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Judicialização da saúde: atuação do Poder Judiciário nas internações de dependentes químicos e outras drogas

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O texto traz análise da lei 10.216/01, que prevê a internação compulsória para os portadores de sofrimento mental e a interpretação analógica adotada pelos tribunais como forma de tratamento para os dependentes químicos.

Sumário: 1 Introdução; 2 Garantia Constitucional do Direito à Saúde; 3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 4 Judicialização da Saúde Mental e Lei 10.216/01; 5 As internações compulsórias e sua legalidade: Análise da aplicabilidade da Lei 10.216/01; 6 Conclusão; Referências.

RESUMO: Em análise à lei 10.216/01, que prevê a internação compulsória para os portadores de sofrimento mental, em seu artigo 6º surge a discussão da interpretação analógica que os tribunais vêm aplicando para fundamentar o tratamento do dependente químico e de outras drogas. O tema busca apontar possível afronta aos princípios constitucionais do direito à saúde e da dignidade da pessoa humana, haja vista o método coercitivo utilizado pelo Estado e o mecanismo da judicialização. Finaliza-se apontando qual seria o melhor caminho para um tratamento digno e ressocializador.

Palavras-Chave: Direito Constitucional. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Dependentes Químicos. Judicialização da Saúde.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a Lei 10.216/01 e sua legalidade frente à aplicação aos dependentes químicos que são internados por determinação judicial, a chamada internação compulsória.

Há pouco tempo, o isolamento do doente mental por meio de internação em manicômios era a regra. O ato afastava, assim, o problema dos olhos da sociedade, transformando o doente mental em um ser “invisível”. Com a Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica, que idealizou o processo de humanização, a conduta passou a ser questionada.

Sabe-se que as drogas lícitas e/ou ilícitas são vistas como um desafio atual à saúde pública e esta vem buscando meios para amenizar esse problema social. Atualmente, nota-se uma preocupação do poder público em sanar - prevenção e atuação - os efeitos do uso de drogas com a política de redução de danos promovida em especial pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar da implementação dessas políticas públicas, o problema persiste na sociedade brasileira. Assim, diante da precariedade dos serviços públicos disponíveis para tratamentos dos dependentes químicos – casas terapêuticas e ambulatórios - seus familiares passaram a recorrer ao Judiciário para garantir o direito à saúde dos dependentes, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88). Como resposta, o Judiciário deu nova interpretação à Lei 10.216 de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais, estendendo-a aos dependentes químicos, passando a determinar sua internação compulsória.

A solução de internação e seu caráter impositivo têm trazido discussões acerca de sua legalidade e afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois o maior interessado não é, muitas vezes, consultado sobre querer ou não estar internado. Ademais, contrariamente à internação há o entendimento de que a medida impositiva de internação somente é cabível quando se provar que os recursos extra-hospitalares se mostraram insuficientes, ou quando apresente iminente risco à vida do dependente ou de terceiro.

Surgem, assim, duas correntes, a saber: a primeira diz que a internação compulsória é medida própria para aqueles que necessitam de tratamento e que é papel do Estado zelar pela sociedade de forma coletiva e subjetiva. Já a segunda afirma que tal medida não tem base legal para ser aplicada aos dependentes químicos, além de ferir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Pretende-se demonstrar neste trabalho que a Administração Pública e o Judiciário, por analogia e de forma inconstitucional, aplicam a medida de internação compulsória aos toxicômanos e afronta com esse ato preceitos fundamentais garantidos ao cidadão.


2 GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde foi positivado na Constituição Federal de 1988 entre os artigos 196-200, como no título que trata da Ordem Social, possuindo outras passagens no texto constitucional, além de leis infraconstitucionais que o regulam.

A assistência à saúde surge para garantir a dignidade da pessoa humana no novo texto constitucional como amparo subjetivo e fundamental, pelo que, ao Estado, cabe o dever de prestá-lo. Assim diz o artigo 196 da Constituição Federal:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).

Valendo-se da interpretação do mencionado artigo, é possível perceber dois princípios que norteiam tal garantia constitucional. São eles: o acesso universal e o acesso igualitário aos que dependem do Sistema Único de Saúde [1].

O acesso Universal significa que é de competência do SUS atender a toda população, seja por meio dos serviços estatais prestados pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, seja por meio dos serviços privados conveniados ou contratados com o poder público.

Aos olhos do SUS, é importante pontuar que o princípio da Igualdade é assegurado e refere-se ao respaldo oferecido de acordo com as prioridades dos cidadãos. Através da análise da vulnerabilidade de cada caso existente, a igualdade busca diminuir as diferenças sociais daquele que não tem acesso à saúde de forma imediata.

