A prescrição atinge o direito de pretensão, ante o decurso de prazo estipulado em lei. Destarte, “a pretensão revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ação ou omissão.” (GONÇALVES, 2012, p. 474). Violado determinado bem jurídico, em regra, a lei estipula um prazo para que o legitimado venha ao Judiciário exigir a responsabilização do agente que cometeu o ilícito.
Na Lei de Improbidade Administrativa, o tema prescrição está disciplinado no artigo 23, assim transcrito:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego;
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)[1].
Com a inclusão do inciso III, no art. 23, da LIA, pela Lei nº 13.019/2014, passou-se a ter três marcos prescricionais para propositura de ações contra os agentes públicos, servidores ou não, os particulares e pessoas jurídicas. No inciso I, a prescrição dos atos ímprobos para os detentores de mandato, cargo em comissão ou de função de confiança; no inciso II, para os servidores públicos; e no inciso III, para os responsáveis legais das organizações da sociedade civil que façam parceria com a Administração Pública e estejam obrigados a prestarem contas. Veja-se que a Lei de Improbidade não previu, além de outras falhas, uma prescrição para os particulares, ficando este debate para a doutrina e jurisprudência, ainda em sérias divergências.
Prescrição para os detentores de mandato, cargo em comissão ou confiança
Analisando-se o inciso I, art. 23, da Lei nº 8.429/92, constata-se que a prescrição das ações de improbidade para os detentores de mandato, cargo em comissão ou confiança se dá em até cinco anos do término do exercício da função ou cargo público.
Destaque-se as observações de Daniel Amorim Neves, quando aduz que
As três situações funcionais mencionadas no art. 23, I, da Lei de Improbidade Administrativa possuem traços comuns, a saber: a) inexistência de concurso público: enquanto os agentes que exercem mandato são, normalmente, eleitos para o exercício da função política, os cargos comissionados e as funções de confiança são de livre nomeação e exoneração, na forma do art. 37, II e V, da CRFB; b) temporariedade e instabilidade dos vínculos: os agentes políticos, por um lado, exercem suas funções por determinado período de tempo fixado na CRFB (mandatos) e, por outro lado, os comissionados e agentes de confiança possuem vínculos precários com o Poder Público e podem ser exonerados a qualquer momento. (NEVES, 2014, p. 90).
De fato, os agentes públicos do art. 23, I, da Lei de Improbidade Administrativa, não possuem estabilidade e o exercício dos cargos e/ou funções é marcado por prazos determinados, em regra, de uma administração para outra. No Legislativo, de uma legislatura à outra.
Pelas disposições do inciso analisado, travou-se grande debate sobre o fato de que alguns agentes públicos podem ser reeleitos e, neste caso, prevaleceria a data do mandato em que se cometeu o ato ímprobo ou o término do último mandato?
O Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no AREsp 301378-MG, relatoria da Ministra ELIANA CALMON, julgado em 06/08/2013, DJe 14/08/2013, decidiu que "[...] a interpretação dada ao art. 23, I, da LIA, no sentido de adotar o encerramento do exercício de mandato, como termo inicial da contagem da prescrição, se dá em razão da cessação do vínculo do agente ímprobo com a Administração Pública. [...][2].”
Destarte, “no caso de reeleição — hipótese que não se confunde com o afastamento definitivo previsto no artigo 14, parágrafo 6º da Constituição Federal — o termo a quo do lapso prescricional só se aperfeiçoa após o término do segundo mandato (STJ REsp 1.153.079).” (COSTA, 2013, n. p).
Outro problema surge quando se discute a prescrição do ato ímprobo praticado pelo agente público efetivo que exerce cargo em comissão. Neste caso, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1060529 MG, decidiu que
[...] exercendo cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado, ao tempo do ato reputado ímprobo, há de prevalecer o primeiro, para fins de contagem prescricional, pelo simples fato de o vínculo entre agente e Administração pública não cessar com a exoneração do cargo em comissão, por ser temporário. [...] (REsp 1060529 MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009)[3].
