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A segurança do magistrado

Agenda 19/11/2012 às 14:00

O Estado parece preocupar-se mais com as testemunhas e vítimas do crime do que mesmo com os órgãos de combate à criminalidade. É quase nenhuma a proteção que se dispensa aos policiais, aos magistrados e a esses órgãos de repressão à violência.

Já se disse que não há sociedade sem crime, mas o possível situa-se em mantê-la em níveis aceitáveis, de conformidade com a realidade social. No Brasil, a criminalidade toma proporções preocupantes, que não tem nada de razoável ou aceitável.   

A Constituição federal, art. 6º, inc. XXII, assegura a todo trabalhador o direito “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. 

A Lei n. 12.694, de 24/07/2012, semelhantemente ao que já ocorreu na Itália, durante a Operação Mãos Limpas de combate à máfia, onde se criou os denominados “juízes sem rosto”, dispõe sobre o processo e o julgamento por colegiado, em primeiro grau de jurisdição, de crimes praticados por organizações criminosas; a nova lei autoriza os tribunais a controlar o acesso aos prédios, onde funcionam os serviços judiciários, instalando câmeras e detectores de metais; é passo significativo na busca de segurança institucional para os magistrados que julgam criminosos altamente perigosos; visa a lei diminuir as ameaças e sacrifícios de magistrados no exercício funcional. Nesse caso, o julgador poderá buscar a formação de um colegiado, composto de três magistrados, para o procedimento e julgamento dos crimes originados de organizações criminosas.

No âmbito administrativo, o CNJ editou a Resolução n. 104, de 06/04/2010, que dispõe sobre medidas para a segurança dos magistrados; todavia, passados mais de dois anos, na Bahia e na maioria dos Estados, não se constata o “controle de acesso aos prédios com varas criminais”, a instalação de câmaras de vigilância, de detector de metais ou o policiamento ostensivo com agentes próprios, como exige a Lei e a Resolução.

Os órgãos e instrumentos de repressão à violência, constituídos das polícias, que ficam na linha de frente sem segurança própria e muito menos de seus familiares, dos delegados, dos magistrados, dos promotores, dos defensores públicos, dos servidores, dos advogados e do sistema penitenciário e criminal são abandonados nos ambientes de trabalho, sem a mínima estrutura e segurança, onde enfrentam reclamações dos cidadãos em busca dos serviços públicos, e, por vezes, são maltratados, violentados e até mortos.

O Estado parece preocupar-se mais com as testemunhas e vítimas do crime do que mesmo com os órgãos de combate à criminalidade. É quase nenhuma a proteção que se dispensa aos policiais, aos magistrados e a esses órgãos de repressão à violência. A permissão legal para o porte de arma de fogo para a defesa pessoal não soluciona a angústia pela qual passam os profissionais de toga.

O Estado não cumpre sua obrigação ao falhar na segurança dos fóruns e no desleixo para garantir o exercício dos magistrados na função de julgar.

A insegurança dos magistrados é notada quando se constata o verdadeiro abandono dos fóruns, pois neles não se encontra estrutura mínima para desenvolvimento da atividade profissional, muito menos segurança com policiamento ou outros recursos, a exemplo do detector de metais; pelo contrário, enumeram-se cenas de violência, invasão com ameaças e até destruição do patrimônio público ou desrespeito aos juízes e servidores. 

Em muitas unidades da federação, há um rol de magistrados marcados para morrer simplesmente porque atuam no cumprimento de seus deveres.  

Os magistrados defendem a execução pelos Tribunais das medidas de segurança anunciadas na Resolução do CNJ e querem melhorias na estrutura das Varas de Execuções penais, além de controle mais efetivo dos presos.

Enquanto isso não ocorre, os criminosos testam a segurança dos magistrados através dos arrombamentos dos fóruns, dos roubos de armas e de drogas apreendidas, além do apossamento de processos e outros documentos.

O fórum da Comarca de Paramirim, no sudeste da Bahia, foi arrombado e os criminosos levaram vários documentos; em Ilhéus, o fórum Epaminondas Berbert de Castro foi invadido por sete bandidos; em Lençóis, na Chapada Diamantina, serraram uma grade da janela do prédio e houve a invasão; em Santo Antonio de Jesus, em Buerarema furtaram armas e drogas apreendidas; em Ipiau os bandidos destruíram o teto do prédio e levaram duas pistolas, sete revólveres e drogas.

