Capa da publicação Aposentadoria compulsória dos magistrados: sanção ou alento aos corruptíveis?
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Da garantia constitucional da vitaliciedade:

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13/07/2020 às 18:30
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1 Introdução

 O presente artigo tem como objetivo analisar a garantia constitucional da vitaliciedade, prevista no artigo 95, inciso I, da Constituição Federal da República de 1988. Ao longo do tema a ser pesquisado, serão analisados todos os dispositivos legais atinentes à matéria, especificamente a Lei Complementar (LC) 35, de 1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), que trata das formas processuais e penalidades aplicadas aos magistrados e membros do Ministério Público, observando de forma objetiva e explorando, concisamente, todas as sanções inerentes aos primeiros.

O instituto da aposentadoria compulsória, ou seja, a sanção punitiva máxima a ser impetrada a um magistrado, que, nos moldes atuais, tem, de certa forma, sido ineficaz frente aos crescentes casos de corrupção existentes no Poder Judiciário, faz com que seja necessário analisar o rol de sanções previsto no artigo 42 da LC número 35, de 1979, ficando claro o caráter beneficiário do mencionado instituto.

A fim de sanar o problema encontrado, no que se refere ao instituto da aposentadoria compulsória, será sugerido, como meio de resolução, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 58, de 2019, que visa à aplicação de uma sanção mais severa, se comparada com o dispositivo legal vigente, implementando no ordenamento jurídico o aumento do tempo para alcance da vitaliciedade, a possibilidade de demissão de magistrados, e outras alterações que serão abordadas ao longo do presente estudo. 


2 Do ingresso na carreira da magistratura

  Para começar, é necessário entender como se dá o ingresso no Poder Judiciário, especificamente na carreira da magistratura. Nesse ponto, destaca-se, segundo o edital 01/2018 (TJMG 2018)[1], que aquele que almeja a atividade citada, primeiramente, como requisito básico, deve frequentar e lograr êxito na formação em um curso superior em Direito, reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Após a formação, o candidato deve comprovar sua atuação na área jurídica por um prazo mínimo de três anos, sendo que a resolução número 40 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) elenca o rol de situações que são consideradas atividades jurídicas, considerando que havia, na doutrina, divergência sobre o conceito de atividade jurídica, sendo para os doutrinadores um conceito bastante extensivo.

O caminho teoricamente mais fácil é atuar como advogado, que tem como requisito obrigatório estar inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), após ser aprovado no “Exame de Ordem”. Conforme citado, uma pessoa somente poderá ingressar na carreira através de concurso público, visto que o artigo 93, inciso I, da Constituição Federal da República de 1988 aduz: 

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - Ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação. (BRASIL, 1988). 

O concurso público da magistratura é um procedimento administrativo previsto em lei, dotado de provas orais e escritas, que testa o candidato a um alto nível de conhecimento, visto que é exigida a instrução em várias áreas do Direito, além do conhecimento de boa parte da doutrina e jurisprudências atuais. Para Carvalho Filho (2017), procedimento administrativo é:

a sequência de atividades da Administração, interligadas entre si, que visa a alcançar determinado efeito final previsto em lei. Trata-se, pois, de atividade contínua, não instantânea, em que os atos e operações se colocam em ordenada sucessão com a proposta de chegar-se a um fim predeterminado. (CARVALHO FILHO, 2017, p. 155). 

Neste contexto, segundo o site LFG (2018)[2], após cumprimento dos requisitos necessários que foram elencados, o candidato já está apto para ser submetido ao concurso público e, caso alcance êxito na aprovação do certame, deverá frequentar a Escola da Magistratura, onde aprenderá a rotina e toda a técnica da profissão a ser desempenhada juntamente com o juiz titular da comarca. Atuando, portanto, como juiz substituto em comarcas menores para adquirir experiência e qualidade na análise do direito das partes.

Diante do exposto, ressalta Martins Filho (2016) que o ingresso na carreira da magistratura é um caminho longo, pois exige do candidato uma formação sólida e um amplo conhecimento, mas, quando se tem uma boa preparação, a aprovação no certame público se torna otimizada, tendo em vista que há grande concorrência de pessoas que almejam o cargo de juiz.

3 Da vitaliciedade e as penalidades da Lei Complementar nº 35 de 1979 (Lei da Magistratura Nacional)                                                  

Para enfatizar o que se propõe a ser discutido, primeiro deve-se abordar a origem da expressão vitaliciedade. Segundo Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2015) vitaliciedade é:

[...] 2 – JURIDÍCO. Benefício garantido pela Constituição, concedido a funcionários públicos, civis e militares de carreira, que não permite o afastamento ou a demissão, assegurando-lhes essa condição até a idade prevista para a aposentadoria.

