Principia-se, por trazer à baila, estes regramentos jurídicos:
“Art. 40 (...)
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)” (Constituição Federal, ausentes parênteses e reticências no original).
"Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal” (EC 70/12).
Interessa, no particular, sindicar se os aposentados abrangidos na segunda parte do inciso I, do §1º, do art. 40, da Carta Magna, farão jus a proventos integrais ou proporcionais, em virtude da edição do art. 6º-A, da EC 70/12.
Por primeiro, a dicção do §1º, inciso I, da Lei Ápice, está mantido com a redação advinda da EC 41/03. De modo que, evidentemente, não se atina à EC 70/12.
Em segundo passo, em que pese o art. 6º-A, da EC 70/12, aludir aos contemplados no art. 40, §1º, inciso I, da Lei das Leis, não pode atingir e, muito menos prejudicar os jubilados em virtude de “acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”, porque:
a)Se o legislador, constituinte derivado – no campo da EC 70/12 -, pretendesse estender os proventos proporcionais a todos os insertos no art. 40, §1º, I, da Lei Mater, abrangendo-se a exceção exarada na segunda parte desse inciso I, teria alterado a regra constitucional como um todo, ou seja, suprimido esta sentença: “exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”.
Se assim não o fez, tanto que o preconizado art, 40, §1º, I, da Carta Política, tem a redação originada na EC 41/03, é porque para os aposentados por “acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”, os proventos dessa aposentação serão integrais.
b)Os aposentados por “acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”, naturalmente, encartam-se como deficientes, bastando que se verifique:
“Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. (Lei nº 13.146[S1] /15)
Acontece que, a tratativa às pessoas com deficiência tem raízes internacionais, a começar pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência[1], gestada em Nova York, na data de 30 de março de 2007, e ratificada pelo Brasil através do Decreto 6.949/09, dotando este plexo jurídico com força de norma equivalente à Emenda Constitucional, art. 5º, §3º, da Constituição da República.
Dito de outro modo, seria antinômico se ter a proteção às pessoas com deficiência, aqui encartados os indivíduos inseridos na segunda parte do inciso I, do §1º, do art. 40, da CF/88, como protegidos por uma regra equivalente a uma EC e, mesmo assim, a EC 70/12, passando por cima da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, retirar-lhes a garantia dos proventos integrais.
Se tal se desse, nesse tanto, a EC 70/12, seria inconstitucional e, para agravar, malbarataria o próprio Direito Internacional Público.
c)Os aposentados em comento, pessoas com deficiência que são, necessitam da integralidade dos proventos, exatamente pela própria vulnerabilidade que acomete seus corpos já marcados pela desgraça. Então, em casos tais, aposentadoria por invalidez tem nítido caráter assistencial, desaguando no direito social à mantença da saúde contido no art. 6º, da Carta Federal.
d)Cogitar a extirpação da integralidade dos proventos aos jubilados, com a arrimo na segunda parte do inciso I, do §1º, do art. 40, da CF/88, seria validar o princípio do retrocesso social, o que é manifestamente incompossível. Acrescendo-se, outrossim, que as doenças graves, lato sensu, vêm listadas em lei e, justamente, por isso, que os proventos hão de ser integrais.
Traz-se à baila, ensinança acerca da coibição do retrocesso social, nestes termos:
“O tratamento da proibição de retrocesso social encontra-se mais desenvolvido em países como Alemanha, Itália e Portugal. Entre estes, releva destacar Portugal, mormente com suporte nas lições de Canotilho, para quem os direitos sociais apresentam uma dimensão subjetiva, decorrente da sua consagração como verdadeiros direitos fundamentais e da radicação subjetiva das prestações, instituições e garantias necessárias à concretização dos direitos reconhecidos na Constituição, isto é, dos chamados direitos derivados a prestações, justificando a sindicabilidade judicial da manutenção de seu nível de realização, restando qualquer tentativa de retrocesso social. Assumem, pois, a condição de verdadeiros direitos de defesa contra as medidas de natureza retrocessiva, cujo objetivo seria a sua destruição ou redução.
(...)
No Brasil, o desbravamento do princípio sob estudo é atribuído a José Afonso da Silva, para quem as normas constitucionais definidoras de direitos sociais seriam normas de eficácia limitada e ligadas ao princípio programático, que, inobstante tenham caráter vinculativo e imperativo, exigem a intervenção legislativa infraconstitucional para a sua concretização, vinculam os órgãos estatais e demandam uma proibição de retroceder na concretização desses direitos.
(...)
