Capa da publicação Grampo de Lula: possibilidade de usar prova ilícita/ilegítima em processo penal

Indagações sobre a possibilidade de utilizar uma prova ilícita/ilegítima em um processo penal

21/03/2016 às 21:28
Leia nesta página:

Trata-se de artigo levantando questionamentos a respeito da possibilidade de se utilizar, ou não, prova ilícita ou ilegítima em um processo penal. O artigo trata das conversas interceptadas entre Dilma Rousseff e Lula.

Muito se fala a respeito da licitude e da constitucionalidade, ou não, da divulgação das conversas interceptadas na investigação denominada “Lava Jato” pelo Juiz Federal Sérgio Fernando Moro da 13ª Vara Federal da Seção Judiciário de Curitiba/PR. Segundo consta nos sítios jornalísticos brasileiros, a conversa entre a Presidente e o investigado Luiz Inácio “Lula” da Silva teria ocorrido às 13h32min, após a ordem do Magistrado em referência, decidindo suspender as interceptações (11h12min)[1], restando despida, pois, de decisão judicial autorizativa de ulteriores interceptações telefônicas. Assim, nos termos da Lei nº 9.296/96 (artigos 5º, 6º, 7º e 9º), a prova seria ilegítima e ilícita, violando matéria (pré) processual e o direito fundamental à intimidade, não podendo ser utilizada em um devido processo legal, devendo, ser inutilizada.

Outrossim, vale elucidar que pela teoria dos frutos da árvore envenenada adotada no nosso ordenamento jurídico (artigo 157, §1º, do Código de Processo Penal), não poderão ser utilizadas demais provas derivadas da prova ilícita (ou ilegítima) originária. Aliado a isso, vale lembrar que constitui crime realizar interceptação telefônica, ou quebra do segredo de Justiça, sem autorização judicial (art. 10 da Lei nº 9.296/96).

Tem-se como norte o fato de que o investigado/acusado tem o direito em não ser utilizado contra si prova ilícita ou ilegítima. Trata-se de um direito oriundo do princípio do devido processo legal, configurando-se este como um princípio norteador do ordenamento jurídico, extraído de garantias fundamentais como a ampla defesa e o contraditório.

Nessa senda, importa ponderar que direitos e garantias fundamentais insertos na Carta Magna brasileira de 1988 possuem uma carga positiva e negativa, quer exigindo uma abstenção da ação estatal na esfera individual (do homem), quer demandando que o Estado promova o bem-estar social. Assim, necessária a transcrição da célebre obra de Canotilho[2] no que respeita aos direitos/garantias fundamentais:

(...) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera individual; implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)

Partindo-se da premissa de que não há direito fundamental absoluto, conforme a melhor lição dos constitucionalistas modernos[3],  que os direitos e garantias fundamentais, em sua essência, limitam a ingerência do Estado na esfera individual, bem como que o pacto federativo visa a evitar que um Poder se sobreponha ao outro, questiona-se:

  • Indícios de provas oriundas de procedimentos investigatórios contrários à lei/CRFB88 poderiam ser utilizadas quando o seu conteúdo material evidenciar uma grave violação à própria essência do Estado Democrático de Direito: a violação ao pacto federativo, artigo 2º da CRFB/88 (intervenção do Executivo no Judiciário)?
  • A inutilização de uma prova – ou indício de prova - ilícita que sugere a pretensão de intervenção do Poder Executivo no Poder Judiciário se presta aos interesses de um Estado Democrático de Direito, merecendo ser descartada em face da garantia de direitos/garantias fundamentais?
  • O que é mais razoável: dar primazia ao devido processo legal ou manter-se conivente com uma suposta violação à base fundamental do próprio Estado Democrático de Direito (Tripartição dos Poderes)?

Diante deste tema de substancial profundez hermenêutica, o Ministro Gilmar Mendes, ao proferir decisão, deferindo liminar para a suspensão do ato de nomeação de “Lula” como Ministro de Estado nos Mandados de Segurança nº 34070 e 34071, não entrou na questão acerca da possibilidade de utilizar a prova (possivelmente) ilícita, afirmando que a confissão posterior da Presidente sobre o conteúdo da conversa interceptada, sem a “indagação por autoridade”, operou-se a “admissão irrevogável dos fatos, que torna irrelevante qualquer debate acerca da validade das gravações, na forma do art. 214 do CC”[4].

Sem querer levantar um debate ad eternum sobre o assunto, ou comentar a decisão retro mencionada do Ministro Gilmar Mendes, apresento, neste espaço, apenas argumentos a serem considerados, demonstrando que a questão é de profundo questionamento hermenêutico jurídico.


[1] http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/16/gravacao-entre-dilma-e-lula-foi-feita-depois-de-moro-decidir-pela-interrupcao-do-sigilo.htm

http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-03/gravacao-de-conversa-foi-feita-depois-que-moro-mandou-parar-interceptacao

[2] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

[3]{C}http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf

[4] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ms34070.pdf

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Sobre o autor
Régis Schneider da Silva

Atualmente, Assessor Jurídico - Especialista em Saúde - da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Antigo analista processual da DPE/RS e analista de previdência e saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal

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