Artigo Destaque dos editores

Registro Civil

Exibindo página 3 de 5
Leia nesta página:

3 POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO NOME

De acordo ao que expressa o artigo 57 da Lei de Registros Públicos qualquer alteração posterior no nome somente é possível por exceção e motivadamente. Consagra ainda que o juízo competente para a apreciação da pretensão é o que tiver atribuição registral. Percebe-se que a possibilidade de alteração do nome é exceção ao sistema jurídico vigente, consagrador da definitividade, depreendida do artigo 58 da mesma lei.

Ainda que o nome tenha o condão da definitividade, é de se destacar que essa regra comporta exceções. Tais exceções – como se verá no presente capítulo – se processam através de procedimento no qual a intervenção do Ministério Público se faz imperativa.

Como se pode destacar, a possibilidade de alteração do nome se processa através de procedimento administrativo ou judicial, conforme a hipótese, onde o interessado sujeita à administração judicial sua pretensão, sujeição justificada em razão do poder geral de cautela, onde a vontade que não aspire a lesar terceiros deve ser acolhida.

3.1 ERRO GRÁFICO EVIDENTE

Para que se vivencie a segurança jurídica nas relações estabelecidas entre os cidadãos, é conveniente a definitividade do nome, atributo da personalidade. Essa definitividade, contudo, não é absoluta, podendo sucumbir, por exemplo, quando o que se busca fazer é estabelecer a retificação da grafia.

O artigo 58 da Lei de Registros Públicos em sua redação original acabou por consagrar a imutabilidade do prenome, ressalvando os casos de erro gráfico e o nome propenso a expor seu portador ao ridículo.

A primeira hipótese, não repisada na Lei nº 9.708/98, parece-nos permanecer válida, eis que se trata de regra tendente à tutela da correta identificação da pessoa, em que não se cogita ter havido "superação social da norma" [106]. Pelo contrário, a vigência desta regra encontra consonância estrita com o atual estágio do Direito, em que garantias individuais são cada vez mais tuteladas.

As possibilidades de alteração consagradas na Lei nº 6.015/73 foram encampadas pela doutrina e jurisprudência [107], ressalvando apenas os casos em que se poderia vislumbrar fraude. Assim é o caso do manifesto erro de grafia, onde a modificação visa a restabelecer solenemente o que a convivência social e familiar consagrou. Ou ainda, quando a correta estruturação vernacular impõe a retificação.

Nessa seara parece merecer prosperar a pretensão da Jerarda que quer ver assentado o prenome de Geralda, do Nerson que espera a aposição no Registro Civil de Nelson, do Alesandro que pretende a alteração para Alessandro etc. Nesse último caso, resta evidenciado que ocorreu um erro de grafia, ficando latente que o registrador ignorou elementar regra de fonética que aduz possuir o "s", entre vogais, som de "z".

Como já consignado, a confecção do nome deve se dar em um ambiente de respeito às normas gramaticais, incluídas as atinentes à morfologia e fonética. Por isso deve ser acolhida a pretensão que visa à inclusão ou exclusão de letra que descaracterize o prenome, desde que não acarrete prejuízo a terceiros ou oculte a identidade, pois a estabilidade nas relações jurídicas é um objetivo do Direito. Deve-se, pois, laurear a busca pela cidadania, evitando situações de embaraços, não podendo esta procura implicar em galardão à má-fé.

No sentido do que se colacionou, foi o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais na Apelação Cível nº 1.0309.03.900041-4/001, relatado pelo desembargador Brandão Teixeira. No caso concreto, entendeu por bem a Segunda Câmara Cível dar provimento unânime ao recurso de Serlene.

Em razões de apelação alegou a recorrente que só tinha registro na memória de ser chamada Selene, prenome que todos de sua família, assim como seus contatos sociais, se valiam para fazer referência à sua pessoa. Com isso imputou ao "r" aposto a seu nome a locução adjetiva "erro de grafia". Além disso, alegou questões de foro íntimo para ver retirado de seu nome a letra que tanto a incomodava.

O Tribunal de Justiça mineiro acolheu as razões de apelação porque a pretensão peticionada ia ao encontro da realidade fática consubstanciada no reconhecimento público e notório do prenome da apelante sem o emprego do "r". Na mesma esteira entendeu que a alteração não "causaria prejuízo a ninguém ou ocultaria a própria identidade." Ao contrário, demonstra que o motivo a ensejar a demanda foi o erro por ocasião da aposição junto ao Registro Civil de seu nome particular.

O entendimento referido vai ao encontro da premissa defendida por Limonge França ainda na década de 1950, quando asseverou que o bem jurídico que o princípio da imutabilidade procurava tutelar seria "a fixidez e regularidade dos meios de identificação dos diversos indivíduos" [108]. Depreende-se deste entendimento que a segurança jurídica decorrente da imutabilidade – definitividade depois da Lei nº 9.708/98 – deve ser perquirida, mas apenas enquanto meio de garantir a regular identificação. A definitividade é meio, e não fim em si mesma. Deve, por isso, sucumbir nos casos em que a alteração do prenome venha ao encontro da efetiva identificação, isto é, nos casos em que o Direito irá reconhecer o que a realidade já consagrou.

O Superior Tribunal de Justiça já esposou entendimento no sentido ora percorrido. No Resp nº 213.682-GO aduziu que imutável deve ser considerado o nome pelo qual a pessoa é socialmente conhecida, e não o nome com o qual fora registrada.

O prenome destina-se à identificação do indivíduo perante família e sociedade. Assim, se a pessoa é identificada de forma diferente do que se registrou, não se pode desconsiderar a realidade na hipótese de a divergência vir ao Judiciário. No caso da Serlene, além da alegação do notório reconhecimento por Selene, foram juntadas aos autos cópia do registro de batismo evidenciando a ocorrência do equívoco.

Em um caso como o colacionado, não admitir a retificação pretendida pela apelante, significaria exagerado apego ao formalismo, capricho que em nada vem a somar aos Direitos da Personalidade, onde se insere o nome civil. Desta feita, não existindo dispositivo legal a vedar a retificação do registro, sobretudo nos casos em que o Judiciário exerce função tipicamente administrativa – e não jurisdicional –, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, logo, impõem-se apenas cautelas que resguardem o interesse de terceiros e a estabilidade das relações jurídicas. Afora isso, não confrontando a pretensão autoral com o resguardo que informa o poder geral de cautela, resta fora de dúvida merecer prosperar a pretensão.

3.2 NOME RIDÍCULO

Nome ridículo é aquele despropositado, cuja manutenção enseja constantes constrangimentos [109] para seu titular, como os pejorativos pela origem, Lúcifer e Hitler, ou ainda, os clássicos Pafúncia e Himineu. São, consoante a lição de Rosário Guérios [110], antropônimos excêntricos, estapafúrdios, que parecem sair de programas humorísticos. Engraçados o são para servir à ironia e ao sarcasmo alheio, mas o mesmo não se pode dizer em relação às pessoas que tiveram certas pérolas apostas no assentamento civil.

