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A possibilidade de alteração do nome e sexo civil do transexual

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Agenda 06/06/2013 às 11:14

3. CONCLUSÃO

Os direitos da personalidadesão o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente e deve ser encarado como um valor máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada. É, por isso, que a Constituição Federal de 1988 tem como princípio nuclear a dignidade da pessoa humana que, segundo Cristiano Chaves (2007), é a cláusula geral de proteção e desenvolvimento da personalidade do indivíduo que assegura ao cidadão que direcione sua vida íntima de maneira que melhor lhe convir, permitindo-lhe receber respeito do Estado e dos demais. A Constituição garante a cidadania, o direito a ter direitos, de votar e ser votado e não se pode ter cidadania onde há um conflito entre o seu ser e o dever ser social.

O direito ao nome deve ser reconhecido e respeitado pelo ordenamento jurídico por configurar como um dos maiores direitos da personalidade. O nome é o sinal externo que identifica e individualiza a pessoa na sociedade e na família. Ele nasce com a pessoa e a acompanha durante toda a vida, até pós-morte. Não se extingue com a morte. Pois, permanece vivo na memória daqueles que a conheceram. A inalterabilidade do nome vem sendo relativizada, pois se tem admitido a autonomia jurídica do titular em relação ao nome.

Neste trabalho, foi analisado a transexualidade, diferenciando-a de outros fenômenos da sexualidade, discorrendo sucintamente sobre a cirurgia, os critérios para realizá-la. Após, fora avaliado o âmbito jurídico da cirurgia, o direito à realização da cirurgia, sobre aspectos médicos e psicológicos para elucidar a possibilidade de sua realização.

Pautado no entendimento de profissionais da Medicina e na Psicologia, segundo a doutrina e jurisprudência, que a cirurgia de transgenitalização se apresenta como a melhor e única opção de cura desse desvio de identificação do sexo psíquico com o físico, verifica-se que a ablação dos órgãos genitais tende a beneficiar o paciente transexual, biológica, psicológica e socialmente.Importa registrar que essa intervenção cirúrgica não encontra óbice para a sua realização, no ordenamento jurídico brasileiro, pois o objetivo principal é a harmonização do sexo biológico com o sexo psicológico e a inserção social e profissional do transexual, contribuindo com a sua cura ou a melhora da sua saúde, já que a Medicina atual não apresenta outra solução a não ser a correção cirúrgica do sexo para os casos de transexualismo.

Inclusive, o Conselho Federal de Medicina reconheceu essa cirurgia como correta e adequada para adequação de sexo e libera eticamente aos médicos a realização da operação desde 2002, quando expediu a Resolução nº. 1.652/02, estabelecendo os critérios de definição do transtorno e os critérios para realização da cirurgia.Essa cirurgia pode ser realizada em hospitais públicos ou universitários ou hospitais privados. Importante registrar que pode ser realizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde – Portaria nº. 1.707 de 20/08/2008).

Foi dito que a necessidade terapêutica e o consentimento válido do paciente transexual derrubam a tese de que a cirurgia violaria o princípio da indisponibilidade do corpo humano e o direito à integridade física, pois não há dolo por parte do médico, não é intenção dele mutilar o paciente transexual, mas de curar ou amenizar o sofrimento deste paciente. O transexual pode realizar a cirurgia, desde que por exigência médica, sem necessidade de autorização judicial.

O Direito é uma Ciência Social, devendo sempre estar em marcha, acompanhando as transformações sociais e científicas. Não pode o operador do Direito ignorar as informações fornecidas por médicos, psicólogos, sociólogos e antropólogos, pois elas enriquecem o seu raciocínio. Se o Direito procura ser justo, de toda norma jurídica deve-se extrair o seu fim social e aplica-la no caso concreto.

Levando em consideração a tríade dignidade-solidariedade-igualdade e sendo a pessoa humana o bem jurídico primeiro a ser protegido pelo Estado, o magistrado deve dar efetividade, limitada pelos princípios constitucionais, às normas, captando sempre o espírito da lei, sem apegar-se inteiramente à interpretação literal da lei. Se assim não for, o Direito se desviará da justiça e pode inviabilizar a operacionalização do Direito.

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O exercício completo da cidadania do transexual não se obtém somente com a correção cirúrgica do sexo, resta, ainda, a autorização para adequar os registros civis desses indivíduos. Tema bastante polêmico na doutrina e jurisprudência.