Destarte, quando o servidor efetivo estiver no exercício de cargo em comissão, deverá ser aplicada a regra prescricional contida para os servidores públicos efetivos, que será melhor detalhada adiante.
Prescrição para os particulares/terceiros
Controvérsias e duros debates são travados com relação à prescrição da ação de improbidade administrativa referente aos particulares que praticaram atos ímprobos, mormente pela inexistência, na LIA, de disciplinamento do tema.
Para Mauro Roberto Gomes de Mattos,
Diante do silêncio da supra referida norma legal, que não focaliza a situação jurídica dos particulares/terceiros prevalece a regra geral da prescrição, que é de cinco anos, contados do fato tido como ilícito.
[...]
Ao terceiro/particular que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade administrativa é aplicado o que vem estatuído no Decreto nº 20.910/32, que estabelece a prescrição quinquenal, a contar do fato tido como ilícito. (MATOS, 2010, p. 672-673).
Em sentido divergente, Waldo Fazzio Júnior entende que
No caso do terceiro que acompanha o agente público na prática de improbidade ou dela se beneficia, o prazo prescricional é o mesmo. Não tem razão de ser eventual tratamento diferenciado, já que sua equiparação é precisamente, para a imposição de sanções. Se prescrito eventual direito de ação contra o agente público, não teria sentido permanecer aberta a possibilidade de acionar o terceiro. De outra parte, também não teria sentido ensejar-lhe prazo menor, livrando-o da persecução antes do agente público a quem coadjuvou ou de cuja improbidade se aproveitou. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 388).
Esse entendimento é temerário porque o particular pode participar de apenas um ato ímprobo, enquanto o agente público, mormente servidor efetivo, poderá se perpetuar em atos de corrupção. Neste caso, conforme disposições da LIA, que se debaterá em seguida, o prazo prescricional seria o “previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público” (art. 23, II, da Lei nº 8.429/92).
Pondere-se que a prescrição aos particulares nos mesmos moldes para o agente público, especialmente o servidor público, não é razoável, já que, para este, em um dos casos, a prescrição começa a contar da época em que a Administração Pública tomou efetivo conhecimento do ato ilícito. Destarte, se um particular praticou um ato de improbidade que não tenha gerado prejuízo ao erário, com participação de um servidor público, e este permaneceu mais dez anos no exercício de suas funções após o ilícito, só sendo descoberta a ilicitude depois deste tempo, não parece de bom senso ou justa medida que o particular fique ad perpetum com a insegurança de ser responsabilizado pelo Estado.
A aplicação dos mesmos prazos entre os particulares e, especialmente, o servidor público, não parece moderada e em harmonia com o princípio da proporcionalidade,
Isso porque ao agente público são aplicáveis 03 (três) regras diferentes de prescrição, a saber: 1) a prescrição começa a fluir da data do conhecimento do fato pela Administração Pública; 2) se o ilícito praticado for de origem criminal, a prescrição é regida por dispositivos constantes no Código Penal e, 3) interrupção parcial da prescrição quando é instaurado processo administrativo disciplinar para apurar o mesmo ilícito praticado, objeto da ação de improbidade administrativa. (MATTOS, 2010, p. 674).
O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1071939-PR, de relatoria do Ministro FRANCISCO FALCÃO, julgado em 02/04/2009, DJe 22/04/2009, proferiu que
[...] O prazo prescricional quinquenal descrito no artigo 23, I, da Lei nº 8.429/1992, somente começa a fluir após ter o último réu se desligado do serviço público, alcançando assim a norma a maior eficácia possível, viabilizando a repressão aos atos de improbidade administrativa. II - Tal exegese vai ao encontro do principio da isonomia, uma vez que o co-réu que se desvinculasse primeiro poderia não responder pelos atos de improbidade, enquanto aquele que deixou para se desligar da administração posteriormente responderia. [...]" (REsp 1071939 PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 22/04/2009)[4].
