Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/58893
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A eficácia das cotas para negros no campus XIX da Universidade do Estado da Bahia a partir de uma análise do bem-estar dos estudantes

A eficácia das cotas para negros no campus XIX da Universidade do Estado da Bahia a partir de uma análise do bem-estar dos estudantes

|||

Publicado em . Elaborado em .

O presente artigo versa sobre a eficácia do sistema de cotas para negros da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pautada na averiguação da autossuficiência do Regulamento Interno desta Universidade, bem como dos mecanismos assistenciais desenvolvidos para esse grupo discente.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 O DESENVOLVIMENTO DA POLÍTICA DE COTAS COMO INSTRUMENTO ASSECURATÓRIO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 3 O SISTEMA DE INGRESSO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E A CONSTITUCIONALIDADE DO SEU MODELO DE COTAS. 4 O SISTEMA DE COTAS ADOTADO PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. 5 A EFICÁCIA DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA E PERMANÊNCIA ESTUDANTIL DESTINADAS AOS DISCENTES COTISTAS NA UNEB – DCHT – CAMPUS XIX. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS

Resumo: O presente artigo versa sobre a eficácia do sistema de cotas para negros da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pautada na averiguação da autossuficiência do Regulamento Interno desta Universidade, bem como dos mecanismos assistenciais desenvolvidos para esse grupo discente. Objetiva investigar se o sistema de cotas adotado pela UNEB garante, para além do ingresso, políticas relacionadas à permanência e à assistência estudantil adequadas para esses estudantes, que respeitem a igualdade e outros princípios dispostos na Constituição Federal. Além disso, será abordado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade das cotas, evidenciando a sua importância enquanto espécie de ações afirmativas. O procedimento de análise dos dados é realizado mediante pesquisa de campo subjetiva com questionários aplicados aos confrades cotistas. Assim, resta notória a importância de estudar as políticas de assistência e permanência estudantil, bem como o aprimoramento e desburocratização no ingresso aos programas já existentes.

Palavras-chave: EFICÁCIA. COTAS. NEGROS. ASSISTÊNCIA E PERMANÊNCIA ESTUDANTIL. UNEB.


1 INTRODUÇÃO

É evidente que a maioria dos negros ainda está em uma posição de inferioridade na sociedade, principalmente no que tange à qualificação acadêmica e profissional. Ocupam funções que necessitam de pouco grau de instrução e possuem baixa remuneração, consequências nefastas de séculos de escravidão. Essas pessoas, que foram marginalizadas pela história, ainda procuram seu espaço no corpo social, em meio a uma sociedade que possui um preconceito racial extremamente enraizado e naturalizado.

Neste sentido, o tema desta pesquisa consiste na análise do sistema de cotas para negros na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) sob a perspectiva social e jurídica na qual irá questionar a eficácia da inclusão social dos negros na comunidade acadêmica, bem como avaliar a completude do aparato normativo vigente na Universidade. Para isso, a pesquisa irá se desenvolver com os graduandos do curso de Direito do Campus XIX, no ano de 2016, em uma proporção de cinquenta estudantes cotistas e cinquenta não cotistas, totalizando cem entrevistados.

Assim, cumpre sintetizar que o problema dessa pesquisa consiste em solucionar a seguinte indagação: a regulamentação interna do sistema de cotas da UNEB é adequada à promoção do bem estar do aluno cotista do curso de Direito do Campus XIX, também no que tange a adaptação desses cotistas à grade de matérias e ao ritmo do curso?

A elaboração da presente pesquisa possui significativa relevância social por se tratar de uma situação que é atual e amplamente discutida, tanto socialmente quanto no espaço acadêmico, sobretudo porque envolve opiniões bastante polêmicas que ora se mostram contrárias ora são favoráveis ao sistema de cotas.

A UNEB foi pioneira na implantação das cotas raciais e o seu sistema possui grande referência a nível nacional. Daí decorre a importância prática da pesquisa, haja vista a necessidade de mapear possíveis falhas nesse sistema de cotas, como por exemplo, averiguar se as medidas que estão sendo implantadas são eficazes e quais pontos carecem de aperfeiçoamento. Para que se consiga analisar essa relevância prática é imprescindível investigar o objeto da pesquisa sob dois prismas: o primeiro analisando a legislação que regulamenta as cotas no âmbito da UNEB, e o segundo, sob o olhar e a vivência do próprio cotista – prisma objetivo e subjetivo, respectivamente.

De modo que a UNEB é uma universidade multicampi, o presente artigo tem grande relevância teórica, pois servirá de base para outras pesquisas que possam versar sobre o mesmo tema em seus diferentes campi, e assim ampliar as fontes acerca dessa ação afirmativa no âmbito acadêmico. Além do mais, é juridicamente relevante discutir as cotas, uma vez que elas são medidas que visam concretizar princípios defendidos pela Constituição, como a dignidade da pessoa humana, a vedação à discriminação social, o direito ao bem-estar, acesso à educação e à igualdade.

Os objetivos dessa pesquisa dizem respeito, precipuamente, à análise do sistema de cotas na UNEB como possibilidade de diminuição das desigualdades sociais e acesso ao conhecimento jurídico que é aplicado no curso de Direito do Campus XIX. É relevante também exprimir o conceito de ações afirmativas conjugado com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade das cotas. É imprescindível indicar quais os pontos a serem aperfeiçoados nesse sistema, de modo que seja possível garantir a inclusão do graduando cotista na comunidade acadêmica e, para isso, é necessário que seja realizado um mapeamento da eficácia das cotas no Campus XIX.

A fim de gerar uma compreensão maior acerca do funcionamento do sistema de cotas na UNEB, será aplicado um questionário com os estudantes cotistas visando colher material sobre a inclusão dos mesmos no ambiente acadêmico, analisando os rendimentos nas disciplinas, se existem programas de permanência e assistência estudantil direcionada a atender esses estudantes. O questionário também será direcionado aos estudantes não cotistas para estabelecer um comparativo entre o desempenho acadêmico desses dois grupos. A pesquisa também se debruça sobre o Regimento Interno da Universidade que versa sobre o sistema de cotas, a fim de constatar se o mesmo é suficiente para suprir as necessidades dos estudantes negros que adentraram no ensino superior.

