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Algumas anotações sobre o direito internacional do meio ambiente

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14/07/2020 às 10:10
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Em 11 de julho, em reunião com executivos de grupos como Suzano, Shell, Natura e Itaú, o vice Hamilton Mourão, pressionado, assumiu compromissos para tentar conter o desmatamento na Amazônia.

I – O FATO

Segundo noticiou o Estadão, em sua edição de 11 de julho de 2020, em reunião com executivos de grupos como Suzano, Shell, Natura e Itaú, o vice Hamilton Mourão foi pressionado e assumiu compromissos para tentar conter o desmatamento na Amazônia. Empresas de agronegócio relataram que a soja já enfrenta boicote externo. Segundo o Inpe, o desmatamento na região cresceu 10,65% em junho ante junho de 2019.

A reunião de um grupo de oito empresários brasileiros com o vice-presidente Hamilton Mourão terminou num tom diferente do encontro realizado na quinta-feira com investidores estrangeiros. Há dois dias, o governo basicamente tentou se esquivar das responsabilidades sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Mas, sob a pressão de executivos, acabou assumindo alguns compromissos.


II – A QUESTÃO DA SOBERANIA

Costuma-se dizer que a preservação da Amazônia é matéria que atende à soberania nacional.

Fala-se que, assim, o Brasil age em nome de sua soberania.

A teoria realista ou institucionalista pode ser resumida por Machado Paupério que, em sua obra “O conceito polêmico de soberania”, concluía: “soberania não é propriamente um poder, mas sim, a qualidade desse poder; a qualidade de supremacia que, em determinada esfera, cabe a qualquer poder”.

Mas, todas as teorias sobre a soberania voltam-se a uma meta: a onipotência do Estado.

Todavia, essa onipotência tem um limite: o plano internacional.

Ali a soberania é limitada pelos imperativos de coexistência de Estados soberanos, não podendo invadir a esfera de ação das outras soberanias.

Na lição de Baracho (Teoria geral da soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos, 63/64, 1987), o que se observa é que as entidades supranacionais detêm poderes diretos e coercitivos sobre os Estados-membros. Esses poderes são fixados pelos tratados que as instituem. Deve restar claro que "as comunidades não compõem uma federação, uma vez que os Estados-membros preservam a individualidade enquanto sujeitos do Direito das Gentes, exceto no que se refere às competências transferidas para as comunidades”.

Disse bem Mazzuoli (Direitos humanos provenientes de tratados: exegese dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Constituição de 1988) que torna-se irreal considerar a soberania como ilimitada no plano das relações internacionais. Com efeito," à medida que os Estados assumem compromissos mútuos em convenções internacionais, que diminuem a competência discricionária de cada contratante, eles restringem sua soberania ".

No Acórdão nº 06/64 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, pode-se encontrar afirmação de que há realmente uma limitação na soberania dos Estados. É o que se depreende da leitura do seguinte trecho do referido acórdão:

(...) ao criar uma comunidade de duração ilimitada dotada de instituições próprias, de personalidade, de capacidade jurídica, de capacidade de representação no plano internacional e, mais precisamente, de efetivos poderes oriundos de uma limitação de soberanias ou de uma transferência de poderes dos Estados para a Comunidades, estes limitaram seus poderes soberanos e, assim, criaram um corpo de leis aplicável tanto aos seus respectivos cidadãos como a eles próprios (...).

Esse o caminho a trilhar na esfera das relações internacionais. Ali a soberania de um país conjuga-se com as de outros. É irreal falar-se em soberania no campo das relações internacionais.


III – O BIOMA AMAZÔNICO E O DESMATAMENTO

Tal é o caso da Amazônia e seu bioma, cuja preservação não é assunto apenas do Brasil, mas de diversos países que convivem nesse ecossistema e outros que dele dependam.