A professora trazida à colação relaciona em sua obra curiosa listagem de nomes. Na sua maioria foram descobertos em recenseamentos e nas listagens de eleitores. Trata-se de relação já publicada em outras mídias [111], mas que pelo aporte do ridículo merece ser mais uma vez reproduzida. Verbis:

"Antônio Dodói, Antero Americano do Brasil Mineiro, Abrilina Décima Nona Caçapava Piratininga de Almeida, Amada Sempre, Antônio 20 de Julho de 1895, Amarascoryia, Águas Marinas Gomes, Alarme José, Ariquieta Dadinho, Antônio Morrendo das Dores, Argentina América do Brasil, Abecê Nogueira, Anésio Arcebs de Cantuária (de acordo com a folhinha do dia: Sto. Anésio, Arcebs. (arcebispo) de (Cantuária), Barrigudinha Seleida, Cafiaspirina Cruz, Celeste Batata, Catarina Goiânia de Goiás, Colapso Cardíaco da Silva, Catarina Graciosa Rodello, Céu Azul do Céu Poente, Cento e Três, Crepúsculo das Dores, Dezecâncio Teverêncio de Oitenta e Cinco, Dulcelanauzaura Alves, Dinosauro, Dourado Peitudo, Depozarino, Delícia Leal, Damores Santos, Defensor da Parte, Eclâmpsia, Eclesiaste Cardeal da Costa, Epílogo, Esparadrapo, Éter Sulfúrico Amazonas Rios, Eustácio Ponta Fina Amolador de Ponta Grossa, Frígida, Fachada, Fim Pedro, Francisco Cebola, Fordelícia, Frevorosa, Filosofina, Gilete de Castro, Holofotina, Himeneu Casamentício das Dores Conjugais, Ilegível Inelegível da Silva, Isabel Ignorada Campos, Isso, Inocêncio Coitadinho Sossegado de Oliveira, João Cólica, Jardinino, Joaquim Sherlock Holmes, José Amando e Seus Trinta e Nove, José Salamargo, João Rei Bispo de Deus, Jesus Rei das Nações Diniz, João da Mesma Data, José Casou de Calças Curtas, Liberdade Igualdade e Fraternidade Narbona, Libertina, Lembrança de Aliás, Missa, Milagre Efigênio, Melancio, Maternidade da Silva, Maria Espertina, Motim, Marmolina Terebentina, Maria Passa Cantando, Miramolin Mansour da Linha, Manuel Arrependido Gomes, Maria Coragem da Cruz, Naftalina, Nacionézia, Nacional Futuro da Pátria Brasileira, Nacional Futuro Provisório da Pátria, Povo, Neto Louro das Cotias, Natal Criança de Castro, Náusea Pereira, Ouvindo Pedro Franco, Odin Indiano Americano do Brasil Ótima, Ouriço, Atila Dantas, Oceano Atlântico, Oceano Pacífico, Obstinada, Osso, Primeira Delícia, Palestra Itália, Pegueite, Portaleconina de Assis, Padre Bispo Cardeal, Quimbar-H, Raimundo Papa Leão, Restos Mortais de Catarina e Silva, Raimundo Raio de Estrada de Ferro Brasileira, Rodo Metálico, Sahara, Símio, Termina de Castro, Tox Mix Bala, Tuessanta, Terezinha Tosse, Um Dois Três de Oliveira Quatro, Vai por Mim Beleza etc."

Na lição de João Tabalipa, ridículos são os nomes imorais ou vexatórios [112], verdadeiras "ameaças à auto-estima das pessoas" [113]. Por se revestirem de caracteres tão depreciativos, evidente se torna a possibilidade de alteração.

Para que um nome não seja ridículo precisa guardar estrita correspondência com o sexo do seu titular. É bem verdade que o passar dos anos pode render incursões em quadros televisivos de natureza humorística, como "a Wagner", cuja história foi contada por Denise Fraga em 25 de setembro de 2005.

No programa referido, ficou sobejamente comprovado que ser uma mulher a portar nome eminentemente masculino implicava em numerosas situações embaraçosas. Por certo, caso o registrador tivesse atentado para os termos que após no assentamento civil, as mesmas teriam sido evitadas. Ademais, não se afigura abarcada pelo Direito a situação em que se emprega o prenome de um gênero em outro [114], circunstância que não se confunde com os casos de epicenos, já que nestes tem-se um nome que é comum a dois gêneros.

Nesse sentido o mestre português Manuel Vilhena de Carvalho traça ponderações conclusivas sobre como deve portar o registrador e os funcionários das serventias aptas à promoção do Registro Civil. Assevera que, "ao procederem à indicação dos nomes próprios nos actos de registro de nascimento, nem sempre os declarantes o fazem por forma a ter em conta os requisitos legalmente impostos quanto à sua composição." [115]

Pode até ser que os declarantes, legitimados à declaração de nascimento, não conheçam a lei e, por isso mesmo, superestimem o conteúdo de sua possibilidade de escolha. Os funcionários dos Registros Civis, nada obstante, "zelosos do cumprimento e aplicação das normas que a esta matéria respeitam" [116], devem cuidar para que o ridículo não venha a fazer parte do mundo do direito. Assim, para efeitos da admissibilidade e aceitação de certos nomes próprios, faz-se necessária a interferência do juízo com atribuição registral.

Há prenomes que são ridículos pela extensão, por vezes demasiadamente grandes. Para cuidar desse tema, diferentes posições legais foram experimentadas, chegando a haver casos de limitação à extensão do prenome. Nesse sentido foi o Código de Registro Civil português de 1932, onde se previa que o número de nomes próprios não seria superior a dois, claramente um critério aritmético [117].

A legislação brasileira, entretanto, em nenhum momento cuidou deste assunto. Parece-nos não ter querido a lei limitar o número de prenomes, deixando tal decisão ao arbítrio dos pais.

3.3 APELIDO PÚBLICO E NOTÓRIO

Apelido vem de "apelar", que significa "chamar-se" ou "ter o nome de". Na concepção francesa configura o Je m’appele, locução correspondente ao "eu me chamo" no português. Além dessa acepção, o sentido mais comum do termo, sobretudo no meio jurídico, aponta na direção de recurso, que se transcreve por razões dogmáticas, ainda que ao estudo do nome apresente interesse acanhado.

O conceito que se quer analisar, entretanto, assume a acepção de designação especial de alguém, com a qual se é conhecido no meio familiar e social. Tem o sentido de cognome, alcunha, epíteto ou apodo, decorrente, por exemplo, da abreviação do nome, de particularidade física ou moral, do trabalho [118] que se exerce etc.

O fenômeno do apelido público e notório não é uma especificidade brasileira. Basta se lembrar do ex-presidente estadunidense Bill Clinton, cujo prenome é William Jefferson. Esse fenômeno, a que veio a Lei nº 9.708/98 tutelar, recebe o nome de nickname nos países de língua inglesa, em que Robert vira Bob; Edward, Ted; Margareth, Meg; Joseph, Joe; John, Jack.

Na realidade brasileira alguns personagens públicos acabaram por serem conhecidos por seus cognomes, como Pelé, Xuxa, Lula e Ratinho, conceito que não se confunde, ainda que guarde ponto de similitude, com pseudônimo [119]. Tais cognomes, nos casos colacionados, foram acrescidos ao nome, pelo que não podem ser considerados dentro das hipóteses do artigo 58 [120] da Lei de Registros Públicos em sua redação conferida pela Lei nº 9.708/98. Trata-se, em verdade, da prática consagrada no artigo 57, § 1º [121] da Lei Registral, embora não houvesse óbice para o enquadramento de tais casos no artigo 58 pela notoriedade com que são conhecidos.

