1 Seguro Saúde ou Plano de saúde: dicotomia necessária?
As seguradoras de seguro-saúde ou operadoras de planos de saúde atuam concomitantemente ao Sistema Único de Saúde (SUS) em uma perspectiva suplementar, dentro dos limites da apólice ou contrato vigente entre as partes.
Em apertada síntese, o seguro-saúde diferencia-se do plano de saúde ou da medicina de grupo na medida em que o primeiro se consubstancia em um verdadeiro seguro entre partes, onde a seguradora, mediante pagamento de prêmio, se compromete a arcar com eventual sinistro. É um sistema de ganha-ganha.
Enquanto não houver sinistro algum a seguradora recebe prêmios auferindo vantagem, havendo sinistro, a situação se reverte ficando o segurado em posição de maior vantagem.
Como ensina António Menezes Cordeiro:
“Um seguro isolado surge como um contrato aleatório: quiçá uma mera aposta. O segurador ganha se não houver sinistro ou enquanto ele não ocorrer; perde logo que se concretize o risco coberto. Inversamente: o tomador/segurado perde na falta de sinistro; ganha caso ele se verifique. Mas uma carteira alargada de seguros apresenta-se como uma atividade comercial estruturada. Desde que se estime, com correção, o risco envolvido pelos sinistros potencialmente possíveis e se calculem, com critério, os prêmios, todos lucram. Os tomadores não se preocupam com a eventualidade de sinistros nem têm, em função deles, de tomar precauções, aforrando riqueza. As seguradoras têm uma margem de lucro condigna, vendo retribuídos os serviços acessórios que prestem”[1].
O que é coberto na apólice de seguro-saúde não é a saúde do segurado em si (diferente do seguro de vida, por exemplo, onde o objeto segurado é a vida, ensejando cobertura a perda desta), mas, na realidade, a garantia de reembolso direito ou indireto das despesas provenientes de assistência médico-hospitalares até o limite máximo entabulado entre as partes, por livre escolha, consubstanciado na apólice de acordo com suas limitações ou exclusões. Tais contratos eram regidos pela lei 73/66 que dispunha especificamente quanto aos contratos de seguro.
A norma acima dispunha sobre os contratos envolvendo reembolso (tipicamente de seguros), contratos de seguros fornecidos por seguradoras, empresas bancárias e outras sociedades autorizadas e, também, contratos envolvendo pré-pagamento de futuras e eventuais (álea) despesas médico-hospitalares. Nestas condições, seguindo a doutrina entabulada por Maria Leonor Batista Jordan[2], todos sob a nomenclatura de seguro-saúde que se adota neste momento.
Em outra margem temos os planos de saúde onde, diferente do seguro-saúde, não é tomado entre seguradora e segurado. Não há verdadeira assunção de risco por parte do fornecedor. O que ocorre, na realidade, é o pagamento antecipado por um produto (assistência médico-hospitalar).
Esclarece Ricardo Bechara Santos, referindo-se às diferenças entre segurados e prestadoras de serviço que exploram os serviços de plano de saúde ou medicina em grupo, que:
“As seguradoras, pois, garantem riscos, aqueles outras, prestam serviço de medicina de grupo, pelo sistema de pré-pagamento de uma prestação de serviço futura, vedado às seguradoras, repita-se. As seguradoras realizam contrato típico – o de seguro – enquanto que, aquelas, contratos especificamente regulados pelo art. 1.216 do Código Civil. Em suma, é nítida a diferença que o art. 135 do DL nº 73/66 estabelece. No contrato de seguro é essencial a particularização dos riscos e suas exclusões, com base atuarial e mutualista, enquanto que a na outra atividade aqui referida, a generalização dos serviços médicos é apanágio”[3].
Em contrapartida, a Lei 9.656/98, com alterações da Medida Provisória 2.177-44/2001, em vigor, passou a igualar os termos associados às duas possibilidades de instituições que interagem no mercado de assistência à saúde suplementar como plano de saúde. Mesmo assim, tecnicamente, há de ser diferenciada a relação entre seguradora e operadora (termo utilizado na referida legislação), já que as seguradas que comercializam seguro-saúde suplementar possuem limitações típicas vigentes à todas as modalidades de seguros, como também, indissociável do risco e mutualismos, o que não acontece nas operadoras.
Neste contexto, os valores percebidos por operadoras mensalmente dos beneficiários de planos de saúde são tidos como contribuição, enquanto que os valores arrecadados por instituições de seguro são tidos como prêmio. Estes últimos são divididos em dois montantes: reserva técnica, imposto a toda relação securitária visando garantir a adimplência de sinistros caso existam (também denominado de prêmio puro); custos de operações técnicas (também denominado de carregamento), nestes embutidos a parcela de lucro das seguradas.
