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A (i)legalidade da averbação da reserva legal no cartório de registro de imóveis em face da Lei federal nº 12.651/2012

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Análise de dois pontos de vista jurídicos (CAR e o registro de imóveis) que, embora aparentemente antagônicos, podem ser harmonizados com vistas à garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

De início, cumpre enfatizar que a evolução do Direito demonstra que o direito de propriedade está intrinsecamente ligado ao princípio da função social. No que tange à propriedade rural, objeto do presente estudo, tal princípio é cumprido quando, dentre outros requisitos, torna-se meio de preservação do meio ambiente.

Um dos espaços especialmente protegidos e que é um instrumento de efetivação do Direito do Meio Ambiente, é a Reserva Legal. Com a superveniência da Lei Federal nº 12.651/12, criou-se uma nova forma de demarcação e registro da área de Reserva Legal, viabilizada pelo instituto do Cadastro Ambiental Rural (CAR), conforme insculpido nos §§1º e 3º, do artigo 29, da referida lei.

Ante à vigência dessa nova legislação e ao debate acerca das modificações trazidas por ela, mister se faz aprofundar o estudo jurídico sobre, em específico, a (i)legalidade da averbação da Reserva Legal no Cartório de Registro de Imóveis, vez que, hodiernamente, são perceptíveis duas correntes de raciocínio no ordenamento jurídico.

A primeira delas pugna pela legalidade da averbação, uma vez que, em tese, a averbação produz segurança jurídica, ao se concentrar as informações da propriedade em somente um lugar: a matrícula. Ainda, argumenta que a averbação impede que diminua a proteção aos bens ambientais. Defende, no mínimo, a legalidade da averbação até que se efetive o Cadastro Ambiental Rural.

Já, a outra linha de pensamento, conclui pela ilegalidade da averbação da Reserva Legal, dentre outros argumentos, em vista da evolução do Direito, com a Lei Federal nº 12.651/12. Para ela, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) institui uma forma diferente de demarcação e registro da área de Reserva Legal, que dispensa, legal e juridicamente, a averbação.

Tem-se, portanto, que a relevância do tema é inconteste e que o presente estudo teórico visa atingir uma possível solução jurídica em vista da vigência da Lei Federal nº 12.651/2012 e dos benefícios da averbação da Reserva Legal, com vistas à sobreposição do direito fundamental em questão, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no artigo 225, da Constituição Federal de 1988, dentre outras disposições constitucionais.

 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O princípio da função social da propriedade não tem origem precisa, entretanto, é sabido que surgiu a partir da evolução do próprio direito de propriedade. Notadamente no século XX, após uma mudança paradigmática, a propriedade perdeu seu caráter individualista e passou a possuir um cunho social.

Entre um dos possíveis precursores do aludido princípio, destaca-se o Professor e jurista, León Duguit, cujo pensamento é o “[...] de que os direitos só se justificam pela missão social para a qual devem contribuir e, portanto, que o proprietário deve comportar-se e ser considerado, quanto à gestão dos seus bens, como um funcionário”. (GONÇALVES, 2011, p. 244)

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é garantidora do direito de propriedade, conforme se vê no artigo 5º, inciso XXII e, concomitantemente, coloca como condição de plenitude desse instituto, o cumprimento da função social, na forma do inciso seguinte, do mesmo artigo.

Dada a vasta normatização no Direito Brasileiro, é possível perceber que a propriedade assume um caráter democrático, vez que os benefícios produzidos por ela devem estar relacionados aos interesses sociais e, caso isso não ocorra, surge para o Estado o dever de limitá-la ou privar o proprietário dela. Em consonância com esse entendimento, Carvalho Filho (2012, p.768) assevera que:

A vigente Constituição é peremptória no que se refere ao reconhecimento do direito: "É garantido o direito de propriedade" (art. 5º, XXII). O mandamento indica que o legislador não pode erradicar esse direito do ordenamento jurídico positivo. Pode, sim, definir-lhe os contornos e fixar-lhe limitações, mas nunca deixará o direito de figurar como objeto da tutela jurídica.

