Quando um consumidor resolve depositar uma quantia em dinheiro no banco, ele espera um rendimento. Se, por algum motivo, a atualização monetária é realizada com base em um índice de correção menor do que aquele efetivo, há uma perda no valor real do rendimento, e esta perda chama-se expurgo.
No caso da poupança, em relação aos planos Bresser e Verão, apenas os poupadores que tinham aplicações com data de aniversário até o dia 15 de cada mês puderam pleitear de volta parte do prejuízo, muito embora os demais poupadores também tenham perdido com as alterações de indexadores.
A falha jurídica que permitiu que parte dos poupadores tivessem a chance de receber de volta essas diferenças decorreu da data em que foram editadas as normas e da sua aplicação sem respeito aos períodos de aquisição da remuneração da poupança que já haviam iniciado.
Ocorre que quando o consumidor requer ao banco que apresente os extratos relativos aos períodos em que fora correntista para fins de ajuizamento para ressarcimento dos expurgos inflacionários, o banco ignora e não fornece os dados com o fito de fazer o consumidor desistir da ação ou que transcorra o prazo prescricional, e o mais grave é que alguns magistrados entendem como a defesa dos bancos em juízo: que ou se aplica o CDC para utilização da inversão do ônus da prova e assim também condiciona o prazo prescricional da referida ação em 5 (cinco) anos, ou se aplica o Código Civil com a prescrição vintenária (20 anos) e não se fala mais em inversão do ônus da prova, cabendo ao consumidor a responsabilidade de apresentar provas de que era correntista à época dos fatos.
A instituição deve fornecer os dados necessários, desde que judicialmente determinados, e razoável não é incumbir essa obrigação de guardar documentos bancários ao consumidor, tendo em vista seu caráter vulnerável e a sua hipossuficiência[1]. Ao banco, pela Teoria do Risco da Atividade, compete a responsabilidade em guardar os dados de seus clientes.
É cediço que o Código de Defesa do Consumidor – CDC advém de uma lei principiológica e que, segundo a ilustre Prof.ª Dra. Cláudia Lima Marques, há que existir o diálogo de fontes[2] no nosso ordenamento jurídico. Quando falamos em inversão do ônus da prova, ele por si só é um direito inerente ao consumidor e os tribunais pátrios já se manifestaram no sentido de afirmar que há relação de consumo entre bancos e seus correntistas. Inclusive o Supremo Tribunal Federal já ratificou esse entendimento com o julgamento da ADIN 2.591.
Não é necessário que, para utilizar um direito do consumidor, precisemos de todos os direitos elencados no CDC, até porque é um rol exemplificativo, e não taxativo, de direitos. Em análise ao diálogo das fontes, observamos que pode, com uma clareza suprema, o consumidor se valer de algumas normas do direito consumerista e de outras do direito civil (como é o caso da prescrição) e nem por isso causar qualquer transtorno às normas vigentes. Os requisitos para a concessão a inversão do ônus da prova pelo magistrado são: a verossimilhança[3] e a hipossuficiência.
O CDC, em seu art. 6º, inciso VIII, nos esclarece que:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”.
E quanto ao diálogo das fontes, preconizado em nosso país pela jurista Cláudia Lima Marques, o art. 7º do mesmo codex é radiante:
“Art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade”.
Nesse sentido já se posicionou a jurisprudência pátria[4].
A Constituição Federal falou da necessidade de se proteger o consumidor[5], mas essa proteção vai muito além da mera fiscalização pelos órgãos de defesa do consumidor, legalmente constituídos. A prestação jurisdicional é a forma mais eficaz de assegurar esses direitos, haja vista que, através dela, o consumidor pode garantir a aplicação da lei corretamente e punir os maus fornecedores, que se aproveitam da condição de fragilidade/vulnerabilidade, que é natural dos consumidores, para impor condutas abusivas que lhes garante maior lucratividade nas relações de consumo.
Notas
[1]É a falta de capacidade natural do consumidor ante os avanços tecnológicos do mercado de consumo, pode ser técnica, jurídica ou financeira.
[2]“Diálogo das fontes é uma expressão retórica (e semiótica = conta sua própria finalidade de impor duas lógicas, de aplicar simultânea e concomitantemente duas leis).” In BENJAMIN, Antonio Herman V, et al. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2009. p. 90.
[3]Os fatos alegados presumem-se verdadeiros.
[4]REsp. 696.816, de 29.10.2009, Rel. Ministro SIDNEI BENETI
[5]Art. 5º, inciso XXXII, CF/88.