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O conflito entre o princípio da separação dos poderes e a judicialização da saúde

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08/09/2013 às 15:15
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A uma mãe que presencia seu filho “à beira da morte” em um hospital público sem profissionais, remédios ou tratamentos, nenhum pensamento de preservação da independência entre os poderes lhe chegará.

Resumo: A judicialização da saúde vem conquistando mais força e relevância no cenário da efetivação dos direitos fundamentais. Estes possuem aplicabilidade direta e imediata, sendo judicialmente exigíveis. Assim, os Tribunais pátrios têm garantido o acesso à saúde a quem o pleiteia. Com esta atuação acaba o Judiciário, porém, em muitos casos, interferindo nas escolhas do Executivo e do Legislativo, colocando em xeque o princípio da separação entre os poderes. Dessa forma, o presente trabalho, a partir de um estudo de natureza qualitativa, fazendo uso de pesquisa exploratória e bibliográfica, busca meios para sintonizar a tutela do direito à saúde com o princípio da separação dos poderes. 

 


1 INTRODUÇÃO

As normas constitucionais, especialmente os direitos fundamentais, deixaram de ser apenas direitos objetivos, positivados, para assumir o papel de direitos subjetivos, ganhando aplicabilidade direta e imediata pelas Cortes de todo o país. A atuação do judiciário brasileiro na garantia de políticas públicas a quem as pleiteia concreta e casuisticamente tem a importância de permitir o acesso da população aos programas sociais definidos pelo Poder Público Executivo. Esse papel jurisdicional assume extrema importância no caso do delicado tema da tutela específica do direito à saúde constitucionalmente consagrado, que toca, incontestavelmente, o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Porém, essa tutela jurisdicional do direito à saúde acaba invadindo a esfera de independência do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, garantida pelo princípio constitucional da separação dos poderes, analisando e interferindo, muitas vezes, no mérito administrativo, na aferição de conveniência e oportunidade sobre como executar o serviço público de saúde e nas opções legislativas. Arde, assim, o debate proposto pelo presente estudo, expondo-se as posições acima descritas para buscar, ainda que sem a pretensão de esgotar o tema, meios para sintonizar a tutela jurisdicional da saúde com o princípio da separação dos poderes.

 


2 O DIREITO À SAÚDE

Os artigos 196 e 197 da Constituição da República definem o direito à saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, serviços e ações que são de relevância pública.

Ampliando-se a sua conceituação e abrangência, o direito à saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas (CANOTILHO e MOREIRA, 1984, p. 342).

2.1 O Direito Social à Saúde como Direito Fundamental

O art. 6º da Constituição da República traz o rol de direitos erigidos como sociais pelo Poder Constituinte Originário, sendo eles a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Para Silva (2011, p. 286), os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.

Além disso, o citado mestre define os direitos fundamentais como situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive (SILVA, 2011, p. 178).

Dessa forma, percebe-se claramente que o ilustre doutrinador inclui como direito fundamental os direitos sociais. Sendo o direito à saúde um direito social, passa a ser, também, um direito fundamental. Destarte, merece guarida estatal, através de políticas sociais que proporcionem o seu acesso à população, como forma de promoção, realização, convivência, sobrevivência e dignidade da pessoa humana.

2.2 Eficácia e Aplicabilidade do Direito à Saúde

Consoante o disposto no artigo 5º, § 1º, da Constituição da República, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Portanto, o direito à saúde, como direito social e fundamental, possui tal prerrogativa.

Segundo Marmelstein (2009, p. 284), os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva, funcionando como um sistema de valores a legitimar todo o ordenamento, e uma dimensão subjetiva, como fonte de direitos subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua realização através do Poder Judiciário.

Ainda, os direitos fundamentais não são meros sentimentos comoventes, que apenas dão “nós na garganta” sem resultar em ações concretas para os seus beneficiários (SEN, 1999, p. 262). Sendo assim, não se trata de uma força jurídica qualquer, mas de uma normatividade potencializada, já que estão no ponto mais alto do ordenamento.

Através da cláusula de aplicação imediata, o direito fundamental tem a capacidade de produzir efeitos mesmo que não esteja regulamentado pelo legislador infraconstitucional, não podendo, jamais, deixar de ser concretizado pela ausência de lei.

Nesse sentido, o reconhecimento da força normativa dos direitos fundamentais gera o dever de respeito, proteção e promoção por parte do Estado, não podendo violar tais direitos ou deixar que os violem e possibilitar que todos usufruam.

