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Regras do cumprimento da pena

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28/05/2018 às 13:45
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XIV – O HABEAS CORPUS SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Releva dizer, que o remédio Habeas Corpus é previsto em nossa Constituição Federal de 1988, no Título III, Dos Direitos e Garantias Fundamentais e em seu Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, com sua inscrição no Artigo 5º, inciso LXVIII da Carta Fundamental Brasileira, infra:

“Art. 5º. (...)”.

“(...)”.

“LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Por outro lado, infraconstitucionalmente, o habeas corpus textualmente é tipificado nos artigos 64 usque 66 do Decreto-lei nº 3689/41 – Código de Processo Penal (CPP) e através do artigo 23 da Lei nº 8.038/90, que ratifica a aplicabilidade dispositiva do CPP, no que tange à competência ratione materiae no Superior Tribunal de Justiça. Ademais, além dos dispositivos legais já mencionados, há também os Regimentos Internos do Poder Legislativo, que preconizam normas de cunho processual e que devem ser acatadas e, inclusive a normatização em torno da matéria do Poder Judiciário, mediante normas regimentais dos Tribunais Superiores, na apresentação de Súmulas relativas ao Habeas Corpus.


DAS ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS

Perante a Constituição Federal vigente, há duas espécies de Habeas Corpus, a saber:

  1. Habeas Corpus Liberatório ou Repressivo, cujo esteio é excluir a sujeição ilegal à liberdade de locomoção já presente, objetivando suprimir o constrangimento ou coação dirigida à pessoa que se encontra presa por ilegalidade ou abuso de poder. Nesse sentido, quando ajuizado o writ, há expedição de um alvará de soltura e o paciente preso é posto em liberdade.
  2. Habeas Corpus Preventivo ou Suspensivo, diferentemente do Liberatório, inexiste ameaça atual e concretizada contra a liberdade de locomoção do paciente, há, no entanto, uma posição iminente do paciente vir a sofrer certa violência ou coação na sua liberdade de ir e vir, em face de ilegalidade ou abuso de poder. Assim, nos mesmos moldes da primeira espécie de HC, Será ministrado o remédio eficaz, expedindo-se um salvo-conduto, impedindo, assim, do paciente ser privado de sua liberdade, diante do substrato fático que deu azo ao julgamento do Habeas Corpus preventivo pela autoridade judicial competente.


DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM

No que concerne a legitimidade para figurar como partes vinculantes no procedimento processual do Habeas Corpus estão prevista no artigo 654, caput, do CPP, em se tratando de legitimidade ativa, nos termos seguintes:

“Art. 654. O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”.

Quanto à legitimidade passiva, a sua previsão está inserida no Artigo 5º, inciso LXVIII, in fine, da Carta Magna de 1988, quando no seu texto legal reza sobre a violência ou a coação pode ocorrer “por ilegalidade ou abuso de poder”.

Nessa inteligência, faz-se necessário um melhor exame separadamente das partes no procedimento de Habeas Corpus, senão vejamos:

  • Legitimidade Ativa: Qualquer pessoa pode impetrar o Habeas Corpus, independentemente de sexo, idade, estado mental, nacionalidade, profissão, tampouco conhecimento específico. Não se exige capacidade alguma de alguém para ingressar em juízo, tampouco capacidade postulatória, inclusive o remédio pode ser interposto por analfabeto, desde que alguém a rogo assine por ele. Ademais, pode ser ajuizado por terceiros sem procuração, inclusive por pessoa jurídica. Porém, no caso da pessoa jurídica, a sua participação alcança apenas o ato de impetrar o remédio constitucional, sendo-lhe proibida a sua participação como beneficiária do mandamus, diante da inexistência de liberdade ambulatorial, ou seja, de ter liberdade de ir, vir ou permanecer.

Ademais, nos termos do artigo 654, § 2º, do CPP, o writ pode ser concedido, de ofício, pelos juízes e pelos tribunais, quando na tramitação de qualquer procedimento judicial for observado que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. Por outra monta, na hipótese do juiz estar no polo ativo (paciente), fica ele impossibilitado de impetrar o remédio, uma vez que a condição postulatória é estranha a sua função jurisdicional. (Tourinho Filho, 1997, p. 526).

No que diz respeito à atuação do representante do Ministério Público, o artigo 654, caput, do CPP oferece a autorização de impetrar o remédio, mas tão somente nas atribuições de suas funções, mormente no reza o artigo 127, caput, da Carta Fundamental de 1988 e, ainda, a previsão do artigo 32 da Lei nº 8.625/93, que dispõe sobre a Lei Orgânica do Ministério Público. Ademais, excluídas tais legislações, o Parquet pode atuar se beneficiado da expressão literal “qualquer pessoa”.