É certo, porém, que ao consumidor final, seja em seguros saúde seja em planos de saúde, a diferenciação em mente encontra-se no campo dos sinistros/utilização.
As seguradoras não possuem, nem podem possuir, hospitais ou centros médicos próprios, vez que possuem atuação limitada ao próprio seguro. Enquanto que operadoras, não raro, possuem hospitais ou centros médicos próprios.
Via de regra, o segurado arca com o valor do sinistro e posteriormente lhe é reembolsado o valor, nos limites da apólice securitária, ou, de forma excepcional, temos o chamado reembolso indireto, quando a seguradora arca com o valor, até o limite segurado, diretamente ao nosocômio. Já ao beneficiário de plano de saúde não é possibilitada a utilização de rede que não seja estipulada pelo plano, nem o reembolso de valores gastos.
Neste ponto, parece-nos razoavelmente clara a distinção entre as modalidades de contratação que geram consequências jurídicas diferentes ao consumidor.
2 Planos/Seguros Individuais ou Coletivos
Apesar de posição em contrário, é evidente a divergência entre seguros e planos de saúde, mas, sejam seguros ou planos, ambos poderão ser contratados na modalidade individual ou coletivo.
Pontuado o posicionamento, por questão de estética textual, passaremos a adotar a denominação de contratos de assistência à saúde, visando a referência tanto a planos como a seguros.
O contrato na modalidade individual implica em uma negociação direta entre Contratante (pessoa física) e Contratada (Seguradora/Operadora), de modo que, por questões óbvias, a pessoa física possuía menor força ao negociar o contrato diretamente com a contratada.
Tratando-se de seguro saúde, a coletividade do negócio implica em diluição do risco, impondo, via de regra, prêmios minorados. Em planos de saúde a coletividade do negócio implica em maior força de negociação.
O contrato coletivo, em sua grande maioria, é feito através de uma empresa intermediadora formalizando contrato típico de estipulação em nome de terceiro, seja uma operadora de saúde (planos de saúde) seja uma estipulante (seguro).
Quanto a modalidade de contratação de estipulação em nome de terceiro, Renato Macedo Bernarello aponta que:
“Para que a estipulação em favor de terceiro tenha eficácia em qualquer modalidade de contrato, é necessária a conjugação dos seguintes requisitos intrínsecos: (i) existência de interesse, tanto do terceiro como do estipulante, para justificar a estrutura do contrato com prestação que, subjetivamente, extrapole as partes da relação contratual. Esse interesse, no entanto, pode ser de qualquer natureza; (ii) a subsistência do contrato, pois a estipulação em favor de terceiro é cláusula acessória; se cai o negócio principal, por qualquer razão de direito, cai também à estipulação e (iii) aceitação do terceiro em reação ao benefício que a estipulação lhe endereça”[4].
O contrato é então entabulado entre duas empresas, de modo que a estipulante atua ofertando o contrato para pessoas físicas, destinatárias finais do contrato de assistência à saúde. Estas últimas apenas aderem ou não ao contrato vigente sem qualquer possibilidade de alteração.
É, assim, contrato de adesão à pessoa física, mas não pode ser classificado desta forma perante a pessoa jurídica.
Quanto ao contrato de adesão, Cristiano Heineck Schmitt salienta:
“Analisando-se o momento anterior a determinada disputa judicial, a fraqueza do consumidor resta bastante realçada pelos contratos de adesão e similares, instrumentos que se notabilizam por serem técnicos, complexos, às vezes, pouco esclarecedores e transparentes, elaborados com o intuito de dificultar a manifestação de vontade libre e consciente do consumidor. Essas estruturas negociais possuem o atributo de serem pré-confeccionadas pelo fornecedor, cabendo ao consumidor a elas apenas aderir, caso pretenda contratar”[5].
Apesar de existir certo receio (como pontuado acima) frente aos contratos de adesão, por possuírem grande possibilidade de usurpação pela parte que o redigir, é certo que tal possibilidade nos contratos de assistência à saúde não existe diante da atuação da estipulante em prol do destinatário final.
Do mesmo modo que as seguradoras ou operadoras do contrato de assistência à saúde possuem grande respaldo técnico e jurídico as empresas que atuarão na qualidade de estipulante também o têm, senão com maior eficácia, vez que além de todo o seu corpo jurídico possuem grande poder negocial diante da grande carteira que representam.