Tais premissas se coadunam perfeitamente ao conceito constitucional do direito à saúde acima mencionado, que determina ao Estado a sua proteção e promoção, através de políticas econômicas e sociais, serviços e ações de alta relevância pública.

Ademais, através da dimensão subjetiva, o direito à saúde, como direito fundamental, pode ser judicialmente exigido, gerando pretensões subjetivas para os seus titulares, reivindicáveis na via judicial. Isto porque a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, conforme artigo 5º, XXXV, da Constituição da República.

A partir disso, surge a possibilidade do Poder Judiciário garantir o direito à saúde casuisticamente ainda que os demais Poderes Públicos, legislando ou executando, sejam omissos. Assim, aqui reside a importância deste tópico para o restante do presente estudo, conceituando o direito à saúde, classificando-o como direito fundamental e determinando a sua aplicação imediata e sua exigibilidade perante o Judiciário, pois é a atuação deste para com a garantia do direito em comento que deve ser coadunada ao princípio da separação e independência dos poderes.


3 A SEPARAÇÃO DOS PODERES

O Princípio da Separação dos Poderes surge, pela primeira vez, como teoria política, no pensamento de Locke (2001, p. 514), que determinou os três poderes indispensáveis às sociedades políticas: Legislativo, Executivo e Federativo. Para Locke, o Poder Legislativo tem a competência de fixar as leis com o objetivo de preservar a sociedade política e os seus membros. As leis elaboradas possuem força para se estabilizarem com o tempo, mas requerem, contudo, execução continuada. Para cuidar da execução das leis, há necessidade, normalmente, de um Poder Executivo separado do Poder Legislativo. O Poder Federativo compreende o poder de guerra e paz, de firmar ligas e promover alianças, além de todas as transações externas.

Segundo Locke (2001), os Poderes Executivo e Federativo estão quase sempre unidos e raramente podem ser desempenhados por pessoas diferentes. Porém, para a preservação da sociedade política há somente um único poder supremo, que é o Legislativo, ao qual todos os outros poderes estão subordinados.

A divisão dos poderes foi consagrada como princípio formal fundamental na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 16, que se expressa na criação de instituições independentes e autônomas cujas funções diferenciadas objetivam o afastamento do despotismo do antigo regime e a garantia da liberdade e dos direitos fundamentais. Assim, toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.

Para os deputados de 1789, a separação dos poderes era um dogma, a ponto de ser positivado na Declaração o princípio no qual uma sociedade que não garantisse a separação dos poderes não tinha Constituição. A partir da premissa de que o Estado é detentor do poder emanado do povo, a tripartição de funções delimita o uso do poder, evitando abusos através do sistema de mútua fiscalização, denominado checks and balance ou freios e contrapesos.

O sistema de freios e contrapesos ou freios recíprocos visa ao equilíbrio dos poderes (equilibrium of powers), mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente. Dessa forma, “[...] a doutrina dos ‘freios e contrapesos’ exige que, depois de atribuir a uma pessoa ou órgão o exercício principal de um de tais poderes, tenha-se o cuidado de estabelecer uma participação de menor importância de outras pessoas ou órgãos” (TEIXEIRA, 1991, p. 582).

3.1 A Colaboração entre os Poderes

Para além da idéia absoluta de separação de poderes, é possível observar, mesmo na doutrina clássica, uma verdadeira idéia de coordenação ou colaboração. Quando se fala em separação de poderes não se encontra embutido o sentido de separação absoluta: “Se as dificuldades provêm apenas de terminologia, pode-se perfeitamente abandonar essa expressão, embora clássica, para falar-se em ‘divisão’ ou em ‘distribuição’ dos poderes [...]” (TEIXEIRA, 1991, p. 583).

Nesse sentido, o principal ponto a ser considerado na atualidade é a maneira mais adequada pela qual essa idéia de coordenação e colaboração, enraizada na Teoria da Separação dos Poderes, pode ser estabelecida nos regimes democráticos com o fim de assegurar as garantias constitucionais.

Externada essa preocupação, é oportuno ressaltar que as mudanças sociais e políticas, além do próprio desenvolvimento doutrinário, redimensionaram o mecanismo de separação de poderes.