Nessa linha de pensamento, a garantia constitucional da propriedade é relativizada e faz-se mister adequar, de acordo com a evolução e necessidade sociais, os conceitos abarcados na Constituição Federal de 1988, dentre eles, por óbvio, o direito de propriedade e a função social.Cabem aqui as seguintes considerações:

Hoje o direito de propriedade só se justifica diante do pressuposto que a Constituição estabelece para que a torne suscetível de tutela: a função social. Se a propriedade não está atendendo a sua função social, deve o Estado intervir para amoldá-la a essa qualificação. E essa função autoriza não só a determinação de obrigações de fazer, como de deixar de fazer, sempre para  impedir o uso egoístico e antissocial da propriedade. Por isso, o direito de propriedade é relativo e condicionado. (CARVALHO FILHO, 2012, p. 779)

Assim, o direito de propriedade mostra-se relativizado, vez que a atuação estatal possui o condão de limitá-lo, por meio da aplicação de obrigações de fazer e de não fazer, em caso de descumprimento da função social, bem como, é condicionado pelo próprio cumprimento dela.  É perceptível, ainda, que tal direito está em constante evolução, posto que é amoldado de acordo com as necessidades sociais, sempre mutáveis. Nesse sentido:

Não existe, todavia, um conceito constitucional fixo, estático, de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social. É que embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico. (MENDES, 2011, p. 379)

Cumpre considerar, ainda, inicialmente, que o próprio texto constitucional diferenciou os requisitos da função social da propriedade urbana e da rural. Em relação à última, objeto do presente estudo, há regulamento jurídico-constitucional no artigo 186:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Observa-se, pelo disposto, que a exigência da preservação ambiental, no tocante ao cumprimento da função social da propriedade, especialmente inscrita na parte final do inciso II, do artigo em referência, está em consonância com a evolução do Direito, bem como com as necessidades sociais.

Perceptível é também que há um direito-dever em favor da sociedade: de um lado, o direito de propriedade e, de outro, a obrigação de cumprir sua função social, em atendimento aos requisitos de proteção ao meio ambiente. Nesse aspecto, faz-se necessário dizer que o proprietário é quem tem esse poder-dever de cumprir a função social.

Ainda, nesse sentido, ao dispor sobre os princípios da Ordem Econômica, no artigo 170, a Constituição Federal de 1988 afirma que sua finalidade é assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se, entre outros princípios, função social da propriedade e defesa do meio ambiente (artigo 170, incisos III e VI).

Pelo exposto, depreende-se que houve uma verdadeira “Constitucionalização” do Direito Ambiental, uma vez que o parâmetro de proteção do meio ambiente foi alterado ao ponto de Milaré (2009, p. 152) a intitular de “Constituição Verde”, de modo que a sua tutela foi objeto tanto de artigos esparsos, como de todo um capítulo na Constituição Federal de 1988.

Além do disciplinamento constitucional, a Legislação Ordinária também se preocupou com a regulamentação do uso da propriedade privada. Prova da adequação de conceitos e da modernização jurídica, consoante a evolução social, é a modificação ocorrida, neste aspecto, entre o Código Civil de 1916 e o de 2002.

No Código Civil anterior, havia a previsão da propriedade privada, entretanto estava ausente a sua destinação social, vez que o artigo 524, apenas, disciplinava que: “[...] a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”. Ainda, a despeito de outros artigos e de outras leis ordinárias terem sinalizado a preocupação com a função social da propriedade, não existia a expressa determinação legal.

