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A imputabilidade do assassino em série no ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 12/09/2013 às 09:09

CAPÍTULO 3- CASOS CONCRETOS DA JURISPRUDÊNCIA

Optamos, neste capítulo, por apresentar dois casos emblemáticos ocorridos em nosso país, cuja solução culminou na interdição civil após o cumprimento da pena ou medida de internação na esfera criminal – pelo menos, é o que temos notícia.

Outrossim, mostraremos casos onde o assassino em série foi considerado imputável, corroborando com nosso posicionamento.

3.1 – Francisco Costa Rocha, o “Chico Picadinho”, e Roberto Aparecido Alves Cardoso, o “Champinha” - o instituto da interdição civil.

Francisco Costa Rocha cometeu seu primeiro assassinato em 02 de agosto de 1966, ao estrangular e dissecar o corpo de Margareth Suida, 38 anos (nos autos do acórdão do STJ, esta vítima chama-se Rosemeire Micchelucci[97]), no apartamento que dividia com um amigo, na rua Aurora, em São Paulo[98].

Foi preso três dias depois e, posteriormente, condenado a 18 (dezoito) anos de reclusão por homicídio qualificado, mais 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por destruição de cadáver. Cumpriu pena até 1972 na Penitenciária do Estado, progredindo para o regime semiaberto na Colônia Penal Agrícola Professor Noé Azevedo, em Bauru, onde permaneceu até 1974, ano em que recebeu o livramento condicional por comportamento exemplar e, no laudo expedido pelo Instituto de Biotipologia Criminal para este fim, o diagnóstico de personalidade psicopática foi substituído por “personalidade com distúrbio de nível profundamente neurótico”[99].

Não demorou muito para Francisco reincidir. Em 15 de setembro de 1976, foi acusado de lesão corporal dolosa praticado contra uma empregada doméstica que conhecera dois dias antes, em uma lanchonete na esquina da rua Major Sertório com a rua Rego Freitas. Convidou-a para um hotel e, enquanto mantinham relações sexuais, Francisco tornou-se violento, mordendo-a várias vezes, tendo desmaiado quando ele tentou esganá-la. Ao acordar, ele tentava morder seu pescoço e, quando se levantou, o sangue escorreu entre suas pernas. Fugiu, procurando atendimento médico no pronto-socorro, onde ficou constatado que sofrera agressão no útero por instrumento perfuro-cortante desconhecido[100].

Mas o pior ainda estava por vir: em 15 de outubro de 1976, Francisco conhece Ângela de Souza da Silva, 34 anos, na mesma lanchonete e, após muita diversão, a leva para seu apartamento na Avenida Rio Branco, assassinando-a por estrangulamento e, com o propósito de se livrar do corpo, começa a retalhar o corpo de Ângela. Ao perceber que seria mal-sucedido, passou a picá-lo para facilitar o transporte – ganhou notoriedade como “Chico Picadinho”[101].

Preso novamente onze dias depois, foi condenado a 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. A defesa sustentava a tese de insanidade mental e homicídio simples. Seu laudo de sanidade mental o considerou semi-imputável, portador de personalidade psicopática de tipo complexo (ostentativo, abúlico, sem sentimento e lábil de humor), tendo delinquido em função desta[102].

Laudo emitido pelo Centro de Observação Criminológica, em 1994, para fim de progressão de regime, diagnosticou Francisco com “personalidade psicopática perversa e amoral, desajustada do convívio social e com elevado potencial criminógeno”, recomendando-o para a Casa de Custódia e Tratamento, portanto, teve o pedido de progressão negado[103].

Cumpriu sua pena na íntegra e, quando deveria ser libertado no ano de 1998, a Promotoria de Taubaté, em São Paulo, ingressou com ação de interdição de direitos, obtendo liminar favorável, que manteve Francisco preso, desde então, na Casa de Custódia e Tratamento Dr. Arnaldo Amado Ferreira, em Taubaté[104].

Em sede de habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça em face do acórdão da Décima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Ministro Relator Ruy Rosado de Aguiar entendeu não haver qualquer constrangimento em manter Francisco custodiado, fundamentando o indeferimento da decisão nas condições pessoais do condenado e em precedentes existentes:

“Os autos dão conta de o paciente ser perigoso. (…)

A alcunha de Chico Picadinho foi dada ao paciente porque cortava os cadáveres de suas vítimas.

