. Com isto, foi criada uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho em Minas para acompanhar o caso. Contudo, até o presente momento, conforme vem sendo informado pela mídia e demais veículos comunicação, a primeira medida a ser adotada pelo grupo é assegurar o pagamento de salário aos trabalhadores sobreviventes e às famílias dos desaparecidos, até que sejam encontrados, e, posteriormente, as indenizações individuais e por danos morais coletivos.

A pedido da juíza plantonista Renata Lopes Vale, da Vara do Trabalho de Betim, a Justiça do Trabalho bloqueou R$ 800 milhões da mineradora Vale, com o objetivo de assegurar as indenizações necessárias a todos os atingidos, empregados diretos ou terceirizados.

Como advogado no âmbito trabalhista, compreendo que a decisão da juíza atende parcialmente ao pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho em MG, que requeria o bloqueio de R$ 1,6 bilhão da mineradora de forma a garantir o pagamento de eventuais indenizações às famílias das vítimas e dos sobreviventes da tragédia.

Em sua decisão, a magistrada, aludiu os seguintes dizeres: “Indefiro o bloqueio de valores relativos aos danos morais coletivos, eis que tratando-se de regime de plantão, não vislumbro urgência necessária à antecipação cautelar de efeitos da tutela, não havendo impedimento para reanálise do pedido após formação da litiscontestação”, desse modo, justificando os motivos pelo qual determinou somente o bloqueio de metade do valor solicitado Ministério Público do Trabalho em MG .

A juíza também determinou que a mineradora Vale seja notificada a arcar com as despesas de funeral, translado de corpo, sepultamento e demais serviços conexos, de todos os seus empregados diretos e terceirizados, cujos corpos tenham sido ou venham a ser encontrados.

Outrossim, a Justiça trabalhista de Minas Gerais,  também determinou que a Vale seja notificada a manter o pagamento dos salários aos parentes e familiares dos trabalhadores desaparecidos, até que haja a constatação de vida ou de morte, alegando que “O deferimento abrange empregados e terceirizados, devendo a ré (Vale) solicitar os dados pessoais e bancários dos terceirizados às empregadoras, comprovando nos autos a solicitação no prazo máximo de cinco dias, tudo sob pena de multa diária a ser arbitrada em caso de descumprimento da obrigação.”

Impende salientar que a mineradora também foi intimada a apresentar, no prazo de 10 dias úteis, sob pena de multa em caso de não cumprimento, determinados documentos técnicos à justiça, vejamos:

  • O programa de gerenciamento de riscos, inclusive com os dados da empresa ou responsáveis por sua elaboração e monitoramento.
  • O Plano de Evacuação da Mina.
  • A relação nominal de todos os empregados e terceirizados em atividade na unidade.
  • Todas as normas coletivas da empresa vigentes.

É bem verdade que a tragédia ocorrida está sendo tratada pelo Ministério Público do Trabalho como “o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil” que está resultando no pior acidente trabalhista já registrado.

Na situação em epígrafe, cumpre observar que algumas alterações realizadas na nova CLT poderão vir a ser prejudicial e causar certos transtornos para alguns parentes de vítimas da Vale Mineradora.

O artigo 223, “g”, § 1º passou a estipular critério salarial para o pagamento de indenizações por dano moral limitando-as a até 50 vezes o valor do salário contratual do empregado.

Este dispositivo legal, representa uma das alterações mais controversas da Reforma Trabalhista, e que neste momento deverá atingir em cheio as indenizações por danos morais pagas aos familiares dos funcionários da Vale mortos e desaparecidos pelo rompimento da barragem do Córrego do Fundão.

Do Dano Material e Dano Moral

Aos familiares de empregados mortos em acidente de trabalho cabem dois tipos de indenização: a indenização por danos materiais e indenização por danos morais.