Conforme destacam Coelho e Oliveira,

Não há dúvida de que a Carta de 1988 constituiu um marco histórico na realidade da saúde no Brasil. É inconteste que o desejo do movimento sanitarista era romper com a realidade de exclusão ao direito à saúde para a maior parte da população brasileira, que não tinha, e não tem, condições financeiras de arcar com um médico particular ou um plano de saúde privado.

O importante é esclarecer que, do tex­to da Constituição da República de 1988, pode-se extrair que a saúde foi classifica­da como direito social e fundamental. Não cabe aqui digredir a respeito da teoria dos direitos sociais e dos direitos fundamentais. É suficiente a informação de que a saúde foi tratada pela Carta de 1988 como um direito fundamental e social (COELHO; OLIVEIRA, 2014, p.362).


3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Ao se tratar da internação compulsória, muito se questiona sobre sua legalidade, haja vista seu caráter impositivo, decorrente da judicialização do tratamento. Contudo, deve-se analisar a internação compulsória também face ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Em um contexto filosófico, o professor José Antônio da Silva cita Kant para definir a ideia de pessoa humana e dignidade, senão vejamos:

[...] o homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres, desprovidos de razão, têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam coisas.

[...] à filosofia de Kant, segundo a qual no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem um preço pode muito bem ser substituído por qualquer outra coisa equivalente. Daí a ideia de valor relativo, de valor condicionado, porque existe simplesmente como meio, o que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem e tem um preço de mercado, enquanto aquilo que não é um valor relativo, e é superior a qualquer preço, é um valor interno e não admite substituto equivalente, é uma dignidade, é o que tem uma dignidade. (SILVA, 1998, p.90-91).

Assim, o professor defende a ideia de que a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, e, sim, uma experiência humana, em que, a ela, fora dado valor jurídico.

Ainda analisando o princípio, Silva (1998, p.89) assegura que a primeira Lei a resguardar expressamente a dignidade da pessoa humana foi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, promulgada em 23 de maio de 1949, que, em seu artigo 1º, declara: “A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público”. (BUNDESTAG, 2011).

Na concepção do autor, o que veio a motivar a Alemanha a positivar tal preceito foi a vulnerabilidade do Estado frente ao Nazismo, situação em que a dignidade da pessoa humana fora submetida a horrendos crimes de cunho político e social.

O mesmo se passou em Portugal, onde há, segundo o autor, "uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária." (SILVA, 1998, p.89). O Brasil utilizou, assim, de tais parâmetros para a consagração de tal princípio, visto que a ditadura militar fora cercada de atos covardes, tortura e morte, levando a Constituição Federal brasileira a incluí-lo como princípio basilar.

Partindo para análise da Carta Magna de 1988, é possível notar que nela estão contidas as diretrizes de políticas a serem seguidas, os princípios que regem a sociedade, os direitos e os procedimentos a serem adotados em um Estado Democrático de Direito.

Fiorillo, ao definir princípios fundamentais, afirma que:

[...] a importância da pessoa humana se reafirma, no plano normativo, em face de estar assegurada no plano constitucional a sua dignidade como o mais importante fundamento da República Federativa do Brasil, constituída que foi em Estado Democrático de Direito, a saber, uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores mínimos fundamentais descritos no âmbito da nossa Carta Magna no art. 6o (direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à proteção à infância, assim como à assistência aos desamparados), verdadeiro piso vital mínimo a ser assegurado pelo Estado Democrático de Direito. (FIORILLO, apud MENDES, 2013, p.44).

Não se pode negar que tal definição busca resguardar preceitos básicos para uma vida digna em sociedade e que, por alguma razão, necessita do serviço de saúde pública.

Ao se adentrar na questão do usuário de drogas e revisar a literatura existente, é possível perceber duas correntes acerca do tema que envolve a lei 10.216/01, especialmente em torno do artigo 6o, que diz,

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.  (BRASIL, 2001, grifo nosso).

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A primeira corrente defende a internação compulsória como sendo uma medida eficaz para resguardar e garantir preceito fundamental expresso no art. 196 da CF/88, uma vez que cabe ao Estado o dever de promover a saúde e o bem-estar do cidadão com o objetivo de resgatar a dignidade deste.

Já uma segunda corrente defende que o internamento compulsório afronta os direitos fundamentais, especialmente o direito da dignidade da pessoa humana, pois viola a liberdade de escolha pelo tratamento, dessarte, atuando totalmente contra a vontade subjetiva daquele que é inserido a esse tipo de procedimento.