Anuncia o citado artigo 58 que o prenome é definitivo. Essa definitividade vem ao encontro da necessidade de se assegurar segurança jurídica nas relações. Nada obstante, aduz à possibilidade da adoção de apelidos nos casos de notoriedade do mesmo. É importante se destacar que a adoção referida permite a substituição do prenome registrado pelo prenome de uso, ponto em que diverge do artigo 57, § 1º, em que se consagra a prerrogativa de averbação do nome usado como firma comercial ou atividade profissional.

A nova redação do artigo 58 da Lei de Registros Públicos surge em um contexto de reconhecimento da necessidade de efetiva identificação da pessoa, não mais mera obrigação do particular frente à sociedade. Ao contrário, ter uma identificação deixa de ser só uma obrigação para ser prerrogativa através da qual se afirma a personalidade.

Em razão da evidente relevância do nome, com reflexos inquestionáveis no interesse público, é este, em regra, definitivo. A mudança, por isso mesmo, só é possível em casos excepcionais e justificados, nos estritos termos da lei, mediante a intervenção judicial.

A nova redação do artigo 58 deixou patente a possibilidade de se adotar o "prenome de uso", o que a jurisprudência já vinha admitindo em casos excepcionais. Por isso, apelido público e notório é aquele que realmente identifique a pessoa no meio em que vive, reconhecido pelo juízo para que passe a constar no Registro Civil.

É de se destacar que na seara política [122] há grande incidência de substituição do prenome por apelido, possibilidade que o Código Eleitoral trata de forma expressa, emprestando legalidade às variações nominais antes mesmo da Lei nº 9.708/98. Por isso o tema foi sumulado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que em seu Enunciado nº 4 [123] reiterou a possibilidade da variação nominal, cuidando inclusive da homonímia.

Por ser soberana a vida, e não a lei, como bem asseverou Sá Pereira [124], a lei de 98 veio ao encontro dos anseios de muitas pessoas que pretendiam ver reconhecidas pelo Direito a identificação fática, mas que até então se encontravam sem o respaldo de regramento legal no qual pudesse ser subsumido suas pretensões. É de se dizer, assim, que em matéria de nome civil há de se curvar o aplicador da norma à realidade que o cerca, buscando, pois, a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade.

Pelo que se expôs, a positivação da possibilidade em comento talvez não fosse tão necessária no estudo do nome. Nada obstante, em razão da tendência literalista de interpretação que povoa o imaginário jurídico tradicional, a presente inovação acabou por espancar as dúvidas acerca do tema, não deixando margem para se indeferir os pleitos com o fundamento de não existir lei sobre o assunto, ponto em que a novidade se mostra positiva.

Os reflexos positivos da referida mudança podem ser facilmente aferidos, vide a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [125]. Com isso se retoma a idéia de soberania da vida, algo absolutamente salutar em um país que tem na Dignidade seu pilar fundamental e uma Constituição que é adjetivada Cidadã.

O Superior Tribunal de Justiça tem sido bastante coerente com o entendimento atual de que o nome é verdadeiramente Direito da Personalidade. Por isso sua sensibilidade aos casos envolvendo o que a lei chama de apelido público e notório merece ser destacada, exemplo do que ocorreu no REsp 538.187-RJ [126], relatado pela ministra Nancy Andrighi.

No referido Recurso Especial se entendeu haver motivo suficiente para a troca almejada: de Maria Raimunda para Maria Isabela. O mesmo foi esposado em razão de se ter aferido não se tratar de mero capricho pessoal, mas de necessidade psicológica profunda. Ademais, o conhecimento no meio social pelo prenome pretendido foi a razão que possibilitou subsumir a vontade da autora ao preceituado na Lei de Registros Públicos.

Maria Raimunda teve a pretensão laureada no Superior Tribunal de Justiça depois de ter tido a aspiração rejeitada no juízo monocrático e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Desde a primeira instância alegara a autora que o prenome Raimunda lhe trazia constrangimentos, dissabores e transtornos, ensejando brincadeiras de mau gosto. Por essa razão adotara prenome de uso em que restava substituído Raimunda por Isabela, troca que foi assimilada de forma definitiva por seus contatos.

Firme da notoriedade do prenome Isabela, bateu as portas do Judiciário. Na primeira instancia os argumentos não foram acolhidos. O juízo da Vara da Família de sua cidade considerou que a substituição só seria justificada quando o prenome fosse capaz de sujeitar seu portador à situação ridícula ou humilhante, o que não ocorria a seu ver com o prenome Raimunda, para si, perfeitamente normal. Este entendimento foi reiterado pelo Tribunal de Justiça estadual. No SJT, todavia, a notoriedade do prenome, adotado faticamente em razão dos constrangimentos que o antigo lhe ocasionava, foi acolhida.

O entendimento do Superior Tribunal pode ser melhor compreendido em se analisando o resumo estruturado que este disponibiliza em sua página da internet [127]. Neste se percebe alusões claras: "retificação de registro de nascimento; alteração de prenome; caráter excepcional; natureza social do constrangimento; existência de apelido público e notório." Da referência legislativa fica ainda mais evidenciado que foi a natureza da publicidade e notoriedade que nortearam o entendimento do tribunal em comento: artigo 58 da Lei de Registros Públicos com a redação dada pela Lei nº 9.708/98.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No mesmo sentido do Superior Tribunal, tem se portado o Tribunal do Rio Grande do Sul, como se depreende da interpretação emprestada ao artigo 58 da Lei de Registros Públicos por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 70000256958 [128], julgada pela Oitava Câmara Cível do tribunal referido em 25 de novembro de 1999, e cujo relado coube ao desembargador José Ataídes Siqueira Trindade. Nesta se estabeleceu que, sendo realmente público e notório o prenome que se quer adotar na comunidade em que vive o requerente, e não havendo prejuízo para terceiros, a pretensão merece ser acolhida.

3.4 DUPLICIDADE DE REGISTRO

É importante se consignar, a princípio, que a regra de validade vigente no ordenamento pátrio determina que válido é o primeiro registro de nascimento. Em matéria de registro prevalece o mais antigo.

A título de exemplo estabeleceu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 77.873 ser "contrário ao sistema de Registro Público vigente no Brasil a multiplicidade de assento para um mesmo e único fim". No mesmo sentido é o entendimento deste tribunal colacionado no repositório de jurisprudência Revista dos Tribunais em seu número 436, pagina 253, onde se lê que: "em face de dois registros de nascimento da mesma pessoa, o primeiro, feito pelo próprio inventariante, que no ato se declarou pai da registranda, é de ser considerado válido até prova em contrário, ou seja, até ser invalidado pelos meios regulares."

O tópico em estudo, ao contrário da simplicidade que a literalidade nos informa, é por demais complexo. Impõe a que se enfrente questões como boa e má-fé, pois não se pode tratar desiguais de forma igual. Faz-se necessário, pois, que cuidemos da promoção do segundo ato registral sob duas perspectivas: em uma havendo intento de lesar terceiros e em outra não-existindo tal expectativa. Questões éticas devem ser debatidas; questões de justiça [129] maiormente.