3- POR EXTENSÃO. Garantia estabelecida por qualquer empresa ou organização. (DICIONÁRIO MICHAELIS ONLINE)[3].

Analisando a doutrina favorável à defesa da aplicação da garantia constitucional disposta no artigo 95, inciso I, da Constituição Federal da República de 1988, que se refere à vitaliciedade, Moraes (2017) diz que garantir a aplicação do mencionado instituto é efetivar a proteção do livre exercício do Direito e a liberdade de atuação para os magistrados, que devem atuar impreterivelmente nos termos da lei, afastando, assim, opiniões e influências que possam, de alguma forma, refletir no conteúdo de suas decisões. Logo, formalizando o entendimento positivo quanto à garantia constitucional da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, se faz necessário analisar uma passagem da nota técnica nº 12, 2010, que expressa os seguintes termos:

Longe de constituir privilégio pessoal, as garantias atualmente asseguradas no artigo 95, I, da Constituição Brasileira (vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios) significam prerrogativa da instituição judiciária, visando assegurar ao magistrado a autonomia no exercício de sua atividade. (CNJ, 2010. NOTA TÉCNICA N° 12, p. 03).

No mesmo sentido, a fim de confirmar o posicionamento de independência e autonomia no exercício da magistratura e do Poder Judiciário, Barroso (2018) fala sobre as garantias constitucionais citadas:

No modelo idealizado, o Direito é imune às influências da política, por força de diferentes institutos e mecanismos. Basicamente, eles consistiriam: na independência do Judiciário e na vinculação do juiz ao sistema jurídico. A independência se manifesta, como assinalado, em garantias institucionais – como a autonomia administrativa e financeira – e garantias funcionais dos juízes, como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios. (p. 465).

Sendo assim, verifica-se que o instituto da vitaliciedade é um dos benefícios de ordem constitucional inerente aos magistrados, além dos princípios da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios que estão apregoados no artigo 95, incisos I, II e III, da Constituição Federal da República, de 1988. Analisando os dispositivos mencionados, observa-se que a vitaliciedade somente poderá ser alcançada após dois anos de exercício da função. Portanto, períodos anteriores ao alcance da vitaliciedade permitem a hipótese da perda de cargo. Para justificar a perda de cargo do magistrado que se encontra em processo de “vitaliciamento”, é necessário observar o disposto no seguinte Procedimento de Controle Administrativo: 0004102-07.2014.2.00.0000:

A garantia da vitaliciedade, antes de ocupar finalidade corporativa, traz como destinatária a própria sociedade, assegurando-lhe acesso a um corpo de juízes aptos a exercer a jurisdição de forma técnica e independente, porque não temem a perda abrupta do cargo, quaisquer que sejam as decisões que profiram em todos os processos. Portanto, a vitaliciedade é considerada pelo sistema constitucional brasileiro como uma das condições fundamentais para o exercício da função de julgar. E também serve à Administração Pública, que deve aferir, ao longo do período de 02 (dois) anos, a capacidade do magistrado em judicar. (CNJ, 2018).

A perda de cargo, após alcance da vitaliciedade, é um assunto polêmico e muito discutido pela sociedade e membros do Poder Judiciário, pois há posicionamentos prós e contras a aplicação da mencionada garantia constitucional, visto que tal instituto visa a garantir a autonomia do magistrado para proferir uma decisão judicial imparcial, não eivada de opiniões e influências públicas.

Passando a analisar a doutrina desfavorável, Martins Filho (2016) aponta como ponto negativo, no que se refere à aplicação do princípio da vitaliciedade, a impossibilidade de demissão de um magistrado que, após alcance da vitaliciedade, atue fora dos parâmetros e vá de encontro ao que dispõe a lei. Faz-se necessário observar o seguinte trecho:

Não se deve usar a vitaliciedade como forma de impedir a punição de magistrados que abusam do poder ao cometerem graves infrações. Se utilizada dessa forma, há um reflexo negativo que pesa sobre a instituição. As arbitrariedades praticadas pelos magistrados seriam amparadas, ferindo a credibilidade do próprio Judiciário. Para alguns, todavia, a prerrogativa que garantiria o livre julgamento ao juiz serve para conferir ao infrator impunidade. Nesse ponto, há o debate quanto à garantia da vitaliciedade ser conferida ao cargo ou à pessoa do magistrado. (REVISTA DIREITO DIÁRIO, 2016)[4].

Diante disso, urge a polêmica a ser enfrentada: observa-se, na legislação em vigor, que a lei que se destina à punição dos magistrados tem como sanção punitiva máxima a aposentadoria compulsória. É fundamental, portanto, abordar cada uma dessas punições inerentes aos magistrados, a fim de entender o conteúdo dessas penas disciplinares. Examinando o artigo 42, incisos I a VI, da Lei Complementar nº 35, de 1979, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, vê-se todas as penalidades que um magistrado poderá sofrer antes ou após alcance da vitaliciedade, são elas: 

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Art. 42 - São penas disciplinares:

I - Advertência;

II - Censura;

III - Remoção compulsória;

IV - Disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

V - Aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

VI - Demissão.