O presente artigo está estruturado da seguinte maneira: primeiramente foi construído um panorama histórico e de relevância das ações afirmativas como importante mecanismo de diminuição de desigualdes sociais. Em seguida será estudado o modelo de Cotas implantado na Universidade de Brasília e a chancela do Supremo Tribunal Federal em declará-lo constitucional. A partir dessas duas análises primordiais, passa-se ao estudo do modelo de Cotas da UNEB com indicação dos seus avanços e pontos que carecem de aperfeiçoamento. Por fim, será exposto o resultado da pesquisa subjetiva, consistente em uma análise das políticas desenvolvidas pela Universidade e a sua suficiência.


2 O DESENVOLVIMENTO DA POLÍTICA DE COTAS COMO INSTRUMENTO ASSECURATÓRIO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

As ações afirmativas possuem sua origem nos Estados Unidos, que viviam um momento de severo preconceito racial que estava enraizado na sociedade, inclusive, era legitimado por um entendimento que fizeram à décima quarta emenda à Constituição, em 1868, que deu origem a doutrina “separados, mas iguais”[1], ocorrendo a constitucionalização da segregação racial. Tentando pôr fim a essa segregação institucionalizada, criou-se programas de ações afirmativas com o fito de incluir o negro na sociedade e, assim, surgiram essas medidas de reparação que possuem o intuito de compensar desigualdades históricas. (DUARTE, 2014, p. 9-11).

Nesse sentido, entende André Ramos Tavares (2013, p. 462):

As denominadas ‘ações afirmativas’ compõem um grupo de institutos cujo objetivo precípuo é, grosso modo, compensar, por meio de políticas públicas ou privadas, os séculos de discriminação a determinadas raças ou segmentos. Trata-se de tema que tem ocupado posição central na pauta das ações políticas de diversos governos, demandando engenhosas soluções jurídico-políticas.

É notório que o processo de desenvolvimento socioeconômico do Brasil foi marcado pela exclusão de determinados seguimentos sociais, que eram subjugados devido a sua classe social, raça, cor ou sexo. Os negros e indígenas, por exemplo, foram utilizados na história brasileira apenas como instrumento de produção. Embora a escravidão não seja mais legalizada, a herança dessa forma de desenvolvimento, que tem como principal característica a segregação, perdura até os dias atuais, na forma de preconceito étnico-racial e na falta de oportunidades. Assim, de acordo com Flávia Piovesan, nasceram as ações afirmativas no Brasil, que são destinadas aos indivíduos ou grupos que, por serem historicamente vulneráveis merecem uma proteção especial. A autora conclui que:

Como poderoso instrumento de inclusão social, situam-se as ações afirmativas. Essas ações constituem medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos vulneráveis como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos. (2012, p. 171).

Ao abordar as ações afirmativas cumpre observar o princípio da igualdade, resguardado pela Constituição. Nesse liame, é necessário compreendermos a observação clássica de Ruy Barbosa, inspirada em Aristóteles: “tratar igualmente os iguais e desiguais, na medida de suas desigualdades”. Assim, a implantação das cotas, que é uma espécie de ações afirmativas, vai muito além da ideia de reparação do cenário histórico supramencionado, pois o seu objetivo é também desenvolver mecanismos de justiça corretiva que possa reverter o quadro de marginalização e exploração dos negros.

Apesar de não existir uma norma constitucional que expresse sobre as ações afirmativas para negros, a Constituição de 1988 preocupou-se em abordar a discriminação racial considerando o mesmo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão (art. 5º, XLII). Vale salientar também que a luta contra o racismo e a primazia dos Direitos Humanos constituem princípios que administram as relações internacionais brasileiras (art. 4º, II e VIII), a promoção do bem-estar de todos, independentemente de sexo, cor, idade e classe social que são um dos objetivos do Brasil, bem como abolir a desigualdade social (art. 3º, III e IV); outro ponto importante é que a igualdade de condições para o acesso e permanência nas escolas também é um princípio norteador básico da educação da nossa constituição (art. 206, I). As disposições do Art.º 3 servem também como instrumentos para as correções das desigualdades socioeconômicas existentes no país, permitindo a criação de políticas públicas de ações afirmativas. (ROZAS, 2009, p.72).

O princípio da igualdade é responsável por determinar um tratamento jurídico de equiparação naquelas situações em que não há justificativa para a diferenciação. Nesse liame, o princípio admite um tratamento jurídico de distinção naquelas situações em que venha existir razão suficiente para uma regulamentação diferenciada. Para uma melhor compreensão, entende Celso Antônio Bandeira de Mello que embora o art. 5º caput da Constituição Federal defenda que todos são iguais perante a lei, a mesma pode impor um fator discriminatório[2] com base em algumas premissas:

  1. que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
  2. que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra  de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;
  3. que exista, em abstrato uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
  4. que, in concreto, o vínculo de correlação supra referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isso é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional - para o bem público. (2002 , p.41).

Ainda de acordo com o autor, não há nenhuma violação ao princípio da isonomia nessas hipóteses[3]. A violação está configurada quando, por exemplo, não há nexo plausível entre o fator de discriminação e a distinção de regime jurídico feito pela norma. É o que ocorre em uma lei hipotética que permite aos funcionários gordos afastamento remunerado do trabalho para assistirem a congressos religiosos, vez que não há qualquer relação entre o fator de discrímen e o efeito jurídico gerado, portanto, tal regra seria flagrante violação à isonomia. Porém, em outra situação, é plenamente possível que o fator de discriminação seja determinado pela característica física, é o exemplo dos que, devido ao peso e à estatura, não podem exercer função no serviço militar que precisa de presença imponente. (2002, p. 38).