O ser humano, por princípio, busca a harmonia e a ordem. O faz por motivação intrínseca e cultural. Desta forma as relações sociais são o somatório de vontades e liberdades, para as quais o Direito tem o dever de apresentar uma resposta satisfatória.

O Direito tem, assim, função de organizar e reorganizar a sociedade, estabelecendo relações interpessoais de maneira justa, ainda que por meios coercitivos.

Pensar o Direito é pensar em Ética. Este deve refletir normas para a ação humana que se voltem para o bem, estando contido na Ética, fundamento último do Direito.

O fato de o Direito buscar pacificar as tensões sociais geradas pelos conflitos resistidos o coloca na condição de instrumento capaz de promover o retorno ao ethos primordial [130], onde a ordem jurídica se confundiria com a ordem dos lares, só que "regidos e orientados pelo Estado" [131]. Uma situação de promoção da desigualdade proporcional, em que o devido a cada um seria assegurado. Com isto o Direito seria efetivamente um espaço para a manifestação da função social [132] ética.

As normas morais resumem-se no fazer o bem e evitar o mal. Deste pressuposto é possível se valorar as ações, mensuradas na medida da aproximação ou distanciamento do bem. Neste ponto a idéia de dever é fundamental, posto nos levar à noção de "bem obrigatório" [133], imposto à consciência que almeja a pacificação social.

Estabelecido que a Ética é o fundamento do Direito, e esta é norma de cunho moral que se configura na busca do bem e rechaçamento do mal, assentados se encontram os pilares para se discutir questões acerca da duplicidade de registro, tema aparentemente pueril, mas que por envolver questões de ordem moral não pode ser tido por tão simplório.

As pretensões lesivas, por óbvio, não podem ser chanceladas pelo Direito. Por essa razão a extirpação de registros promovidos de forma absolutamente contrária ao Direito – com motivação aética – se impõem.Tratando-se de má-fé, a questão que se coloca é facilmente resolvida. Simplesmente se cancela o registro eivado de nulidade.

Assim deve ser cancelado o registro do gato [134]. É bem verdade que a maioria dos casos dessa natureza se processam mediante a omissão ou inserção de dados, o que configuraria o tipo do artigo 299 do Código Penal. Pode ser, contudo, que se promova a uma nova declaração de nascimento. Nesta hipótese, estar-se-ia "criando" uma nova pessoa, que não teria um correlato no mundo fático, argumento mais que suficiente para justificar o cancelamento desse segundo registro, como antes expedindo caracterizando a chamada nulidade oblíqua, já que o título causal ensejador do registro não existe. Do ponto de vista meramente registral não haveria nenhuma nulidade, mas não faz sentido se manter um registro cujo objeto não encontra respaldo na realidade. Também nulos são os atos de adoção à brasileira com motivação aética cujo "adotado" tenha sido anteriormente registrado.

Nas hipóteses aventadas o caminho a se trilhar é o cancelamento do segundo registro, promovido com um objetivo muito claro: usar a máquina pública, ainda que delegada, para lesar terceiros. Ter uma idade cronológica ficta para participar de competições que a real obstaria ou, ainda, o convívio com um ser humano em detrimento do desmantelamento de uma família. A nulidade do segundo ato registral se afigura clara, não merecendo subsistir por ser estranha à relação material.

Nem sempre, contudo, a declaração de nulidade, com o conseqüente cancelamento do ato, é o melhor caminho a se percorrer. Diz-se isto em razão da realidade social que vez ou outra noticia o abandono de crianças, gerando um problema social.

Assim, têm-se situações a confirmar a tese de que "na prática a teoria é outra". Tal tese, inclusive, foi considerada por nosso legislador ao cuidar da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal [135], o que nos leva a repensar algumas questões, abstratamente fáceis de se resolver.

Observe-se, pois, o registro do menor abandonado que é adotado. Sendo este elaborado em consonância com o que couber do artigo 61 [136] da Lei de Registros Públicos, atendendo precisamente às determinações do Juiz com atribuição em matéria de criança e adolescente, ainda que se descubra a posteriori ter sido este previamente registrado, não há dúvidas de que o segundo registro é válido. Houve um segundo registro, mas elaborado nos estritos liames da lei, precisamente o artigo 47, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual se assegura a possibilidade da completa alteração do nome do adotado.

É de se destacar, todavia, que há hipóteses onde o segundo registro é promovido em dissonância com os preceitos legais, mas sem mácula axiológica de lesar terceiros – não se aproximando do mal, retomando a discussão Ética –, motivado, em verdade, pelo intuito de fazer o bem, ainda que não se observe a formalidade eleita pelo Direito. Sendo o Direito só uma parte da Ética, e esta não condena o ato sem motivação maléfica, não parece merecer prosperar a tese do necessário cancelamento do segundo registro.

Tais apontamentos foram esposados porque a declaração de nascimento foi feita a margem da lei, mas cercada de uma intenção louvável, de reconhecida nobreza – hipótese do parágrafo único [137] do artigo 242 do Código Penal –, tendente à realização da solidariedade social, pilar da ordem constitucional vivenciada.

A pessoa que encontrou um menor exposto [138] e promove ao ato registral – adoção à brasileira na fria subsunção legal – sem nenhum intento lesivo, mas sim com vontade de trazê-lo para o âmbito familiar como se neste tivesse sido gerado, não pode ser tratada da mesma forma que quem se valeu do sistema registral mediante má-fé. Por esta razão o legislador do Diploma Penalista previu a possibilidade de extinção da punibilidade pelo perdão judicial nos casos de nobreza reconhecida, o que se nos mostra absolutamente razoável: os desiguais acabam sendo tratados de forma desigual, atendendo a postulado universal de justiça.

Tais apontamentos nos levam a uma digressão: como fica o nome do adotado à brasileira mais tarde descoberto? E se a descoberta se der quando este se encontra familiarizado com o novo nome? Terá ele seu segundo registro cancelado, tratando a nulidade nos estritos termos frios, dogmáticos e teóricos com os quais se ficciona não produzir nenhum efeito o ato nulo, ou se observará o caso concreto para saber se a declaração de nulidade não seria mais maléfica?

Tais indagações levam a um questionamento: a ponderação de interesses. Esta faz expressa remição ao conceito de justiça, seu objetivo último. Impõe que se confronte direitos e deveres, mas sem o recurso aos clássicos mecanismos de interpretação, capazes de solucionar apenas demandas adstritas a silogismos.

Em uma constituição como a brasileira, notadamente abarcadora de normas de caráter aberto e compromissário, verdadeira síntese de ideologias, faz-se necessário ponderar interesses, pois a idéia de segurança oriunda do iluminismo setentrista não mais pode ser confundida com o justo.

É sabido que a Constituição brasileira é fruto de uma sociedade pluralista e de demandas latentes. Tem-se, a despeito desta pluralidade, a imposição de respeito à unidade do sistema – decorrente do regime pela Magna Carta adotado – refletindo em todos os textos legais, irradiando o que Jorge Miranda [139] chama de sujeição, inclusive da própria Carta Política, a valores éticos transcendentes, valoração ético-transcendental que permite aduzir hipoteticamente a contrariedade da Constituição por ela própria, sobretudo em um sistema onde as emendas são muito maiores que o soneto: 48 até o dia 10 de agosto de 2005.