Já no avançado Código Civil de 2002, o legislador, cônscio da evolução de tal instituto, bem como do Direito Ambiental, normatizou a questão no artigo 1228, §§1º e 2º, norteado, certamente, pela Constituição Federal de 1988, conforme segue:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (Grifo nosso)

Destarte, surge no §1º a obrigação legal de utilizar a propriedade privada de acordo com o bem comum e no parágrafo seguinte, nota-se a proibição de sua utilização de forma a prejudicar terceiros e/ou a coletividade. Também, de acordo com o princípio da função social da propriedade, que leva a limitação ao uso, gozo e disposição da propriedade em prol do bem estar coletivo, apresentam-se os §§4º e 5º, do citado artigo 1.228, do Código Civil:

§4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nelas houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dospossuidores.

 

Em leitura dos parágrafos supra colacionados, entende-se que o proprietário que não assume o dever de cumprir a função social poderá ser privado da coisa. Trata-se da “posse-trabalho”, trazida por Miguel Reale, na exposição de motivos do Código Civil de 2002, e da proteção da “posse pro labore”, segundo denominação de Diniz (2009, p.262). Dentre outras normas que tratam da destinação e função sociais da propriedade, nota-se a relevância da discussão pretendida no âmbito da Reserva Legal.

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Dessa forma, a partir do entendimento de que o direito de propriedade, como direito fundamental e como direito positivado constitucionalmente, está relacionado com a função social que exerce, é que se pretende demonstrar os desdobramentos práticos deste instituto, notadamente no que se refere à constituição da Reserva Legal, foco da presente pesquisa.

A RESERVA LEGAL COMO REQUISITO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

No presente estudo, pretende-se demonstrar que além de a Reserva Legal exercer a função de “[...] assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa[...]”, como preceitua o inciso III, do artigo 3º, da Lei Federal nº 12.651/2012, é também um dos meios de a propriedade atender a sua função social.

Em encontro à ideia de que a Reserva Legal é requisito da função social da propriedade, Machado (2009, p. 761) ensina que: “[...] O proprietário de uma Reserva olha para seu imóvel como um investimento de curto, médio e longo prazos. A Reserva Legal Florestal deve ser adequada à tríplice função da propriedade: econômica, social e ambiental. Usa-se menos a propriedade, para usar-se sempre.”

Como corroboração de tal entendimento, para a Constituição Federal de 1988, a Reserva Legal constitui espaço especialmente protegido, instituído pelo Poder Público para assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme se infere de seu artigo 225, caput e §1º, inciso III:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

É preciso entender, ainda, pelo conjunto normativo constitucional, que não houve somente a positivação do “direito” de todos sobre o bem ambiental, mas sim do “dever” de preservá-lo, uma vez que, para o legislador, a defesa do meio ambiente é dever da atuação tanto do próprio Estado, como da sociedade civil. E, ainda, precisa-se entender que na expressão acima “para assegurar a efetividade desse direito”, está consignado o princípio da efetividade do direito ao meio ambiente.

Há consenso jurídico de que a Reserva Legal, enquanto faceta da função social da propriedade, possui o papel de socializar a propriedade, com vistas a atender ao fim precípuo do Estado, o bem estar social, e a garantir às presentes e futuras gerações o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ora, a defesa do meio ambiente implica, naturalmente, em restrição ao direito de propriedade.

Para Diniz (2009, p. 262), é perceptível que “[...] o direito de propriedade não tem um caráter absoluto porque sofre limitações impostas pela vida em comum. A propriedade individualista substituiu-se pela propriedade de finalidade socialista”. Conforme esse mesmo pensar, a Reserva Legal, como limitação do direito de propriedade, visa extinguir ou, no mínimo, mitigar as formas de ocupação e exploração rural contrárias à função social que a propriedade deve exercer.

Nesse sentido, defende-se, independentemente de qualquer entendimento na seara da legalidade ou não do registro cartorário, que a Reserva Legal, como instituto de Direito Ambiental, cuja natureza jurídica mostra-se difusa, é um instrumento para se garantir a efetividade do direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, na medida em que protege a diversidade biológica do Brasil, em seus diversos biomas.