A fim de possibilitar maior compreensão jurídica quanto ao princípio da igualdade vale demonstrar a diferença entre igualdade formal e igualdade material. A primeira refere-se àquela garantida pela Constituição Federal, como a matéria da qual trata o art. 5º, disciplinando que todos os brasileiros são iguais e tem direito à moradia, saúde, educação e demais direitos básicos. Já a igualdade material é aquela caracterizada por representar esforços de políticas públicas para garantir que os grupos de minoria tenham seus direitos respeitados e tutelados, através das ações do poder legislativo. Nesse sentido é que se insere o fator discriminatório, como visto acima. Contudo, é importante ressaltar que em alguns dispositivos da Constituição Federal de 1988 também existe referência à igualdade material, quando se fala em erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais, por exemplo. (ROTHENBURG, 2008, p.70).

De acordo a autora Flávia Piovesan, as ações afirmativas encontram aparato jurídico tanto na Constituição (através da garantia da igualdade material, prevendo ações afirmativas para grupos de minorias) quanto nos tratados ratificados internacionalmente. Dessa forma, não há respaldo jurídico para classificar como inconstitucional a reserva de vagas para determinado grupo que sofre discriminação, resultado de todo um contexto socioeconômico. Entretanto, não é a implantação de qualquer sistema de cotas que estará dentro da constitucionalidade, é necessário que exista uma justificativa jurídica concreta sobre o caso. Embora o sistema de cotas limite o princípio da isonomia entre os candidatos, este princípio não possui caráter absoluto, sendo afastado na medida necessária da realização da igualdade material. (2006, p.42).

Dessa forma, também pensa Rozas, in verbis:

A relação entre a organização de um sistema de reserva de vagas que leve em conta a desigualdade de facto entre brancos e negros, e a promoção da igualdade racial é de meio/fim. Em relações deste tipo, somente quando há uma única ação adequada à promoção do Direito é que tal ação pode ser considerada necessária do ponto de vista jurídico. Ou seja, quando há mais de um meio para alcançar o mesmo fim, há relativa liberdade do legislador infraconstitucional na escolha das medidas possíveis. Há portanto, dois critérios que devem ser observados: a) o Estado tem que empregar, pelo menos um meio efetivo da promoção da igualdade fática em matéria racial; b) se há apenas um meio efetivo, o Estado deve que utilizá-lo. (2009, p. 75).

Dados provenientes da FUVEST, que realiza a seleção para o ingresso na Universidade de São Paulo (USP), atestam a situação de desigualdade racial. Dos 3,1% inscritos no vestibular que se autodeclararam negro, somente 1,4% obtiveram êxito no processo seletivo da FUVEST de 2002. Já os brancos e pardos eram, respectivamente, 77,5% e 11,4% dos inscritos e 80,5% e 7% dos aprovados. (REZENDE PINTO, 2003, p.17).

Neste sentido, pode-se afirmar que as cotas são espécies de ações afirmativas, que surgiram com o intuito não só de compensar séculos de desigualdades raciais, mas principalmente, visa à democratização do espaço acadêmico, que historicamente é branco e elitista. Para isso, é imprescindível que as Universidades, de um modo geral, estejam comprometidas em desenvolver políticas inclusivas.


3 O SISTEMA DE INGRESSO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA E A CONSTITUCIONALIDADE DO SEU MODELO DE COTAS

Aqui vale explorar a grande relevância que tem o sistema de cotas implantado em uma das maiores universidades brasileiras, a Universidade de Brasília – UnB. Esse sistema é alvo de diversas críticas, porém as discussões já foram encerradas no que tange ao ponto de vista constitucional[4], uma vez que o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a constitucionalidade das cotas da UnB.

O sistema de cotas da UnB caracteriza-se por ser o primeiro do Brasil a aprovar cotas unicamente para Negros e Indígenas e foi instaurado a partir do segundo semestre de 2004. Neste ano a UnB adotou o Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial, determinando que, em um período de 10 anos, seriam destinadas 20% das vagas dos vestibulares para candidatos negros. (FILICE, 2015, p.04).

Para ingressar pelo sistema de cotas da UnB, o candidato deveria preencher uma ficha para ser entregue nos postos de homologação da Universidade, oportunidade em que seria fotografado e seu processo encaminhado para uma banca examinadora. Em 2008 esse sistema sofreu uma modificação: os então candidatos deveriam se autodeclarar negros no ato da inscrição. Após a aplicação das provas passariam por uma entrevista, ocasião em que a autodeclaração deveria ser ratificada com a opção em concorrer às vagas do Sistema de Cotas para Negros. Caso fosse verificado que o candidato não havia preenchido os requisitos à modalidade tipificada no edital, ele passaria a concorrer às vagas destinadas ao Sistema Universal de ingresso.

A política de cotas na UnB é complexa e sofreu algumas alterações com o advento da Lei nº 12.077/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais. Além de manter o Sistema Universal, ou seja, o sistema de ampla concorrência, a UnB utiliza outros dois sistemas de ingresso, o Sistema de Cotas para Negros e Indígenas, que também já vinha sendo adotado, e o Sistema de Cotas para Escola Pública.

Em relação ao Sistema de Cotas para Negros, de acordo com o item 5.1 do Edital nº 1 do Vestibular 2016 da UnB “para concorrer às vagas reservadas por meio do Sistema de Cotas para Negros, o candidato deverá possuir traços fenotípicos que o caracterizem como negro, de cor preta ou parda” e no momento do registro da matrícula assinará termo de autodeclaração[5]. Por outro lado, no Sistema de Cotas para Escola Pública, o aluno obrigatoriamente deverá advir de escola pública, além de poder preencher outros critérios, concomitantes ou não. Tudo isso pode ser observado conforme disposto no quadro abaixo:

QUADRO 1: SISTEMA DE INGRESSO DA UnB.