Coelho e Oliveira, em seu artigo, ao defender a inconstitucionalidade da medida, afirmam que é

[...] inconstitucional a utilização de internação compulsória para o tratamento de dependentes químicos por violar a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. O desrespeito ao primeiro é notório. Basta ver as imagens e notícias divulgadas amplamente pela imprensa brasileira no decorrer do ano de 2012. Os usuários são arrastados, conduzidos barbaramente à força para locais que não estão preparados para recebê-los. (COELHO, OLIVEIRA, 2014, p.365).


4 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE MENTAL E A LEI 10.216/01     

O Brasil apresentava, no final da década de 70 e início da década de 80, uma situação assustadora no que concerne aos manicômios existentes no país. Com a queda progressiva do regime militar, revelaram-se as péssimas condições em que viviam os internados portadores de sofrimento mental, ganhando destaque na mídia e crescente pressão social, tendo em vista as condições sub-humanas enfrentadas pelos alienados.

Surge, então, nesse contexto, a Lei 10.216/2001, chamada de Reforma Psiquiátrica Brasileira, originária do Projeto de Lei 3.653/89 “Lei Paulo Delgado”, que seguiu o modelo italiano de Franco Basaglia [2]. Foi sancionada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando, no Brasil, o modelo assistencial em saúde mental.

A lei federal teve como base atender aos anseios do movimento de Reforma Psiquiátrica e, especialmente, ao apelo da Luta Antimanicomial, qual seja, romper com o modelo hospitalocêntrico de tratamento psiquiátrico e promover maior humanização aos doentes.

Diante da necessidade de oferecer tratamento ao dependente químico e da falta de políticas públicas eficazes, e ao fato de que o dependente pode atentar contra a própria vida e da de terceiros, a Judicialização passou a ser o mecanismo nos casos em que recursos extra-hospitalares, utilizados ou não, já são incapazes de proporcionar respostas imediatas.                       


5  AS INTERNAÇÕES COMPULSÓRIAS E SUA LEGALIDADE: ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA LEI 10.216/01

O uso de drogas tornou-se um grave problema no cenário brasileiro e o Poder Público foi questionado sobre meios e formas de tratamento, gerando para as entidades públicas um dever de intervenção. Em março de 2012, começou a ser implantada nos estados-membros brasileiros a proposta de política pública de internação compulsória temporária de viciados em drogas ilícitas e cujo estado de dependência estivesse demasiadamente grave. Atribui-se, também, a essa intensificação o posicionamento doutrinário em relação ao artigo 28 da Lei de Drogas [3], que despenalizou a conduta de porte para consumo, mas manteve seu status de crime. Passou a ser previsto, então, para os que consomem, a advertência, a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento em programa ou curso educativo (grifo nosso).

Iniciou-se, então, apostas dos entes da federação, em especial os municípios, para a diminuição do índice de dependência química e, automaticamente, da criminalidade em determinadas regiões. Contudo, tal procedimento, como a própria legislação aponta, prescinde de consentimento do dependente químico e de seus familiares, sendo previsto no ordenamento pátrio somente na Lei da Reforma Psiquiátrica, que não prevê, expressamente, sua aplicação para casos que não sejam de pessoas portadoras de transtorno mental grave. Logo, a aplicabilidade de uma interpretação analógica é um tanto quanto generalizada da realidade clínica de cada dependente.

Nasce aqui o confronto entre os direitos constitucionais e fundamentais como: o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, cabendo ao juiz uma pré-análise do fato com a intenção de verificar a possibilidade de uma internação compulsória ou não. Todavia, deve-se estar amparado por laudo de profissional capacitado para só assim tomar a decisão extrema de internação compulsória.

Conforme elucida o artigo 9º da Lei em destaque,

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. (BRASIL, 2001, grifo nosso).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio de nota técnica 86/2014, pela Desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade, esclarece sobre aspectos históricos, as possibilidades da internação compulsória (tratamento) no estado e quais os procedimentos devem ser observados para tal medida:

Em sua “História da Loucura”, o filósofo francês Michel Foucault, demonstra como a internação de doentes mentais a partir do século XVIII não surgiu com propósitos terapêuticos, mas a partir de uma ordem social e religiosa vigente que excluía todos diferentes e indesejáveis e tratava qualquer desvio como pecado a ser punido. Com a disseminação dos ideais da Revolução Francesa a liberdade foi devolvida a grande maioria dos internos. Apenas os loucos permaneceram internados. Com o surgimento da Psiquiatria, passam a ser considerados doentes e a internação em grandes manicômios teria o propósito de curá-los.

Por mais de dois séculos a internação de doentes mentais em manicômios se constituiu no principal pilar da psiquiatria. Em Minas Gerais, portadores de doenças mentais crônicas, incluindo dependentes químicosa título de proteção para si e para terceiros, eram deixados por suas famílias em hospitais psiquiátricos públicos ou privados. Grande parte destes permanecia internada pelo resto de suas vidas em condições muitas vezes desumanas, como bem ilustra o livro reportagem “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex.