Foge da realidade a afirmação de que nos contratos coletivos de assistência à saúde, por tratar-se de contrato de adesão, exista prejuízo ao consumidor ou ainda que este encontra-se desamparado legalmente.
Assim são os contratos coletivos por adesão ou empresariais, estes últimos derivam do vínculo empregatício do consumidor final com emprega que, por questões diversas, ofertar contrato de assistência à saúde aos seus funcionários, atuando, da mesma forma, como estipulante contratual.
3 Apuração do reajustes anuais aplicáveis e intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar
Os contratos de assistência à saúde (planos ou seguros) possuem, dentre outras, uma característica essencial que os diferencia dos demais, são contratos cativos, para o futuro, mas garantidor do presente.
Significa que o consumidor, a partir do momento da contratação, não possui o intento de se desvincular deste pois deseja garantir a prestação futura contratada, que, por característica da alea inerente ao contrato, poderá acontecer mesmo que no presente. A base do sistema é a partilha do risco entre os consumidores, vez que, enquanto sozinho o custo será proibitivo, trata-se do mutualismo. “Em decorrência do princípio do mutualismo, iminente ao Direito do Seguro, o homem une-se com seus pares num proposito de cooperação mútua para que, desta forma, a união de muitos possa mitigar as perdas sofridas pelos membros do grupo”[6].
Diante das suas características, mutualismo e catividade, o contrato de assistência à saúde possuirá duas possibilidades (em regra) de reajustamento, sendo: por alteração de faixa etária; anual. Além destes, existe também o reajustamento em virtude de revisão técnica, entretanto, por se tratar de reajuste específico para contratos anteriores à 01/01/1999 e, ainda, que tenham sido contratados na modalidade individual, familiar ou de autogestão, este não será objeto de análise.
O reajustamento em virtude de alteração por faixa etária visa a diluição do risco coberto no contrato, como ensinam Claudia Lima Marques e Bruno Miragem:
“Isto porque o risco de saúde é transferido através destes contratos. Os riscos são abstratos, e por isso não estão ligados diretamente, mas apenas estatisticamente à sinistralidade, o que aproxima o tipo contratual do seguro e os planos de assistência à saúde. Segurados ou transferidos são os riscos de saúde, ligados abstratamente à idade do consumidor (titular ou dependente), daí a previsão normal de preços diferentes por faixas etárias e consequentemente reajustes sempre que um consumidor (dependente ou titular) alcançar uma nova faixa etária, com outras estatísticas de risco”[7]
A divisão do reajustamento entre faixas etárias é analisada de acordo com o momento temporal. Os contratos anteriores à lei 9.656/98 não possuem qualquer normatização quanto ao tema, já que o artigo 35-E da norma em referência, que previa questões de transição dos contratos anteriores para a adaptação à lei “nova”, encontra-se suspenso por determinação judicial. Quanto aos contratos posteriores a norma, ou aqueles que foram adaptados de acordo com a vontade do consumidor e fornecedora de serviço, existe a possibilidade de previsão de faixas etárias, que apenas foram reguladas quando da edição da resolução nº 6/98 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU). Entretanto, tal resolução previa variações de faixa etárias após os sessenta anos de idade do consumidor, o que foi vedado pelo Estatuto do Idoso, lei 10.471/03, diante desta questão a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a resolução nº 63/03 adequando as variações ao Estatuto do Idoso, permitindo variações por alteração de faixa etárias somente até os 59 anos de idade.
Desta forma, percebe-se que os contratos anteriores à lei 9.656/98, caso não adaptados, não possuem qualquer limitação, salvo aquela estipulada pelo Estatuto do Idoso que tem sua aplicação em todos os contratos. Quanto aos demais, respeita-se a resolução nº 63/03, adequada ao Estatuto do Idoso, possuem dez variações de faixa etária e normas para o cálculo de varrições já definidas.
Quanto ao reajustamento anual, objeto específico deste trabalho, trata-se de reajuste natural a qualquer contrato por prazo indeterminado, como no caso de seguros ou planos de assistência à saúde.
É inquestionável que o valor, seja prêmio ou contribuição, arcado pelo consumidor, não poderá ser o mesmo durante todo o tempo que perdurar o contrato, vez que este tende a perdurar por décadas. Inegável, portanto, a perda efetiva do poder aquisitivo da moeda.
Por outro lado, a simples perda do valor aquisitivo da moeda ensejaria apenas a correção monetária do valor, mas o contrato em questão sofre outras influências como, por exemplo, novas técnicas e tecnologias cobertas ou seguradas de forma obrigatória (de acordo com rol editado pela ANS) ou não obrigatórias, variação dos custos médicos hospitalares, dentre outros.