Os documentos de fls. 85/86, 97/101 informam sobre a personalidade psicopática do paciente.

Sobre a matéria existe o precedente que se segue:

'Processual penal. Absolvição. Medida de segurança. Internação. Vias recursais esgotadas. Inexistência de constrangimento ilegal. Decisão fundamentada em laudos e testemunhos. Dilação probatória. Impropriedade da via eleita.

1 - Se o paciente utilizou-se de todos os meios recusais cabíveis para reverter o regime de internação a que se encontra submetido, inexiste constrangimento ilegal a ser sanado pela via do writ, notadamente se a decisão atacada funda-se em laudos periciais e testemunhos, inclusive da sua mãe, atestando a sua periculosidade, conjunto fático que não se submete à via eleita, onde não há espaço para dilação probatória. (Grifo nosso).

2 - Ordem denegada' (HC 10319/SP - ReI. Min. Fernando Gonçalves - 6ª Turma - DJU 28/02/00 - p. 126).”

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Com essa fundamentação, indefiro a ordem[105].

Inconformado com a decisão denegatória do Superior Tribunal de Justiça, Francisco interpôs Recurso Ordinário em Habeas Corpus ao Supremo Tribunal Federal que, também indeferindo o pedido do condenado, esclareceu uma série de críticas que foram construídas em torno de sua interdição civil:

Pode-se destacar como principais diferenças entre os institutos que a medida de segurança é instituto penal e é providência tomada após o cometimento de um crime por pessoa insana com o fim de evitar a prática de novo ilícito e de viabilizar seu tratamento. A “interdição com recolhimento a estabelecimento adequado”, prevista no art. 1.777 do Código Civil (art. 457 do Código Civil de 1916) também tem por finalidade resguardar a sociedade e o próprio doente, possibilitando-lhe tratamento, porém trata-se de instituto civil que independe de o interditando haver praticado ilícito penal. (…)

O Decreto 24.559/34, que o paciente invoca para haver tratamento em estabelecimento psiquiátrico ali previsto, é um ideal que não logrou êxito, vindo inclusive a ser expressamente revogado pelo Decreto 99.678/90.

Ressalte-se que referida revogação não tem o condão de extinguir o instituto da interdição (…).

In casu, embora sustente o recorrente que a “Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté”, onde se encontra recolhido é estabelecimento de segurança máxima, onde todos os “presidiários” que lá se encontram têm tratamento igualitário, o Juízo das Execuções Criminais do Estado de São Paulo informou que tal estabelecimento é o previsto no art. 99 da Lei de Execuções Penais, não se confundindo com o estabelecimento a ele anexo denominado “Centro de Readaptação Penitenciário”, este sim presídio de segurança máxima (fls. 54/55).

Assim, (…) é própria para abrigar o doente mental que, embora isento de pena, precisa de tratamento e é desprovido de condições para o convívio social e pode abrigar também, ao menos provisoriamente, o interdito haja vista serem o motivo e a finalidade da interdição idênticos aos da medida de segurança[106].

Finalizando o caso Francisco, como bem descreve a ementa do referido acórdão do Supremo Tribunal Federal, a interdição civil independe de extinção de punibilidade ou cumprimento de pena e, como possui o mesmo fim da medida de segurança, pode  ser cumprida em estabelecimento próprio para esta:

EMENTA: Interdição por doença mental com internamento: sua admissibilidade, independentemente da extinção da punibilidade, pelo cumprimento da pena, de crimes cometidos pelo interdito; possibilidade de sua efetivação em hospital de custódia e tratamento destinado à execução de medidas de segurança impostas a inimputáveis (LEP, art. 99)[107].

Em novembro de 2003, Roberto Aparecido Alves Cardoso, o então menor “Champinha”, com 16 anos, era o quinto integrante e líder de um grupo que barbarizou e assassinou o casal Felipe Caffé e Liana Friedenbach, em Embu Guaçu, região metropolitana de São Paulo. Foi recolhido à unidade da Fundação Estadual do Bem-estar do Menor – FEBEM, na Vila Maria, zona norte de São Paulo, de onde fugiu em 02 de maio de 2007[108].

