Capa da publicação Aposentadoria compulsória dos magistrados: sanção ou alento aos corruptíveis?
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Da garantia constitucional da vitaliciedade:

uma análise crítica do instituto da aposentadoria compulsória frente aos casos de corrupção por magistrados

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13/07/2020 às 18:30
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4 Da crítica ao instituto da aposentadoria compulsória

Perante o que foi exposto, ao analisar o atual cenário brasileiro, é possível concluir que os casos de violações e corrupção que envolvem o Poder Judiciário têm se tornado mais numerosos, e, consequentemente, mais graves. As punições sofridas pelos magistrados têm sido ineficazes, já que são voltadas, principalmente, para o âmbito administrativo apenas. Por essa razão, é necessário pensar e propor novas medidas voltadas à punição, diferentes do instituto da aposentadoria compulsória, por exemplo, a fim de sanar o problema, que envolve vários questionamentos e polêmicas. Tudo isso contribui para uma imagem de um Poder Judiciário fragilizado, onde se impera a máxima da impunidade, gerando descrença por parte da população no que se refere ao comportamento ético e moral dos magistrados.

Aproveitando o ensejo, pode-se mostrar como uma conduta que não se amolda aos valores éticos e morais reflete na imagem de um Poder Judiciário injusto. Vejamos o que diz o Procedimento Administrativo nº 42773/2013, relatado por Ênio Santarelli Zuliani (2014)[6]:

Isso porque cada juiz, seja da distante e pequena comarca do interior, ou desembargador do Tribunal, deverá cumprir suas funções por sentenças justas e oportunas e comportamento afinado com o valor social da moral e da ética pessoal, contribuindo, dessa forma, com a construção de uma consciência dinâmica que alimenta a força para intervir e compor as crises entre particulares e até subjugando outros Poderes do Estado Democrático de Direito. Uma falha, ainda que isolada, compromete essa corrente institucional e enfraquece o Poder Judiciário. (TJSP, p. 15).

 No mesmo sentido, a fim de concluir o raciocínio, aduz o relator que:

o Poder Judiciário depende da postura dos juízes e o grau de credibilidade mantido pela competência, presteza e rapidez das decisões, bem como pelo exemplo de probidade dos agentes e certas práticas infracionais revelam o perfil inconciliável. (TJSP, p. 20).

Conforme demostrado anteriormente, ao averiguar as penalidades previstas no artigo 40 e seguintes da Lei Complementar 35 de 1979, é possível observar que as sanções previstas no citado dispositivo são bastante brandas. Diante dessa afirmativa, não é difícil encontrar informações que relatam transgressões de magistrados, sejam elas na venda de uma sentença, atuação de forma arbitrária, julgamento tendencioso, desvios de recursos, entre outros. É possível, porquanto, constatar uma infinidade de lesões não só aos direitos das partes, mas também ao Estado Democrático de Direito, o que gera na população uma sensação de impunidade, no tocante à sanção disciplinar máxima a ser enfrentada por um magistrado. Nesse contexto, destaca Martins Filho (2016) que, mesmo o magistrado atuando de forma negativa, ainda sim faz jus ao benefício da integralidade salarial ou proporcionalmente ao tempo de serviço prestado, deixando de lado o caráter punitivo ao qual a norma se dispõe.

Um caso emblemático ocorreu em Minas Gerais, no ano de 2012, demonstrando o caráter beneficiário do instituto da aposentadoria compulsória. No caso, o desembargador Hélcio Valentim de Andrade Filho, lotado no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foi condenado por participar de um esquema de venda de Habeas Corpus a traficantes presos no Estado. O desembargador recebia pagamentos em dinheiro que chegavam à quantia de 180 mil reais, pagos a um intermediador e, depois, repassados ao desembargador, conforme investigação realizada pela Polícia Federal e informações fornecidas pelos integrantes da organização criminosa, que era composta por um advogado; um empresário, primo do senador Aécio Neves, e outras duas mulheres, que eram ligadas aos detentos que receberam o benefício do Habeas Corpus. Os crimes sempre ocorriam em dias de Plantão Judiciário do desembargador (SOUTO, 2012). Assim, ficou demonstrando o modus operandi da organização criminosa, visto que cada membro investigado possuía função específica, conforme exposto no trecho do procedimento 7.215/12 – ESBP, da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

Apurou-se, nos autos dos referidos inquéritos, que o Desembargador HÉLCIO VALENTIM DE ANDRADE FILHO associou-se, em quadrilha, ao comerciante TANCREDO ALADIM ROCHA TOLENTINO, vulgo “QUÊDO”, ao advogado WALQUIR AVELAR DA ROCHA JÚNIOR e à autônoma JAQUELINE JERÔNIMO SILVA, para mercadejar com a função judicante, praticando crimes de corrupção passiva qualificada e favorecendo, assim, delinquentes endinheirados, que afligiam a sociedade, com a reiterada perpetração de graves ilícitos penais. 1.2. Cada membro da quadrilha tinha uma função definida. Jaqueline se encarregava de recrutar os criminosos, levando-os a contratar Walquir, que atuava no patrocínio de suas defesas para conseguir libertá-los. Depois de constituído advogado, Walquir procurava Quedo, que tinha a função de conversar com o Desembargador Hélcio, para acertar o preço da venda da decisão que seria proferida. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2012)[7].