  • Legitimidade Passiva: Esta pode ser dominada pela autoridade pública ou mesmo pelo particular. A autoridade pública pode ser a judicial, policial e até o representante do Ministério Público. Quanto ao particular, este será de forma encarado, enquanto fora de suas atribuições funcionais ou legais. Ademais, este na condição de coator denota haver agido contra a lei, enquanto que a autoridade pública, mediante a prática de ilegalidade ou abuso de poder.


DO CABIMENTO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL

Quanto às probabilidades de cabimento do Habeas Corpus, essas estão previstas no artigo 648 do CPP. Porém essa relação não é taxativa, mas apenas exemplificativa, haja vista a existência de outros casos não acolhidos pela legislação infraconstitucional precitada, embora estejam respaldadas.

Assim, nos termos do dispositivo legal precitado, as hipóteses de cabimento do Habeas Corpus são:

I - quando não houver justa causa.

Trata-se da carência do fumus boni juris (fumaça do bom direito) para a decretação da prisão, instauração do inquérito policial ou da ação penal, inclusive de quaisquer outros constrangimentos à liberdade de locomoção. Portanto, aqui não se trata de perquirir se a coação é justa ou injusta, o que só é decidido na prolação da sentença, após regular instrução, mas se o constrangimento é ou não legal.

No que concerne ao ingresso do remédio objetivando trancar o inquérito policial, em regra, este não é o meio correto de trancamento, uma vez que este procedimento inquisitório, para a sua instauração, necessário se faz apenas a existência de elementos indicativos da ocorrência fática que, em tese, configura o ilícito penal e indícios de autoria do cometimento do fato típico e antijurídico. Assim, se os fatos configuram crime em tese, o inquérito policial não poderá ser trancado por falta de justa causa. Ademais, a jurisprudencial já decidiu que o mero indiciamento em inquérito policial, por se tratar de figura desprovida de consequência jurídica, uma vez que não há previsibilidade no ordenamento jurídico como ato processual formal, não há que se falar em constrangimento ilegal passível de reparação mediante Habeas Corpus, também é insusceptível de interferir no direito de locomoção. Destarte, para que ocorra o deferimento do pedido com fundamento na falta de justa causa, necessária se faz que essa falta resulte axiomática, incontroversa e cristalina sem ensejar exame aprofundado e de mérito da prova. Por conseguinte, observa-se que o trancamento de inquérito policial está representado como uma medida excepcional, razão pela qual só é cabível o seu trancamento, quando presente a indiscutível atipicidade do fato apurado ou a comprovada impossibilidade do indiciado ser o autor do delito. Destarte, existindo a atribuição fática de uma conduta que, em tese, não está tipificada como crime, certamente haverá constrangimento ilegal na instauração do inquérito policial, cujo ato é sanável mediante o ajuizamento do writ.

O mesmo entendimento se verifica, quanto ao procedimento da ação penal, para justificar o ajuizamento do Habeas Corpus por falta de justa causa, quando evidente a ilegalidade pela atipicidade do fato ou pela carência de qualquer elemento indiciário para fundamentar a acusação.

Ademais, prevalece à falta da justa causa, em tese, até com a sentença transitada em julgado, sendo esta passível de ser rescindida por via de Habeas Corpus, nas hipóteses da comprovada nulidade absoluta ou na presença da atipicidade do fato considerado como delituoso. Por outro lado não há cabimento do ajuizamento do Habeas Corpus, quando este exige o reexame das provas indiciárias.

Vale, ainda, ressaltar que a presença do erro de direito na aplicação da sanção, em prejuízo do réu, configura a falta parcial de justa causa para a condenação do réu, sendo cabível o ajuizamento do Habeas Corpus, visando a consequente correção do erro judicial. Este é o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, no HC 75.707-5, publicado no DJU de 1º/08/1997, pág. 33.467.

II – quando alguém estiver preso por mais tempo que a lei determina.

É cediço que a lei fixa prazos para todos os procedimentos sejam eles nas esferas policial e judicial, concernentes à finalização do inquérito policial e nas tramitações processuais. Assim sendo, na hipótese do indiciado estiver preso ou o réu recolhido em penitenciária, haverá constrangimento ilegal quando a sua permanência ultrapassar o lapso temporal previsto no ordenamento jurídico. Assim sendo, estando o indiciado preso e o inquérito policial concluído não tenha sido encaminhado à justiça no prazo de 10 (dez) dias, ou deixado de oferecer a denúncia ou queixa no prazo de 5 (cinco) dias, certamente haverá coação ilegal, sanável mediante a impetração do Habeas Corpus.

No pertinente a ação penal, a lei impõe prazos para as tramitações dos atos processuais. Porém a jurisprudência é praticamente uníssona, apregoando que a ilegalidade só se configura com relação ao processo comum, desde que ultrapasse o prazo máximo de 81 (oitenta e um) dias, para a o encerramento do processo de rito ordinário. Contudo, é sabido que tais prazos, em nossa justiça, não são obedecidos com o rigor que bem merecem, necessitando, pois, da atuação mais rigorosa das corregedorias judiciais.

