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Os impactos da covid-19 nas relações contratuais e trabalhistas.

Análise das Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020

Os impactos da covid-19 nas relações contratuais e trabalhistas. Análise das Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020

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Relações contratuais, de consumo e trabalhistas, em questão de dias ou semanas, sofreram mudanças abruptas.

Resumo: O ano de 2020 já está marcado na história da humanidade. A pandemia da COVID-19 teve início na Ásia, mais propriamente na China e logo se espalhou pelo Velho Continente, afetando gravemente países como Itália e Espanha, e alastrando-se também pela América do Norte, apagando as luzes da famosa Times Square em Nova Iorque e tendo seu epicentro na América do Sul no coração financeiro do Brasil, a cidade de São Paulo. Como já é largamente sabido, o planeta Terra sofre pelos seus quatro cantos com a epidemia global que assola muitas vidas. Sendo o Direito uma importante ferramenta de tutela da dignidade da pessoa humana em suas mais diversas acepções, este não passaria ileso à COVID-19. Impactos na saúde, com o colapso de hospitais e centros de tratamento invocam o Direito Médico, o Direito Civil e a Responsabilidade Objetiva e Subjetiva, por sua vez, a iminente crise financeira mundial altera os eixos do Direito Imobiliário, Tributário e Empresarial, tudo isso afeta o empregador e o empregado que socorrem-se ao Direito Trabalhista para buscar respostas. Esse pequeno rol, não exaustivo, de casos entrelaçados entre a COVID-19 e o conhecimento jurídico já permite inferir que o século XXI será marcado por um período pré-coronavírus e outro pós-coronavírus. O presente artigo, tem como objetivo contextualizar a aplicação do Direito com duas grandes áreas do Direito Privado, as relações contratuais e as trabalhistas, diretamente afetadas pela pandemia. Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim com o objetivo de jogar luz para elucidar possíveis questionamentos atinentes às relações privadas, as próximas linhas procuram, de forma didática, contextualizar o leitor com alguns dos desafios encontrados pela operacionalização do direito frente à COVID-19.

Palavras-chave: coronavírus; COVID-19; direito civil; direito trabalhista.


1. Introdução

Com inimagináveis proporções mundiais nos mais diversos campos da sociedade, sobretudo nas áreas da saúde e da economia, a pandemia da COVID-19 (infecção viral provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2) traz relevantes questionamentos e discussões na seara do direito.

No Brasil, tornou-se efervescente o debate jurídico sobre como este quadro pandêmico tem refletido, diretamente, em relações contratuais e trabalhistas, por exemplo. A comunidade acadêmica do Direito não se queda silente e ganha corpo a argumentação técnica com diversos artigos escritos por renomados juristas brasileiros. Assim, o presente artigo, em linhas gerais, busca trazer para a realidade contemporânea, a repercussão jurídica sobre o trágico e infeliz cenário trazida pela COVID-19 e seus impactos na sociedade, sob o viés jurídico.


2. O impacto da COVID-19 nas relações de consumo entre particulares

Na esfera negocial entre particulares, as quebras contratuais decorrentes dos graves prejuízos causados pelo coronavírus devido à total perda de utilidade do instrumento, ainda que unilateral, têm sido um dos mais discutidos assuntos na área do Direito Civil.

O advogado e professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Eduardo Elias de Oliveira indaga, em artigo de sua autoria, se é lícito ou ilícito romper antecipadamente contratos ou a alteração de condições contratuais, por meio de uma revisão contratual, em razão dos transtornos causados no Brasil pela pandemia do coronavírus.

Exemplificando: Como restará o interesse do consumidor que comprou passagem aérea para viajar a uma área que se tornou epicentro da COVID-19? E aquela reserva de hotel para uma viagem em família para região litorânea brasileira, que, devido à doença viral, tornou-se impraticável? Do outro lado da situação, questiona-se, como ficam os interesses das empresas aéreas e rede hoteleiras?