Forma de Ingresso

REQUISITO

Sistema Universal

Ampla concorrência

Sistema de Cotas para Negros

Autodeclaração e traços fenotípicos

Sistema de Cotas para Escola Pública

Renda familiar ≤ 1,5 salário mínimo + autodeclaração.

Renda familiar ≤ 1,5 salário mínimo

Renda familiar > 1,5 salário mínimo + autodeclaração;

Renda familiar > 1,5 salário mínimo.

FONTE: Edital nº 01 do vestibular de 2016 da UnB.

É importante ressaltar que o sistema de cotas adotado pela UnB já foi objeto da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF perante o STF. O Partido Democratas - DEM foi responsável por impetrar a ADPF nº 186, arguindo que os atos administrativos do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília - Cepe/UNB iriam de encontro a vários preceitos fundamentais defendidos pela Constituição Federal de 1988, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), repúdio ao racismo (art. 4º VIII), igualdade (art. 5º caput), direito universal de acesso à educação (art. 205), legalidade, razoabilidade, publicidade, moralidade, impessoalidade e proporcionalidade (art. 37, caput)[6].

Vale esclarecer que, em relação ao mérito, não foi questionada a inconstitucionalidade das cotas como ação afirmativa visando a inclusão social dos descriminalizados, nem a existência do racismo na sociedade brasileira. Em apertada síntese, o que se quis discutir foi a constitucionalidade da adoção de uma política afirmativa baseada na raça, já que o preconceito no Brasil não era racial, e sim social. Ademais, foi arguido que havia um tribunal racial na UnB, em razão da entrevista realizada para se confirmar a validade da autodeclaração, uma vez que terceiros determinavam quem seria branco e quem seria negro, configurando uma arbitrariedade, além de ser um critério altamente subjetivo.

Também foi questionada a classificação “biracial”, pois em um país marcado pela diversidade racial seria esdrúxulo dividir a população em apenas dois grupos étnicos, negros ou pardos e brancos. A UnB, por sua vez, alegou que o combate à discriminação não é suficiente. É preciso, junto a isso, a realização de políticas que promovam a igualdade. Além disso, aduziu que o sistema de cotas implantado tem o fito de democratizar o ensino.

Por unanimidade, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da ADPF, julgando, portanto, ser constitucional o sistema de cotas adotado pela UnB. Os ministros seguiram o entendimento do relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski, e apesar de os argumentos variarem, todos tinham a mesma essência, qual seja, a propagação da igualdade material. Em seu voto o relator se baseou em quatro premissas: 1ª) No Brasil a pobreza tem cor. Os negros e pardos encontram-se em posição inferior aos brancos em todos os indicadores sociais como serviços de saúde, taxa de mortalidade infantil, renda, nível de analfabetismo etc.; 2ª) a disparidade socioeconômica entre brancos e negros não se deu ao acaso, é fruto da segregação racial proveniente da escravidão; 3ª) a abolição da escravatura, embora tenha colocado fim formalmente à submissão do negro, não houve qualquer política visando a inclusão social das etnias afrodescendentes, dando início ao preconceito mascarado presente nas relações sociais; 4ª) políticas universalistas que visam a melhoria das condições econômicas e sociais, não considerando as questões raciais, não conseguem diminuir a desigualdade socioeconômica entre brancos e negros no Brasil. (DUARTE, 2014, p.13).

Outro argumento utilizado para rechaçar a ADPF nº 186 foi a ideia de “raça” vista sob a perspectiva jurídica, que não é biologicamente determinada pelo genoma humano (perspectiva antropológica), e sim por fatores históricos, sociais, políticos e culturais. O preconceito na sociedade não tem origem no genoma humano, mas sim no fenotípico de determinados indivíduos e grupos sociais. Sendo assim, no que diz respeito à entrevista realizada pela faculdade, não há qualquer inconstitucionalidade já que se visa apenas identificar os indivíduos que pelos seus traços fenotípicos sofrem discriminação. Ademais, o único desígnio do sistema adotado pela Universidade é o de evitar fraudes para garantir que as vagas destinadas aos negros sejam, de fato, ocupadas por eles.

De acordo com o explicitado, o sistema da UnB caracteriza-se por possuir objetivos plurais e democráticos, uma vez que consegue enquadrar diversos grupos de indivíduos em sua respectiva modalidade de cotas, aquela mais condizente com a reparação que cada indivíduo necessita. Essa pesquisa, portanto, traz o modelo da UnB justamente porque é o modelo que mais consegue ser satisfatório aos diversos argumentos utilizados quando o assunto é ações afirmativas, na modalidade cotas.


4 O SISTEMA DE COTAS ADOTADO PELA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Visando pôr fim a todo esse cenário de desigualdade racial e obter a democratização do ensino, a Universidade do Estado da Bahia e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ foram pioneiras na implantação do sistema de cotas. A UERJ instituiu cotas nos cursos de graduação e a UNEB nos de graduação e pós-graduação, ambas em 2002. No caso particular da UNEB, com seu sistema de multicampia, presente em vinte e quatro municípios e vinte e nove departamentos, verifica-se que esse sistema já contribuía para a democratização do ensino que levou educação à população mais carente dos interiores da Bahia que não possuíam condições financeiras de se deslocar para os grandes centros urbanos.

Diante desse cenário fértil de inclusão social preconizado pela UNEB, houve a aprovação, por unanimidade, da Câmara de Vereadores de Salvador para se encaminhar ao governo do Estado proposta que visava reservar 20% das vagas dos vestibulares de todas as Universidades Estaduais da Bahia aos afrodescendentes. A proposta final foi de uma resolução com reseva de 40% das vagas da graduação e pós-graduação para candidatos negros que comprovassem ser provenientes de escola pública. Em julho de 2002, a Resolução nº 196/2002 foi aprovada e começou a produzir seus efeitos no vestibular de 2003. (MATTOS, 2003, p. 136-139).