O Princípio da Separação dos Poderes experimentou inegável transformação, tornando-se mais flexível, na medida em que as exigências da ação estatal no plano dos três Poderes clássicos fizeram com que a competência de cada um se alargasse, passando o Executivo a editar normas jurídicas dotadas de conteúdo das leis formais, o Legislativo a contribuir para a atuação administrativa ao participar com maior ênfase da elaboração de políticas públicas e diretrizes orçamentárias, e o Judiciário a exercer em maior extensão a função jurisdicional, seja na tutela de novos direitos surgidos em decorrência do primado do social nas relações jurídicas – os direitos difusos e coletivos –, seja no papel de verdadeiro protagonista do processo constitucional assumido pelo juiz na interpretação da Constituição, seja em virtude do alargamento dos princípios jurídicos por esta instituídos.

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Nesse sentido, nos dias atuais, a Ciência do Direito e a Ciência Política reconhecem que um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito é a existência de três poderes independentes e harmônicos, quais sejam: o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

Como ressalta Silva (2008, p. 106), Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões com duplo sentido. Exprimem, por um lado, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e, por outro, indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título Organização dos poderes.

Nessa esteira, cada um dos Poderes possui uma função predominante, que o caracteriza como detentor de parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional. São funções típicas e atípicas. As funções típicas são as inerentes ao Poder, porém, como já estabelecido por Montesquieu, os Poderes não são totalmente absolutos, havendo controles recíprocos entre eles.

Os órgãos que exercem as funções estatais, para gozarem de independência, conseguindo frear uns aos outros, necessitam de certas garantias e prerrogativas constitucionais, sendo tais garantias invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio e desestabilização do governo, pois quando o desequilíbrio agiganta o Executivo, “instala-se o despotismo [...], como afirmava Montesquieu sobre a necessidade de existência de imunidades e prerrogativas entre os poderes” (MORAES, 2007, p. 396).

Destarte, a importância da análise conceitual e prática do princípio em comento reside justamente no cerne do presente estudo, uma vez que a efetivação do direito à saúde pelo judiciário, passa, incontornavelmente, pela separação dos poderes. Ao tutelar tais direitos, a função jurisdicional invade, em muitos casos, a esfera administrativa dos Poderes Executivo ou Legislativo, interferindo em suas escolhas.

As decisões judiciais, ao garantir o acesso ao direito à saúde, não conseguem se furtar à análise do mérito administrativo, averiguando a conveniência e oportunidade das ações estatais, quais sejam tratamentos e medicamentos disponibilizados à população.

Por outro lado, a invasão entre esferas do poder torna-se estritamente necessária, tendo em vista que, por diversas vezes, o descaso do Poder Executivo ou do Poder Legislativo e a ineficiência da máquina pública para a promoção de políticas que atendam a saúde da população são evidentes. Por tal motivo, atua o Judiciário tutelando direitos fundamentais da pessoa humana, garantindo-os, especialmente o da saúde, tentando promover, justamente, o bem-estar de pessoas doentes que, muitas vezes, não podem esperar indefinidamente por um tratamento ou um medicamento.


4 O DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO SUBJETIVO

Os direitos fundamentais, conforme alhures mencionado, possuem dupla dimensão. De um lado, a dimensão objetiva, pela qual estes direitos seriam fontes de um sistema de valores em que se baseia todo o ordenamento jurídico, fazendo com que toda interpretação desague em sua força axiológica. Além disso, possuem dimensão subjetiva, da qual emanam direitos subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar sua satisfação perante o Judiciário.

Destarte, sendo o direito à saúde um direito fundamental, goza de suas reconhecidas forças normativa e axiológica, merecendo dever de respeito, proteção e promoção, através de políticas sociais e ações coletivas, além da proteção judicial como corolário da inafastabilidade da tutela promovida pelo Poder Judiciário.

4.1 O Direito à Saúde como Direito Exigível

Tendo em vista a dimensão subjetiva do direito fundamental à saúde, este é um direito exigível e justiciável, podendo ter sua aplicação forçada através do Poder Judiciário.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu artigo 8º, assegura a proteção judicial dos direitos fundamentais, ao estabelecer que todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem tais direitos. A Constituição da República de 1988, por sua vez, sedimenta a inafastabilidade da tutela jurisdicional às lesões e ameaças de lesões a direitos.

Percebe-se, claramente, que o direito à saúde, como direito fundamental, encontra proteção específica pelo Poder Judiciário, podendo ser objeto de efetivação por meio de atuação jurisdicional.

Conforme Marmelstein (2009, p. 293), a norma constitucional consubstanciada no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, não deve ser compreendida apenas como um aviso ao Legislativo ou ao Executivo, mas, sobretudo, ao Poder Judiciário. Assim, não pode este poder furtar-se de apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito, de qualquer espécie, por mais complicada que seja a questão.