[...] Em novembro de 1990, organizações, associações, autoridades de saúde, profissionais de saúde mental, legisladores e juristas se reúnem na Venezuela em uma conferencia para Reestruturação da Assistência Psiquiátrica nas Américas. Constata-se que o hospital psiquiátrico “provoca o isolamento do paciente de seu meio, gerando dessa maneira cada vez maior incapacidade para o convívio social... cria condições desfavoráveis que põem em perigo os direitos humanos e civis do paciente.” Documento aprovado nesta Conferencia conclama ministérios da saúde e da justiça, parlamento, seguridade social, prestadores de serviços, organizações profissionais, universidades, enfim, toda a sociedade civil, a apoiar a reestruturação da Atenção Psiquiátrica na América. Fica claro que nãose trata apenas de melhorar os hospitais psiquiátricos, mas de reformar e reestruturar toda a lógica assistencial vigente até então.

Em 2001 a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) estabelecem diretrizes para a Saúde Mental. Entre outros, determinam que “... deve se conceder a todo paciente o direito de ser tratado e atendido em sua própria comunidade...todo o paciente deverá ter o direito de ser tratado em ambiente o menos restritivo possível, com o tratamento menos restritivo e menos intrusivo”. Observam que “... a atenção baseada na comunidade tem melhor efeitos sobre os resultados e qualidade de vida das pessoas com transtorno mental crônico do que o tratamento institucional em hospitais psiquiátricos, é mais efetivo em relação ao custo e garante o respeito aos direitos humanos.” (ANDRADE, 2014, p.4-5).

Diante do parecer apresentado, observa-se que o objetivo da internação compulsória dos dependentes químicos já é conhecida, qual seja, livrar-se daqueles que causam um “mal estar social”, excluindo-o de forma bárbara e desumana da sociedade.

Não nos resta dúvida de que a Reforma Psiquiátrica foi um divisor importante para estabelecer que o isolamento e a segregação do indivíduo não são, e nunca serão, uma forma de tratamento digno aos dependentes químicos, e sua liberdade de escolha pelo tratamento deve ser garantida e preservada ao máximo.

A Desembargadora ainda esclarece que a Organização Mundial de Saúde não recomenda a internação compulsória e prioriza o tratamento baseado em ações de serviço junto ao Ministério da Saúde, enfatizando a política de redução de danos, oficializada e adotada pelo país.

Em relação ao meio de tratamento pontua que:

os dependentes químicos necessitam de cuidados clínicos e psicológicos contínuos em longo prazo. Não existe protocolo único. E nem sempre uma abstinência temporária de drogas por motivos alheios à vontade do paciente é sinônimo de tratamento efetivo. Portanto, o projeto terapêutico deve obrigatoriamente ser individualizado. Assim como portadores de outros transtornos mentais, um indivíduo não deve em hipótese alguma sofrer qualquer tipo de preconceito ou estigma por ser um usuário de drogas. A intensidade e o tipo de tratamento indicado variam de caso a caso e ao longo do tempo. (ANDRADE, 2014, p.6).

Vale destacar que, na hipótese de possível internação de forma compulsória, com a aplicabilidade da lei em comento, merece atenção a garantia legal de um tratamento isonômico aos pacientes, conforme dispõe o art. 2º, estabelecendo que os direitos e a proteção das pessoas acometidas por algum transtorno mental - abrangidos aqui por analogia os usuários de drogas lícitas e/ou ilícitas - são assegurados, pelo tratamento sem qualquer forma de discriminação, homenageando, também, o princípio constitucional da isonomia, descrito no art. 5º, caput, da Constituição da República.       

A medida de internação compulsória deve ser vista, portanto, como medida de excepcionalidade, sendo indicada em casos de perigo concreto, isto é, quando houver risco à integridade física, à vida, à saúde do próprio paciente ou de terceiros (art. 4º, Lei 10.216/01). Santoro Filho, em seu livro “Direito e Saúde Mental: à luz da Lei 10.216 de 06 de abril de 2001” pondera que “[…] verificada a necessidade de internação, contudo, esta terá como finalidade permanente a cessação daquele estado de perigo e, em consequência, a reinserção social do paciente em seu meio”. (2012, p.35).

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Sobre a autora
Tatiana Aparecida Rodrigues Monteiro

Advogada militante desde 2014, formada pela Faculdade Padre Arnaldo Janssen (FAJANSSEN) em Belo Horizonte, pós graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Tatiana Aparecida Rodrigues. Judicialização da saúde: atuação do Poder Judiciário nas internações de dependentes químicos e outras drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5025, 4 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52668. Acesso em: 21 nov. 2024.

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