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Combate ao mercado ilegal de cigarro 2.0

29/08/2020 às 13:00
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Na fiscalização da produção de cigarros, com interesses de saúde, fiscais e penais, deve haver um monitoramento desde a plantação de fumo. Explicam-se as razões.

O mercado ilegal de cigarro revela cifras astronômicas não só de sonegação de tributos (fonte primária de recursos do Estado para custear qualquer política pública, como Saúde e Segurança Pública), mas também de investimento na própria máquina pública para coibir e tentar reveter esse cenário (somente para citar órgãos como a Receita Federal e Polícia Federal que estão diariamente envolvidos nesta luta).

O Coordenador-Geral de Fiscalização da Receita Federal chegou a afirmar que a sonegação do cigarro pode chegar a ser mais rentável que o tráfico de entorpecente[1].

Conforme reportagem com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial na Revista Exame – ETCO, em 2018, o Brasil deixou de arrecadar R$ 11,5 BILHÕES EM IMPOSTOS. Esse valor é 1,6 vezes superior ao orçamento da Polícia Federal para o ano e poderia ser revertido para a construção de 121 mil casas populares ou 6 mil creches. Pela primeira vez desde 2011, a evasão de impostos foi maior do que a arrecadação [2] [3].

Temos outro estudo mais arrojado com números mundiais que aponta que “o contrabando de cigarros originais rouba cerca de US$40 bilhões a US$50 bilhões por ano do governo em impostos de renda, com o tráfico de falsificações rouba ainda mais. Além disso, a estratégia da saúde pública é indeterminada”[4]

Por óbvio que ao leitor salta a ideia de uma fiscalização deficitária, a questão do controle das fronteiras e que um processo de controle mais forte deve ser estabelecido.

 No caso do combate ao entorpecente, uma das estratégias (mundial) é o controle dos produtos químicos que são utilzados legalmente na indústria, mas que também são utilizados como insumos na produção das drogas – Lei Federal nº 10.357 de 2001. São monitorados as quantidades produzidas e a destinação dos produtos – não pode haver desvio para o mercado ilegal – cujas medidas de controle são escalonadas como cadastro (de produção); monitoramento de venda; Licença; Autorização Prévia de Importação, Exportação ou Reexportação; notificações, etc. A questão é tão séria que referida fiscalização no Brasil é feita pelo Polícia Federal (responsável constitucional pelo combate ao tráfico de entorpecente).

O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de tabaco: “O Brasil é o segundo maior produtor mundial de tabaco. O faturamento total do setor é um pouco maior do que 25 bilhões de reais. De acordo com a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) (...) O tabaco é cultivado em 321.520 mil hectares do território nacional e gera renda para cerca de 615 mil pessoas. O sul do país é responsável por 98% da produção, sendo o principal complexo agroindustrial de tabaco do Brasil com 619 municípios.”[5]

Segundo o coordenador do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (Deser), “a produção de tabaco do Paraguai não supre sua produção de cigarros. Os dados sobre exportação do tabaco brasileiro, disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), revelam que quem alimenta as empresas de cigarro do Paraguai é o fumo plantado no Brasil. O Paraguai produz pouco tabaco, muito menos do que o necessário para suprir sua indústria.”[6]

Esta opinião é compartilhada pelo consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Oxford, Roberto Magno Iglesias “as fumageiras brasileiras abastecem o mercado do Paraguai”[7].

Portanto referida premissa robustece a diretriz de um processo de controle mais abrangente: deve haver um monitoramento desde a plantação de fumo no Brasil, não só na produção industrial e no comércio, mas já na origem do problema: na plantação de tabaco – ou seja, em todo o supply chain do cigarro.

Mas como o controle é feito hoje?

 A Receita Federal esclarece que o cigarro de produção regular é identificado por intermédio do selo de controle fiscal aplicado no maço[8], o qual contém um avançado vínculo com o controle de produção[9].