Aldo de Campos Costa leciona que
Se o ato ímprobo for imputado a terceiro, pessoa jurídica ou natural, estranho ao serviço público, o prazo prescricional para a propositura da ação destinada a levar a efeitos as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa é, em princípio, o mesmo aplicável ao servidor público ou agente político envolvido, porquanto se supõe que não haveria como o ilícito ocorrer sem o seu concurso ou na condição de beneficiário de seus atos (STJ REsp 704.323). (COSTA, 2013, n. p.)[5].
O tema traz posicionamentos divergentes. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, no REsp 1185461-PR, de relatoria da Ministra ELIANA CALMON, julgado em 01/06/2010, DJe 17/06/2010, sopesou que
[...] As punições dos agentes públicos, nestes abrangidos o servidor público e o particular, por cometimento de ato de improbidade administrativa estão sujeitas à prescrição quinquenal (art. 23 da Lei nº. 8.429/92), contado o prazo individualmente, de acordo com as condições de cada réu. [...] (REsp 1185461-PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 17/06/2010)[6].
A teor das disposições ainda divergentes no Superior Tribunal de Justiça, é de se ponderar que no caso específico da aplicação das sanções do particular que agiu com o servidor público para a prática do ato de corrupção, deve ser aplicada a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/32 e/ou na Lei da Ação Popular porque “o particular não se insere no rol das pessoas abrangidas pelo Estatuto dos Servidores Públicos (Lei Especial).” (MATTOS, 2010. P. 676).
Prescrição para os servidores públicos
As disposições contidas no inciso II, art. 23, da LIA, tratam do servidor público investido na Administração Pública por meio de concurso público, conforme mandamenta o art. 37, II, da Constituição Federal. Estão submetidos a um regime legal, com sanções disciplinares previstas nesta norma reguladora. A prescrição, para estes agentes públicos, na ação de improbidade administrativa, se opera dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão (art. 23, II, da LIA).
Gomes de Mattos, em sua obra “O Limite da Improbidade Administrativa”, destaca que “conforme disposto no inciso acima referido e quando tratar-se de um servidor público que estiver no polo passivo da ação de improbidade administrativa, deverão ser observados os prazos prescricionais previstos em seu Regime Jurídico.” (MATTOS, 2010, p. 677).
Veja-se, como exemplo, o disposto no art. 130, da Lei Complementar Estadual nº 58, de 30 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do Estado da Paraíba e dá outras providências. A referida norma assim dispõe:
Art. 130 - A prescrição da ação disciplinar se dará em:
I - 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção[7].
Nos termos da LIA, o servidor público civil do Estado da Paraíba, submetido à Lei Complementar Estadual nº 58/2003, tem a ação de improbidade prescrita no prazo quinquenal. Ocorre que o dies a quo, neste caso, começa da data em que o fato se tornou conhecido, como previsto no art. 130, § 1º, da LCE nº 58/2003, e é interrompido pela abertura de sindicância ou instauração de processo disciplinar (art. 130, § 2º, LCE 58/2003).
Essa previsão da prescrição contida no Regime Jurídico dos Servidores Civis do Estado da Paraíba tem o mesmo conteúdo do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (Lei nº 8.112/90). Na Lei Federal nº 8.112/90, o dispositivo é o artigo 142. Gomes de Mattos observa, inclusive, que
A Lei nº 8.112/90 – Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União -, bem como alguns Estatutos dos servidores públicos de vários Estados brasileiros, estabelecem o dies a quo do prazo prescricional do processo administrativo disciplinar como sendo o momento em que o fato investigado se tornou conhecido/público, desconsiderando a data em que ele ocorreu (consumação). (MATTOS, 2010, p. 677).
Importante destacar que, no caso do servidor público, “se a infração também for capitulada como crime, aplica-se o prazo de prescrição previsto na lei penal (artigo 142, parágrafo 2º).[8]” (COSTA, 2013, n. p.).