Parágrafo único - As penas de advertência e de censura somente são aplicáveis aos Juízes de primeira instância. (BRASIL, 1979). 

Verificando o inciso I do referido artigo, é mencionada a hipótese de aplicação da pena disciplinar de advertência. Segundo o blog CEJUR (2018)[5], consiste na penalidade mais branda a ser sofrida pelo magistrado. A advertência somente será aplicada nos casos em que os juízes, quando no exercício da sua função, agirem de forma omissiva no cumprimento de deveres aos quais o cargo é submetido. Trata-se de uma sanção de natureza administrativa e é importante ressaltar que a advertência somente poderá ser aplicada aos juízes de primeira instância.

Passando a explorar o inciso II, temos a pena disciplinar de censura, quando o magistrado, no exercício da função, atua de forma omissa e negligente no cumprimento dos deveres inerentes ao cargo, descumprindo o que lhe compete por reiteradas vezes. Assim como no caso da sanção anterior, a censura somente poderá ser aplicada aos juízes de primeira instância. Cabe salientar que o magistrado que sofre a censura não poderá ter o seu nome escrito na lista de promoção pelo prazo de um ano, tendo como marco inicial a data da sentença transitada em julgado.

Analisando o inciso III, vemos a sanção disciplinar de remoção compulsória, que se limita à remoção do magistrado de qualquer grau de jurisdição, em razão do interesse público. Ou seja, consiste na remoção do magistrado do órgão ao qual atua para outro órgão distinto, mediante votação secreta em que se deve obter quórum mínimo de dois terços dos seus membros efetivos.

No que se refere ao inciso IV, trata da disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou seja, é o afastamento do magistrado de suas funções, que deve ser determinada por órgão especial ao qual o magistrado está vinculado, tribunal ou até mesmo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mediante votação dos seus membros efetivos, que deverá contar com o quórum mínimo de votação de dois terços, baseado no interesse público. O magistrado que sofre a sanção da disponibilidade fica impedido de exercer a advocacia e ingressar no labor de funções públicas enquanto estiver submetido à penalização, onde recebe seus subsídios proporcionalmente ao tempo de serviço prestado. Importante destacar que o magistrado somente poderá pleitear seu retorno à função após dois anos, sendo que esse retorno não é garantido ao magistrado, cabendo ao tribunal julgar a demanda.

Já o inciso V, aborda a sanção disciplinar mais gravosa a ser impetrada aos magistrados.  O blog CEJUR (2018), analisando o instituto da aposentadoria compulsória, diz que essa sanção consiste no afastamento do juiz que alcançou a vitaliciedade de forma definitiva da função. Essa sanção punitiva máxima é alvo de grandes polêmicas e o assunto a ser debatido com mais ênfase nesta pesquisa, tendo em vista que ela é tida como um benefício e não como punição. Segundo Martins Filho (2016), é premiar o ladrão com uma polpuda aposentadoria, pois o magistrado vitalício que atua de forma não condizente a lei, tanto na esfera pública ou privada, após sentença judicial transitada em julgado, é afastado de sua função recebendo seus subsídios de forma proporcional ao tempo de serviço prestado, portanto, não ocorrendo a hipótese do instituto da demissão.

Finalizando o rol de penalidades previstas no artigo 42 da Lei Complementar nº 35, de 1979, Martins Filho (2016) ainda diz que temos a hipótese da demissão, que está prevista no inciso VI da referida lei. A demissão, todavia, consiste na possibilidade de aplicação aos magistrados que ainda não alcançaram a vitaliciedade, ou seja, aos magistrados temporários, nos casos de ocorrência de falta grave, ou nas hipóteses do artigo 56 da Lei Orgânica da Magistratura, que devem ser apurados por procedimento legal, assegurando a garantia constitucional do contraditório e ampla defesa. Cabe ressaltar que a aplicação do instituto da demissão somente é válida aos juízes não vitalícios, visto que o artigo 26 da lei mencionada não inclui a demissão dos demais magistrados, haja vista que o dispositivo foi vetado.

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Sobre o autor
David Coelho da Conceição

David Coelho é graduado em direito pela Faculdade de Minas FAMINAS- BH e pós graduando em Ciências Penais pela PUC- MINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, David Coelho. Da garantia constitucional da vitaliciedade:: uma análise crítica do instituto da aposentadoria compulsória frente aos casos de corrupção por magistrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6221, 13 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83803. Acesso em: 28 mar. 2024.

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