O art. 1º da referida Resolução da UNEB prevê a reserva de uma quota mínima de 40% nos cursos de graduação e pós-graduação para candidatos afrodescendentes (pretos ou pardos), que cursaram todo ensino médio em escola pública. A referida medida possui dois fundamentos precípuos: a reparação histórica, voltada a oportunizar ao negro, outrora escravizado e vítima de um desencadeado processo de desigualdade, o ingresso no ensino superior, bem como a reparação social, impondo a obrigatoriedade de este aluno advir de escola pública, demonstrando também uma atenção especial àqueles que sofrem pela insuficiência de recursos.

De maneira que apenas oportunizar o ingresso desses vestibulandos no ensino superior se mostraria insuficente, se isolado, já preceitua o art. 4º da Resolução o dever que a Universidade possui em desenvolver políticas públicas de assistência e permanência estudantil para os discentes que ingressarem através desse sistema de cotas. Em 2007, um fato que evidenciou o sucesso da implantação do sistema de cotas foi a formação da sua primeira turma de estudantes que ingressaram por intermédio desse programa, ratificando que a referida política afirmativa contribui para o avanço da promoção da igualdade sócio-racial no âmbito acadêmico.

Cinco anos após a Resolução que implantou o sistema de cotas na Universidade, foi criada a Resolução nº 468/2007 que, além do critério racial, elenca requisitos que deverão ser adotados concomitantemente para que o candidato possa ingressar pelo sistema de cotas. A partir de então, além de declararem-se negros ou indígenas, os candidatos devem ter cursado todo o ensino médio em escola pública, bem como obter renda familiar mensal inferior ou igual a 10 (dez) salários mínimos. Assim, preleciona o art. 4º da referida Resolução:

Art. 4º. Estão habilitados a concorrer às vagas reservadas candidatos negros e candidatos indígenas que preencham os seguintes requisitos:

a) Tenham cursado todo o ensino médio em escola pública;

b) Tenha renda familiar mensal inferior ou igual a 10 (dez) salários mínimos;e

c) Sejam e declarem-se negro ou indígena, conforme quadro de auto-classificação étnico-racial constante da ficha de inscrição do respectivo processo seletivo.

Nota-se, pela redação do art. 4º, que os três critérios devem ser cumulados para que o candidato possa ingressar na Universidade através do sistema de cotas, diferentemente do que ocorre com a UnB, uma vez que os critérios são independentes, como observado previamente.

Internamente a UNEB está modificando suas políticas de ingresso, perfilhando o entendimento de que ainda que o candidato não se autodeclare negro ou indígena poderá adentrar por meio deste sistema, desde que demonstrados os outros dois requisitos, quais sejam, advir de escola pública e adequar-se ao critério econômico[7]. A Universidade adotou, além do Sistema Universal de ingresso, o Sistema Étnico, Social e Econômico. Contudo, conforme a cartilha da Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB: A construção de um programa permanente, realizada no ano de 2011:

É urgente não somente discutir o sucesso de um sistema pioneiro implantado por uma universidade pública do estado, e um dos pioneiros no Brasil, mas também discutir as fragilidades do sistema que tem viabilizado o ingresso de estudantes não-negros e não-indígenas, aumentando significativamente a concorrência de cotistas nos cursos de alto prestígio social oferecidos pela instituição. Essa situação põe em risco a legitimidade enquanto política pública de inclusão e afirmação de parte significativa dessas populações historicamente excluídas de participarem da educação de nível superior. (p. 52)

Dado o exposto, cumpra-se salientar que somente a implantação desse sistema não é suficiente para garantir a efetividade das cotas na Universidade do Estado da Bahia. É necessário que, conjuntamente à implantação das cotas de maneira objetiva, a UNEB esteja desenvolvendo suporte para o acompanhamento do percurso acadêmico dos cotistas, a fim de concretizar os preceitos da igualdade material, conteúdo das ações afirmativas. Isso apenas ocorrerá com o surgimento de políticas de permanência e assistência estudantil comprometidas com as demandas mais elucidativas e urgentes que são peculiares a esse grupo de indivíduos.


5 A EFICÁCIA DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA E PERMANÊNCIA ESTUDANTIL DESTINADAS AOS DISCENTES COTISTAS DA UNEB – DCHT – CAMPUS XIX

No ano de 2011 foi realizada a 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB: A Construção de um Programa Permanente[8], que ocorreu nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2011 pelo Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos (CEPAIA) com o apoio do Grupo de Pesquisa FIRMINA Pós-Colonialidade: educação, história, cultura e Ações Afirmativas, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros (AFROUNEB), do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, que teve como principal objetivo o desenvolvimento de ações institucionais para debater e acompanhar o sistema de cotas na UNEB e a implantação de um programa de permanência para os cotistas.

Na Conferência de Ações Afirmativas toda a comunidade universitária pôde ser participante com direito à voz e voto, desde que credenciados no período e na forma estabelecida no Regimento da Conferência. De cada Departamento, necessariamente, participaram três representantes (um professor, um estudante e um servidor) com a função precípua de estimular as discussões acerca do tema durante a realização da Conferência, que foi dividida em nove Grupos Temáticos (GT) com função de enviar à Coordenação um mínimo de seis e máximo de dez propostas, que seriam aprovadas, primeiramente, pelo GT e depois em plenária geral. É importante ressaltar que desta Conferência foi recomendada a implantação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (PROAF), que se concretizou no ano de 2014.

Desde a implantação da PROAF no ano de 2014 outras ações foram desenvolvidas a fim de consolidar uma política inclusiva, oportunizando aos estudantes, de um modo geral, igualdade de oportunidades e direitos. Foi neste sentido que a PROAF apresentou a proposta de realização da 1ª Conferência de Cotistas da UNEB idealizando a construção democrática de um Programa de Permanência para Estudantes Cotistas.