Mas alguém sabe reconhecer um selo falso? Qual a informação que ele agrega fora a produção do cigarro e seu consequente recolhimento de imposto? A população simplesmente rasga o selo para fumar ou também contribui para a fiscalização? A Receita consegue vincular a produção de tabaco com a produção regular de cigarro e identificar quais fazendas destinam seu produto para o mercado irregular?

A Receita dispõe de uma série de informações, úteis, mas que o usuário dificilmente irá pesquisar.[10]

A informação deve estar ao alcance da mão do usuário e dar um feedback automático para o fisco.

A Receita já buscou cobrir o monitoramento de matéria prima e insumos com as empresas obrigadas a entrega da Escrituração Fiscal Digital (EFD) relativas ao envio de controle de um arquivo chamado bloco K (Controle Digital da Produção e Estoques).

O Bloco K é composto com: a quantidade produzida; a quantidade de materiais consumida; a quantidade produzida em terceiros; a quantidade de materiais consumida na produção em terceiros; todas as movimentações internas de estoque que não estejam diretamente relacionadas à produção; a posição de estoque de todos os seus produtos acabados, semiacabados e matérias primas, a lista de materiais padrão de todos os produtos fabricados na produção própria e em terceiros.

Contudo podemos inferir que há certos gaps, como a origem da materia prima e falta de inclusão de outra fonte de alimentação de dado para verificar se a quantidade de matéria prima adquirida realmente é a declarada – afinal manobra como estoque ficticio e controle de equivalencia com o estoque real é muito conhecida.

Através dos avanços tecnológicos poderia-se lançar mão de duas tecnlogias para robustecer o controle da Receita Federal: QR CODE E BLOCKCHAIN, meios em que é possível agregar elementos de segurança, uma conferência muito mais fácil da autenticidade por qualquer um do povo, e uma nova funcionalidade – a rastreabilidade.

Em plantações de soja já estão utlizando a tecnologia para agregar valor no campo e trazer um monitoramento mais efetivo para a plantação [11]. Vale a pena a leitura do artigo no Jornal Valor Econômico que detalha essa tecnologia: "Empresa usa tinta de papel-moeda para rastrear soja".[12]

A rastreabilidade faz parte da Administração, num capítulo já muito conhecido – a Logística, a qual busca responder “o que”, "de onde veio” e "para onde foi” e diante dos mais complexos processos de produção e cadeia logística a tecnologia da informação é um binômio indissociável.

De pronto então saltam duas variáveis: qual dado armazenar e onde armazenar.

Basta criar um identificador para as sacas de cada produtor, que vão sendo registrados num banco de dados e a medida que forem deslocando na cadeia de produção outras informações vão sendo agregadas pelos outros atores.[13]

Muitas tecnologias podem ser propostas, mas diante da atual conjuntura sugere-se o blockchain – um banco de dados relacional com uma base distribuída, que pode ser CRIPTOGRAFADO, e que guarda um registro de transações permanentemente. Numa visão simplista:

Podemos entao observar e fazer as perguntas:

a. para onde foi o fumo da Saca com o qrcode 1?

b. o que houve com 50% da produção da saca com o qrcode 2?

c. o qr code 3 cumpriu 100% com suas obrigações legais, inclusive tributária.

Trata-se de proposição para construir uma política pública, que traria uma fiscalização muito mais inteligente, mais rápida e automatizada com a ajuda de Inteligência Artificial, quiçá poderá ser incorporada em contratos de exportações para registro no blockchain quano o fumo é vendido no Brasil ou até incorporado no Tratado Internacional de Controle de Tabaco.

Inclusive o ora esquadrinhado tem diversos pontos de contato com referido Acordo Internacional, especialmente e seu artigo 15, que pugna:

  • a embalagem deve ter uma indicação que permita as Partes determinar a origem dos produtos do tabaco.