Desta forma, dificilmente os contratos de assistência à saúde adotam em sua elaboração índice fixo ou elaborado por entidade externa, vez que a variação anual depende de fatores inerentes a cada grupo de consumidores.
Incumbe as seguradoras ou operadoras, diante dos contratos coletivos, informarem à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) os índices de variação anual do contrato, de modo que esta os supervisiona.
Destaca-se que nos contratos coletivos existe, via de regra, outra pessoa jurídica atuando no contrato em prol dos consumidores (seja pessoa jurídica que atua comercializando tais contratos seja pessoa jurídica que disponibiliza aos seus funcionários). Existe paridade de negociação para a variação anual, que não é tomada de forma unilateral pela seguradora/operadora, mas em conjunto que a pessoa jurídica citada.
Tal questão é criticada por alguns doutrinadores, dentre eles Josiane Araújo Gomes que assim expõe:
“Destarte, quanto à desnecessidade de prévia autorização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para o reajuste das mensalidades dos planos coletivos, tem-se que o seu fundamento reside na presença de um intermediário entre operadora e usuário – denominado de patrocinador -, o qual teria, em tese, poderio contratual para impedir a oposição de práticas abusivas pela operadora do plano de saúde. Todavia, a realidade demonstra que tal forma de contratação não impede a ocorrência de excessos na aplicação de reajustes nas mensalidades, o que leva à conclusão acerca da importância da alteração do quadro normativo atual para também submeter os planos coletivos com patrocinador à autorização da ANS”[8].
Em que se pese o respeito ao posicionamento, é certo que tal apontamento encontra-se equivocado. Não é incomum que o “patrocinador” (expressão utilizada pela autora para indicar pessoa jurídica estipulante do contrato que também figura como pagador parcial ou total do prêmio) faça aportes nos contratos para redução do valor geral de reajustes, e, como poderá ser verificado abaixo, é impossível a aplicação das limitações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Já nos contratos de cunho individual a situação é diferenciada. Não existe paridade de armas na negociação do reajustamento, de forma que o consumidor encontra-se vulnerável. Diante do caso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) atua de modo a editar o reajuste máximo permitido para tais contratos.
Ocorre que a variação anual, como dito, depende de fatores de cada grupo, daí a formula adotada pela referida agência, que simplesmente elabora a média aritmética de todos os reajustes de contratos coletivos que lhe foram informados no ano (com número maior que 30 beneficiários/segurados). Veja, enquanto os reajustamentos anuais de contratos coletivos devem ser informados até o terceiro mês de cada ano, a agência divulga os reajustes anuais de contratos individuais no mês de junho de cada ano, tempo suficiente para a elaboração do média.
Levando-se em consideração o método utilizado pela agência reguladora para a elaboração do índice máximo permitido de reajustamento anual para contratos individuais (média aritmética dos reajustes de contratos coletivos informados), constata-se que a adoção dos índices destinados aos contratos individuais nos contratos coletivos levaria ao colapso do sistema. Primeiro por que, simplesmente, poderia levar a inexistência de índices de reajustes dos contratos coletivos o que, por consequência, faria com que não existissem reajustes destinados aos contratos individuais e, finalmente, a falência do sistema. Ou então, sucintamente, seria ignorada a característica de cada contrato, fazendo com que, possivelmente, contratos que necessitassem de reajustes maiores do que os reajustes individuais tivessem reajustes inferiores, podendo levar a falência do contrato. Por qualquer ângulo que se verifique a questão, percebe-se, desde logo, que tal aplicação de índices destinados aos contratos individuais aos contratos coletivos implica em verdadeira possibilidade de ruína.
4 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de seguro saúde coletivo
A incidência do Código de Defesa do Consumidor de forma indistinta aos contratos de assistência à saúde não é um tema pacificado, para compreensão com clareza, de ambos os posicionamentos, não se pode perder de vista o contexto do códex como também seu intuito de atuação.
Com o crescimento elevado das sociedades e com a grande expansão de produção e comércio de bens, alargou-se também a oferta desarrozoada e a propaganda massificada, com o intuito único de fazer com que o consumidor adquira bens e produtos que nem sem sempre são necessários.
Ocorreu uma inversão de papéis nas relações de consumo. O consumidor que, tradicionalmente, possuía maior margem de negociabilidade podendo, eventualmente, impor ou procurar melhores condições para a aquisição dos produtos e serviços desejados, passou a ser vulnerável, na medida em que o fornecedor passou a impor condições e restrições ao consumidor.