A Conferência ocorreu entre os dias 02 e 03 de agosto de 2016, em Salvador, e foi um projeto realizado pela PROAF e pelo CEPAIA, que teve como finalidade a convocação dos estudantes cotistas negros e indígenas, em especial, para a confecção de um Programa de Permanência em um documento oficial, de modo a possibilitar a criação de subsídios para avaliação e aperfeiçoamento do atual sistema de cotas na UNEB. A organização da Conferência dos Cotistas se assemelha com a Conferência de Ações Afirmativas, explicitada acima, em que também serão discutidos, através dos GTs, alguns textos temáticos para a elaboração de no mínimo cinco e no máximo dez propostas a serem apresentadas para a Mesa Diretora da Conferência.

Os delegados da Conferência de Cotas foram votados em assembleia departamental e tiveram direito a voz e voto. Vale salientar que os delegados retirados em cada departamento da UNEB deveriam, obrigatoriamente, ser estudante cotista. O art. 4º, parágrafo primeiro do Regimento da Conferência diz que:

Somente terão direito à voz e voto os estudantes cotistas eleitos como delegados nas Plenárias Departamentais e delegados representantes indicados pelos seus órgãos de representação, a saber: 2 (dois) representantes da ECGU; 2 (dois) representantes do DCE, 2 (dois) representantes do SINTEST, 2 (dois) representantes da ADUNEB, 2 (dois) do Fórum de Diretores.

No Campus XIX, foi realizada uma plenária no dia 25 de julho do ano de 2016, com o propósito de votar os delegados que iriam representar os cotistas na Conferência. Neste ato foram escolhidos um total de seis delegados estudantes cotistas dos dois cursos, Direito e Ciências Contábeis, para representar os demais estudantes cotistas na Conferência. Os delegados foram: Joice Lima Ferreira de Jesus, Marlon Tolentino de Souza Santos, Akhenaton Argolo Gomes e Ana Karoliny Sampaio Batista, do curso de Direito, e Deise Pereira Gonçalves Santos e Hilma Silva dos Santos, do curso de Ciências Contábeis.

A Conferência de Cotas também foi subdividida em Grupos Temáticos, um total de seis, conforme art. 12 do Regimento. Por fim, é importante ressaltar que a Comissão organizadora teve um prazo de 30 dias, a contar do encerramento da Conferência, para reunir as propostas em um documento final e encaminhar à Reitoria da UNEB com solicitação de encaminhamento ao CONSU para aprovação, isso de acordo como art. 10 do Regimento. Sendo assim, até meados de setembro as propostas finais elaboradas pela Conferência estariam em fase de encaminhamento para aprovação.

Além da Conferência dos Cotistas e da Conferência de Ações afirmativas a UNEB desenvolveu, através da PROAF, o programa AFIRMATIVA[9], aprovado pela resolução nº 1.214/2014 do CONSU, que instituiu o Programa de Bolsas de Pesquisa e Extensão para Estudantes Cotistas no âmbito da UNEB. Esse programa visa contemplar um quantitativo de 20 (vinte) bolsas no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para os estudantes cotistas. O edital referente ao programa é o de nº 072/2016 da UNEB, que abre inscrições para apresentação de propostas para obtenção de bolsas de pesquisa e extensão nos Campi da UNEB, exclusivamente para estudantes cotistas. O principal objetivo do programa é fomentar o desenvolvimento satisfatório da trajetória acadêmica do estudante cotista, com vistas a fortalecer o processo de formação.

A Universidade também se preocupa em atender às demandas de acesso e permanência estudantil com a implantação de Residências Universitárias – RU. As vagas destinadas à RU são para estudantes de primeira graduação que esteja regularmente matriculado nos Departamentos em que esteja situada a residência estudantil. O residente da UNEB faz jus a uma bolsa auxílio residência, paga em oito vezes, no valor histórico de R$ 200,00 (duzentos reais). É importante salientar que, dentre outros critérios, o barema de avaliação dos ingressantes atribui 04 (quatro) pontos para estudantes que se autodeclaram negro e 06 (seis) pontos para o candidato cotista.

A fim de averiguar a eficácia dessas políticas assistenciais, foi realizado um mapeamento no Campus XIX com aplicação de questionário objetivo a cinquenta graduandos cotistas do curso de Direito. O resultado pode ser observado a partir da análise do gráfico abaixo:

GRÁFICO 01: Ações Afirmativas na UNEB sob a perspectiva do cotista.

 FONTE: dados da pesquisa, 2016.

Observa-se pela análise do gráfico retro, que embora existam diversas ações assistenciais das quais os cotistas são os maiores beneficiários, os mesmos não participam ou conhecem as políticas implantadas. Quando questionado, subjetivamente, a razão para essa ínfima participação notou-se que os graduandos responderam que a maior dificuldade enfrentada é a falta de ampla divulgação desses programas. Ademais, alguns consideram o número de vagas insuficientes para atender a maioria dos cotistas, bem como ressaltam a indisponibilidade de tempo, em razão de muitos necessitarem trabalhar para manter-se na universidade.

Outro ponto elencado pelos cotistas entrevistados é o método utilizado nos processos seletivos, bem como a burocracia encontrada nestes. Contudo, houve ressalvas de que ainda assim há necessidade de fiscalização mais eficaz para verificar se os beneficiários são realmente cotistas e dependem financeiramente daqueles recursos. Alguns, por sua vez, declaram que a escassez de recursos financeiros é óbice à participação do cotista e que, muitas vezes, ainda que haja gratuidade nas inscrições, a UNEB não lhes oferece suportes para a participação.

Também por meio de questionário objetivo, foi possível constatar que 52% dos cotistas entrevistados acreditam que os editais, seleções e programas assistenciais diversos lançados pela UNEB, Campus XIX, facilitam a participação dos estudantes cotistas. Em que pese tal porcentagem, 80% desses entrevistados não participaram de quaisquer programas de estágio, ensino, pesquisa ou extensão com direito à bolsa ou políticas assistenciais citadas acima. Por fim, 74% afirmaram que a UNEB não oferece aparato suficiente para que os cotistas consigam participar em igualdade de condições com os não cotistas na vida acadêmica.