Bioma é uma unidade biológica ou espaço geográfico cujas características específicas são definidas pelo macroclima, a fitofisionomia, o solo e a altitude, dentre outros critérios. São tipos de ecossistemas, habitats ou comunidades biológicas com certo nível de homogeneidade.

A floresta Amazônica, que é distribuída entre vários país dentre os quais Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela e Brasil, abriga uma imensa biodiversidade. São inúmeros os benefícios da Amazônia, por exemplo: uma árvore com copa de 10 metros de diâmetro, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, tem capacidade de bombear mais de 300 litros de água para atmosfera.

A floresta amazônica é fundamental para impedir o avanço das mudanças climáticas. Seus rios respondem por quase um quinto da água doce que deságua nos oceanos, e a umidade de parte da Bacia Amazônica atinge e regula o clima de países como a Argentina e Uruguai.

Cientistas apontam que os efeitos do desmatamento na região são alarmantes e atinge níveis recordes desde o início de 2019. “Se passarmos de 20 a 25% de desmatamento, a Amazônia corre risco de se tornar uma savana degradada”, disse à EBC, Carlos Nobre – pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Na Amazônia, perderam-se, em 2016, quase 8.000 km², cifra 29% superior à de 2015 (no ano anterior, o índice foi de 24%).

O desmatamento, principalmente visando que a aplicação desse conceito abrange diversas áreas do conhecimento, desde estudos teóricos às diversas áreas da legislação ambiental. O desmatamento é sinônimo de desflorestamento, ou seja, derrubar árvores de um terreno ou uma região, desfazendo a formação florestal da área, como ensinou A.B.H.Ferreira (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Edição de Luxo, Editora Nova Fronteira.,1995).

Após o desmatamento, inicia-se todo um processo de degeneração ambiental. Sob o enfoque da sustentabilidade da natureza com a retirada de uma vegetação, o equilíbrio ecológico daquele sistema fica completamente comprometido. Processos ecológicos são modificados, alterando todo o funcionamento normal do meio ambiente, criando uma série de modificações na estrutura do solo, agravando ainda mais o problema, como disse P.M.Fearnside (Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rural. p. 314-344 In: C. Cavalcanti (ed.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo, SP: Editora Cortez. Pp. 436).

Édis Milaré (A Gestão Ambiental em Foco (Doutrina, Jurisprudência e Golssário). 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.) destaca o desmatamento como: destruição, corte, abate indiscriminado de matas e florestas, para comercialização de madeira, utilização dos terrenos para agricultura, pecuária, urbanização, qualquer outra atividade econômica ou obra.

As razões propulsoras referentes às causas do desmatamento são para implantação de pastagens para gado, sendo estas responsáveis por 75 % dos desmatamentos, os outros 15 % de áreas desmatadas são devido ao plantio de culturas, especialmente a soja e os últimos 10 %, são para a utilização de madeira. Além disso, o baixo rendimento das atividades econômicas nas propriedades rurais propicia a expansão do desmatamento.

O desmatamento é um processo grave.

É um processo desencadeando uma série de outros como se fossem “efeitos dominó”, que, com a derrubada de uma pedra, todas as demais terão o mesmo fim. Assim, uma vez realizado o desmatamento, por mais que tentem reparar o dano com o reflorestamento ou outra conduta reparadora, nunca mais o processo ecológico danificado será o mesmo.

Ademais, sendo caracterizado um processo ecológico afetado e assim considerado na lei ambiental, ao autor do crime será responsável pela conduta conforme previsão legal tanto na esfera civil, penal e administrativa, todavia, mesmo que o responsável pelo desmatamento responda pelo crime, porém a dimensão do crime é subestimada e não restabelecerá o status quo ante, ou seja, a perda de biodiversidade pelo efeito do desmatamento atinge toda a espécie vegetal, animal e mineral, sem possibilidade de reverter o quadro natural anteriormente depredado(Fonte: (www.ambientebrasil.com.br)


III – AS CONSEQUÊNCIAS DO DESREPEITO ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO DO BIOMA

A persistência no desrespeito às essas normas pode acarretar crime de responsabilidade e ainda ato de improbidade administrativa.