Após investigação da conduta praticada pelo desembargador, ele foi afastado do cargo e, posteriormente, foi aposentado compulsoriamente, conforme dispõe a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Em razão da corrupção praticada, ocorreu a hipótese do disposto no artigo 56, inciso II, da citada Lei Complementar, sendo o magistrado aposentado com proventos proporcionais ao tempo de serviço prestado, conforme elucida o procedimento de aposentadoria nº 911590 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

Trata-se de aposentadoria compulsória, por interesse público, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, de Hélcio Valentim de Andrade Filho, Matrícula 3426-4, CPF 581.332.406-20, no cargo de Desembargador, imposta com fundamento no art. 148, inciso V, da Lei Complementar Estadual nº 59/01, alterada pela Lei Complementar Estadual nº 105/08; nos arts. 42, inciso V, e 56, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) e no art. 7º da Resolução nº 135 do Conselho Nacional de Justiça, conforme ato publicado em 20/11/12. (TCE-MG, p. 1)[8]. 

No mesmo sentido, ao analisar o procedimento de aposentadoria do Desembargador Hélcio Valentim de Andrade Filho, percebe-se que ele se aposentou com um salário de R$19.875,79 (dezenove mil oitocentos e setenta e cinco reais e setenta e nove centavos):

Utilizando-se o método delineado na Consulta, se aplicarmos a proporcionalidade diretamente sobre a média obtida (R$27.802,21 –fl. 24), chegaremos ao valor de R$19.875,79, o qual não excede a última remuneração do magistrado (R$24.117,62 –fl. 17). Assim, o valor correto do provento inicial do aposentado seria R$19.875,79 e não R$17.241,69, conforme fixado pelo TJMG. (TCE-MG, p. 04).  

Ao examinar o conteúdo do que foi reportado, pode-se constatar que o dispositivo legal voltado para punição no âmbito administrativo inerente aos magistrados é, de certa forma, ineficaz, visto que a sanção disciplinar máxima se resulta na aposentadoria compulsória. Sendo assim, analisando o caso Hélcio Valentim, é aferida a natureza privilegiada do citado instituto, constituindo, sobremaneira, um benefício e não uma punição, considerando o alto salário recebido em detrimento da conduta que atentou contra os princípios éticos e morais.

Tendo em vista a conduta do desembargador e comparando informações prestadas pelo CNJ (2018), órgão máximo que possui competência para controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, além de outras atribuições elencadas no artigo 103-B, § 4° e seguintes, da Constituição Federal da República de 1988, vê-se que, de 2008 a 2018, ocorreram as aplicações de 87 (oitenta e sete) punições a magistrados e servidores públicos. Desse montante, 55 (cinquenta e cinco) perderam seus cargos e foram aposentados compulsoriamente, quando todo o procedimento de investigação para a aplicação da sanção punitiva máxima foi observado, ocorrendo o requisito elementar da sentença judicial transitada em julgado.

Ao verificar essa informação, observa-se que a aposentadoria compulsória foi a medida disciplinar mais aplicada desde a criação do CNJ, em 2008. Cinquenta e cinco magistrados que, no exercício de suas funções, atuaram de forma repulsiva no cometimento de ações ou omissões, contribuíram, sendo punidos brandamente, para a imagem de um Poder Judiciário corrupto. Sendo, sobremodo, beneficiados por um dispositivo legal defasado que, de certa forma, não possui caráter punitivo algum. Logo, alimentando toda a polêmica acerca do tema, que clama por modificações e encontra muitas barreiras, pois os verdadeiros alvos destas alterações não estão dispostos a perder um benefício de tamanha magnitude.


5 Da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 58 de 2019

 Com intuito de reforçar o que foi firmemente debatido até aqui, ou seja, as penalidades bonançosas para os magistrados, para elucidar melhor os questionamentos acerca da aposentadoria compulsória como medida punitiva máxima a ser sofrida por eles, faz-se necessário analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 58 de 2019, que tem como objetivo, justamente, sanar o problema encontrado, garantindo à legislação atual um caráter punitivo mais eficaz.