Fundamenta-se, assim, a atuação jurisdicional nas demandas que pleiteiam o acesso ao direito à saúde, através de fornecimento de medicamentos ou submissão a certos tratamentos. Mesmo significando a eventual sentença de um caso concreto em invasão à esfera de atuação de outro poder público, o Judiciário, frente à lesão ou ameaça de lesão ao direito constitucional à saúde, não pode deixar de assegurá-lo ao demandante. Não pode, simplesmente, recorrer ao argumento de que os serviços públicos de saúde a serem prestados pelo Estado são escolhas do Poder Legislativo e que a forma como devem ser prestados cabe apenas ao mérito administrativo do Poder Executivo. Deve, sim, enquanto direito a ser protegido, buscar formas de garanti-lo, concreta e casuisticamente, complementando a atuação dos demais poderes.

Tudo isso envolve o cerne da questão em debate, qual seja a proteção do direito à saúde coadunada ao princípio da separação dos poderes. A justiciabilidade do direito à saúde necessariamente acarretará uma redução da liberdade discricionária do administrador e do legislador. Assim, a proteção do direito à saúde através do Judiciário “sempre implicará ingerência dos juízes nas escolhas políticas tomadas pelos demais órgãos estatais, gerando uma tensão potencial com o princípio da separação dos poderes” (MARMELSTEIN, 2009, p. 294).

4.2 A Efetivação Judicial do Direito à Saúde

Os direitos fundamentais geram obrigações positivas ou prestacionais que, muitas vezes, exigem alocação de recursos para serem implementados. Tal caráter prestacional é mais intenso nos direitos sociais, gênero do qual o direito à saúde é espécie.

Dentre as mais fortes discussões do direito constitucional, há o conflito entre o princípio da máxima efetividade do direito à saúde e a separação dos poderes, juntamente com a democracia representativa, que pressupõe que as decisões políticas sejam tomadas por representantes eleitos pelo povo e não por juízes. Assim, se o direito à saúde não puder ser implementado perante os órgãos judiciários, corre o risco de ser transformado em mera retórica política, relegado ao descaso e à ineficiência da máquina publica. Por outro lado, se tal direito for exigido na via judicial, surge a ameaça de deslocamento das decisões políticas do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.

No Brasil, observa-se uma tendência no sentido de permitir controle mais amplo por parte do Judiciário nesse tema. São vários os julgados obrigando o Poder Público a fornecer medicamentos diversos a pessoas carentes ou a custear tratamentos e exames específicos, conforme recomendação médica.

Exemplo de tais determinações, em sede de Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 271.286/RS, é o voto do Relator Ministro Celso de Mello (DJ 24/11/2000, p.101), a saber:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). [...] O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. [...] O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.

Percebe-se, assim, que o direito à saúde é um direito fundamental assegurado à população, devendo ser garantido e efetivado pelo Poder Judiciário, tendo em vista ser prerrogativa jurídica indisponível.

4.3 A Questão do Mínimo Existencial

A efetivação de direitos sociais pelo Judiciário é vista com bastante desconfiança entre os países mais desenvolvidos, pois se entende que a escassez dos recursos necessários à concretização de direitos prestacionais demandaria escolhas políticas, a ser tomadas pelo executivo e legislativo e não pelos juízes.

Apesar disso, mesmo nesses países, entende-se que o Estado é obrigado a assegurar aos cidadãos pelo menos as condições mínimas para uma existência digna. É a chamada teoria do mínimo existencial. Por esta teoria, apenas o conteúdo essencial dos direitos seriam capazes de gerar direitos subjetivos aos respectivos titulares. Se a prestação estiver fora do mínimo existencial, não pode o Judiciário agir além da previsão legal.

Na visão de Marmelstein (2009, p. 315), o lado positivo desta teoria é que há uma afirmação explícita de que os direitos sociais possuem eficácia jurídica e, dentro dessa mínima dimensão, pode haver intervenção judicial para dar efetividade ao direito. Contudo, há um aspecto negativo que reside na possibilidade do intérprete utilizar a tese para esgotar ao máximo a força jurídica desses direitos, reduzindo bastante o seu conteúdo.

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Sobre o autor
Thiago Meneses Rios

Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina. Experiência anterior como Assessor de Juiz em Vara Criminal. Experiência como estagiário da Defensoria Pública Estadual do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIOS, Thiago Meneses. O conflito entre o princípio da separação dos poderes e a judicialização da saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3721, 8 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25250. Acesso em: 22 dez. 2024.

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