Como ponderar é um ato de sopesar, sempre, necessário se faz cuidar para não se relegar os Direitos Fundamentais, impassíveis de relativização à luz da consagração da Dignidade da Pessoa Humana.

Ponderando a questão da duplicidade de registro nos casos de menores abandonados e adoção à brasileira com motivação nobre, temos sim um problema. De um lado a definitividade e a unidade do sistema registral que afere ser válido o primeiro registro. Do outro a possibilidade de reconhecimento da nobreza do ato pelo juízo penal, através do qual exsurge o pressuposto para a não-aplicação da pena decorrente da incursão típica, margeando o conceito de tipicidade conglobante do mestre Zaffaroni, tão em voga nos dias de hoje. Há a previsão típica, mas também há a solidariedade social!

No caso expendido não se afigura razoável o reconhecimento da nobreza do "adotante" e a imposição de cancelamento do segundo registro. Diz-se isso porque, muito provavelmente, um problema seria gerado para o adotado: teria sua referência social compulsoriamente retirada. Pergunta-se, pois: há justificativa ponderável para este cancelamento ou apenas uma solução silogística?

Parece-nos que, nos casos de reconhecida nobreza, não faz sentido se tratar do tipo previsto no artigo 242, parágrafo único do Código Penal como sendo diferente da adoção constante do artigo 47, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se na adoção o vínculo com a família adotante se sobrepõe aos antigos liames familiares, entendemos que na adoção à brasileira por motivo nobre o mesmo deve acontecer.

3.5 CASO DE TRANSEXUALISMO

O artigo 13 do Código Civil veda a disposição do próprio corpo, salvo em casos de exigência médica que "não importem" [140] em inutilidade do órgão ou contrariedade aos bons costumes. Por essa disposição resta fora de dúvida que o objeto desse artigo pode ser subsumido aos casos de transexualismo.

O transexualismo é um tema que por si só gera numerosas polêmicas, sobretudo quando a discussão alcança possíveis reflexos no Registro Civil. Inicialmente é preciso se esclarecer conceitualmente essa variante da sexualidade.

Transexualismo significa, em apertada síntese, "divergência entre o fenótipo e genótipo" [141]. A pessoa transexual ostenta convicção inderrogável de pertença ao sexo que não o cromossômico.

Propugna a professora Aracy Klabin que haveria dois tipos de transexual: o primário "compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce, impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo. É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica" [142]. O secundário engloba "os pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis). O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti." [143]

A idéia de pertença ao outro sexo é a tônica do transexualismo primário, doravante apenas transexualismo. O chamado secundário será referido como transvestismo, a fim de que os conceitos não divirjam.

No transvestismo o apossamento da vestimenta do outro gênero é forma de se dar vazão à homossexualidade. Não há, contudo, sentimento de troca de gênero. No homossexualismo existe, sim, a atração afetivo-erótica pelo mesmo sexo, mas não desconformidade no modo de se vestir e na imagem corporal.

As questões suscitadas têm, indubitavelmente, reflexos na vida civil, e não mais podem ser encaradas como no século XIX, quando foram positivadas as formalidades registrais. Nesta época a vivência da distinção genitálica mostrara-se suficiente para atender à necessidade do Registro Civil. Assim como crianças observavam puerilmente por baixo da roupa do colega para saber das semelhanças e diferenças entre eles, caminhou por muito tempo [144] a doutrina registral brasileira.

No Brasil não existe legislação especifica sobre o transexualismo. Tem-se, na área médica, a regulamentação do Conselho Federal de Medicina sobre a cirurgia de transgenitalismo, atualmente pautada pela Resolução nº 1.652 [145], de 6 de novembro de 2002.

A citada resolução divulga nova diretriz para que se autorize aos médicos a realização do tratamento cirúrgico de transexuais. Este é feito segundo normas internacionalmente reconhecidas, nas quais se incluem pelo menos dois anos de acompanhamento terapêutico por equipe multidisciplinar. A cirurgia só é autorizada caso o diagnóstico de transexualismo se confirme.

Na esfera jurídica tem-se o projeto de lei nº 70, B – de autoria do Deputado Federal José Coimbra. Este se limita a incluir novo parágrafo ao artigo 129 [146] do Código Penal, atribuindo também nova redação ao 58 [147] da Lei de Registros Públicos.

A modificação do Código Penal objetiva a possibilitar que se realize a cirurgia sem que esta possa ser entendida como lesão corporal. É bem verdade que a convicção social atual não tem apontado no sentido de se a compreender desta forma, não obstante a literalidade do disposto no artigo 129 apontar nesta direção. Parece ter havido superação social da regra, pelo que o projeto, uma vez aprovado, viria para encampar uma realidade já vivenciada, afastando qualquer discussão sobre o tema.

A seu turno, a redação atribuída ao artigo 58 da Lei Registral, para que passe a tratar da possibilidade de alteração do prenome quando tenha havido intervenção cirúrgica motivada por transgenitalismo tem um duplo efeito: um de caráter solitário, depreendido do parágrafo segundo ao esclarecer ser possível a mudança quando tenha havido intervenção cirúrgica, mas outro de índole notadamente sectarista, segregadora. Este entendimento é retirado do parágrafo terceiro, responsável por determinar a alusão ao transexualismo nos documentos da pessoa. Certamente este parágrafo terceiro traz consigo mácula de inconstitucionalidade, já que vai de encontro ao Direito à intimidade, e, flagrantemente, expõe o transexual ao ridículo. "Tal espécie de obrigação é constrangedora, discriminatória, constituindo-se em um grave atentado contra o Direito à identidade sexual e contra a dignidade de todo o ser humano, não resolvendo, mas agravando o problema de identidade sexual que sofrem todos os transexuais." [148]

Em razão do disposto no projetado parágrafo terceiro em comento, manifestou-se a CCJR – Comissão de Constituição e Justiça e de Redação – de forma contrária ao seu conteúdo, entendendo que este violaria o teor do pétreo artigo 5º, X, da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, propôs uma redação substitutiva no seguinte sentido: "no caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro". Desta forma o registro passaria a conter o novo nome e sexo do transexual operado. A fim de evitar entendimentos que perpetrassem o preconceito entendeu por bem apresentar emenda aditiva com a qual se acresceria um parágrafo quarto, cuja redação é a que segue: "é vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial". É uma forma de proteger a intimidade do transexual, assim como ocorre atualmente nos casos de adoção.

As modificações aduzidas pela CCJR vêm para regular efetivamente questões prementes, suprindo necessidades da sociedade atual. A redação originária do projeto, ao contrário, importaria em um anacronismo ao ordenamento jurídico, contrariando decisões de nossos tribunais [149] que estão em melhor compasso com os ditames da Dignidade e os Direitos da Personalidade.

Ainda que o Brasil não disponha tratamento legislativo para a questão do transexualismo, não se pode perder de vista o estágio diferenciado em que se encontram outros países, aqui se destacando a Suécia, a Alemanha e a Itália.