Como aponta Melisa Cunha Pimenta:
“Na verdade, foi o próprio desenvolvimento das relações de consumo que influenciou uma tomada de consciência, no sentido de que seria necessária uma proteção efetiva ao consumidor, que se encontrava em situação de desamparo, desprotegido em termos educacionais e informativos, necessitando de uma resposta legal protetiva”[9].
O consumidor, nos termos legais, é todo aquele que adquire/consome produtos ou serviços como destinatário final, sendo também expressamente configurada como relação de fornecimento de serviço a relação securitária (aplicando-se aos seguros-saúde), configurando-se como fornecedor o ente que atual nesta qualidade. Nos termos dos artigos 2 e 3, §2, do referido diploma legal.
Mesmo assim, ainda existe posicionamento respeitável, ilustrado por Ricardo Bechara Barreto, onde aponta que “o segurado não pode receber o rótulo de consumidor hipossuficiente, não só pela clareza das cláusulas, como também porque é, não raro, orientado por uma nobre e eficiente categoria profissional, a dos Corretores de Seguros”[10].
No caso específico das relações de plano de saúde, tem-se o entendimento, consolidado através da súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça, de que é atraída a incidência da proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Não obstante a certeza das ponderações acima, a incidência é indubitável nos casos de seguros-saúde individuais, visto que a relação entre as partes é, verdadeiramente, de consumo, devendo ser resguardada já que, neste caso, a fornecedora encontra-se em superioridade com relação ao consumidor.
Mas a análise desta quando temos em mente as relações que envolvem contratos assistência à saúde coletivos ainda geram discussões doutrinárias e jurisprudencial.
Como aponta Claudia Lima Marques:
“Mister destacar que não é a figura dos operadores ou fornecedores que une os campos de aplicação do CDC e da lei especial – o que as une é a figura do consumidor-usuário ou beneficiário de um plano privado de assistência à saúde, remunerado por ele diretamente, por seu empregador ou pelo contratante principal dos planos coletivos e/ou familiares ou individuais. Como não há contrato de plano de assistência privada à saúde não remunerado (art. 3.º, § 2.º, do CDC), todos são remunerados por algum agente do mercado, os beneficiários, destinatários finais, os contratantes e as pessoas jurídicas, que se expõem ou intervêm nessas relações de consumo como representantes ou em benefício de seus empregados, associados ou sindicalizados, e acabam todos por ser considerados consumidores, segundo o CDC”[11].
Entretanto, em que se pese o respeitável entendimento, quanto a equiparação da empresa que intervêm nas relações como representantes ou em benefício de seus empregados tal questão deve ser analisada com maior cuidado, sob pena de distorção da norma.
Não se pode fugir da intensão normativa. A tomada de posição pelo legislador na elaboração do Código de Defesa do Consumidor, não é necessariamente a proteção exacerbada do consumidor elevando-o na relação de consumo para que este seja esteja em um polo de superioridade frente ao fornecedor. O valor resguardado é o equilíbrio contratual nas relações consumeristas, de modo que nem consumidor nem fornecedor possa se sobressair na relação, para que ambas as posições possam negociar livremente seus interesses.
A relação em contratos de assistência à saúde coletivos é uma relação complexa entre partes. Posto que a relação entre a estipulante e a seguradora/operadora, na realidade, não pode ser destacada como uma relação protegida pela lei consumerista, já que entre as partes existe uma livre negociação com verdadeira paridade de armas. Enquanto que a relação entre a estipulante e o segurado pode e deve ser tida como relação de consumo.
Caso fosse protegida também a relação entre duas pessoas jurídicas ter-se-ia o desequilíbrio entre as partes e, consequentemente, necessário seria elaboração de um códex protetivo para o fornecedor.
A influência do Código de Defesa do Consumidor, nestas relações entre pessoas jurídicas, apenas é aceitável quando, mesmo não sendo consumidora final do produto (levando-se em consideração as principais teorias quanto a incidência do Código de Defesa do Consumidor, sendo: finalista e maximalista), resta evidente a hipossuficiência da pessoa jurídica.
Novamente, Melisa Cunha Pimenta esclarece que:
“As pessoas jurídicas, no mais das vezes, são dotadas de amparo jurídico, de modo a não justificar o tratamento desigual e protecionista conferido pelo Código de Defesa do Consumidor, de forma que a aplicação de tal norma somente se fará necessária quando se verificar a desigualdade entre os contratantes”[12].