No que concerne aos outros ritos processuais, os prazo são diversificados quanto aos seus encerramentos, a exemplo do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins, cujos prazos são contados em dobros. E, no caso de delito perpetrado por organização criminoso, o prazo máximo de prisão processual era de 180 dias, passando a contagem para 81 dias, nos termos do artigo 8ª da Lei n. 9.034/95, com redação dada pelo artigo 1º, da Lei n. 9.303/96. Assim, os prazos não são contados separadamente, mas integralmente, não sendo cabível a imposição do cometimento da coação ilegal, caso não seja reconhecido o lapso total previsto.

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Por outro lado, também não há que se falar em ilegalidade de coação, mesmo sendo ultrapassado o aludido prazo, desde que a instrução probatória tenha encerrada; quer o processo esteja na fase de alegações finais (CPP, art. 500); quer esteja na fase de diligências (CPP, art. 499), conforme dispõe a Súmula n. 52 do STJ, infra:

“Encerrada a instrução criminal fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.

Por outra monta, há o entendimento jurisprudencial pacífico de que não há constrangimento ilegal na hipótese do excesso de prazo para o encerramento de processo ser justificado, em face da ocorrência de incidentes processuais não provocados pela autoridade judiciária, assim como nas ocorrências de diligências complexas.

Por fim, não pode ser reconhecido o excesso de prazo para a incidência do constrangimento ilegal, quando provocado pela própria defesa em seu benefício (réu ou defensor), conforme prevê a Súmula n. 64 do STJ, abaixo:

“Impetrado o habeas corpus por excesso de prazo na instrução e prolatada a sentença antes do julgamento do mandamus, deve o pedido ser julgado prejudicado”.

No que concerne ao processo relativo a crime de competência do Tribunal do Júri, segundo o teor da Súmula n.21 do STJ, havendo pronúncia do réu, fica superada a alegação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.

III – Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo.

Assim sendo, excluindo-se a hipótese do flagrante delito, a determinação da prisão somente ocorrer por despacho fundamentado da autoridade judiciária competente, salvante as hipóteses de transgressão ou de crime militar, que pode haver a utilização do Habeas Corpus, na hipótese de incompetência da autoridade que determinou a prisão de militar.

Ademais, o constrangimento ilegal pode, também, configurar-se diante da carência de competências ratione loci (em razão do local), ratione materiae (em razão da matéria) ou ratione personae (em razão de prerrogativa de função). Nos mesmos moldes quanto à prisão civil.

IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação.

Trata-se, neste caso, da presença da coação ilegal quando houver cessado o motivo que autorizou a coação, ou seja, o motivo da prisão deixou de produzir efeito, contudo o paciente permanece preso. Ademais, a coação ilegal permanece também nas hipóteses do réu já haver cumprido a pena; pela anulação do auto de prisão em flagrante; pelo relaxamento da prisão; pela impronúncia ou absolvição, e pela concessão do sursis ou do livramento condicional, além de outras motivações cabíveis.

V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que lei autoriza.

Vale dizer, que o referido preceito autorizador está previsto no inciso LXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, como também nos artigos 323 (que trata da não concessão da fiança), 324 (também da não concessão da fiança) e 335 (trata da recusa ou demora da autoridade policial em conceder a fiança do preso), todos do CPP.

VI – quando o processo for manifestamente nulo.

Neste caso, a nulidade processual pode resultar de qualquer motivação ilegal, como a carência de condição de procedibilidade; da ilegitimidade da parte; da incompetência do juízo; da falta de citação e de outras causas. Assim sendo, essa nulidade pode ser reconhecida ainda que o processo esteja em tramitação ou até após o trânsito em julgado da sentença condenatória, trazendo, em consequência, a anulabilidade total ou parcial do processo judicial. Contudo, necessário se faz que a nulidade seja manifesta, pois, ao revés o meio cabível para reconhecer o ato nulo é o recurso de apelação ou a revisão criminal. Por conseguinte, em todos esses casos em que redundou a anulabilidade manifesta do processo judicial estão presentes o constrangimento ilegal.

VII – quando extinta a punibilidade.

Trata-se, este caso, de qualquer das causas de extinção de punibilidade previstas no artigo 107 do CP, embora outras causas estejam previstas, como in caso do artigo 312, § 2º (reparação do dano no peculato culposo) e nos artigos 236 e 240 (morte da vítima), todos do Código Penal. Portanto, haverá constrangimento ilegal diante das causas precitadas, conforme prevê o artigo 107 e seus incisos, abaixo:

I – pela morte do agente;

II – pela anistia, graça ou indulto;

III – pela retroatividade de lei que não mais considera como fato criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005);

VIII – (Revoado pela Lei nº 11.106, de 2005).

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA NETO, Jacinto. Regras do cumprimento da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5444, 28 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65183. Acesso em: 19 abr. 2024.

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