Com o fito de analisar o desempenho acadêmico dos estudantes, o contingente de cinquenta não cotistas e de cinquenta cotistas responderem ao questionário quantitativo aplicado, comprovando-se que, a partir dos dados da pesquisa aplicada, 54% dos cotistas enfrentam dificuldades no aprendizado da grade curricular do curso por déficit do ensino fundamental e/ou médio. Isto é, mais da metade dos cotistas justificam essas dificuldades na má formação oferecida na educação pública, o que fortalece ainda mais a necessidade da implantação desse sistema de cotas. Com a finalidade de constatar esses dados, segue abaixo o gráfico comparativo entre o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas:

GRÁFICO 02: Média Global dos Entrevistados

FONTE: dados da pesquisa, 2016.

É importante salientar que a escolha pela análise das médias globais dos graduandos se deu, por ser esse o método escolhido pela Universidade para avaliar o desempenho dos estudantes. Conquanto, outras variáveis podem influenciar no rendimento dos entrevistados. Assim, ao observar as informações contidas nas barras, nota-se que o desempenho dos não cotistas em relação ao desempenho dos cotistas é levemente superior, uma vez que justamente nas barras em que a média é mais elevada se tem o maior número de não cotistas.

Outro ponto de grande relevância foi a constatação de que 72% dos graduandos não cotistas entrevistados se autodeclaram negros, sendo 24% pardos e 48% pretos. Apenas 26% dos não cotistas de autodeclaram brancos. Neste liame, fazendo referência às lições pontuadas anteriormente, pode-se observar que esse percentual de não cotistas negros possivelmente seriam cotistas, caso o sistema de cotas da UNEB caracterizasse por cotas unicamente para negros, tal como é o sistema da UnB. Deve-se ser levado em consideração que pelo sistema de cotas da UnB autodeclaração é ratificada pela comissão de avaliação, que tem o fito de avaliar se os vestibulandos que se autodeclaram negros possuem, de fato, traços fenotípicos.

Nesse liame, é possivel observar que o sistema de cotas da UNEB não visa, apenas, a reparação histórica, devido aos séculos de mão-de-obra escrava negra no Brasil, mas é notório que a autodeclaração é um critério que só será válido se consubstanciado aos demais critérios elencados no art. 4º da Resolução nº 468/2007. O resultado disso é que 82% dos entrevistados não cotistas não conseguem reconhecer visualmente os graduandos que ingressaram na universidade através do sistema de cotas. Isso se dá porque a Universidade não possui um sistema de cotas apenas racial e um percentual elevado de não cotistas se autodeclaram negros. Conclui-se, assim, que o sistema de cotas da UNEB carece de algumas reformas pontuais, haja vista que nem todos os negros são contemplados no sistema atual adotado.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de responder as várias questões suscitadas no presente artigo, observou-se que as ações afirmativas, como instrumento de propagação da igualdade material não está sendo integralmente observado pelas políticas adotadas pela UNEB, uma vez que embora existam programas assistenciais voltados à permanência e assistência aos cotistas, a eficácia dessas políticas está limitada aos vários fatores apresentados pelos próprios cotistas, o que acaba por restringir o bem estar desses estudantes no mundo acadêmico.

A partir dos dados dos questionários, restaram demonstradas inquietações quanto à necessidade de aumento da quantidade e do valor de bolsas assistenciais, bem como a regularidade do pagamento das mesmas, a fim de possibilitar o atendimento às necessidades pessoais e educacionais do público cotista. Além disso, foram apresentadas ideias quanto à quota para xérox e criação de creche para os filhos de estudantes cotistas. Compreendem também que deve ser ampliado o número de vagas da Residência Universitária e que é importante a disponibilização de auxílio-transporte e/ou transporte universitário gratuito para os turnos matutino e vespertino, assim como auxílio-alimentação e/ou criação de restaurante universitário.

Outrossim, foi apresentada a importância de criação de oficinas, cursos e monitorias que deem suporte acadêmico para atender às dificuldades dos alunos no que tange à aprendizagem, em razão do déficit do ensino fundamental e/ou médio. Além disso, alguns dos entrevistados corroboraram a necessidade de fornecimento de atendimento psicossocial para os cotistas. Sendo assim, é necessário que a UNEB esteja implantando medidas que venham tornar eficazes as suas políticas já implantadas e criar outras ações, como sinalizadas acima, visando o bem estar do cotista no espaço acadêmico. As cotas não devem ser vistas apenas como forma de adesão dos estudantes a universidade, mas como forma de democratização do ensino e do ambiente acadêmico.

Com base nas informações já mencionadas, observa-se que a UNEB não é caracterizada por instituir um sistema de cotas unicamente para negros. Isso pode ser observado a partir da Resolução de Cotas da Universidade, em que o critério racial é apenas um requisito que deve ser cumulado com a verificação da renda familiar e o critério da escola pública. Assim, é possível afirmar que, diante de uma sociedade marcada pela escravidão e pelo preconceito racial, alguns dos graduandos não cotistas e que se autodeclaram negros podem sofrer discriminação devido aos seus traços fenotípicos.

Diante disso, seria necessária a criação de Comissão de Avaliação na UNEB para análise dos traços fenotípicos daqueles que se autodeclaram negros, tudo isso com o fito de garantir que as vagas destinadas aos negros sejam, efetivamente, ocupadas por eles. Essa comissão também é necessária para verificar se a autodeclaração é condizente com os aspectos fenotípicos dos negros, uma vez que os três critérios para que o vestibulando possa ingressar pelo sistema de cotas na UNEB devem ser avaliados concomitantemente. Isso significa que ainda que o candidato seja oruindo de escola pública e possua renda familiar dentro dos critérios estabelecidos pela Resolução 468/2007 e não seja negro, não poderá ingressar pelo sistema de cotas. Assim, é necessário que a avaliação desse último critério seja realizada através de uma comissão instituída internamente pela Universidade. Por fim, cumpre salientar que todos os cotistas entrevistados se autodeclaram pretos ou pardos.