Mesmo em casos onde se tem a contratação entre pessoa jurídica, hipossuficiente na relação, e grandes seguradoras/operadoras deve se ter em mente que a proteção legal ao caso seria a exceção apenas incidindo quando extremamente necessária. No mais das vezes, a relação entre pessoas jurídicas (estipulante e seguradora/operadora) não atrairá qualquer proteção do Código de Defesa do Consumidor.
5 O Direito à informação do consumidor e sua implicância nos reajustes anuais de contratos de assistência à saúde coletivos.
Diante das pontuações feitas até o momento é possível afirmar, sem qualquer dúvida, que os contratos de assistência à saúde, sejam seguros ou planos, merecem a proteção do Código de Defesa do Consumidor apenas quando estivermos verificando a relação entre seguradora/operadora e destinatário final.
Ainda, esclarecidas as questões quanto aos reajustes aplicados aos contratos, é necessário o embate entre os reajustes anuais e o direito à informação consubstanciado no código protetivo consumerista.
Conforme já salientado, é quase impossível a adoção de índice pré-fixados de reajustes anuais nos contratos de assistência à saúde, entretanto, não significa também que não exista qualquer regulação quanto ao tema. Na realidade a Agência Nacional de Saúde Suplementar, por meio de suas resoluções e baseando-se no artigo 16, XI da lei nº 9.656/98, determina que no contrato entabulado esteja descrito qual o índice a ser utilizado, ou percentual fixo, ou ainda a fórmula de cálculo, este último, pelas questões mencionadas, é o comum aos contratos.
Ressalta-se que o reajuste aplicado deve ser comunicado ao consumidor, indicando ainda os fatores que levaram a tal reajustamento, conforme determinação da agência reguladora.
Entretanto, é crescente a irresignação dos consumidores, principalmente em disputas judiciais, quando se deparam com a informação do percentual de reajuste anual aplicado, de modo que não são incomuns decisões valendo-se da norma-principio descrita no Código de Defesa do consumidor como direito à informação, rechaçando os reajustes aplicados anualmente em contratos coletivos de assistência à saúde.
O direito à informação do consumidor, garantido nos artigos 4, caput e 6º, III do Código de Defesa do Consumidor é uma consequência da ausência de liberdade contratual entre as partes. Considerando-se contrato de adesão, o aderente tem pouco, ou nenhuma, possibilidade de discussão de cláusulas contratuais, daí a necessidade de informações claras e objetivas por parte do contratado. Trata-se de decorrência do dever de boa-fé contratual entre as partes.
Em decorrência deste direito à informação, consolidou-se na doutrina e jurisprudência o dever de esclarecimento. Paulo R. Roque A. Khouri esclarece sobre o tema:
“Pode-se dizer que esse dever de esclarecimento foi outorgado em favor do consumidor no CDC? Ainda que a lei brasileira não fale expressamente de um dever de esclarecimento, é possível constatar que a jurisprudência vai caminhando no sentido de garantir ao consumidor, por conta de sua vulnerabilidade, sobretudo, técnica, um direito ao esclarecimento como decorrência do direito à informação”[13].
O consumidor, neste contexto, possui uma dupla proteção quanto a informação, no momento da formalização do contrato e, ainda, durante a sua execução.
Conforme ensina Claudia Lima Marques, quanto a consequência da não observância de tal dever:
“Se esta é a regra, por vezes a jurisprudência tem preferido “retirar” tais cláusulas contrárias à transparência – agora obrigatórias nas relações de consumo (art. 4.º caput) -, cláusulas que violam os direitos específicos de informação do consumidor (art. 54, § 3.º), e consequentemente violam a boa-fé (art. 51, IV), declarando-as nulas e ineficazes nestas relações. No sistema do CDC, os dois caminhos são possíveis: interpretação do art. 47 ou nulidade das cláusulas, ex vi art. 51, IV”[14].
Existem dois caminhos possíveis, quando for efetiva a desobediência do direito à informação e seus deveres correlatos: a declaração de nulidade da cláusula contratual (no caso específico, a cláusula de previsão de reajustamento anual); a interpretação favorável ao consumidor.
O confronto entre a determinação legal (direito à informação e seus deveres correlatos) e a realidade dos reajustamentos anuais de contratos coletivos de assistência à saúde (impossibilidade de adoção de índice fixo ou determinável por entidade externa) tende a ter prevalência a proteção do consumidor na relação.