A Suécia promulgou em 21 de abril de 1972 Lei permitindo a retificação do registro do transexual. Condicionou, contudo, tal retificação a alguns requisitos, entre os quais os seguintes: ter mais de dezoito anos, ser solteiro e estéril. Lei de 10 de setembro de 1980 cuidou do tema na Alemanha, no que abarcou entendimento jurisprudencial que permitia a modificação do prenome e do sexo no assento de nascimento. A Itália, também influenciada pela inteligência jurídica do país, legislou sobre o assunto em 14 de abril de 1982, o fazendo através da Lei 164. Com esta se passou a permitir a retificação do sexo e a alteração do prenome no registro de nascimento dos transexuais.

Nada obstante o silêncio legislativo brasileiro sobre o assunto, nosso Judiciário vem se manifestado sobre o tema. É certo que há lacunas, mas como se sabe estas não são argumentos a legitimar eventual omissão do julgador, que tem a seu dispor mecanismos de integração.

Nosso Judiciário, no mais famoso caso de transexualismo de que se tem notícia no país, esposou entendimento contrário à mudança de nome e de sexo. Na primeira instância – processo nº 1991.001.054971-3 – a juíza Conceição Aparecida Mousnier da 8ª Vara de Família da Comarca do Rio de Janeiro esposou entendimento acolhendo a mudança pretendida. Em Apelação Cível – 1993.001.04425 –, contudo, o entendimento da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em voto datado de 10 de maio de 1994, foi no sentido da mantença do nome e sexo constantes do registro de nascimento.

Decisão da Décima Sexta Câmara Cível do mesmo tribunal, nove anos depois, na Apelação Cível nº 2002.001.16591 [150], votada em 25 de marco de 2003, cuja presidência e relato coube ao desembargador Ronald Valladares, em sentido diametralmente oposto à decisão de 1994, acolheu a pretensão autoral de mudança de nome e de sexo, determinando que no Registro Civil constasse como sexo o feminino. Determinou-se, contudo, que a decisão judicial de mudança de prenome e sexo fosse averbada apenas à margem do registro, sem se fazer referência nos documentos de identificação alusão à condição de transexual.

No processo em comento, o juízo monocrático deferiu a pretensão autoral de mudança de nome. Entendera, todavia, que a condição de transexual deveria constar do campo sexo no registro de nascimento, exatamente como o almejado pelo parágrafo terceiro do artigo 58 da Lei de Registros Públicos que consta do projeto de lei nº 70, B, rechaçado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação.

No estado de São Paulo a decisão da Quinta Câmara da Seção de Direito Civil na Apelação Cível nº 165.157.4/5, relatada pelo desembargador Boris Kauffmann, merece ser analisada. Em um julgamento paradigmático, e ainda recente, datado de 22 de março de 2001, o tribunal paulista acabou por romper, de forma unânime, com certos dogmas então arraigados naquela corte.

A pretensão do autor visava à alteração do assento de nascimento em relação ao nome e sexo: para feminino ou transexual feminino. Apresentava como fundamento ser uma transexual que se submetera à cirurgia para adequação do sexo físico ao psicológico. Apresentou ainda argumentos como a falibilidade do princípio da definitividade do nome e que a utilização do prenome masculino, sendo de fato uma mulher, o expunha a situações embaraçosas. Estas pretensões restaram rejeitadas no juízo singular, pelo que recorreu à corte paulista.

Uma vez recebido o recurso, pronunciou-se em contra-razões o Ministério Público no sentido que fosse alterado tão-somente o prenome, mantendo-se a indicação do sexo masculino. A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da procuradora Leila Mara Ramacciotti Vasconcellos, esposou entendimento no sentido de que se provesse na íntegra o recurso, alterando-se o nome e o sexo no assento de nascimento do autor, entendimento que restou consagrado pelo Tribunal de São Paulo.

É evidente que aos ouvidos de qualquer pessoa os prenomes Roberto, Adão e Carlos evocam alguém com atributos masculinos. A não-correspondência desta expectativa é, por assim dizer, no mínimo chocante, capaz de provocar risos e chacotas.

Desta forma, ainda que a desconformidade tenha surgido em razão das modificações provocadas por cirurgias, fato é que, à luz do Direito atual, não se afigura razoável impor a alguém nome e sexo jurídico de um gênero quando faticamente se tenha assumido de outro. Seria uma pena de caráter perpétuo que em nada contribui para a preservação da ordem social. Privilegiar-se-ia uma discrepância genofenotípica, por si só muito mais inadequada para a vida pública do transexual do que uma coerente identificação nominal e sexual. Mais inapropriada seria para a vida privada, eis que se negaria algo que lhe é ínsito: um Direito da Personalidade.

É de se cuidar que a alteração do nome e do sexo no assentamento civil poderia viabilizar um casamento. Para que melhor se esclareça a possibilidade aventada, necessário se mostra a conceituação de sexo.

Sexo é daquelas palavras de múltiplos sentidos: há os que o entendam como parte física da relação sexual [151]; outros como o status sexual masculino ou feminino [152]. De toda sorte, a importância em sua determinação é evidente, uma vez que irá irradiar direitos e deveres diferenciados.

Dentre as espécies de sexo concebidas, destacam-se o sexo jurídico, também chamado legal, e o psicossocial. Aquele é aferido pela observação da genitália externa do recém-nascido, de onde decorrerá o gênero a constar no Registro Civil: masculino ou feminino. Este – o sexo psicossocial [153] – vai além do conceito jurídico antes expendido, transpassando questões genéticas, vez que também sofre influências pré e pós-natais. Estas influências são responsáveis pela estruturação do comportamento da pessoa e pela sua identificação sexual, podendo o ambiente psicossocial se encarregar de manter ou não as diferenças entre o masculino e o feminino.

Vendo as perspectivas tracejadas, uma questão parece exsurgir: qual o conceito consagrado pela Constituição? É de se destacar que a adoção de uma ou outra tese implicará em divergentes conseqüências práticas, principalmente no Direito de Família.

Partindo-se do postulado que o sexo legal – aferido na observância da genitália do recém-nascido – é o que melhor se adequa ao estágio vivenciado pelos Direitos da Personalidade, a conseqüência para o Direito de Família, no âmbito matrimonial, exatamente, é uma só: ignorar as questões psicossociais. Desta forma só poderão contrair casamento – e também União Estável, vez que esta deve poder ser convertida naquele – o homem com a mulher, assim identificados por ocasião do registro. Qualquer outra hipótese adentraria o campo da inexistência.

Em outro giro, a se assegurar efetividade prática ao sexo psicossocial, sustentável seria a defesa do casamento do transexual feminino – por decisão judicial chamado mulher – com um homem e vice-versa. Por isso é importante que se averbe a situação de mudança no Registro Civil.

Esta anotação – em uma digressão que admita eventual casamento, entenda-se – obstaria alegação futura de erro [154] essencial quanto à pessoa do outro cônjuge baseada na identidade [155] ou honra. Assim, admitido o matrimônio nos casos de transexualismo, desde que esta condição seja conhecida pelo outro parceiro antes da união, não há que se falar em anulabilidade do ato, pelo que um ato inexistente – caso se considere apenas o sexo jurídico –, passando-se a adotar entendimento que privilegie o sexo psicossocial, será tomado por válido.