No entanto, em outubro de 2006, menos de um mês do término do prazo da internação compulsória a que foi submetido por ocasião de seu recolhimento, o juízo do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude – DEIJ, determinou a substituição da medida socioeducativa pela aplicação de medida protetiva de tratamento psiquiátrico de contenção, com base nos laudos psiquiátricos de Roberto, segundo o despacho do juízo, noticiado pelo Estadão:

Em seu despacho, ele observa que ?de acordo com os resultados dos novos exames... o educando, apesar do longo período de internação a que está submetido, alcançou progressos insuficientes e frágeis em relação às características negativas de sua personalidade apuradas à época dos atos infracionais que ensejaram a presente execução (a internação na Febem) e ainda ostenta, infelizmente, deficiências que o tornam propenso a novas ações anti-sociais violentas e extremamente vulnerável a situações de risco, caso venha a receber estímulos inadequados ou se associar a pessoas inescrupulosas?[109].

Então, ao ser recapturado em 2007, foi encaminhado para a Unidade Experimental de Saúde – UES, localizada também na zona norte de São Paulo, onde deveria permanecer até os 21 anos de idade. Ao alcançar esta idade, o Ministério Público de São Paulo, contrário à possibilidade de desinternação de Roberto, entrou com ação de interdição civil e exigiu a apresentação de laudo que mostrasse alguma modificação em seu quadro psiquiátrico, demonstrando estar apto ao convívio social, conforme nota publicada pelo site JusBrasil:

(…) atestaram que ele possui transtorno de personalidade e que carece de habilidade para julgar adequadamente situações sociais, tendendo a agir conforme as orientações que recebe. Atestaram, ainda que ele “é portador de personalidade antissocial, não apresenta crítica adequada de sua conduta e não respeita as normas e regras sociais, necessitando de acompanhamento psiquiátrico em local especializado e que deverá ser realizado em regime fechado, já que Roberto não reúne condições de ser reengajado ao meio social, por apresentar potencialidade de reincidência em atos da mesma natureza e periculosidade em grau que inviabiliza o seu convívio em sociedade”[110].

Segundo notícia veiculada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, o pedido de interdição civil foi cumulado com internação hospitalar compulsória, no Fórum de Embu Guaçu, foi deferido pelo juízo e Roberto seria encaminhado para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. No entanto, outro juiz impediu essa transferência, pois, este estabelecimento só recebe adultos que cometeram crimes e sejam portadores de doença ou deficiência mental. Permanece, portanto, na Unidade Experimental de Saúde[111].

O IBCCRIM reforça que este tipo de interdição está prevista na Lei n. 10.216/2001, responsável pela Reforma Psiquiátrica no Brasil, desde que considerada necessária através de laudo médico, sendo irrelevante o cometimento de infração penal, consentimento da própria pessoa ou de sua família. Porém, considera a UES não compatível com os objetivos os quais se destina por insuficiência de meios para o tratamento dos jovens internos[112].

Por outro lado, em março deste ano (2013), conforme veiculado por vários sites e noticiários, como a Folha de São Paulo, “relatores da ONU estiveram no Brasil e sugeriram que o local fosse fechado”, dizendo que “não há base legal para detenção dos jovens”. Portanto, o Ministério Público Federal pediu o fechamento da Unidade Experimental de Saúde, “considerada ilegal pelo órgão e por ao menos outras quatro instituições – três ONGs e o Conselho Regional de Psicologia”[113].

Declara o procurador do Núcleo de Direitos Humanos, Pedro Antônio de Oliveira Machado, que ele quer que esses jovens recebam tratamento adequado e, de acordo com a própria Secretaria de Saúde, estes “não recebem tratamento medicamentoso e só têm atividades por conta de ordens judiciais”. Defende a “desinternação monitorada” de três dos jovens internos, excluindo Roberto[114].

Resta aguardar as decisões futuras acerca do destino de Roberto.

3.2 –  Assassinos em série considerados imputáveis

José Vicente Matias, o “Corumbá”, artesão, matou 6 (seis) mulheres entre 1999 e 2005, atuando em quatro Estados – Maranhão, Goiás, Bahia e Minas Gerais. Assassinava e esquartejava suas vítimas após estuprá-las e, em pelo menos um dos casos, praticou canibalismo ingerindo parte da massa encefálica.

De acordo com notícia veiculada pelo Tribunal de Justiça de Goiás (2006), com base em avaliação psiquiátrica e psicológica, especialistas atestaram que “embora portador de transtorno de personalidade antissocial, possui consciência, inteligência, atenção e tenacidade normais e é, portanto, imputável”[115].