  • fortalecerá a legislação, com sanções e recursos apropriados, contra o comércio ilícito de tabaco, incluídos a falsificação e o contrabando;

  • implementará medidas para fiscalizar, documentar e controlar o a distribuição de produtos de tabaco;

  • cooperação entre os organismos nacionais, bem como entre as organizações intergovernamentais regionais e internacionais com vistas a eliminar o comércio ilícito de produtos de tabaco.

A Phillip Morris, por pressão da União Europeia para corrigir desvios na cadeia de suprimento, [14] começou já a utilizar códigos de barras. Desde 2004, tem marcado 200 milhões de grandes pacotes (cada uma com 10 mil cigarros), com códigos de barras únicos que podem ser digitalizados por máquinas antes dos cigarros serem vendidos para os primeiros compradores na cadeia de distribuição. Há monitoramento dos pacotes na Rússia e na Ucrânia. Sob referido programa há uma fita adesiva nos pacotes e é escaneado na linha de produção e inserido em uma base de dados. A Philip Morris está tentando etiquetar os maços individualmente com códigos únicos na Alemanha e no Peru.[15]

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Com uma empresa executando sozinha, apenas agrega valor aos seus produtos. Se o banco de dados não for público, não contribuirá para a fiscalização tributária. Fica a grande questão: qual a integridade de uma autofiscalização?

Deve sugir um novo selo de cigarro, um SELO 2.0, com o QR CODE, com mais informações e uma rastreabilidade mais robusta, AMPLA E PÚBLICA, em que qualquer cidadão poderá ler o selo do seu cigarro e inclusive fazer denúncias em menos de 10 segundos – pois algo deve ser feito para melhorar o processo de controle.

Não se trata de criar burocracias, com entraves ao produtor e aos empresários, mas adicionar algumas ações que farão o setor mais eficiente e beneficiar toda a cadeia de produção legal ante a ilegal.


Notas

[1] CAMPOS, Flávio Vilela in  https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/receita-fecha-fabrica-de-cigarro-pela-3a-vez/

[2] https://exame.abril.com.br/negocios/releases/etco-mercado-ilegal-de-cigarros-chega-a-54-e-bate-recorde-no-brasil/

[3] Uma profunidade maior sobre a carga tributária pode ser lida em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7989/1/ppp_n48_an%C3%A1lise.pdf

[4] 5 FCA, How big was the illicit tobacco trade problem in 2006. 2008. 6 European Union. Press Release: Contraband and counterfeit cigarettes: frequently asked questions. 2007 Dec 14. Brussels. Available from: http:// europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?refe in https://www.tobaccofreekids.org/assets/global/pdfs/pt/ILL_overview_pt.pdf

[5] http://www.souzacruz.com.br/group/sites/SOU_AG6LVH.nsf/vwPagesWebLive/DO9YAEUN

[6] https://paragrafo2.com.br/2015/10/29/uma-maozinha-para-o-contrabando-por-que-as-fumageiras-brasileiras-abastecem-o-mercado-paraguaio/

[7] http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/42438

[8] http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/regimes-e-controles-especiais/cigarros-orientacoes-gerais

[9] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=15717

[10] http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/regimes-e-controles-especiais

[11] http://agrosolsementes.com.br/aplicativo-agrosol-sementes-gerenciamento-cultivares-soja/

[12] https://www.valor.com.br/agro/5897493/empresa-usa-tinta-de-papel-moeda-para-rastrear-soja

[13] Quem sabe até inserir informações adicionais como quais insumos foram utilizados na produção, espécies de sementes, defensivos, etc. Dados que poderiam ser utilizados pela Embrapa para ajudar o produtor a ser mais produtivo.

[14] https://slideplayer.com.br/slide/3760841/

[15] https://www.tobaccofreekids.org/assets/global/pdfs/pt/ILL_overview_pt.pdf

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Sobre o autor
Elmer Coelho Vicenzi

Delegado de Polícia Federal Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista de Direito; MBA em Orçamento e Gestão Pública pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENZI, Elmer Coelho. Combate ao mercado ilegal de cigarro 2.0. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6268, 29 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71728. Acesso em: 24 nov. 2024.

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