Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Judicialização da saúde: atuação do Poder Judiciário nas internações de dependentes químicos e outras drogas

Exibindo página 2 de 2
Agenda 04/04/2017 às 16:00

6 CONCLUSÃO

Diante do trabalho exposto, é preciso ressaltar que a internação compulsória, em sua concepção histórica, está atrelada a uma forma de exclusão, principalmente quando se utiliza de meios segregatórios.

A internação compulsória, a priori, representa a privação da liberdade daqueles que estão com sua capacidade de discernimento comprometida. Manter um ser humano de forma obrigatória em tratamento parece remeter à barbárie.

Com o passar dos anos, novos problemas sociais relacionados às drogas alcançam o cenário brasileiro em um nível descontrolado, principalmente quando o uso deixa de ser crime, provocando, em consequência, um caos na segurança e na saúde pública.

Assim, a assistência aos dependentes químicos começa a ser questionada frente à garantia constitucional do direito à saúde, e a saída são as vias judiciais, tendo em vista a ineficiência dos tratamentos disponíveis, seja pela resistência, seja pela não aceitação.

Como saída, o judiciário brasileiro busca contínuo respaldo na Lei Federal nº 10.216/2001, que trata sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, incluindo os dependentes químicos por interpretação analógica, recriando a possibilidade de internação compulsória por determinação judicial.

O Estado respalda-se no entendimento de que tem o dever de defender o cidadão em todos os casos, inclusive dele mesmo, haja vista que este pode vir a oferecer risco à própria vida e a de terceiros. Com essa atitude o princípio da dignidade da pessoa humana estaria sendo violado.

É preciso reconhecer que as substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas, hoje, são o grande desafio da saúde pública e que as formas de assistência devem ser revistas. Todavia, é de suma importância reconhecer que a internação compulsória é um modelo de atenção à saúde eminentemente asilar e que priva o sujeito de sua autonomia pela escolha ou não do tratamento e sua continuidade.

A Judicialização da Saúde, em um primeiro momento, parece algo a solucionar o problema, porém, a utilização demasiada e sem verificação subjetiva de cada caso pode fazer com que o judiciário cometa erros irreversíveis, pois a internação compulsória como tática terapêutica não traz resultados positivos. É claro que, para situações de extrema necessidade, não pode deixar de ser considerada, contudo, há de se observar a linha da cessação da periculosidade, oferecida continuidade terapêutica, trazendo-se o indivíduo para a sociedade.

Ressalta-se que a intenção não é inibir o acesso ao judiciário, e, sim, suprir o desconhecimento da população sobre as políticas públicas de saúde já existentes. Sabe-se que o acesso ao judiciário, em verdade, não é universal e igualitário como é o acesso ao SUS, por isso a solução deve ser sempre a de construir políticas de saúde para o público dependente químico.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vanessa Verdolim Hudson. Internação Compulsória de Dependentes Químicos. Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – Hospital das Clínicas UFMG, 2014. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/2497d7af13343484c46113775191ddce.pdf> Acesso em 16 ago. 2016.

ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração, 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 16 ago. 2016.

BRASIL. Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 20 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 18 jul. 2016.

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Brasília, abr. 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em 18 jul. 2016.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

BUNDESTAG, Deutscher. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Berlin, 2011. Trad. Assis Mendonça, Aachen. Disponível em <https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf> Acesso em 06. Ago. 2016.

COELHO, Isabel, OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; Internação compulsória e crack: um desserviço à saúde pública. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-11042014000200359>. Acesso em 07 ago. 2016.

MENDES, Karyna Rocha. Curso de Direito da Saúde. São Paulo: Saraiva, 2013.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT para apresentação de artigos de periódicos científicos. Belo Horizonte, 2010. Disponível em  <http://www.pucminas.br/documentos/normalizacao_artigos.pdf> Acesso em 3 set. 2016.

SANTORO FILHO, Antônio Carlos. Direito e Saúde Mental: à luz da Lei 10.216 de 06 de abril de 2001. São Paulo: Verlu Editora, 2012.

SILVA, Cristian Kiefer da. RIBEIRO, Fernando José Armando. Desafios para a concretização das políticas públicas no Brasil: A internação compulsória de dependentes químicos sob a ótica da nova ordem constitucional. Disponível em <https://conteudo.una.br/images_anima/pdf/revista_juridica_una_contagem2015.pdf.> Acesso em 09 set. 2016.

SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n.º 212: 89- 94, abr./jul. 1998. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47169/45637>. Acesso em 18 jul. 2016.


Notas

[1] O Sistema Único de Saúde, criado pela Lei 8080/90, trata-se de um conjunto de medidas que têm como objetivo promover qualidade de vida para a população brasileira garantindo acesso, assistência integral e equitativa à saúde funcionando de forma regionalizada, hierarquizada e integrada.

[2] Franco Basaglia, um dos psiquiatras mais discutidos no mundo, em função dos trabalhos que desenvolvia na Itália, fundou o Movimento da Psiquiatria Democrática e liderou as mais importantes experiências de superação do modelo asilar-manicomial. Esteve no Brasil da década de 70 início de 80. Trazido pelo psiquiatra, Dr. Antônio Soares Simone, visitou um dos maiores manicômios brasileiros, Hospital Colônia de Barbacena-MG. Suas visitas seguidas acabaram produzindo uma forte e decisiva influência na trajetória da Reforma Psiquiátrica.

[3] Lei11.434de 23 de agosto de 2006

Sobre a autora
Tatiana Aparecida Rodrigues Monteiro

Advogada militante desde 2014, formada pela Faculdade Padre Arnaldo Janssen (FAJANSSEN) em Belo Horizonte, pós graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Tatiana Aparecida Rodrigues. Judicialização da saúde: atuação do Poder Judiciário nas internações de dependentes químicos e outras drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5025, 4 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52668. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!