Quanto ao caso, vale destacar aqui, por todos, os apontamentos de Josiane Araújo Gomes:
“Assim, são nulos os reajustes calculados de forma unilateral pela operadora, por meio de dados por ela própria informados, sem a existência de indicação prévia do índice de reajuste, pois referida situação desequilibra as forças do contrato e viola a paridade de tratamento entre as partes. Com efeito, o contrato que prevê, por exemplo, o reajuste das mensalidades sempre que a elevação dos preços interferir no custo dos serviços cobertos é, a toda evidência, potestativo, haja vista deixar ao arbítrio da operadora a verificação dos fatores que definem o ajuste. Destarte, é necessária a definição, no instrumento contratual, de forma clara e precisa, do índice de reajuste adequado para restabelecer o equilíbrio da relação de plano de saúde, o qual deve, pois, ser de aplicação específica no mercado de saúde suplementar – o que, atualmente, é fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em cumprimento ao disposto no art. 4º, XVII da Lei nº 9.961/00”[15].
É, sem sobra de dúvidas, o posicionamento com maior respaldo jurisprudencial. Todavia, mesmo diante das pontuações diversas indicadas, que representam o posicionamento majoritário, este não é o adotado neste trabalho.
Impor a seguradora/operadora a adoção de índices fixos previstos contratualmente para os reajustes anuais nos contratos coletivos é, simplesmente, desconsiderar os fatores que levam ao reajuste, tornando-se impossível. Do mesmo modo, deixar a cargo da Agência Nacional de Saúde Suplementar a elaboração de índice de reajuste anual destinado a contrato coletivos, faria com que tala uniformização de reajustes ignorasse as características de cada contrato (já indicado anteriormente, os reajustes dependem de condições de cada contrato). Talvez diante desta impossibilidade exista omissão da referida agência em fazê-lo de forma autônoma até mesmo nos contratos individuais, onde os reajustes dependem daqueles indicados para contratos coletivos.
Lembre-se, a ruína contratual no seguro/plano coletivo de assistência à saúde impõe prejuízos a uma coletividade. Não seria razoável, diante da necessidade de reajustamento, impor judicialmente que, para um consumidor em particular ou para grupos, a redução do reajustamento, podendo levar a quebra total do contrato. Como aduz Ricardo Bechara Santos:
“Até porque, nada mais preocupante para aqueles que procuram proteção no sistema de seguro, do que verem ameaçado de ruina o segurador de seus riscos. Nada mais inquietante do que perceber um segurado, que a transferência para o segurador do risco que individualmente não poderia suportar, seria inócua exatamente porque o gestor desse risco estaria ameaçado de quebra por deliberações ex gratia ou por imposições generosas dos intérpretes e julgadores, em indisfarçável desconsideração às cláusulas plasmadas cuidadosamente no contrato de seguro, assim firmado onerosa e bilateralmente”.[16]
No mais das vezes, deve-se considerar que a adoção de fórmulas em contratos para garantir o reajuste necessário não é, por si só, abusiva, muito menos inacessível ao homem médio.
Ora, não seria crível, portanto, impor obrigação impossível.
Leve-se em consideração também que os reajustamentos anuais nos contratos coletivos não são feitos de forma unilateral, mas sim diante de pessoa jurídica que figura como estipulante e negocia em favor do consumidor final.
6 Conclusões
Os contratos de assistência à saúde são contratos típicos da modernidade e que merecem atenção especial no campo jurídico. A atuação das operadoras/seguradoras no campo da saúde se dá mediante previsão Constitucional e, ainda, de forma suplementar ao Sistema Único de Saúde.
Durante o estudo, constatou-se as diferenças das modalidades contratuais dividindo-se em seguros e planos de saúde, mas ambas espécies do gênero contrato de assistência à saúde.
Por se tratarem de contratos de longa duração e com catividade onde dificilmente o consumidor deixar o grupo contratado, vez que com o tempo é provável a maior utilização, é necessário o reajustamento dos valores arcados, seja em virtude de alteração de faixa etária ou em decorrência de variação anual.
A variação anual depende de diversos fatores que são analisados contrato a contrato, o que impede, por si só, a aplicação indistinta de índices fixos ou ainda padronização para todos os contratos nacionais.
Mesmo diante do fato da doutrina pátria, em sua maioria, e a jurisprudência terem se firmado no sentido de que os contratos coletivos de assistência à saúde deveriam adotar índices previsíveis, para que o consumidor conheça qual será o reajuste futuro, é certo que tal questão mostra-se impossível na prática. Acontece que as variações decorrem de situações diversas e quase que imprevisíveis. Como saber quais os procedimentos que passarão a ser considerados obrigatórios? Como prever possibilidades de novas enfermidades? Como prever novas tecnologias médicas e os impactos financeiros destas? Como prever a sinistralidade do grupo, que se não afeta diretamente o reajuste ao menos o faz indiretamente?