Como indicação de pesquisa, sugere-se que seja investigado o índice de desistência dos graduandos cotistas da UNEB, e quais as principais razões para tais desistências, uma vez que isso interfere diretamente nas políticas que a Universidade pode adotar, a fim de evitar evasões. Sugere-se também que outras pesquisas possam se desenvolver no âmbito dos fatores que podem influenciar na obtenção da média global dos estudantes cotistas. Isso porque a Universidade poderá criar outras políticas direcionadas à assistência dogmática dos cotistas.

Por derradeiro, a pesquisa evidenciou que ainda há um longo caminho para percorrer, isso com a finalidade de alcançar o bem estar do cotista e a reparação histórica ao povo negro. É preciso, para que haja a democratização do espaço acadêmico, não só a instituição de políticas de cotas, mas também é imprescindível a criação e/ou aprimoramento das políticas de assistência e permanência visando a inserção desse aluno na Universidade.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 11.711 de 29 de agosto de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm> Acesso em: 28.08.2016.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 186/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 26 de abril de 2012. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 01.09.2016.

CARVALHO, José Jorge de. Uma Proposta de Cotas para Negros e Índios na Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=265&path%5B%5D=391>. Acesso em: 27.08.2016.

DUARTE, A.C. A Constitucionalidade das Políticas de Ações Afirmativas. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/ CONLEG/Senado, abril 2014 (Texto para discussão nº 147). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 25 de agosto de 2016.

FILICE, Renisia C. G.; SANTOS, Deborah Silva. Ações Afirmativas e o Sistema de Cotas na UnB. Disponível em: <http://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2015/03/05-a%C3%A7%C3%B5es-afirmativas-e-o-sistema-de-cotas-na-unb.pdf>. Acesso em: 27.08.2016.

GOMES, Joaquim Benedito Barbosa; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. As ações afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL AS MINORIAS E O DIREITO, 2002, Brasília, DF. As minorias e o Direito. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2002.                                

 MATTOS, Wilson Roberto de. Ações Afirmativas na Universidade do Estado da Bahia: razões e desafios de uma experiência pioneira. In: Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e ET.AL. (orgs), Educação e Ações Afirmativas: Entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t. 4. 2. ed. Coimbra: Coimbra: 1993.

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988.

PIOVESAN, Flávia. Temas de Diretos Humanos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

__________. Ações afirmativas e Diretos Humanos. Revista USP, n 6, mar/maio 2006.

REZENDE, PINTO, José Marcelino. Introdução. In: Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e ET.AL. (orgs), Educação e Ações Afirmativas: Entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.

ROTHENBURG, Walter. Igualdade Material e Discriminação Positiva: O Princípio da Isonomia. NEJ - Vol. 13 - n. 2 - p. 77-92 / jul-dez 2008.

ROZAS, Luiza B. Cotas para Negros nas Universidades Públicas e a sua Inserção na Realidade Jurídica Brasileira – Por uma Nova Compreensão Epistemológica do Princípio Constitucional da igualdade. Disponível em <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br/uploads/usp_dissertacao_2009_LBRozas.pdf> Acesso em: 01.09.2016.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Negros na universidade e produção de conhecimento. In: Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e ET.AL. (orgs), Educação e Ações Afirmativas: Entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF julga constitucional política de cotas na UnB. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042>. Acesso em: 01.09.2016.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Entenda a evolução das cotas na UnB. Disponível em: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=8620>. Acesso em: 27.08.2016.

__________. Edital nº 1 – vestibular 2016, de 6 de abril de 2016. Disponível em: <http://www.cespe.unb.br/vestibular/VESTUNB_16_2/arquivos/ED_1_2016_VEST_UNB_16_2_ABT.PDF>. Acesso em: 27.08.2016.

__________. Análise do sistema de cotas da Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.unb.br/administracao/decanatos/deg/downloads/index/realtorio_sistema_cotas.pdf>. Acesso em: 27.08.2016.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB: A Construção de um Programa Permanente. Disponível em: <http://www.uneb.br/cepaia/files/2011/08/Conferencia8.pdf>. Acesso em: 27.08.2016.

___________. Manual Residências Universitárias. Disponível em: <http://www.uneb.br/praes/files/2011/01/manualresi.pdf> Acesso em: 24.10.2016.


Notas

[1] “Separate but equal” foi a doutrina que chancelou a segregação racial Norte-Americana.

[2] É quando a lei confere tratamento desigual aos indivíduos. Chama-se fator discriminatório positivo.

[3] A ausência de qualquer das premissas impede a configuração do fator discriminatório.

[4] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186 - Supremo Tribunal Federal.

[5] Informações retiradas do Edital nº  01 do Vestibular 2016 da UnB. Disponível em: <http://www.cespe.unb.br/vestibular/VESTUNB_16_2/arquivos/ED_1_2016_VEST_UNB_16_2_ABT.PD>. Acesso em: 27.08.2016.

[6] Informação extraída da notícia “STF julga constitucional política de cotas na UnB”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042>. Acesso em: 20.08.2016.

[7] Informação retirada da cartilha da Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB: A Construção de um Programa Permanente, p. 52. Disponível em: <http://www.uneb.br/cepaia/files/2011/08/Conferencia8.pdf>. Acesso em: 27.08.2016.

[8] Disponível para leitura no seguinte link da Universidade do Estado da Bahia: <http://www.uneb.br/cepaia/files/2011/08/Conferencia8.pdf>. Acesso em: 27.08.2016.

[9] Informação retirada diretamente do sítio da UNEB no link: <www.uneb.br/2016/07/29/uneb-lanca-bolsa-de-pesquisa-e-extensao-para-estudantes-cotistas/>. Acesso em: 01.09.2016.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Raina da Silva Carigé Carvalho ; FERREIRA, Isadora Oliveira Santos et al. A eficácia das cotas para negros no campus XIX da Universidade do Estado da Bahia a partir de uma análise do bem-estar dos estudantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58893. Acesso em: 20 abr. 2024.