A falta de legislação específica brasileira para proteger o transexual e possibilitá-lo a exercer os seus direitos da personalidade não é motivo suficiente para que os julgadores recusem os avanços da Medicina. A doutrina majoritária vem entendendo que o pedido de alteração feito pelo transexual operado deve ser acolhido. A jurisprudência a partir da metade da década de oitenta vem julgando procedentemente o pedido de adequação no Registro Civil do transexual redesignado. A doutrina, a Lei de Introdução do Código Civil (art. 4º) e o art. 126, do CPC, ensinam que, em caso de lacuna na lei, o juiz deve utilizar a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e a eqüidade,

Assim, conclui-se que cirurgia, aliada à posterior compatibilização do registro civil ao novo gênero sexual, adequando o aspecto sexual físico ao sexo psicológico do indivíduo transexual trará ao indivíduo o almejado bem-estar: 1) por possuir uma identidade e, então, reconhecer-se e ser reconhecido, tal qual se sente; 2) de ter liberdade para sentir quem realmente sempre foi sem sofrer preconceitos e sem lhe ser exigido comportamento diverso; 3) de sentir, no âmago, a satisfação e o conforto de pertencer fisicamente ao gênero sexual psíquico, de não precisar esconder sua condição física originária, sentindo vergonha ou humilhação. (TRAVAGLIA, 2005, p. 1)

Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode interpretar uma norma sem se ter em vista um fato concreto. O Direito não pode obstacularizar a regularização a identidade de gênero do transexual, pois seria insistir que ele permaneça com sua perturbação psíquica (sem direito à integridade psíquica, direito à saúde); na perpetuação da situação vexatória e constrangedora (sem direito à honra); na negação do direito à identidade sexual (integrante do direito à identidade); na desigualdade com os demais, posto que todo homem e mulher têm direito ao registro do seu estado sexual tal qual se mostra para a sociedade (sem direito à igualdade); sem qualidade de vida, meio ambiente equilibrado, paz (sem direito à solidariedade); no aprisionamento ao estado sexual registrado no assento de nascimento, sem o direito à opção sexual (direito à liberdade) e acima de tudo sem direito à sua dignidade.

Através de uma pesquisa jurisprudencial, foi possível concluir que o entendimento majoritário da Jurisprudência é no sentido de que após a cirurgia de correção de sexo, é de dar procedência ao pedido, e, assim poder alterar o prenome e o sexo no Registro Civil.

O cancelamento do registro anterior e a confecção de um registro totalmente novo não parece ser a decisão mais acertada, pois os direitos dos transexuais e de terceiros estariam assegurados se somente no livro do Cartório de Registro Civil constasse a alteração ocorrida, através de averbação, por tratar-se de ação modificadora do estado da pessoa. (VIEIRA, 2008, p. 262-263)

Na nova Certidão de Nascimento é mais sensato que não se faça nenhuma referência à aludida alteração, para que não conste na Carteira de Identidade, CPF, Passaporte, Carteira de Trabalho, etc. A alteração poderá vir na Certidão de inteiro teor, pois são pedidas apenas pelo interessado ou autoridade competente.

Disso surgem vários questionamento e reflexos no Direito de Família: O transexual, que já é casado, poderá se submeter à cirurgia? Como fica o Registro dos filhos naturais e adotivos? Precisa pedir o divórcio? Precisa da anuência do cônjuge para realizar a cirurgia? O cônjuge poderá pedir separação alegando erro sobre a pessoa do outro cônjuge? Poderá o transexual, após a cirurgia, resolver utilizar o útero remanescente para gerar um filho? Ente outros.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que o transexual que tenha se submetido à cirurgia de mudança de sexo pode trocar nome e gênero em registro sem que conste anotação no documento. Em uma decisão inédita (REsp 1.008.398), em 15/10/2009, o STJ julgou que o caso de um transexual em São Paulo, que realizou a cirurgia. Após não ter conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e ele recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários. A relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em 2007, a Terceira Turma analisou caso semelhante (REsp 678.933) e concordou com a mudança desde que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil. Não é mais raro encontrar outras decisões iguais, posteriores a do STJ.

Diante do exposto, acredita-se que a finalidade do presente trabalho alcançou e terá sido alcançada se houve alguma contribuição a respeito do tema, com eventuais aplicações práticas, como a citada acima.


4. REFERÊNCIAS

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VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2008.

Sobre a autora
Aricele Julieta Costa de Araujo

Advogada em Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Aricele Julieta Costa. A possibilidade de alteração do nome e sexo civil do transexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3627, 6 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24631. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

O presente artigo origina-se de monografia, apresentada em junho de 2010, como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes, sob a orientação do professor Raimundo Giovanni, e aprovada com distinção e indicação para publicação pela banca. Foi tomando conhecimento de um processo no Fórum Integrados I, em Aracaju, que o tema veio à tona. Foi fruto de experiência prática vivida durante o estágio desenvolvido na 5ª Promotoria de Justiça Distrital de Aracaju (Ministério Público de Sergipe). E escrever sobre algo que acontece no dia-a-dia da praxe forense sempre é mais proveitoso e prazeroso.

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