Com base em autores como Lenio Luiz Streck, Luís Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, Luiz Edson Fachin, Juarez Freitas, Suzana de Toledo Barros, Patrícia do Couto Villela Abbud Martins e José Vicente dos Santos Mendonça, destacando-se as contribuições de Ingo Wolfgang Sarlet e Felipe Derbli, a doutrina brasileira reconhece a existência do princípio no sistema jurídico-constitucional pátrio”[2]. (ausentes parênteses e reticências no original)
Dessarte, frente ao princípio que proíbe o retrocesso social, inimaginável alijar a percepção de proventos integrais aos aposentados que estejam capitulados na segunda parte do inciso I, do §1º, do art. 40, da CF/88, já que o direito fundamental que lhes assiste é uma vera cláusula pétrea, imbricando-se no gizado pelo art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal, dado que timbrado no tópico denominado Dos Direitos e Garantias Fundamentais, selado pelo Título II, da Carta Constitucional Brasileira.
Em terceira quadra, a meu juízo, o que se está em jogo no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 791475, em nível de repercussão geral e que se aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, não é o direito à remuneração integral do servidor aposentado por moléstia grave, mas sim se o termo inicial para pagar as diferenças estar-se-ia cravado na data em que entrar em vigor a EC 70/12, como se lê:
“Visando a reforma da decisão do TJ-RJ, o estado interpôs recurso extraordinário ao STF requerendo que “seja determinada a aplicação temporal correta da EC 70/2012, tendo como termo inicial do pagamento de valores pretéritos a data da promulgação da emenda, tal como previsto no artigo 2º da referida norma”.[3]
Em quarto giro, deve ser ressaltado, identicamente, que o art. 1º, da Lei nº 10.887/04, não alcança os aposentados na exceção contida no art. 40, §1, I, da CF/88, como bem observado pelo ilustre Desembargador Alberto Vilas Boas, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais [4], ao pontificar que:
“... Dentro desse contexto, é legítimo admitir que a média aritmética a que alude o art. 1º, da Lei n. 10.887/2004, é aplicável a todos os demais servidores públicos que não os acometidos de invalidez permanente derivada de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável prevista em lei.
O juízo de valor a ser extraído das citadas normas é no sentido de que o aposentado por invalidez em face de doença grave - esta é a hipótese em julgamento - não pode ter os proventos reduzidos em razão da necessidade de dispor de renda para conservar sua saúde e minimizar os efeitos da moléstia que o acomete.
A pensar de forma distinta, estaria esvaziado o conteúdo da exceção estabelecida no inciso I, do § 1º, do art. 40, CF, que reconhece ao aposentado por invalidez o direito à percepção de proventos integrais, como, aliás, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido (MS n. 14.160, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/3/2010).
Sobre o tema, enfatiza Maria Sylvia Zanella di Pietro que:
(...)
Em decorrência disso, não é possível aplicar à aposentadoria por invalidez o artigo 1º da Lei n. 10.887, sob pena de inconstitucionalidade." (Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 531, destaquei).
(...)
Por conseguinte, documentalmente comprovado que a aposentadoria se deu com proventos integrais por moléstia grave (f. 29), tem a autora direito a receber proventos integrais de aposentadoria, impondo-se seja regularizado seu pagamento mensal e restituídos os valores a esse título descontados, observada a prescrição quinquenal”.
Em conclusão:
1- Para que se preserve a higidez dos sistemas jurídicos pátrio e comparado, por óbvio, aos aposentados por “acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável”, sempre serão devidos proventos integrais, qualquer que seja a data de sua aposentação.
2Razão pela qual ainda, devem os administradores públicos, ao manejarem as revisões proclamadas no art. 6º-A, da EC 70/12, atentar para a casuística em pauta, haja vista que ela está contemplada na exceção lavrada na segunda parte do inciso I, do §1º, do art. 40, da Carta Magna, que, acima de tudo, resguarda o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
[1] Soa oportuno conferir: Art. 1 – “O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”;
e Art. 25 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível...” (inocorrentes reticências e grifos na fonte)
[2] O princípio da proibição do retrocesso social. In https://jus.com.br/artigos/12359/o-principio-da-proibicao-de-retrocesso-social. Acessado em 08 de junho de 16.
[3] Retroatividade de proventos integrais para aposentados por invalidez é tema de repercussão geral, in http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=275703, acessado em 08 de junho de 2016.
[4] TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.10.115037-3/002, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/04/2013, publicação da súmula em 03/05/2013. Apôs-se parênteses e reticências.