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A ação dos bandidos é sempre facilitada pela absoluta falta de segurança nos fóruns e muitos deles são instalados em prédios que não servem para promover os trabalhos jurisdicionais. É o que ocorre, por exemplo, com o fórum de Sobradinho, instalado em galpão, praticamente abandonado e cedido pela Codevasf ao Judiciário; o fórum de Tanque Novo em uma casa velha e o de Luis Eduardo também em um galpão, alugado pela Prefeitura do município.

Em muitas unidades judiciárias da Bahia e de outros Estados a situação não muda e pode ser até pior.

As facilidades para as invasões e roubos de armas e munições dos fóruns acontecem também porque a polícia só recolhe esse material em datas programadas, uma vez por ano, e os bandidos tomam conhecimento disso e da fragilidade do sistema. 

Aos gestores judiciários compete requisitar segurança para os magistrados que se encontram em situação de risco, mas isso é muito pouco, porquanto somente após a ameaça é possível essa providência que deveria ser tomada preventivamente pelo Estado. 

Em abril passado, os juízes federais paralisaram suas atividades por um dia, dentre outros motivos pela falta de segurança para os juízes.

Em 2011, a juíza fluminense Patrícia Acioli foi executada por policiais com 21 tiros, porque prendeu integrantes de milícias clandestinas; talvez, em função desse bárbaro assassinato, o Rio de Janeiro implantou, nos prédios da justiça, na capital, catracas e detector de metais, impedindo o ingresso neles de pessoas com armas. Nos gabinetes, os juízes dispõem do botão de pânico, ligado diretamente com o Centro Integrado de Segurança. Outros Estados, a exemplo de Mato Grosso do Sul, instituiu o Serviço de Controle de Acesso às dependências do prédio do Tribunal de Justiça. A Bahia, através do Decreto Judiciário n. 461, de 14/09/2010, criou a Comissão de Segurança Permanente com o fim de elaborar plano de proteção e assistência aos juízes em situação de risco, além de conhecer e decidir pedido de proteção especial formulados por magistrados. 

Ademais, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais há o maior número de magistrados ameaçados, no total de 29 para cada Estado.

O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, através da Portaria n. 8678/12, criou um Gabinete Criminal de Crise, pelo período de 120 dias, apto a tomar medidas no campo jurisdicional e administrativo, visando acelerar o julgamento dos acusados na tentativa de combater a violência. 

Recentemente, o juiz Paulo Augusto Moreira Lima, da 11ª Vara Federal de Goiânia, que comandava a Operação Monte Carlo, afastou-se do processo contra Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e mais 79 réus, entre os quais 35 policiais, vinculados ao bicheiro, temendo as ameaças que ele e sua família sofriam; o juiz Rui Barbosa Carvalho, na condição de presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas da 14ª Região, levou ao conhecimento do CNJ sobre a movimentação irregular de processo bilionário naquela unidade; o resultado é que teve de levar mulher e filhos para cidade distante da 7ª Vara do Trabalho, em Rondônia, porque ameaçados; a juíza Elaine Canto da Fonseca, da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, está jurada de morte e suspeita-se que as ameaças partem de militares; é obrigada a deslocar-se em um dos três carros blindados postos à disposição da família; o juiz Odilon de Oliveira, em Mato Grosso do Sul, já se acostumou com nove agentes federais que lhe protegem inclusive no interior de sua casa; isso já acontece há mais de dez anos.

E veja-se que a reclamação por segurança parte mais das grandes cidades, ficando os magistrados do interior em completo abandono, exatamente os que mais são expostos, sem respaldo para sua segurança. 

Essas situações acima não são isoladas, pois segundo informa o CNJ quase 200 magistrados sofrem ameaças do crime organizado, em alguns casos, quadrilhas integradas por policiais e em outros por facções de dentro do sistema penitenciário; alguns são forçados a afastarem dos processos, porque não resistem às pressões dos criminosos.

A segurança conferida aos magistrados, através de escoltas, não resolve o problema, mas angustiam-lhes e retiram-lhes a normalidade de suas vidas; quase uma centena de magistrados encontra-se nessa situação, extensiva a toda a família. Tem a obrigação de ficar atentos contra a fúria dos bandidos e o Estado deixa de mostrar sua força por meio da extinção da bandidagem que levam o pânico à magistratura.

Diante do desleixo do Estado no cumprimento de sua missão, o crime organizado infiltra em diversas classes sociais, arrecada fundos, através do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro e promove o medo e o terror, ameaçando a estabilidade da democracia.

E não só os magistrados necessitam de segurança, mas também os servidores da justiça e os polícias que entregam suas vidas em benefício do cidadão.

Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. A segurança do magistrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3428, 19 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23050. Acesso em: 22 nov. 2024.

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