Certamente vozes dirão que dessa união não poderão nascer filhos, o que se apresenta verdadeiro. Esse argumento, todavia, é falho, mesmo porque nem todos os casais "geneticamente heterossexuais" [156] também o podem.

Pelo exposto, é de se destacar o entendimento do magistrado paulista Ênio Santarelli Zuliani em seu voto, restado vencido, na Apelação Cível nº 052.672-4/6 proveniente da Comarca de Sorocaba. Verbis:

"Como a função política do Juiz é de buscar soluções satisfatórias para o usuário da jurisdição – sem prejuízo do grupo em que vive –, a sua resposta deve chegar o mais próximo permitido da fruição dos direitos básicos do cidadão (art. 5º, X, da Constituição da República), eliminando proposições discriminatórias, como a de manter, contra as evidências admitidas até por crianças inocentes, erro na conceituação do sexo predominante do transexual".

Como restou assentado, deve a resposta do Estado-Juiz chegar o mais próximo possível de onde permita a fruição dos direitos básicos pelo cidadão. Retomando a indagação acerca do sexo legal e psicossocial, qual deles se aproxima mais desta fruição? Responder a esse questionamento não é objetivo fácil, mas parece-nos válida a interrogação.

Dando seguimento a seu voto, assevera ainda que: "a medicina poderá aliviar o peso da dubiedade, com técnicas cirúrgicas. O Estado confia que o sistema legal é apto a fornecer a saída honrosa e deve assumir uma posição que valoriza a conquista da felicidade". Outra questão exsurge: a felicidade é encontrada na mantença de dogmas ou no reconhecimento das diferenças? Trata-se de outro questionamento de difícil resposta, mas que se justifica à luz da Constituição aberta e compromissária que o Estado Brasileiro promulgou, primaziando logo seu artigo 1º a valorização da Cidadania e a Dignidade da Pessoa Humana.

3.6 MUDANÇA DE SOBRENOME

O fundamento da prerrogativa ao nome reside no Direito Natural de os indivíduos receberem identificação pessoal. Desta feita "o direito ao nome não se limita ao sentido individual." [157] Sua tutela "abrange a pessoa e a integridade do grupo familiar" [158].

A proteção estatal do nome decorre do fato de que: de um lado o poder público encontra na definitividade um meio para identificar seus administrados; do outro é necessário para o exercício dos direitos dos particulares e para o cumprimento de obrigações.

A relevância dos nomes, utilizados para designar pessoas e famílias, remonta "antiqüíssimo passado" [159]; confundindo-se "com as origens do homem" [160]. Por isso mesmo é de se considerar que, tão logo tenha se tornado complexa a vida em comum, necessária se fez a complementação do nome individual pelo sobrenome.

O sobrenome é meio de designar, de forma comum e invariável, os indivíduos pertencentes à mesma família. Desta forma, parece-nos que, mudando-se o nome do ascendente familiar, nada obsta a que o descendente venha a adicionar este apelido familiar em seu nome. Com isto se preserva a designação do grupamento familiar ante ao meio social.

É de se destacar que o aditamento de sobrenome em razão de modificação nos apelidos de família dos ascendentes diretos não importa em alteração obstada pela Lei de Registros Públicos [161]. Em verdade, é meio de se efetivar faticamente a função do sobrenome: identificar o grupamento familiar. Por isso o acréscimo de apelidos familiares tem sido admitido com liberalidade [162].

Como antes asseverado [163], não mais vige o princípio da unidade nominal familiar. Desta forma, sendo mudado o sobrenome dos genitores, tem os filhos a prerrogativa de intentar procedimento para que se adite a referência em seus nomes, possibilidade potestativa, isto é, que poderá ou não ser exercida, não existindo sanção pela escolha qualquer dos caminhos.

Destaca-se, ainda, que a averbação de um novo sobrenome não elimina a verdade registral de ontem, mantida assentada. A atual será averbada, assim como a futura, em ocorrendo situação jurídica que a autorize. Diz-se isto porque o registro deve refletir a realidade, possibilitando paz social e segurança jurídica, certamente objetivos do Direito.

3.7 PROTEÇÃO À TESTEMUNHA

Da premissa que todos são inocentes até que se prove o contrário, surgiu o mecanismo de proteção à testemunha em análise, uma vez que em muitos casos o esclarecimento de um crime depende exclusivamente de prova testemunhal, debelada por ameaças dos criminosos.

Tal debelamento não é uma exclusividade brasileira. Na verdade faz parte de um pernicioso sistema de manutenção do crime que se alastra mundo afora, inclusive em países de primeiro mundo como Estados Unidos e Itália [164]. Na tentativa de dar uma resposta social satisfatória a esta situação, mecanismos foram criados. Destaca-se, neste momento, a possibilidade de mudança do nome, que a lei brasileira de 1999 acabou por encampar. Trata-se de legislação com a qual se busca dar garantias à produção de provas durante a investigação e o processo criminal.

A possibilidade de mudança do nome, entendidos prenome e sobrenome, associada ao programa de proteção às testemunhas é uma verdadeira conquista da sociedade. Com esta, maiores garantias são deferidas à pessoa que contribua para o esclarecimento de crimes.

Trata-se a possibilidade em estudo de garantia extraída da Lei nº 9.807 de 1999, que incluiu o parágrafo sétimo [165] ao artigo 57 da Lei de Registros Públicos. A partir desta, vítimas e testemunhas de crimes, coagidas ou ameaçadas por colaborarem com a investigação ou processo penal, podem se valer da mudança de nome como meio de preservar sua integridade. A criação da lei ora analisada vem para efetivar direitos e deveres individuais insertos na Constituição da República, mas até então debilitados, no que beneficiavam a marginalidade.

Nos termos do aludido artigo 57, § 7º da Lei de Registros Públicos, o juiz determinará que se averbe no registro de origem a sentença concessiva da alteração motivada por ameaça. Cessando a coação que ensejou a anotação, e conseqüente alteração do nome, extirpa-se a referência aposta no Cartório de Registro Civil.

O Congresso Nacional, ao acolher a iniciativa e aprimorar o projeto original do governo, atendeu ao preconizado pela Organização das Nações Unidas no que diz respeito aos direitos da vítima.

Com o advento da lei sob exame, União, Estados e Distrito Federal têm o pressuposto para a mantença de convênios e acordos, entre si ou com entidades não-governamentais, para realizar programas de proteção especial [166].

A modificação experimentada pela Lei de Registros Públicos tem o condão de permitir que, de forma sigilosa, se possa mudar por completo o nome das vítimas e testemunhas ameaçadas. Esta medida poderá ser dirigida ou estendida ao cônjuge, companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes com os quais tenham convivência habitual.

Com o expendido a Maria – casada com José, mãe de Adelson e Márcia, e filha de Raimundo – que presencia um crime passando a sofrer ameaças poderá ser inserida no programa especial de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas. Para que se lhe preserve uma vida normal, faz-se mister a extensão do programa aos seus entes, pois de nada adiantaria a mudança que se restringisse a si, já que a não-alteração na nominação dos elos familiares facilitariam sua identificação. A partir do momento que se tem a vida modificada pelo testemunho prestado, colaborando para com a sociedade, a depoente torna-se diferente, fazendo jus, ela e os seus, a um novo nome.