De autoria do senador mineiro Carlos Viana, a PEC 58 de 2019 tem como foco a extinção da sanção disciplinar da aposentadoria compulsória de magistrados e membros do Ministério Público; a criação da penalidade de demissão por interesse público; a limitação das férias concedidas anualmente ao patamar de 30 (trinta) dias e, por fim, o aumento do prazo para a aquisição da vitaliciedade para três anos de atuação (BRASIL, 2019). Desta forma, ainda estabelece que, para a efetivação da punição, deve ocorrer a hipótese da sentença judicial transitada em julgado, devendo ser analisada pelo CNJ, no que tange a aposentadoria compulsória, finalidade dessa pesquisa. O objetivo da referida emenda, como mencionado, é extinguir a adoção do citado instituto. É proposta a modificação nos artigos 93, 95, 103-B, 128 e 130-A da Constituição Federal da República, para possibilitar a demissão dos magistrados que alcançaram a vitaliciedade, sendo que, na legislação atual, essa hipótese inexiste.

 No Projeto de Emenda à Constituição Federal, Carlos Viana (2019) deixa claro o questionamento a ser resolvido e toda a discussão que é travada sobre a natureza da aplicação da aposentadoria compulsória, se constitui benefício ou sanção disciplinar. Nela[9] pode-se ler:

Ora, por que um magistrado, que cometeu infração gravosa o suficiente para ser proibido de exercer suas funções (tomadas como exemplo as situações que ensejam demissão para os servidores públicos) deve seguir protegido por uma concepção elastecida e leniente de vitaliciedade, que enseja a configuração de situação peculiar e única no ordenamento brasileiro? (BRASIL, 2019, p. 06).

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A propositura da referida PEC se faz pertinente ao observarmos a crescente onda de desvios de condutas e outras transgressões por parte de magistrados, que usam o poder a eles conferido para uma atuação contrária aos princípios que regem a administração pública. Vê-se que a sanção máxima a ser impetrada não é proporcional e nem adequada à gravidade da conduta imputada por alguns magistrados. Vejamos outro trecho da PEC 58 de 2019:

Claramente, entendemos que a aposentadoria compulsória não é sanção adequada nem proporcional à gravidade da conduta do magistrado, devendo ser substituída pela demissão. O Estado não pode ser obrigado a seguir remunerando quem atentou contra a moralidade pública e isso não significa afronta à harmonia entre os Poderes, mas, sim, a ressignificação da garantia constitucional da vitaliciedade dos magistrados, em harmonia com os princípios constitucionais, notadamente aqueles que regem a administração pública, como a supremacia do interesse público, a moralidade, a probidade e a eficiência. (BRASIL, 2019, p. 06).

Analisando o texto proposto no projeto de lei, constata-se a possível alteração nos dispositivos legais dos artigos 93, 95, 103-B, 127, 128 e 130-A, pertencentes a Constituição Federal da República de 1988, que passariam a vigorar com a seguinte redação: 

Art. 93. [...] VI - a aposentadoria dos magistrados, sem caráter de sanção disciplinar, e a pensão dos seus dependentes observarão o disposto no art. 40;

[...] VIII - o ato de remoção, de disponibilidade ou de demissão do magistrado vitalício, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada a ampla defesa;

[...] XII-A - as férias anuais dos magistrados serão individuais, de trinta dias e fracionáveis em até três períodos [...];. (BRASIL, 2019, p. 02). 

Conforme observado, a alteração do artigo 93 da Constituição Federal da República visa alterar o disposto nos incisos VI, VIII e XII-A, tendo como objetivo a inclusão do instituto da demissão para os magistrados vitalícios, além de incluir a limitação do período de férias dos magistrados. Assim, a proposta visa modificar também os artigos 95[10], 103-B[11], 127, 128[12] e 130-A[13].

No que se refere à nova redação dos artigos 95, 103-B, 127, 128 e 130-A, a alteração visa à modificação do instituto da vitaliciedade, devendo esta ser alcançada somente após três anos no exercício da função, além da reorganização no que se refere à competência para julgamento, recebimento das reclamações inerentes aos desvios de condutas mostrados ao longo da pesquisa, bem como a aplicação das sanções administrativas.

Conforme mostrado durante toda a pesquisa, com a exibição do caso em Minas Gerais, no TJMG, que narrou o desvio de conduta do magistrado Hélcio Valentim de Andrade Filho, fica clara a natureza beneficiária do instituto da aposentadoria compulsória, pois o dispositivo legal, que teria como objetivo a punição, não cumpre o seu papel efetivamente, tornando-se alvo de grandes polêmicas no ordenamento jurídico, gerando na população uma descrença no Poder Judiciário. 

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Sobre o autor
David Coelho da Conceição

David Coelho é graduado em direito pela Faculdade de Minas FAMINAS- BH e pós graduando em Ciências Penais pela PUC- MINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, David Coelho. Da garantia constitucional da vitaliciedade:: uma análise crítica do instituto da aposentadoria compulsória frente aos casos de corrupção por magistrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6221, 13 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83803. Acesso em: 4 nov. 2024.

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