 A ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS EM FACE DO “NOVO CÓDIGO FLORESTAL” - LEI FEDERAL Nº 12.651/2012

A vinculação da consideração de cumprimento da função social da propriedade à efetiva preservação do meio ambiente é um marco na modernização e evolução do Direito brasileiro. No entanto, a ideia de que tal preservação depende da averbação da Reserva Legal na matrícula do imóvel é uma retroação jurídica, visto ser mera formalidade.

A exigência da averbação da área de Reserva Legal no registro de imóveis sobreveio com a Lei Federal nº 7.803, de 1989, mais especificamente com o acréscimo do parágrafo único ao artigo 44, do Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4.771). Com a superveniência da Lei Federal nº 12.651/12, criou-se uma forma diferente de demarcação e registro da área de Reserva Legal, viabilizada pelo instituto do Cadastro Ambiental Rural – CAR, conforme o disposto nos §§1º e §3º, do artigo 29, da referida lei:

Art. 29.  É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

 § 1º - A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural:      (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

I - identificação do proprietário ou possuidor rural;

II - comprovação da propriedade ou posse;

III - identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

§ 2º - O cadastramento não será considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse, tampouco elimina a necessidade de cumprimento do disposto no art. 2º da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.

§ 3º - A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida no prazo de 1 (um) ano contado da sua implantação, prorrogável, uma única vez, por igual período por ato do Chefe do Poder Executivo. (Grifo nosso)

Nota-se que a finalidade desse registro público eletrônico é interessante, pois busca, exatamente, a integração de todas as informações relativas ao meio ambiente, inclusive dispondo de recursos digitais, para monitoramento, planejamento ambiental e econômico dos imóveis rurais, além de mencionar uma questão atual de grande relevância no país: o combate ao desmatamento.

De outro ângulo, nessa base de dados constará, além da identificação do proprietário ou possuidor rural, bem como sua respectiva comprovação, a identificação do próprio imóvel, por meio de planta em meio digital e de memorial descritivo. Nesses dois últimos documentos, a planta e o memorial descritivo, constará a exata localização da Reserva Legal.

Caso já existente a averbação da Reserva Legal no Registro de Imóveis, o proprietário rural poderá optar pela simples migração de dados para o CAR – Cadastro Ambiental Rural, acrescida de comprovação dos outros requisitos constantes nos incisos colacionados.

Ressalta-se que é possível vislumbrar, nesse caso, um possível cancelamento da anotação da Reserva Legal na matrícula em vista da migração de dados para o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, embora o legislador, nesse ponto, tenha se omitido. (PRESTES, 2013, p. 138)

É possível perceber, assim, que se trata de um novo procedimento e de um novo meio de informação do proprietário rural acerca de sua Reserva Legal, desobrigando-o da averbação na matrícula do imóvel, com amparo, mormente, no §4º, do artigo 18, com a Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012:

Art. 18.  A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

[...]

 § 4o  O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.

Entretanto, cabe ressalvar que a edição do §4º, do artigo 18, da Lei 12.651/2012 não dispensa imediatamente o detentor do domínio ou posse do imóvel rural da averbação da Reserva Legal no registro de imóveis. Isso porque, segundo o texto expresso da lei, o proprietário rural tem 01 (um) ano contado da implementação do Cadastro Ambiental Rural para promover a sua inscrição e, portanto, o registro da Reserva Legal e outras informações, sem mencionar uma possível prorrogação por mais 01 (um) ano.

Para a contagem desse prazo, há que se observar que ato da Ministra de Estado do Meio Ambiente estabelecerá a data a partir da qual o Cadastro Ambiental Rural será considerado implantado, conforme artigo 21, do Decreto nº 7.830/2012, que dispõe sobre o Sistema de Cadastro Ambiental Rural, o Cadastro Ambiental Rural e estabelece normas de caráter geral aos Programas de Regularização Ambiental, de que trata a Lei no 12.651/2012.

