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O Google, a Lei nº. 12.850/13 e a quebra de dados cadastrais e do IP de seus usuários

26/01/2014 às 12:05
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Admite-se o acesso direto da Polícia e do Ministério Público a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais.

Com base na Lei nº. 12.850/2013, o Google deve entregar dados cadastrais e endereço de IP de seus usuários, quando solicitados pela Polícia Federal, mesmo sem ordem judicial. Decisão do juiz federal Antonio Felipe de Amorim Cadete, substituto da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, afirma que o pedido de informações é “compatível com a finalidade da investigação criminal” e não afronta a liberdade de informação da empresa. A companhia havia ajuizado Habeas Corpus no dia 8 de janeiro com o objetivo de não ser obrigada a repassar dados à polícia. O Google questionava a legalidade da requisição solicitada diretamente por um delegado da superintendência da PF no Distrito Federal. O pedido da empresa, porém, foi negado pelo juiz no último dia 13, em caráter liminar. Cadete disse que “a requisição de dados cadastrais às provedoras de internet não se submete à reserva de jurisdição, porquanto não estão abrangidos pelo sigilo constitucional das comunicações telefônicas, ao contrário do que parecem crer os requerentes”. A decisão, segundo o juiz, se enquadra na Lei 12.850/2013, que abrange meios de obtenção da prova da investigação criminal. (Com informações da Assessoria de Imprensa da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal.Processo nº. 3671.20.14.401340-0 – Disponível em: Conjur).

A propósito, a Associação Nacional das Operadoras de Celulares acaba de ajuizar junto ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (tombada sob o nº. 5063) contestando os arts. 15, 17 e 21 da Lei nº. 12.850/2013, sob o argumento de que a matéria não poderia ser regulamentada por meio de lei ordinária, mas por lei complementar aprovada por quórum qualificado nas duas Casas do Congresso Nacional, conforme prevê o artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal. Para a Associação, a norma, ao permitir que o Delegado de Polícia e o Ministério Público possam requisitar “quaisquer informações, documentos e dados pertinentes à investigação criminal, sem que haja ponderação judicial que determine esta medida”, afronta o princípio constitucional de proteção à privacidade e ao sigilo das comunicações. Considerando-se a relevância da matéria, o relator da ação, Ministro Gilmar Mendes, adotou o rito abreviado previsto no art. 12 da Lei nº. 9.868/1999, podendo, assim, ser julgada pelo Plenário do Supremo diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar.

Como se sabe, a Lei nº. 12.850/2013 definiu o que é uma organização criminosa e dispôs sobre a respectiva investigação criminal e os meios de obtenção da prova, além do procedimento criminal a ser aplicado nestes casos criminais.

Para esta nova lei, “considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”. A lei também é aplicável “às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.”

No seu Capítulo II, a lei trata da investigação e dos meios de obtenção da prova em qualquer fase da persecução penal, ou seja, na investigação preliminar e em Juízo; aqui, desde logo, salientamos que nem todo ato investigatório é meio de prova. Como se sabe, na fase investigatória, que é inquisitiva, não se permite o exercício pleno do contraditório, nem tampouco a ampla defesa o que macula qualquer decisão tomada com base em elementos colhidos naquela fase anterior. Assim, salvo as ressalvas feitas pela lei (as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas – art. 155, CPP), os atos investigatórios produzidos na peça informativa devem ser repetidos para que valham como meios de prova idôneos para o julgador.[1] Ressalve-se que tais provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas devem se submeter, quando possível, ao contraditório prévio e ser produzidas na presença de um Juiz de Direito, do Ministério Público e de um defensor (seja dativo ou constituído), salvo absoluta impossibilidade, como no caso da realização urgente de um exame de corpo de delito; nesta última hipótese, difere-se o contraditório para a fase judicial.

Dentre os vários atos investigatórios permitidos pela nova lei, podemos destacar a colaboração premiada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, a ação controlada, infiltração, por policiais, em atividade de investigação, o afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, a cooperação entre Instituições e Órgãos Federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal e a interceptação  de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da Lei nº. 9.296/96.