São todas questões que não possuem resposta, de modo que a variação deverá ocorrer de acordo com a realidade fática.
Noutro norte, também será impossível impor a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a elaboração de índices anuais destinados aos contratos coletivos, o que é defendido doutrinariamente, ou ainda a imposição dos índices de reajustes anuais destinados aos contratos individuais nos contratos coletivos. A primeira hipótese ignoraria as características de cada contrato, a segunda hipótese é impossível tecnicamente, vez que o índice de reajustes anual de contratos individuais é estabelecido pela agência reguladora com base nos índices de reajustes coletivos do mesmo ano.
Embora perceba-se ser fácil a afirmação jurisprudencial ou doutrinária de que deve ser anulada a cláusula que preveja fórmula variável de reajuste ou interpretada em prol do consumidor final, é certo que parece-nos tanto quanto injustificável quando nos deparamos com as características fáticas desta modalidade contratual.
Mesmo diante do direito à informação do consumidor, ou seus deveres correlatos, é inegável também que a presunção de boa-fé contratual paira também sob as atitudes da fornecedora. Impõe-se, portanto, não a declaração de abusividade indistinta do índice de reajuste anual aplicado, mas, diante do reajuste específico aplicado, sendo este possivelmente exorbitante, a verificação da sua real necessidade.
Paira sobre a relação, a atuação de pessoa jurídica estipulante do contrato, que encontra-se no contrato visando negociação em prol do consumidor final (arcando com parte do valor ou não), pois tem interesse na manutenção do contrato com preço competitivo para a atração de mais consumidores.
Por qualquer ângulo que se verifique a questão, mostra-se exacerbada a imposição de índices de reajustes diversos daqueles aplicados pela operadora/seguradora no contrato de assistência à saúde coletivo. Ao menos sem a análise atuarial efetiva do contrato, não é possível informar se o reajuste foi além ou aquém do necessário para a manutenção do contrato.
Finalmente, pode-se concluir que o direito à informação do consumidor não encontra-se violado quando da elaboração do contrato na adoção de fórmula variável para o reajuste, e, ainda, quanto a execução contratual, a simples informação do reajuste que será aplicado e os motivos que o ensejaram é suficiente, vez que presumisse, também, a boa-fé da seguradora/operadora. De nada adiantaria verdadeira prestação de contas, indicando e comprovando cada uma das variações que levaram ao reajuste, para o consumidor posto que ainda assim poderiam ser questionados judicialmente cada um destes itens.
Apenas justifica-se a intervenção estatal caso resta comprovado o erro na variação anual.
[1] CORDEIRO. António Menezes. Direito dos seguros. 2ª ED. Coimbra: Almedina. .2016. p 34.
[2] Vide JOURDAN, Maria Leonor Batista. Dos contratos de seguro-saúde no Brasil. Revista de Informação Legislativa 180. P 415 e ss., abr-jun. 1993.
[3] SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos. 4ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p 45
[4] BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de seguro: o seguro garantia de obrigações contratuais. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2006, p 156.
[5] SCHMITT, Cristiano Heineck. Dever de cuidado, consumidores hipervulneráveis e contratos de plano e de seguro de saúde. In: MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica (Coords.). Direito dos Seguros fundamentos de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014. p 258.
[6] SILVA, Ivan de Oliveira. Curso de Direito do Seguro. São Paulo: Saraiva. 2008. p 21.
[7] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Seguros e Planos de assistência à saúde: risco, solidariedade e os direitos do consumidor. In: MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica (Coords.). Direito dos Seguros fundamentos de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014. p 187-188.
[8] GOMES, Josiane Araújo. Contratos de planos de saúde. Leme (SP): JH Mizuno, 2016. P 272-273.
[9] PIMENTA, Melisa Cunha. Seguro de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas S/A, 2010. P 79.
[10] SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos. 4ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002. P 42
[11] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor o novo regime das relações contratuais. 8ª ED. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p 555.
[12] PIMENTA, Melisa Cunha. Seguro de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas S/A, 2010. p 90.
[13] KHOURI, Paulo R. Roque A. O Direito à Informação e o contrato de seguro. In: MIRAGEM, Bruno; CARLINI, Angélica (Coords.). Direito dos Seguros fundamentos de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014. p 139.
[14] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor o novo regime das relações contratuais. 8ª ED. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p 1257.
[15] GOMES, Josiane Araújo. Contratos de planos de saúde. Leme (SP): JH Mizuno, 2016. p 267-268.
[16]SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no cotidiano: coletânea de ensaios jurídicos. 4ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p 43.