Verifica-se, portanto, que não houve, ainda, por parte dos Órgãos Públicos competentes, a implantação e regulamentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ainda em fase de testes e homologação, que se fazem necessárias para que o proprietário tenha as diretrizes a serem seguidas em sua inscrição na base de dados do cadastro recém-criado.

Dessa forma, até tais efetivações, persistiria a obrigação de averbar a Reserva junto à matrícula do imóvel e se faz mister que o Ministério Público, na condição de Fiscal da Lei, acompanhe os trabalhos administrativos, seja no âmbito municipal ou estadual, com vistas à plena execução desse novo procedimento.

Nessa vertente, defende-se que essa nova forma de informação do proprietário rural será mais restritiva, já que englobará consideravelmente mais dados e com mais detalhes que a “simples” anotação no registro mobiliário. O Cadastro Ambiental Rural será, dessa forma, a evolução ambiental da Reserva, posto que de ordem pública, acessível a todos os cidadãos, com ampla publicidade, por meio da rede mundial de computadores (internet).

Diante dessa nova realidade, ainda em fase de efetivação, a exigência da averbação em matrícula no registro de imóveis seria o verdadeiro retrocesso ambiental, pois insiste em um modelo, em tese, menos adequado e eficiente de publicização das informações dos imóveis rurais.

Em relação ao fato de que a Lei Federal nº 12.651/2012 não revogou expressamente o dispositivo da Lei de Registros Públicos, tampouco promoveu qualquer alteração, há quem diga que houve tal manutenção, tendo em vista, apenas, a necessidade de averbação de servidões ambientais, como é o caso de um imóvel compensar sua área de Reserva Legal em área de outro imóvel.

De outro ponto, sem adentrar na celeuma do Novo Código Florestal e a dispensa de averbação ali constante, faz-se mister entender que a preservação fática do meio ambiente, independentemente das formalizações, é o fim precípuo de toda legislação ambiental e, portanto, não há que se condicionar o cumprimento da função social da propriedade à averbação notarial. Afinal, preservar o meio ambiente é, na prática, protegê-lo e respeitá-lo, e não apenas formalizar um documento.

A LEGALIDADE DA AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL

Em meio ao debate sobre a (i)legalidade da averbação da Reserva Legal na matrícula e/ou registro do imóvel rural, no Cartório de Registro de Imóveis, há quem defenda a relevância e necessidade da manutenção de tal providência, não obstante a redação do §4º, do artigo 18, da Lei Federal nº 12.651/12. Isso porque, a averbação, em tese, geraria inegável segurança jurídica e atenderia, dentre outros, ao princípio da perpetuidade do registro.

Ademais, de acordo com esse pensamento, seria preciso ponderar que o Cadastro Ambiental Rural (CAR), até a presente data, não foi implantado, sem existir de fato, o que, até o seu efetivo funcionamento, poderia gerar risco de esvaziamento do instituto da Reserva Legal.

Há, ainda, a tese de que, sendo o meio ambiente direito fundamental, ou na acepção mais ampla “direitos humanos”, qualquer diminuição na proteção aos bens ambientais, pela não averbação da Reserva Legal, seria visceralmente inconstitucional, principalmente, porque afrontaria o princípio que proíbe o retrocesso ambiental. Em comentário acerca desse princípio, Benjamin (2012, p. 71-72) explica que:

Consequentemente, reduzir, inviabilizar ou revogar leis, dispositivos legais e políticas de implementação de proteção da Natureza nada mais significa, na esteira da violação ao princípio da proibição de retrocesso ambiental, que conceder colossal incentivo econômico a quem não podia explorar (e desmatar) partes de sua propriedade e, em seguida, com a regressão, passa a podê-lo. Tudo às custas do esvaziamento da densificação do mínimo ecológico constitucional.