O ex-militar, André Barboza, conhecido como “Maníaco da Ceasa”, matou 3 (três) meninos de 14 anos, entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, em Belém, no Pará, sendo preso ao tentar fazer a quarta vítima. Em apenas um dos homicídios foi cumulado atentado violento ao pudor – este tipo penal estava em vigor na época – tendo seu julgamento resultado em 104 (cento e quatro) anos de reclusão em regime inicialmente fechado.

Em entrevista concedida ao Portal ORM, durante o julgamento de André, em novembro de 2008, Ilana Casoy afirmou que “ele tem consciência de seus atos e por isso está sendo julgado de forma comum, o que pode significar a ele até 30 anos de prisão, conforme as leis brasileiras, ainda que somadas as sentenças possam ultrapassar 80 anos de prisão (...)”. Considerado, portanto, imputável[116].

Francisco de Assis Pereira, o motoboy que ganhou notoriedade como o “Maníaco do Parque”, matou 7 (mulheres) entre 2007 e 2008, no Parque do Estado, reserva florestal localizada na zona sul de São Paulo. Suas vítimas eram estupradas e assassinadas, sendo tão violentas as mordidas encontradas em seus corpos que presumiram estar o assassino evoluindo para o canibalismo.

No ano de 2002, Francisco condenado à pena de 121 (cento e vinte e um) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, tendo os jurados afastado, por unanimidade, sua semi-imputabilidade e, portanto, considerado imputável[117].

Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, mecânico de bicicletas, atuou em Altamira e em São Luís, no Maranhão, acusado de matar cerca de 42 (quarenta e dois) meninos, de 1989 a 2004. As vítimas foram violentadas, espancadas, assassinadas e, posteriormente, mutiladas e emasculadas.

Segundo Dr. Erivelton Lago, que defendeu Chagas no julgamento pelo assassinato de uma de suas vítimas, embora o laudo psiquiátrico tenha o considerado semi-imputável, cumpre pena juntamente com outros condenados imputáveis[118]

Apesar dessa informação, em nossas pesquisas ao site do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, encontramos a decisão do Recurso de Apelação em face de sentença que condenou Chagas à 30 (trinta) anos de reclusão em regime inicialmente fechado pelo assassinato de uma de suas vítimas, onde os desembargadores, por unanimidade, afastaram a semi-imputabilidade:

APELAÇÃO CRIMINAL – PENAL – PROCESSUAL PENAL – ARTIGOS 121, §2º, INCISOS I E IV, 211 E 69 TODOS DO CP – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – SEMI-IMPUTABILIDADE AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.

Consoante demonstrado ao longo de todo o trâmite processual, concluo que a autoria e materialidade delitivas restam demonstradas e incontestes. Quanto ao argumento de semi-imputabilidade, vejo que encontra-se totalmente superado, tendo em vista que o Magistrado quando de sua análise se ateve devidamente à jurisprudência pátria, doutrina e às provas carreadas nos autos, o que é confirmado pelo Exame de Sanidade Mental, tendo inclusive o Conselho de Sentença entendido que tempo da ação criminosa o Apelante tinha a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, o que nos leva a manter a sentença monocrática pelos seus próprios fundamentos.

Recurso improvido[119].

Por fim, o pedreiro Admar de Jesus Silva, o “Maníaco de Luziânia”, condenado anteriormente por atentado violento ao pudor contra dois meninos, obteve o benefício do livramento condicional em dezembro de 2009 e, logo em seguida, violentou e matou 6 (seis) jovens no município de Luziânia, em Goiás, entre sua liberação e janeiro de 2010.

Segundo notícia veiculada no site do Estadão, embora o laudo psiquiátrico indicasse que Admar era “um psicopata com grave distúrbio e deveria ser mantido isolado do convívio social”, o Juizado de Instrução Penal o concedeu o benefício devido o cumprimento do requisito temporal e seu bom comportamento[120].

No caso de Admar, nunca saberemos se seria considerado imputável ou semi-imputável, pois, cometeu suicídio enquanto permanecia sob custódia, não tendo sido julgado por estes crimes. Mas, queríamos deixar a observação deste caso, onde um indivíduo portador de psicopatia, ao receber seu benefício penal, reincide e de forma muito mais violenta.

Sobre a autora
Talita Laércia Gomes Nunes Portela

Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Agostinho, Teresina/PI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTELA, Talita Laércia Gomes Nunes. A imputabilidade do assassino em série no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3725, 12 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25256. Acesso em: 25 nov. 2024.

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