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Nessas condutas não se pode deixar de avocar, para que haja uma compreensão de seus conteúdos, a análise pormenorizada da "Teoria Social do Risco", conjuntura em que o exame dos postulados propostos por Ulrich Bec, Anthony Giddens  e Scott Lash mostra-se como elemento essencial à obtenção de um resultado exitoso.

Há o risco criado, o risco proveito e o risco integral.

A máxima romana ubi emolumentum ibi onus, que se traduz em onde está o bônus deverá estar o ônus, é fundamento da teoria do risco proveito. Significa exatamente que aquele que tira proveito ou vantagem do fator gerador do dano, ainda que indiretamente, tem a obrigação de repará-lo.

Segundo a teoria do risco criado, que é uma ampliação da teoria do risco proveito, qualquer atividade, seja econômica ou não, é geradora de riscos, isto é, o agente coloca-se em situação de risco tão somente por exercer a atividade e, portanto, estará obrigado a indenizar bastando a exposição ao dano.

Para a teoria do risco integral, basta que haja os pressupostos do dano e do nexo causal, dispensando-se os demais elementos, como a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.

A atividade geradora do dano é lícita, mas causou dano a outrem. Dessa forma, aquele que exerce tal atividade tem o dever de ressarcir o dano, bastando, como já foi dito, a prova do nexo causal e do dano.

É a modalidade mais extremada do risco, e, por isso, é uma teoria sujeita a críticas, justamente por ser tão extremada e porque trata-se de uma tese puramente negativista. Não cogita de indagar como ou por que ocorreu o dano. É suficiente apurar se houve o dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vítima uma indenização

Disse Nelson Rosenvald (A Teoria do risco no direito ambiental)):

"Todo o risco conexo à atividade será internalizado no processo produtivo. Simplesmente não há no direito brasileiro uma norma geral que defira contornos precisos a esse modelo jurídico ou sequer um dispositivo – seja no Código Civil ou em lei especial – que responsabilize alguém, suprimindo a possibilidade desta pessoa se eximir ao fundamento da força maior ou do fato de terceiro.     

Porém, no perímetro que aparta a teoria do risco criado e a teoria do risco proveito, surge a teoria do risco agravado. Ela se materializa em hipóteses em que a responsabilidade civil suplanta o risco intrínseco a certa atividade, a ponto de determinar reparações objetivas de danos injustos mesmo que a causa adequada para a efetivação da lesão não seja o risco propriamente criado pelo agente.

Nada obstante, estas situações não conduzirão ao extremo da teoria do risco integral, no máximo elas propiciarão um agravamento da responsabilidade civil. A teoria do risco integral prescinde do nexo causal; já o risco agravado o flexibiliza, criando presunções de causalidade para atribuir ao empreendedor uma obrigação de indenizar, naquelas ocorrências em que o dano acaba por se ligar à organização inerente à atividade, internalizando-se em seu processo econômico.

A partir do momento em que a ordem jurídica persegue o objetivo de maior proteção à vítima e intervém para reduzir o espaço deferido à marginalidade de certos eventos, a causalidade adquire novo viés; não mais uma causalidade física ou natural, porém jurídica, fundada no princípio da solidariedade e em uma regra de equidade que objetiva compensar a vítima que se coloca em posição assimétrica em relação ao autor da atividade potencialmente lesiva.

Recentemente, o STJ reafirmou a aplicação do risco integral em sede de direito ambiental.

A matéria foi objeto do REsp 1612887.

Aplica-se em direito ambiental a teoria do risco integral.

Na teoria do risco integral, o prejuízo sofrido pelo particular é consequência do funcionamento, seja regular ou irregular, do serviço público.

Mas, visando a atenuar a amplitude da responsabilidade objetiva constitucional, Hely Lopes Meirelles acena com uma discriminação do conceito de risco, mas que recebe a oposição de autores como Alcino Falcão (Responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas de direito público, RDP 11:45). Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro, São Paulo, 1978), a teoria do risco integral faz surgir a obrigação de indenizar os danos, do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes; basta a lesão, sem o concurso do lesado; baseia-se esta teoria no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais.

Entendia Hely Lopes Meirelles que a teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral: “Nesta a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima”; no risco administrativo embora se dispense a prova da culpa da Administração, permite-se que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.

A teoria do risco administrativo foi adotada pela doutrina, sendo reconhecida como a que mais se mostra adequada à compreensão da responsabilidade civil do Estado, acrescentando-se que, na legislação brasileira, a Administração Pública pode ser responsabilizada na forma do risco integral apenas quando praticar dano ambiental, na forma do artigo 14 da Lei 6.938/81, e artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ou dano nuclear, nos termos do artigo 21, XIII, alínea “ d”, da Constituição Federal.

Os danos ambientais são regidos pela teoria do risco integral, colocando-se aquele que explora a atividade econômica na posição de garantidor da preservação ambiental, sendo sempre considerado responsável pelos danos vinculados à atividade.

Na responsabilidade objetiva da teoria do risco integral, não há sequer necessidade de se cogitar acerca da possibilidade ou não do cumprimento de um dever jurídico ou se o risco se encontra ou não dentro da esfera de previsibilidade e evitabilidade do gestor de uma atividade (fortuito interno ou externo), pois, para a imputação do dever de indenizar, “qualquer fato, culposo ou não culposo, deve impor ao agente a reparação desde que cause um dano”, ou seja, “não [se] cogita de indagar como ou porque ocorreu o dano [sendo] suficiente apurar se houve o dano, vinculado a um fato qualquer, para assegurar à vítima uma indenização” (PEREIRA, Caio Mário da Silva; TEPEDINO, Gustavo. Responsabilidade Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 339).


IV – FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE

Data vênia, devemos nos ater ao chamado direito internacional do meio ambiente.

Guido Fernando Silva Soares (A proteção internacional do meio ambiente, pág. 92) chamou atenção para o que se convencionou chamar de soft law, que são normas que não chegam a ter um status de norma jurídica, mas que “representariam uma obrigação moral aos Estados(obrigações imperfeitas, mas de qualquer forma, com alguma normatividade) e tem dupla finalidade: a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento interno às regras internacionais contidas na soft law. No caso tivemos como exemplo a chamada Agenda 21 adotada ao final da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, onde se estabeleceu uma meta.

Cada vez mais, por outro lado, é notada a participação de entidades não-governamentais, que recebem delegação de funções, na qualidade de órgãos técnicos.

No que concerne aos tratados multilaterais que envolvem o tratamento do direito ambiental, observam-se, cada vez mais, algumas modalidades: a) os chamados umbrela treaty(“tratados guarda-chuva”; e b) os denominados tratados-quadro ou convenções-quadro, em que se estabelecem (ou se “emolduram”) as grandes bases jurídicas do acordo, assim como os direitos e obrigações das partes, postergando para um momento futuro sua regulamentação detalhada.

Na matéria, lecionou Guido Fernandes (obra citada, pág. 175 a 178) a presença da utilização de técnica dos anexos e dos apêndices de natureza técnica que podem ser modificados com maior rapidez e menos formalismos que os textos principais dos referidos tratados multilaterais, os quais se encontram submetidos a procedimentos trabalhosos de renegociação em foros multilaterais e que, na maioria dos casos, ainda dependem de aprovações internas nos respectivos ordenamentos jurídicos(referendo congressual e ratificação).

Trata-se de uma nova engenharia do direito dos tratados.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Algumas anotações sobre o direito internacional do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6222, 14 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83889. Acesso em: 28 mar. 2024.

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