Entende-se, assim, que não se pode conceber, no ordenamento jurídico brasileiro norma que importe em redução do nível mínimo de proteção aos direitos ambientais. Na mesma esteira de raciocínio, Sarlet e Fensterseifer (2012, p. 152-153) afirmam que tal princípio:

[...] seria concebido no sentido de que a tutela normativa ambiental, tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional, deve operar de modo progressivo no âmbito das relações sócio-ambientais, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo o retrocesso, em termos normativos, a um nível de proteção inferior àquele verificado hoje.

Importante, também, se pontuar sobre o sistema registral brasileiro. Não se pode olvidar da disposição do artigo 167, inciso II, item 22, da Lei 6.015/77, que determina a averbação da Reserva Legal, bem como do princípio da concentração, que objetiva uma maior segurança jurídica ao se registrar a Reserva Legal na matrícula do imóvel.

Sobre o princípio da concentração, há que se dizer que consiste na convergência de todas as relevantes informações sobre o imóvel em um único lugar, no caso, n a matrícula. Esse modo de anotar dispensa diligências a outras fontes de informação, o que, em tese, facilita aos usuários a obtenção do conhecimento da situação jurídica da propriedade, de forma mais precisa. Entretanto, nesse ponto, é preciso analisar as vantagens do Cadastro Ambiental Rural, além de seus prejuízos, para que se determine qual procedimento seria viável, na prática, e legal, juridicamente.

Acerca da viabilidade, mister lembrar que a averbação, em geral, é um procedimento descomplicado e com despesas consideravelmente pequenas, que consiste, na prática, “[...] de uma simples anotação ou referência na matrícula do bem daquilo que está retratado no Termo de Responsabilidade de Averbação e Preservação da Reserva Legal, previamente firmado com o órgão ambiental.” (MAIA, 2013, p. 90)

Os maiores custos, em verdade, concentram-se nos atos antecedentes à averbação, tais como a contratação de serviços de identificação, medição e demarcação da Reserva, para aprovação no órgão ambiental e que persistirão com o advento do CAR – Cadastro Ambiental Rural.

A averbação também nunca foi uma medida onerosa para o proprietário, sendo ínfimas as despesas para a sua prática. Vale dizer, os maiores ônus para os proprietários rurais com a proteção à Reserva Legal sempre disseram respeito aos atos que antecedem a averbação propriamente dita, na contratação de serviços de identificação, medição e demarcação da Reserva, para aprovação pelo órgão ambiental, ou que a ela se seguem, na recuperação da área, que persistem na redação do novo Código Florestal. (MAIA, 2013, p. 90)

Em relação ao sistema registral vigente, em atendimento ao que dispõe a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), Melo comenta que:

Questão interessante é a permanência na Lei n. 6.015/73 (Lei de Registro Públicos) da direta possibilidade de averbação da reserva legal florestal (art. 167, II, 22). A Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, não revogou expressamente o dispositivo da Lei de Registros Públicos nem promoveu qualquer alteração, diferentemente de outros diplomas legais, como as leis ns. 4.771/1965, 6.938/1981, 7.754/1989 e 11.428/2006.

Destarte, como explicou o autor, a Lei de Registros Públicos continuaria em vigor (uma vez que a nova lei não a revogou expressamente e não há incompatibilidade entre as duas) e estabelece como um dos casos de averbação, a Reserva Legal, além do fato de que o Poder Executivo vetou a tentativa de revogação do artigo 167, II, item 22, da Lei de Registros Públicos, que estava prevista no artigo 83, do Novo Código Florestal.

CONSIDERAÇÕES 

Conclui-se, a partir da demonstrada mudança de paradigmas no nosso ordenamento jurídico, em face da Lei Federal nº 12.651/12, com a criação do Sistema de Cadastro Ambiental Rural e do próprio Cadastro, que a ilegalidade da averbação da Reserva Legal pelo proprietário ou possuidor no título de propriedade do imóvel é justificada em razão da centralização em uma base de dados ambiental eletrônica.

