Foi noticiado recentemente (sítio da RFB, em 29/04/2016) que a Receita Federal passará a exigir das empresas contribuintes informações a respeito dos seus beneficiários finais e outros arranjos legais.
A identificação de beneficiários finais de pessoas jurídicas e de arranjos legais – leia-se planejamento tributário -, especialmente quando houver a localização dos mesmos fora do país, tem se revelado um desafio ao Fisco para a prevenção e combate à sonegação fiscal, à corrupção e à lavagem de dinheiro em âmbito mundial, consolidando uma manifestação da cooperação internacional contra tais condutas lesivas aos Estados.
O beneficiário final é a pessoa natural que, em última instância, de forma direta ou indireta, possui, controla ou influencia significativamente uma determinada entidade. Nesse sentido, a autoridade fiscal entende fundamental o conhecimento desse relacionamento, idealizando o controle total para a devida responsabilização e penalização de comportamentos a margem das leis.
O entendimento das autoridades fiscais é que as chamadas empresas offshores têm sido utilizadas como ferramentas de lavagem de dinheiro, corrupção e blindagem patrimonial, como meio de ocultação da origem ilícita de capitais remetidos ilegalmente, ou mesmo para o recebimento de valores relativos a atos ilícitos praticados no país.
As jurisdições onde frequentemente estão sediadas – os paraísos fiscais – tendem a favorecer a ocultação acerca da propriedade dos bens e valores movimentados. Da mesma forma, a existência de empresas com ações ao portador, e de arranjos legais, tais como os “trusts”, permite a realização de tal ocultação.
Para o Fisco, o anonimato é a garantia da impunidade. O tema tem sido intensamente debatido nos fóruns internacionais tributários, de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e à corrupção, e de transparência. O Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, organismo internacional vinculado à OCDE, responsável pela definição dos padrões internacionais, legais e operacionais, para a prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, define, em suas recomendações 24 e 25, a necessidade de que os países tomem medidas no sentido de dar-se ampla transparência e acesso tempestivo à informação relativa aos beneficiários finais das pessoas jurídicas e de demais arranjos legais.
Em outubro de 2014, o organismo publicou o “FTAF Guidance – Transparency and Beneficial Ownership”, compreensivo guia para auxiliar os países na implementação das citadas recomendações. É uma tendência mundial que as autoridades fazendárias estabeleçam normas de cooperação em torno de métodos compartilhados de fiscalização e controle fiscais.
Consistente com essa tendência, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – Enccla tem se preocupado com a questão desde suas primeiras edições: pelo menos seis metas/ações abordaram o assunto de alguma forma, em 2004, 2005, 2007, 2010, 2014 e 2015. Pode-se considerar que, sob o ponto de vista preventivo, o país evoluiu no que foi possível, com uma regulamentação razoavelmente harmônica e consistente entre todos os reguladores, e bem avaliada pelo GAFI, a qual prevê que as instituições financeiras devem realizar diligências no sentido de conhecer seus clientes, identificando “a cadeia de participação societária, até alcançar a pessoa natural caracterizada como beneficiário final”, bem como a necessidade de se conhecer os beneficiários finais das movimentações bancárias.
Há, no entanto, uma lacuna no que se refere ao acesso à informação por parte dos órgãos de fiscalização, repressão e persecução penal. Ao contrário do preconizado nas recomendações internacionais, o dado relativo aos efetivos controladores não está disponível de forma tempestiva a tais autoridades, sendo necessárias diversas diligências, inclusive em âmbito internacional, para se buscar a obtenção da informação, nem sempre com sucesso.
Motivada por esta situação a Receita Federal Brasileira emitiu a Instrução normativa que entrará em vigor nesta semana. A partir de sua edição, a Secretaria da Receita Federal do Brasil passará a exigir a identificação do beneficiário final das empresas nacionais e estrangeiras que vierem de alguma forma operar no país.
Tal informação passa a fazer parte do cadastro nacional das pessoas jurídicas, ficando disponível para a administração tributária e aduaneira, e também para as demais autoridades, mediante convênio de troca de informações.
No entanto, não se pode confundir transparência fiscal com ingerência fiscal. A conduta da autoridade fiscal, neste caso, parece extrapolar direitos do contribuinte e do mercado, pois autoriza o Fisco, unilateralmente, e fundamentado em um mero regulamento administrativo, a tomar conhecimento de estratégias econômicas e administrativas atinentes à particularidade de cada contribuinte, o que viola os princípios da liberdade econômica; é quase uma gestão do público sobre a gestão privada do contribuinte, e sem que a lei nacional autorize tal procedimento.
O caso é grave, pois a autoridade administrativa cada vez mais está criando obrigações (principais e acessórias) tributárias aos contribuintes, impondo pesadas sanções em caso de descumprimento, e, no mesmo passo, imiscuindo-se indevidamente na atividade do particular, com o claro intuito de fomentar a sua sanha fiscal.
Com a justificativa de “fiscalizar”, o ente público está criando mecanismos de intromissão na gestão privada, tendentes a acabar com o sigilo fiscal, situação que fere, sobremaneira, a autonomia da iniciativa privada dos contribuintes.