Ademais, na esteira das diligências policiais, admite-se igualmente o acesso direto da Polícia e do Ministério Público a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais, nestes termos:

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“Art. 15.  O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.”

“Art. 17.  As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.”

“Art. 21.  Recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga ou faz uso dos dados cadastrais de que trata esta Lei.”

Evidentemente que tais disposições são de duvidosa constitucionalidade, pois retiram do Poder Judiciário o controle sobre a possibilidade de violação de direitos declarados e garantias constitucionais asseguradas.

Nada obstante o estranho silêncio da lei, entendemos ser indispensável (em todos os casos, sem exceção), a exigência de autorização judicial para quaisquer dos atos investigatórios/meios de prova acima elencados.

E mais: o Magistrado que viesse a autorizar tais medidas deveria, ao contrário do que diz o art. 83 do Código de Processo Penal, afastar-se do posterior processo, pois a sua imparcialidade já está sob suspeita, pelo menos segundo os princípios e regras atinentes ao Sistema Acusatório. No entanto, é cediço que os arts. 69, VI, 75, parágrafo único e 83 do Código de Processo Penal estabelecem como um dos critérios determinadores da competência exatamente a prevenção (por ela, e em linhas gerais, qualquer ato praticado por um Juiz de Direito, ainda que anterior ao processo torna-o prevento, ou o Juízo). Entendemos que tais disposições não deveriam constar de um diploma processual de um Estado Democrático de Direito, pois a prevenção, longe de atrair a competência judicial, deveria excluí-la, visto que a prática deste ato judicial anterior ao processo criminal atinge inevitavelmente a imparcialidade do julgador.

Não por menos que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem decidindo reiteradamente pela exclusão do julgador que de alguma forma interferiu na fase investigatória, segundo nos informa Aury Lopes Jr. Para este autor, “sem dúvida, chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juiz/inquérito, pois ao invés de caminharem direção à figura do juiz garante ou de garantias, alheio à investigação e verdadeiro órgão supra partes, está sendo tomado o caminho errado do juiz instrutor. E, mais: a imparcialidade do julgador está comprometida não sópela  atividade de reunir material ou estar em contato com as fontes de investigação, mas pelos diversos pré-julgamentos que realiza no curso da investigação preliminar (como na adoção de medidas cautelares, busca e apreensão[2], autorização para intervenção telefônica[3], etc.).”[4]

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já decidiu que “o princípio constitucional do justo processo legal manda que cada causa tenha um magistrado competente para decidi-la”, explicou. Neste julgamento, ao votar pela concessão do habeas corpus, o relator, Ministro César Peluso afirmou que “o juiz já teria feito um pré-julgamento do réu ao receber a ação penal”. “Ele teve um contato com o réu que não foi superficial”. A sentença condenatória penal estaria, segundo o Ministro, “repleta de remissões aos atos das investigações prévias, além de ter opiniões anteriormente concebidas e expostas”. O Ministro argumentou que houve quebra da imparcialidade do julgamento. “Ele teve um contato com o réu que não foi superficial”, alegou Peluso. A sentença condenatória penal estaria, segundo o Ministro, “repleta de remissões aos atos das investigações prévias, além de ter opiniões anteriormente concebidas e expostas”. (Habeas Corpus 94641).Daí porque somos absolutamente favoráveis ao “Juiz das Garantias”, previsto no projeto de lei de reforma do CPP (e em outros países), ora em trâmite no Congresso Nacional.

Oxalá a Corte Suprema, guardiã da Carta Magna, decida favoravelmente à ação proposta.


Notas

[1] Sobre o valor probatório dos atos investigatórios produzidos no inquérito policial, veja-se o nosso Curso Temático de Direito Processual Penal, 2º., edição, Curitiba, Editora Juruá, 2010.

[2] Art. 242, CPP

[3] Art. 3º. da Lei nº. 9.296/96.

[4]Boletim IBCCRIM – Ano 11 – nº. 127 – Junho/2003. 

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O Google, a Lei nº. 12.850/13 e a quebra de dados cadastrais e do IP de seus usuários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3861, 26 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26510. Acesso em: 2 nov. 2024.

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