De acordo com o §4º, do artigo 18, da mencionada legislação, há a dispensa da averbação por parte do proprietário ou do possuidor. Entretanto, é preciso pensar que seria juridicamente legal permanecer, apenas para a autoridade responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), a necessidade (e legalidade) de tal providência, com vistas a ampliar, ainda mais, a publicidade ambiental dos imóveis já cadastrados eletronicamente.

Nesse sentido, sugere-se uma comunicação entre os órgãos competentes para inscrição no Cadastro Ambiental Rural e as autoridades cartorárias, a teor do que disciplina a Lei Federal nº 11.977, de 2009, em seu artigo 37: “Os serviços de registros públicos de que trata a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico”.

Entende-se que tal conclusão é cabível, posto que, da análise hermenêutica sobre a intenção do legislador, percebe-se que não houve o rompimento da comunicação entre o Cadastro e o registro. Há três principais argumentos de tal afirmação: primeiro, pois não foi revogada a possibilidade de averbação constante do artigo 167, II, da Lei de Registros Públicos; segundo, porque não houve qualquer previsão de cancelamento da averbação de Reserva Florestal já realizada; e, terceiro, pela abertura da possibilidade de migrar as informações constantes na matrícula para o Cadastro.

Houve, sim, o reforço de que, em momento de transição procedimental, há que permanecer a comunicação entre a legislação anterior e a vigente. Ora, no próprio texto da referida Lei Federal, em seu artigo 30, nota-se o reconhecimento das averbações realizadas, ao se permitir que tais informações sejam utilizadas diretamente quando da inscrição no Cadastro Ambiental Rural. Não bastasse, não há expressa determinação legal para que tais averbações sejam canceladas o que, portanto, indica que continuam produzindo seus regulares efeitos,  nos termos do artigo 252, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).

Importante dizer que tal comunicação funcionaria, em tese, também eletronicamente e de forma integrada, uma vez que, a própria autoridade competente poderia fornecer ao Registro de Imóveis as informações necessárias sobre a efetiva inscrição dos imóveis tutelados no Cadastro Ambiental Rural, sendo que caberia ao Cartório promover a averbação da Reserva Legal na matrícula indicada e informar o cumprimento de tal providência, em reciprocidade.

Acredita-se que o Ministério Público, como uma das principais instituições de defesa dos direitos dos cidadãos, entre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, poderá continuar a exigir que exista a vinculação entre o registro na matrícula do imóvel e o Cadastro Ambiental e poderá atribuir-se o dever de promover tal procedimento por si, diante de elementos fáticos e documentais, incumbindo-lhe as custas respectivas.

Restou claro que desobrigar o proprietário rural de averbar a Reserva Legal de seu imóvel, na matrícula pertinente, não significa impedir, de sorte que, mesmo com o surgimento de uma base eletrônica de dados, a averbação da Reserva Legal Florestal pode permanecer no Brasil, cabendo, entretanto, não mais aos proprietários ou possuidores, mas sim, aos responsáveis pelo Cadastro Ambiental Rural.

Nessa linha de pensamento, sugere-se que a o registro da Reserva Legal começaria no Cadastro Ambiental Rural e, a partir dele, ocorreria uma ampliação da publicidade das informações relacionadas ao meio ambiente, com a averbação no Registro de Imóveis, de modo a apenas reforçar o conhecimento da reserva e a fim de assegurar o direito de todos os cidadãos de fiscalizar seu cumprimento, em especial, como já dito, por meio do Ministério Público.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antonio Herman V. Princípio da proibição do retrocesso ambiental. In: Rollemberg, Rodrigo (org.). O princípio da proibição do retrocesso ambiental. Brasília: Senado, 2012.

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SARLET, Ingo Wolfgang & FENSTERSEIFER, Tiago. In: Dano Ambiental na Sociedade de Risco. São Paulo: 

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA, Maíra Araújo Machado Borges. A (i)legalidade da averbação da reserva legal no cartório de registro de imóveis em face da Lei federal nº 12.651/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3918, 24 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27072. Acesso em: 22 dez. 2024.

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