O ingresso no programa, assim como todas as medidas que dele decorrem, se dará a partir da concordância da pessoa que se pretende proteger ou de seu representante legal. Importa salientar que cada programa será dirigido por um conselho deliberativo, composto de representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos Direitos Humanos.

No contexto em que o Estado tem o direito de punir – mas depende de prova a ser realizada, por vezes tão-somente testemunhal –, e que a vítima e testemunha se recusam a colaborar com a instrução criminal em razão da falta de segurança, o programa examinado tem muito a acrescer à realidade brasileira, que convive com uma situação de violência recorrente. Assim a testemunha, assistente involuntária do crime, ameaçada pelo criminoso, oprimida pelo Estado e cobrada pela sociedade, tem a prerrogativa, não de trocar, mas de preservar sua real identidade e sua integridade física e moral.

No que diz respeito à competência para o procedimento de mudança de nome em razão do testemunho, dispõe a Lei nº 9.807/99 em seu artigo 9º, caput, que o requerimento será encaminhado ao juiz competente para registros públicos. Este dispositivo precisa ser compreendido à luz do asseverado no artigo 25, § 1º [167] da Carta Política, donde se conclui caber ao Estado legislar sobre sua organização judiciária.

No Estado do Rio de Janeiro tem-se o CODJERJ – Código de Organização e Divisão Judiciária. Este determina em seu artigo 9º [168], III, que é competente o Juiz de Direito com atribuição de Registro Civil de Pessoas Naturais para processar e julgar retificações, anotações, averbações, cancelamentos e restabelecimentos dos respectivos assentos. Como se percebe, por ser a matéria de competência concorrente, optou o Estado Federado por tomar um rumo diferente do preceituado pela na Federal.

Ainda que consignado expressamente na lei, resta evidenciado que a alteração do nome da testemunha tem uma série de requisitos que vão além da regra geral depreendida do artigo 282 do Código de Processo Civil. Desta forma a inicial deve fazer menção expressa à inclusão da testemunha na rede de proteção, que se opera por decisão do Conselho Deliberativo. Este, provocado pelo órgão executor ao lhe apresentar pareceres técnicos, decide pela inclusão ou não da testemunha no programa. Este procedimento tendente à inclusão na rede de proteção acaba por comprovar a excepcionalidade do requerido, já que não é qualquer pessoa que se sinta ameaçada que poderá se valer da alteração do nome.

Uma vez deferido o pleito de alteração do nome em razão de testemunho, deve ser oficiado o cartório de origem para averbação, no registro original de nascimento, ter havido alteração, anúncio do artigo 9º, I da Lei nº 9.807/99. Deve também ser oficiado para que faça um novo registro para o requerente, ofício que já conterá o novo nome. No mesmo sentido deve se oficiar o instituto de identificação, inteligência do mesmo artigo 9º em seu parágrafo 4º.

Como se vê, a pessoa adquire uma nova identidade. Destaca-se, todavia, que essa identidade tem um motivo de ser: a existência de coação ou ameaça reconhecida pelo juízo. A justificativa para essa nova identificação, regra que foge à lógica da unidade do registro, só se tem razão de ser no contexto de mantença dos motivos autorizadores, pelo que, deixando de existirem, não há fundamento para a manutenção da nova identidade.

Por fim, para total preservação do sigilo das informações contidas nos autos do processo tendente à alteração de nome pela motivação em exame, determina o Ato Executivo Conjunto nº 09/2001 no Estado do Rio de Janeiro que os autos sejam arquivados imediatamente, tão logo a decisão seja registrada.

3.8 HOMONÍMIA

Como se assentou inicialmente, o nome carrega consigo reflexos morais e atributos pessoais de seu portador, sendo o depositário da imagem pública em que se impregnam as impressões da coletividade. Com este se individualiza e identifica a pessoa.

Não obstante restar claro a função identificadora do nome, destaca-se a impossibilidade de que este seja exclusivo, eis que a riqueza onomástica existente, embora significativa, não consegue afastar o inconveniente da homonímia, problema que o Direito ainda não emprestou solução satisfatória.

Uma das tentativas de se dar alento às situações de homonímia consiste na mudança de nome tendo em vista a abundância de uma denominação, já que a repetição demasiada importaria na relegação de uma premissa básica afeta a este: individualizar.

Por razões de necessária individualização, a tese da alteração do nome civil com base na homonímia não pode ser desconsiderada por si só. Imperativo se mostra a ponderação no caso concreto, sobretudo quando a partícula que se quer acrescer ao nome original já é utilizada pelo requerente no trato diário, ponto em que o argumento da homonímia acaba por fomentar a tese da adoção de apelidos públicos e notórios, esta sim, possibilidade expressamente consagrada na Lei de Registros Públicos.

Não mais se pode deixar de considerar os numerosos transtornos que a homonímia provoca na sociedade moderna, onde as pessoas são, cada vez mais, cadastradas. Nesse sentido foi a consideração do relator da Apelação Cível nº 597.126.705 [169], julgada pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 26 de novembro de 1997, desembargador Irineu Mariani. Ainda que o objeto da ação que ensejou a apelação colacionada tenha sido a supressão do patronímico, acrescido em razão de sentença declaratória de paternidade, não olvidou o ilustre desembargador de relacionar seu entendimento quantos às hipóteses autorizativas da mudança de nome, colacionando expressamente a homonímia. Afigura-se-nos ser seu entendimento absolutamente consonante com a sociedade moderna, como dito no relato, marcada por cadastros.

Nada obstante ao entendimento do Tribunal Gaúcho aposto em notas, não se pode perder de vista ao longo do país, fora das situações de notoriedade do apelido que se quer apor ao nome, a tese da homonímia perde força. Só o argumento da homonímia tem sido tido por falho, já que a manifestação desta decorre das limitações onomásticas. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça [170] tem entendido que a abundância de homônimos não é razão para mudança de nome.

No citado Recurso Especial 647.296, proveniente do estado do Mato Grosso o Superior Tribunal – através da relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi – julgou improcedente a pretensão à mudança intentada sob o fundamento de ser o nome muito comum, incapaz de garantir sua individualização na sociedade, face a enormidade [171] de homônimos. Por isso pretendia ver acrescido ao nome o prenome Wesley, com o qual esperava garantir sua identidade assegurada.

O pedido foi julgado improcedente na primeira instância e no Tribunal de Justiça do Mato Grosso [172], sob o entendimento de que a mera alegação de homonímia não aduz o interesse de agir a sustentar a tese de retificação do Registro Civil.

No Recurso Especial entenderam os julgadores que a tese do recorrente de ver alterado seu nome em virtude da homonímia, acrescentando-lhe o prenome Wesley, devia ser analisada à luz da interpretação jurisprudencial dada aos dispositivos da Lei de Registros Públicos afetas ao nome civil, entre os quais o artigo 57, que permite a alteração de nome, desde que motivada e em regime de excepcionalidade, e o 58, onde se afere a possibilidade da substituição de prenomes por apelidos públicos notórios. Com isso a pretensão acabou por não ser provida.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. Registro Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2901, 11 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19299. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos