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Técnicas de aceleração processual e gestão de processos previdenciários

Técnicas de aceleração processual e gestão de processos previdenciários

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O presente artigo pretende analisar possíveis técnicas de gestão e aceleração processual das lides previdenciárias, apontando, para tanto, possíveis causas da judicialização em massa, bem como soluções para amenizar os problemas dela decorrentes.

Dados divulgados recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o maior litigante judicial do Brasil, é, portanto, a parte com o maior número de ações tramitando no país, fato este que não surpreende àqueles que diariamente atuam na matéria previdenciária, em especial, nos Juizados Especiais Federais.

Ao longo do presente texto tentaremos, de forma despretensiosa, analisar possíveis técnicas de aceleração processual e a gestão de processos na via administrativa e judicial das questões previdenciárias e assistenciais, com o intuito de apontar possíveis causas da judicialização em massa, bem como problemas e fatores que a incentivam.


Da aceleração processual – técnicas de abreviação do litígio e garantia da duração razoável do processo.

A garantia à duração razoável do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação ganhou status constitucional, nos termos do art. 5º. LXXVIII da Carta Maior. Embora expressa na Constituição, tal garantia não se faz concreta, ao menos não na medida desejada pelo Constituinte e pela população.

Passada uma década da criação dos Juizados Especiais Federais (JEF), com ritos próprios à consecução da oralidade, informalidade de procedimentos e celeridade na tramitação processual, o que se percebe é que, não obstante as incontestes conquistas sociais trazidas pela Lei 10.259/2001 que criou o JEF’s, sobretudo no que toca ao acesso à Justiça, os Juizados tais quais as Varas ditas comuns, encontram-se assoberbadas e sem condições de dar rápida e efetiva resposta às demandas que lhe aparecem.

O grande acervo de processos previdenciários e assistenciais que versam sobre a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/2003) não é exclusividade dos Juizados Especiais Federais e varas ordinárias. Os Tribunais Regionais Federais, a quem compete julgar os recursos das causas cujos valores superam a alçada dos Juizados Especiais Federais ou que recebem os recursos interpostos perante os Juízos Estaduais que atuam mediante competência constitucional delegada[1], igualmente se encontram abarrotados de processos desta natureza.

Os Juizados Especiais, como se disse, serviu como mola propulsora de ajuizamento de demandas previdenciárias, aproximando a população do Judiciário Federal e, com isso, dando oportunidade de rediscutir decisões do INSS que até então, na maior parte das vezes, encerrava-se de maneira definitiva com o julgamento administrativo.

O crescimento da busca ao Judiciário superou todas às expectativas possíveis, fazendo com que a Procuradoria Geral Federal[2](PGF) e o próprio Poder Judiciário tivessem que se adaptar a esta nova realidade, inclusive no que concerne ao prazo reduzido e não diferenciado à Fazenda Pública.

Neste contexto temos que o fomento da prática da conciliação foi – e continua a ser – uma das mais importantes medidas para aceleração processual, na medida em que a solução do processo é abreviada para fase anterior à decisão.

Para que a conciliação pudesse virar uma realidade foi preciso o rompimento do paradigma da indisponibilidade do erário público como óbice para realização do acordo.  Tal argumento não tem mais cabimento numa Advocacia Pública de Estado, destinada a reconhecer os legítimos direitos do cidadão na mesma medida em que deve impugnar as pretensões que não mereçam prosperar.

Parece-nos falacioso falar em persistir com demandas sem viabilidade recursal ou cujos direitos dos cidadãos podem ser verificados no curso da instrução como forma de proteger a indisponibilidade do erário. O reconhecimento do direito e a abreviação do litígio mediante propositura de acordo é invariavelmente menos custoso aos cofres públicos, além de confirmar o papel da Advocacia-Geral da União em sua função essencial à Justiça.

Forte nestas premissas é que a Procuradoria Geral Federal consolidou a prática da conciliação na representação do INSS, mudando a postura outrora meramente litigiosa para uma feição consensual, aberta ao diálogo e à propositura de acordos, o que pode ser constatado diante dos números de acordos já realizados.

Em 2012 a PGF celebrou mais de 98.000 acordos judiciais, que resultaram, além da concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, no pagamento de aproximadamente 615 milhões de reais e numa economia estimada de 330 milhões de reais[3], apenas em fevereiro de 2013 foram realizados mais de 6400 acordos judiciais.

Como política de conciliação a PGF, a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS (que integra a PGF) e Tribunais Regionais Federais, a exemplo do TRF 1 e TRF 4, já firmaram protocolo de intenções e acordos de cooperação para o funcionamento de Grupos de Trabalho para análise de processos com viabilidade de acordos em 2ª instância, o que já ocorre, nos Tribunais mencionados.

A política de conciliação ganha cada vez mais corpo na atuação de representação do INSS, inclusive no âmbito das Turmas Recursais. É preciso reconhecer, todavia, que a consolidação da política conciliatória não é uma realidade que se encontra no mesmo nível em todos os segmentos da Advocacia-Geral da União. Ainda assim pode-se perceber um movimento de inclusão da conciliação nas atividades contenciosas da AGU além das causas previdenciárias, em especial em matéria de pessoal e servidor público.

Embora sejam inegáveis as virtudes da adoção da conciliação no cotidiano dos Procuradores Federais nos Juizados Especiais Federais e demais juízos singulares, bem como de forma concentrada nos Tribunais Regionais Federais, o fato é que tal postura não foi suficiente para atingir o objetivo almejado por todos – ou quase todos – qual seja, a diminuição da litigiosidade.


Gerenciamento e prevenção de litígios

Como se disse, embora exitosa no que toca a abreviação da solução dos litígios, a conciliação não conseguiu interferir na diminuição da litigiosidade no âmbito do Poder Judiciário, causando aos operadores do Direito, especialmente na área Previdenciária, a permanente sensação de se estar a “enxugar gelo”.

Não há fórmulas infalíveis para atingir o objetivo da redução de demandas, há, entretanto, equívocos que certamente levarão ao fracasso desta pretensão, de modo que conhecê-los é, no mínimo, o ponto de partida para uma caminhada rumo à diminuição dos litígios e à racionalização dos processos.

Nos debates em relação ao tema não é raro que se apontem culpados, ou o que é pior, culpados exclusivos, para o problema da alta litigiosidade. Este é sem dúvida um dos maiores erros que se pode ter.  Entender que todos os atores envolvidos com os processos judiciais podem e devem contribuir para sua racionalização e que todos possuem condutas que precisam ser aperfeiçoada é ponto chave para resolução dos problemas.

Com intuito de facilitar a identificação dos problemas e condutas a serem aperfeiçoadas, trataremos de forma apartada cada um dos principais atores envolvidos, a saber: INSS (pólo passivo); Beneficiários (pólo ativo) e respectivos patronos; Poder Judiciário; e, AGU.


INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL

O INSS é tido como o maior litigante do Brasil, a bem da verdade trata-se do maior litigado, uma vez que figura no pólo passivo em mais de 99% das causas em que é parte, sendo, em geral, Autor nas ações regressivas acidentárias e ações regressivas por ato ilícito, as quais, não obstante a grande relevância econômica e social, não serão aqui analisadas tendo em vista o número pouco expressivo de causas se comparado ao total de demandas contra si ajuizadas.

O INSS é a maior Autarquia Federal do Brasil, contando atualmente com mais de 30 milhões de beneficiários diretos, sendo, ainda, a seguradora social de mais de 75 milhões de brasileiros com quem mantém vínculo contributivo, além daqueles que podem vir a se beneficiar na condição de dependentes dos segurados da previdência social ou beneficiários dos amparos assistenciais ao idoso ou ao deficiente.

O Regime Geral de Previdência Social, cujos serviços e benefícios são pagos e gerenciados pelo INSS, estão a garantir sustento ou proteção a mais da metade da população brasileira. Estudos demonstram que os pagamentos dos benefícios mantidos pelo INSS são a principal fonte de renda para mais de dois terços dos municípios brasileiros, superando, inclusive, a renda repassada pelo fundo de participação dos municípios (FPM)[4].

O gigantismo da Autarquia dá a dimensão dos seus desafios e complexidades. Para que se tenha uma ideia, apenas no ano de 2012 foram realizados mais de 61 milhões de acessos ao site da Previdência Social, mais de 58 milhões de ligações à central de atendimento 135, além dos milhões de comparecimentos espontâneos às mais de 1.500 Agências da Previdência Social (incluídas as agências móveis, como PREVBARCO e PREVMÓVEL), que juntas receberam mais de oito milhões e quatrocentos mil requerimentos de benefícios previdenciários, dos quais cerca de 55% foram deferidos[5].

Com intuito ilustrativo, suponhamos que das mais de 700 mil perícias mensalmente realizadas administrativamente, haja equívoco de avaliação em 5% delas, com prejuízo ao particular. Não parece razoável dizer que este seja um percentual de falibilidade técnica alta, porém, ainda assim, serão 35 mil novas ações judiciais em potencial. É preciso ter a consciência, portanto, que num quadro de enorme contingente de relações jurídicas o índice de demandas judiciais jamais será inexpressivo, contudo, igualmente, é preciso reconhecer que se deve aperfeiçoar o sistema.

Inovação no atendimento. Poucos exemplos são tão positivos no serviço público quanto a melhoria e expansão do atendimento do INSS. Em janeiro de 2009 a Previdência Social lançou o Projeto de Expansão da Rede de Atendimento do INSS (PEX), que alavancou o número de Agências da Previdência Social de 1.112 em 2009 para 1.506 em 2013, com previsão de funcionamento de 1.853 Agências até o final do cronograma previamente estabelecido.

Além da expansão e reforma física das Agências, o INSS tem, desde 2007, evoluído significativamente o monitoramente gerencial de seu atendimento. Os gestores centrais podem, em tempo real, em uma “sala de monitoramento”, acompanhar o que se passa em todas as Agências da Previdência Social no país, em seus mais específicos detalhes, tais como: quantidade de pessoas que estão sendo atendidas, tempo que esperam na fila, duração de cada atendimento, número de servidores em atendimento, produtividade diária de cada servidor, perito médico e Agência, etc.

Esse monitoramento permite de maneira confiável diagnosticar problemas em tempo real e seus impactos no atendimento à população e, ainda, fornece ao gestor um leque de opções para solucionar os problemas na medida em que eles ocorrem, bem como prevenir futuros erros.

A informatização do sistema e a abertura a canais de atendimento por internet e por telefone solucionou o histórico problema das filas do INSS. Em tempos não tão remotos os requerentes eram obrigados a passar madrugadas em filas que dobravam os quarteirões. Hoje, a partir de um prévio agendamento, o segurado tem data e hora marcada para ser atendido.

O INSS demora (média nacional) 20 dias para concluir o atendimento a partir da ligação à central 135 ou agendamento pela internet, prazo este que passa a ser, também em média, de 31 dias em se tratando de benefício que exige perícia médica. Embora possa não se considerar o tempo ideal, forçoso reconhecer se tratar de prazo demasiadamente mais curto que o trâmite de um processo judicial.

Da necessidade de aperfeiçoamento do processo administrativo previdenciário. No âmbito do INSS o processo segue diretrizes gerais estabelecidas por normas internas, com respeito aos princípios que norteiam o processo administrativo. Do mesmo modo, a análise do direito tem por base normas uniformizadoras, sendo a principal delas a Instrução Normativa 45/2010, que vem a complementar a Lei 8.213/91, o Decreto 3.048/99, dentre outras fontes normativas.

Se de um lado obtêm-se uniformidade de atuação, a rígida interpretação legal, em determinados casos, leva ao legalismo excessivo, especialmente quando a norma se mostra omissa em relação à realidade apresentada no caso concreto. A autarquia precisa enfrentar o paradoxo entre a uniformização e a autonomia, ainda que limitada, para que seus servidores possam, diante das peculiaridades de cada caso, decidir da forma mais adequada quando se depararem diante de uma situação não especificada na norma. Para enfrentar tal desafio, como veremos, a Autarquia deve estar cada vez mais próxima da Procuradoria que lhe presta consultoria, o que propiciará segurança e eficiência ao ato decisório.

Para que a diminuição das demandas judiciais se faça realidade é preciso ainda, e de modo essencial, fomentar a busca da verdade real no âmbito administrativo e aperfeiçoar a motivação das decisões.

Em diversas situações a narração dos fatos e a apresentação de determinados documentos pelo interessado não é o suficiente para esclarecer todos os pontos controversos. Nestas circunstâncias, em geral, o INSS expede uma carta de exigências, o que, nem sempre supre os questionamentos surgidos na instrução do processo. Em caso de dúvidas, o que fazer? Indeferir? Obviamente que não, em caso de dúvidas que estas sejam esclarecidas, especialmente por meio de medidas alternativas de aprimoramento da instrução, como justificação administrativa e pesquisas externas.

Embora previstas na legislação interna, o INSS não tem utilizado tais ferramentas o tanto quando deveria, fazendo prevalecer, em alguns casos, a máxima segundo a qual na dúvida se indefere. Afastamos de pronto que esta seja uma regra no âmbito do INSS, tampouco uma prática usual, o que se estar a dizer – e dizemos – é que os que são mais desprovidos de provas e documentos restam prejudicados (normalmente os mais carentes), quando, ao nosso sentir, na insuficiência de provas juntadas aos autos, diligências como justificação administrativa ou pesquisas externas devessem ser realizadas, não cumprindo com exclusividade ao requerente produzir todos os elementos probatórios.

Em que pese os atos decisórios do INSS estejam em sua esmagante maioria justificados, corretos e adequados à legislação em vigor, de um modo geral podemos dizer que pecam quanto à precariedade da fundamentação. Até bem pouco tempo as razões da decisão limitavam-se às automaticamente sugeridas pelo sistema, invariavelmente genéricas.

Hoje existe a possibilidade de inserção manual dos motivos que levaram, naquele caso, ao (in)deferimento do benefício, contudo, percebe-se ainda uma timidez quanto à exaustiva motivação, o que dificulta sobremaneira o entendimento dos segurados e até mesmo dos julgadores sobre os motivos que levaram à negativa da concessão do benefício.

A falta de compreensão das razões que levaram ao indeferimento estimula a busca ao Poder Judiciário que, por sua vez, tende a levar a cabo as argumentações da parte autora quando não encontra suficientemente demonstrada as justificativas da decisão administrativa.


REQUERENTES E ADVOGADOS

Engana-se quem imagina que aos próprios requerentes não se possa imputar parte da responsabilidade pela litigiosidade excessiva junto ao Poder Judiciário. Evidentemente não nos referimos aos que buscam legítimo interesse ou direito não conferido pela Administração e que enxergam no Judiciário o único caminho para reparar injustiças.

Se não estamos a falar dos legítimos detentores de direito ou que pelo menos acreditam sinceramente possuí-los, de quem estamos falando...? Fala-se aqui dos milhares de demandantes que se valendo das falhas e eventuais precariedades do funcionamento administrativo e judicial tentam a todo custo obter vantagem indevida, direitos que sabidamente não lhes pertencem e a praxe, lamentavelmente, demonstra que tais tentativas temerárias valem à pena, por vezes, inclusive, com involuntária tolerância do Poder Judiciário.

Em termos gerais, vivemos uma realidade processual previdenciária onde ajuizar uma demanda é simples – o que é bom e condizente com o acesso à justiça – gratuita e sem risco, este o ponto de concentração de problemas e disfunções.

Houve um tempo em que estar diante de um Juiz impunha ao cidadão o dever de respeito e lealdade, hoje testemunha-se diariamente particulares faltarem com a verdade, mediante declarações e produção de provas inidôneas com o intuito de obter benefício previdenciário judicialmente, especialmente nos litígios que envolvem controvérsias de índole eminentemente fática.

A prática processual desleal está estritamente ligada ao sentimento de impunidade para com aqueles que litigam de má-fé. Tem sido cada vez maior o número de pessoas que não residem ou mesmo nunca residiram no campo e diante do juiz se passam por trabalhador rural de subsistência e ao assim agirem mentem e omitem fatos e dados sobre suas vidas, juntam documentos claramente falsos, declarações sindicais produzidas por encomenda ou extemporâneas, dentre outros tantos simulacros.

Muitas das vezes, entretanto, os requerentes sequer têm ciência da torpeza praticada em seu nome, na medida em que os atos contrários ao direito são produzidos por advogados ou atravessadores, que buscam obter proveitos financeiros com as demandas judiciais.

Para bem compreender como a judicialização pode ser benéfica para alguns, citamos o que atualmente é um dos principais problemas nos atendimentos das Agências da Previdência Social, o chamado indeferimento forçado. Tal conduta eleva os índices de indeferimento administrativo e consiste basicamente em fazer com que o requerimento seja indeferimento na via administrativa, como forma de viabilizar uma futura ação judicial.

O indeferimento forçado, em quase sua totalidade, é conduzido por escritórios de advocacia ou atravessadores que munidos de procuração comparecem ao INSS levando consigo apenas a carteira de identidade dos requerentes ou parcos documentos, irrelevantes ao deslinde da questão. Quando apresentada carta de exigências (para que documentos complementares sejam juntados ou testemunhas trazidas para serem ouvidas) adiantam a negativa em cumpri-las.

Qual a razão disto? A conduta é explicável, pois é a sentença judicial e não a concessão administrativa que rende atrativos honorários advocatícios, ademais, tenta-se com tal proceder fixar o requerimento administrativo como marco inicial do direito, elevando assim o valor dos pagamentos retroativos e consequentemente a parcela que cabe aos escritórios ou atravessadores.

Registra-se aqui o reconhecimento à função essencial à justiça exercida pela advocacia, o que se concretiza quando o advogado, no exercício de seu mister, conduz legitimamente o seu cliente ao reconhecimento do que lhe é de direito. Igualmente se reconhece o advogado como figura essencial à garantia dos direitos do cidadão, garantia esta que por vezes só se faz presente mediante interposição de medida judicial, reconhece-se, enfim, que a conduta ética e profissional é própria à maioria dos advogados que diariamente honram tão valorosa profissão.

O que estamos a registrar é a conduta desleal e abusiva de uma minoria – numerosa, apesar disso – que ao arrepio de suas obrigações e princípios buscam enriquecer mediante ardilosos e reprováveis procedimentos.


PODER JUDICIÁRIO

As demandas previdenciárias, outrora restritas aos mais esclarecidos ou aos que possuíam condições de arcar com as despesas de advogados e custos processuais, tornou-se consideravelmente mais acessível com o advento dos Juizados Especiais Federais. O ajuizamento desburocratizado, a simplificação dos ritos e a desnecessidade de acompanhamento por advogado ensejou uma inegável (r)evolução na área previdenciária.

A facilidade de acesso à Justiça representou uma conquista social especialmente àqueles que em outros tempos teriam, por razões econômicas ou sociais, na decisão administrativa a única resposta estatal aos seus pleitos, sem uma cuidadosa reapreciação judicial.

À medida que a demanda crescia, maior era a complexidade de conciliação entre a celeridade processual e a qualidade da instrução e dos julgamentos. Os ritos processuais, fortes no princípio da informalidade e na criatividade individual de cada Vara de Juizado Especial Federal, passaram a ser cada vez mais simplificados, ao preço, ocasionalmente, da insegurança e incerteza das decisões, sobretudo nas quizilas cujas controvérsias são eminentemente fáticas.

O tempo consolidou procedimentos exitosos, outros nem tantos, a realidade atual, todavia, demonstra que está cada vez mais difícil atingir satisfatoriamente os valores que se equilibravam na balança, ou seja, percebe-se, diante de uma crescente demanda, uma maior demora na prestação jurisdicional em detrimento de uma instrução processual cada vez mais pobre. Mais uma vez recorremos ao diagnóstico de falhas gerenciais para tentar tomar lições dos equívocos cometidos.

Especificamente em relação aos segurados especiais – responsáveis pela maior parte das demandas judiciais – nada é mais comum que verificar em processos judiciais documentos falsos, declarações inverídicas e contradições entre depoimentos e testemunhas.

O Poder Judiciário mostra-se incrivelmente tolerante com práticas desleais de requerentes e advogados, o que torna o processo previdenciário extremamente atrativo aos oportunistas, um processo sem riscos, onde o êxito da fraude pode levar à indevida concessão de um benefício e a mentira, quando descoberta, não resultará em prejuízo algum.

Quando não bem observadas, estas fraudes podem gerar a concessão de benefício indevido, e quando observadas, o que geram? Nada, a inexistência de punição é uma triste realidade nos processos previdenciários. É muito mais comum a cominação de multas e ameaças de prisão a servidores do INSS e a Procuradores Federais por eventuais atrasos no cumprimento de decisões do que a imposição de alguma medida punitiva contra quem, descaradamente, tenta fraudar o processo.

Some-se a isso um gerenciamento incipiente da Justiça Federal e dos Juízos com competência delegada que lidam com a matéria previdenciária. O Poder Judiciário não criou ferramentas eficientes de monitoramente e controle de gestão, o pior, por vezes estimula Varas judiciárias que apresentam um mau desempenho, exemplo clássico disto são os famigerados mutirões previdenciários, tão comuns no âmbito da 1ª Região.

 No Tribunal Regional Federal da 1ª Região criou-se a cultura dos mutirões previdenciários, como medida excepcional e paliativa de desafogar processos represados. Seguindo uma tendência pátria, o que era para ser excepcional virou regra em várias Varas Federais, muitas das quais realizam – com grande divulgação social – mutirões anuais.

Ora, se determinada Vara Federal anualmente deixa acumular milhares de processos, não seria o caso de uma gestão mais próxima na referida unidade, para identificar as razões deste acúmulo rotineiro? Parece que não, a opção é “premiar” os que não conseguem manter em dia seu acervo processual com a realização de mutirões.

Os gastos excepcionais ao Estado, com diárias, deslocamentos, entre outras necessidades estruturais já seriam suficientes à crítica destes mutirões, o pior, entretanto, é o efeito reflexo, o estímulo ao ajuizamento de demandas previdenciárias.

Em geral os mutirões são organizados com pautas de 40 a 50 audiências por dia, de instrução precária. A pressa dá lugar à celeridade, e, de fato, tem sido a inimiga da perfeição. O ambiente caótico é perfeito aos oportunistas, que se aproveitando da capenga instrução processual, buscam a obtenção de direitos que não possuem. Doutra banda, a má instrução pode prejudicar verdadeiros detentores do direito, cujos pedidos eventualmente são negados em meio à apressada instrução.

Também se atribui ao Judiciário a responsabilidade pela elevada concentração de processos sem o prévio requerimento administrativo. Sem polemizar quanto ao mérito da tese da necessidade de efetivar o pedido administrativo junto ao INSS antes de ingressar com ação judicial, certo é que qualquer alegação de culpa de terceiros por uma sobrecarga de processos no Tribunal.

Se o Tribunal, a exemplo do TRF 1ª Região, se posiciona no sentido da desnecessidade do prévio requerimento administrativo deixa aos jurisdicionados a mensagem que têm condições de assumir toda a demanda que lhe for apresentada, com a celeridade e presteza exigida pela Constituição, se não o faz, deve assumir suas próprias ineficiências.

 Embora existam no Brasil mecanismos de decisões uniformizadoras, as mesmas não têm logrado atingir os seus objetivos perfeitamente, em especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Turma Nacional de Uniformização (TNU).

A crítica que se faz aos julgamentos com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal relaciona-se à demora para que tais decisões venham a ser proferidas, demora esta compreendida em razão das amplas possibilidades de se levantar uma questão constitucional a ser decidida pela Corte Maior, não obstante os filtros existentes em relação à admissibilidade recursal.

Enquanto aguardam um posicionamento do STF, os feitos ficam sobrestados nas Cortes inferiores, elastecendo-se, assim, o prazo para resolução do conflito.

 Em relação à TNU à crítica não repousa precisamente na demora para a decisão, mas, especialmente, na dinâmica e organização dos julgamentos, o que prejudica a consolidação jurisprudencial e a respeitabilidade de seus julgados.

Assim como nas Turmas Recursais, os membros da TNU são escalonados por curto prazo em constante rodízio. Em geral, os membros da TNU são Juízes singulares que atuam perante os Juizados Especiais Federais, os quais acumulam atribuições na Turma Nacional e nos Juízos de origem.

É possível à TNU, segundo seu regimento interno, utilizar o denominado Rito Representativo de Controvérsia, o que deve conformar todas as turmas recursais do país ao entendimento proferido pela turma de uniformização. Embora a uniformização seja uma necessidade, o meio com que esta é procedida merece críticas.

Não razoável sobrecarregar juízes com atribuições de órgão colegiado uniformizador e atribuições de Juízo monocrático. Do mesmo modo, a celeridade do processamento deve ser compatível aos efeitos da decisão de uniformização, leia-se, não se pode decidir sem um prévio e exaustivo debate sobre o tema, pois só assim atingir-se-á a pacificação jurisprudencial.

Decisões que não exaurem o tema em sua plenitude dão margem a novas impugnações, o açodamento e as omissões na fundamentação podem, inclusive, gerar, ao contrário dos objetivos da pacificação, o aumento da litigiosidade, como realmente ocorreu, a guisa de exemplo, com a súmula 09 da TNU, cuja imprecisão de argumentos e falhas na técnica redacional elevou consideravelmente as demandas sobre o assunto que se pretendia pacificar.


Advocacia-Geral da União (AGU)

Considerando o foco dado à gestão de processos previdenciários, nos limitaremos a discorrer sobre a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão da AGU com a atribuição de representar juridicamente as autarquias e fundações públicas federais.

Com pouco mais de uma década de sua criação, a PGF, moldada pela necessidade, apresenta um histórico de maturidade precoce e dinamismo em sua atuação. Hoje se firma como órgão jurídico apto a apresentar soluções criativas e desburocratizadas no exercício de suas funções, para além do mero rompimento do dogma da impossibilidade de proposição de acordo judicial.

Foi nesta esteira que a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS criou o Programa de Redução de Demandas (PRD), cujo intuito é evitar que as causas ensejadoras de demandas, sempre que possível, sejam corrigidas no âmbito administrativo.

Trata-se de uma mudança de postura contenciosa para a ascensão consultiva da Procuradoria, mais que isso, uma consultoria ativa que interage e dialoga com a Autarquia representada, não apenas quando provocada por consulta processual formalizada.

A inexistência de estrutura adequada e carreira de apoio aos Procuradores Federais é um empecilho real ao perfeito desenvolvimento do PRD, ao que se aliam as naturais dificuldades de mudança de procedimentos e entendimentos administrativos arraigados há anos de atuação.

O programa de redução de demandas foca sua atuação no incremento de uma consultoria ativa, que não se subsume à consultoria tradicional, limitada a responder consultas e emitir pareceres, mas também visita as Agências da Previdência Social, interage com os setores do INSS, realiza cursos de processo administrativo previdenciários, de incentivo ao uso da Justificação Administrativa, da melhoria da instrução administrativa, de combate aos “atravessadores” e ao abuso dos intermediários, dentre outros.

Outro campo de atuação envolve os demais atores dos processos judiciais, tais como: Defensoria Pública da União, Poder Judiciário, Peritos Médicos, Conselho de Recursos da Previdência Social e a própria comunidade.

Derivam do PRD várias parcerias interinstitucionais, em especial com a DPU, potencial adversário em demandas judiciais, porém, com quem comungamos muitos interesses, em especial o de bem garantir os direitos previdenciários a quem mereça recebê-los nos termos da lei. Também é fruto do PRD a normatização que de forma inovadora permitiu que a PGF realizasse conciliação administrativa no âmbito do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Tais iniciativas levam à resolução da controvérsia em âmbito administrativo, desfazendo a ideia de que apenas no Poder Judiciário cabe a reapreciação de um direito não reconhecido. Do ponto de vista prático, pela primeira vez ao longo dos últimos dez anos, percebe-se uma queda na curva de crescimento do índice de concessões e reativações judiciais (ICRJ)[6], que atualmente gira em torno de 8%.

Como se disse, entretanto, a falta de quadro próprio de servidores de apoio e a inexistência de estrutura adequada, além da demanda exagerada submetida à maior parte dos Procuradores Federais, faz com que o PRD não consiga caminhar no ritmo acelerado que se deseja. A quebra de paradigma se faz mais árdua quando depende apenas do empenho e criatividade dos seus membros, ou seja, quando não se percebe a necessária contrapartida do Poder Público para munir a Advocacia-Geral da União com a estrutura necessária para o exercício de suas relevantes missões constitucionais.


CONCLUSÃO

Não existem fórmulas mágicas para solucionar os problemas na prestação jurisdicional das tutelas previdenciárias e assistenciais. Um ponto de partida, talvez, seja reconhecer os erros centrais que contribuem para o aumento da litigiosidade e, para tanto, é preciso reconhecer que todos os atores envolvidos têm responsabilidades e muito a contribuir para diminuição dos conflitos e para celeridade na resposta ao particular.

Ao INSS compete precipuamente aperfeiçoar seu processo administrativo, permitindo aos requerentes e ao próprio judiciário uma clara compreensão das suas razões de decidir. Para tanto, imprescindível uma melhoria na exposição de motivos. Além disse, cumpre a Autarquia resgatar a busca pela verdade real, evitando deixar a cargo dos beneficiários, com exclusividade, a produção de provas.

Enquanto mecanismos de instrução como a Justificação Administrativa e as pesquisas externas não se tornarem uma praxe, as demandas continuarão sendo transpostas ao Poder Judiciário.