A indenização por dano material inclui a restituição de todas as despesas tidas em virtude do falecimento, tais como despesas com o funeral ou mesmo gastos médicos e uma quantia referente a uma porcentagem da remuneração que o trabalhador falecido receberia até a expectativa de vida média da população brasileira ou até atingir a idade para sua aposentadoria.

Desse modo, abrangendo tudo aquilo que o trabalhador ganharia na vida de trabalho, e o que vai deixar de ganhar, é um dano material uma vez que é possível a atribuição de valor objetivo. E, neste contexto, para se chegar ao saldo, basta multiplicar o valor do salário pela expectativa de vida do brasileiro. Já a indenização por dano moral também pode ser pleiteada por aquelas pessoas que pertencem à esfera mais íntima das relações pessoais do trabalhador falecido, como os filhos, onde a reparação se remete a um dano de cunho moral sofrido, não pela vítima direta da ofensa, mas por pessoas próximas a ela.

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No caso em análise, antes da atual reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, não havia nenhuma previsão de critério objetivo para calcular o valor da indenização trabalhista por dano moral. Com a atual reforma, foi acrescentado um preço àqueles danos sofridos através de uma tabela.

Assim, está previsto na nova CLT a seguinte gradação:

  1. Ofensa moral de natureza leve: indenização de 3 vezes o salário contratual do ofendido.
  2. Ofensa moral de natureza média: indenização de 5 vezes o salário contratual do ofendido.
  3. Ofensa moral de natureza grave: indenização de 20 vezes o salário contratual do ofendido.
  4. Ofensa moral de natureza gravíssima: indenização de até 50 vezes o salário contratual do ofendido.

Melhor dizendo: se o funcionário que faleceu ganhava 3 (três) mil reais, por exemplo, vai receber até 150 (cento e cinquenta) mil reais. Mas se for a família de um gerente que ganhava 10(dez) mil reais, aí já são 500 (quinhentos) mil reais. Desse modo, o dano moral da pessoa estará vinculado a quanto ela ganha. Por exemplo, a família de um gerente morto na tragédia pode receber saldos indenizatórios bem maiores do que a de um técnico que trabalhava na mesma empresa, por um tempo de serviço igual ou superior, segundo a lei vigente.

Neste sentido, podemos entender que uma pessoa que ganha menos sofre menos do que uma pessoa que ganha mais?

Não precisa ser operador do Direito para perceber que este trecho da reforma trata-se da mais flagrante inconstitucionalidade. A nossa Constituição Federal, em seu dispositivo artigo 5º, é clara quando expressa que fala todos são iguais perante a lei.

Esse tabelamento foi o motivo de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, a ADI 5870, que, até o presente momento, se encontra com o julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, até que seja tomada a decisão, os familiares dos funcionários vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Fundão podem pleitear indenizações maiores na Justiça, no valor que entenderem necessários, e já requererem que o juiz (qualquer juiz poderia) declare a inconstitucionalidade dessa lei. Por fim, caberá à Mineradora Vale a decisão de recorrer, ou não, em instâncias superiores.

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Sobre os autores
Wander Barbosa

Advocacia Especializada em Franchising ****DIREITO EMPRESARIAL**** ****DIREITO CIVIL***** ****DIREITO PENAL**** ****DIREITO DE FAMÍLIA**** Pós Graduado em Direito Processual Civil pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela EPD - Escola Paulista de Direito Pós Graduado em Recuperação Judicial e Falências - EPM - Escola Paulista da Magistratura Autor de Dezenas de Artigos publicados nas importantes mídias: Conjur | Lexml | Jus Brasil | Jus Navigandi | Jurídico Certo

Manoela Alexandre do Nascimento

Assistente Jurídica, escritório de advocacia Wander Barbosa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Wander ; NASCIMENTO, Manoela Alexandre. Desastre ambiental da mineradora Vale em Brumadinho – Minas Gerais deverá gerar o pior acidente trabalhista do país. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5690, 29 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71720. Acesso em: 24 abr. 2024.

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