É preciso reconhecer ainda que a atual dinâmica dos processos judiciais, em especial nos Juizados Especiais, representa, por si só, um incentivo à litigiosidade. Não há riscos em se demandar, ainda que se trate de ação nitidamente temerária. A busca por benefícios indevidos se tornou um grande negócio para as partes, notadamente àquelas que se fazem representar por atravessadores ou por uma minoria de escritórios advocatícios que desvirtuam tão nobre profissão.

Depoimentos inverídicos e a juntada de documentos falsos ou produzidos por encomenda tornaram-se praxe nas demandas previdenciárias, principalmente nas causas eminentemente fáticas que versam sobre trabalhador rural. A tolerância do Judiciário, que muitas vezes se omite no seu dever de fiscalizar ou punir os que tentam usar o processo judicial como palco para fraudes, garante a tranquilidade para que os autores destas praxes perpetuem às suas atuações.

Ao Judiciário falta ainda precisão na consolidação jurisprudencial. Não obstante medidas de uniformização dos julgamentos pelos Tribunais, nota-se uma demasiada oscilação de entendimentos, seja pela rotatividade dos membros de uma corte – como ocorre com as Turmas Recursais e Turma Nacional de Uniformização – seja pela precipitação quanto aos julgamentos representativos de controvérsia, os quais, por servirem a conformar o entendimento perante outros órgãos colegiados, não podem prescindir de um amplo e exaustivo debate.

Súmulas ou julgamentos de uniformização que não são precedidos de debates exaustivos, por vezes, geram efeito inverso ao pretendido, ou seja, aumento da litigiosidade e das possibilidades recursais, dado não ter resolvido todas as questões atinentes ao tema, este é um desafio ainda não superado, por exemplo, pela TNU.

Por fim, temos que compete também à AGU, mais especificamente à Procuradoria-Geral Federal, órgão daquela com a atribuição de representar as autarquias e fundações públicas federais, concentrar mais esforços a uma atuação consultiva diferenciada, que apresente soluções aos problemas típicos de uma demanda de massa e de órgãos tão grandes e capilarizados quanto o INSS.

A PGF já se consolidou como órgão jurídico reconhecedor de direitos, o que se demonstra pela expressiva quantidade de acordos e transações realizadas, mais que isso inova no campo jurídico pelas iniciativas desbravadoras, como a conciliação administrativa, acordos interinstitucionais, consultoria ativa, combate aos atravessadores, entre outras tantas medidas decorrentes do seu Programa de Redução e Gerenciamento de Litígios.

Tais iniciativas, entretanto, continuam a depender precipuamente do empenho e criatividade dos seus membros, muitos dos quais, pela dura realidade de uma carreira sem servidores de apoio e estrutura adequada, se veem impossibilitados de romper as barreiras burocráticas e estruturais rumo a uma advocacia pública da envergadura de suas funções constitucionais. Neste ponto, o desamparo do Poder Público se mostra uma barreira considerável, um desestímulo ao enfrentamento destes contemporâneos desafios.


Notas

[1]Art. 109, § 3º - CF “Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas na justiça estadual”.

[2] A Procuradoria-Geral Federal é o órgão da Advocacia Geral da União com a atribuição de representar juridicamente todas as Autarquias e fundações públicas federais, inclusive o INSS, a maior dentre todas as Autarquias.

[3]Dados consolidados e divulgados pelo Departamento de Contencioso da PGF www.agu.gov.br/pgf

[4]Revista da Previdência Social, Ano II, set.-dez. 2012.

[5]Os dados estatísticos da Previdência Social estão disponíveis no sítio www.mps.gov.br.

[6] ICRJ – toma por base o quantitativo de concessões judiciais em comparação ao quantitativo de concessões administrativas.


Autor

  • Nilson Rodrigues Barbosa Filho

    Pós-graduado (Especialista) em Direito Público e em Direito Previdenciário, Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP. Procurador Federal, atualmente exerce a função de Chefe do Serviço Regional de Assuntos Estratégicos da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília. Professor de Direito Previdenciário da FACIPLAC/DF.

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Informações sobre o texto

O presente artigo foi elaborado por ocasião da palestra proferida no Seminário "Demandas Repetitivas: possíveis soluções processuais e gerenciais", em 28 de fevereiro de 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA FILHO, Nilson Rodrigues. Técnicas de aceleração processual e gestão de processos previdenciários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3940, 15 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27512. Acesso em: 25 abr. 2024.