Parece ser mais assertiva e racional a análise casuística a fim de se respeitar a função social do contrato (expressa no Código Civil de 2002, arts. 421 e 2.035, parágrafo único) e o sopesamento dos interesses das partes (Lei 13.874/2019, Lei da Liberdade Econômica, art. 2º) uma vez que a revisão contratual pode-se mostrar economicamente mais interessante do que a extinção litigiosa. Logo, se possível, por exemplo, remarcar a passagem aérea e reagendar a reserva de hospedagem no hotel têm soado como boas alternativas.

Nessa esteira, Oliveira (2020) reflete que são inúmeros os contratos que perderam totalmente a utilidade para, ao menos, uma das partes. Além do mais, diversos eventos foram cancelados, fazendo perder-se a utilidade de viagens e, consequentemente, causando um esfriamento da economia. Assim, o mencionado professor levanta a seguinte questão “ a parte que perdeu a interesse o objeto do contrato por conta do ambiente tempestuoso causado pelo coronavírus pode ou não pedir a resolução ou a revisão do contrato? ” e, de pronto, responde que sim, pode haver a resolução ou revisão contratual “salvo se houver cláusula contratual bem específica em contrário ou se se tratar de um contrato aleatório que tenha os percalços de uma pandemia como abrangido pela álea”.

De modo geral, brevemente, é pertinente ressaltar que o jurista deve guiar-se tanto pelas interpretações das cláusulas contratuais quanto da integração de possíveis lacunas decorrentes da pandemia, não se olvidando de levar em conta a razoabilidade e a preferência da aplicabilidade da conservação do negócio jurídico, para que nenhuma das partes arquem com prejuízos inequiparáveis (OLIVEIRA, 2020).

Seguindo esta linha de raciocínio, Flávio Tartuce (2020) alerta para que, nessa realidade fática da pandemia, não se perca de vista algumas retificações que permitam manter os ajustes para salvar os contratos. O civilista relembra que a revisão contratual é a regra enquanto a resolução é a exceção. Em artigo pertinente sobre a situação pandêmica e as relações contratuais intitulado: “ O coronavírus e os contratos - Extinção, revisão e conservação - Boa-fé, bom senso e solidariedade” o doutrinador escreve sobre a vigente conjuntura contratual:

(...) é sempre recomendável o atendimento aos deveres de informar e de transparência, relacionados à boa-fé objetiva. Assim, penso que as partes devem, sempre que possível e imediatamente, comunicar qual a sua situação econômica e se pretendem ou não cumprir com as suas obrigações futuras. No caso da impossibilidade de cumprimento, é saudável que a parte apresente já um plano de pagamento, com diluição das parcelas no futuro (TARTUCE, 2020).

Acrescenta-se, ao já exposto até aqui, as lições dadas pelo Doutor em Direito Civil e Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Eduardo Nunes de Souza em conjunto com o advogado e Mestre em Direito Civil, também pela UERJ, Rodrigo da Guia Silva, no texto “Resolução contratual nos tempos do novo coronavírus” sobre a importância do jurista balizar os pormenores que permeiam cada relação contratual através de uma análise sensível, pontual e individualizada, são as seguintes:

Particularmente em matéria contratual, deve, ainda, perquirir se e em que medida as circunstâncias da disseminação da COVID-19, sem dúvida alarmantes, efetivamente comprometeram o originário equilíbrio de interesses de cada contrato concretamente considerado. A rigor, este será, ainda e sempre, o critério balizador, seja dos institutos autorizadores da resolução contratual, seja de eventuais pedidos revisionais (SOUZA; SILVA, 2020).

Com isso, cristaliza-se o dever de atenção à busca pelo consenso entre os contratantes, de forma a fomentar não só o equilíbrio dos interesses das partes, mas também resguardar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional, expressos na Constituição Federal de 1988 (art. 3º, I, II).


3. As modificações temporárias na área trabalhista decorrentes das Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020

Editada em 22 de março de 2020, a Medida Provisória (MPV) 927/2020 dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), e dá outras providências (BRASIL, 2020).

Vale alertar que a MPV em questão reconheceu a hipótese de força maior, na forma prevista no art. 501 da CLT.

Dentre as medidas que mais trouxeram dúvidas tanto para a classe trabalhadora quanto para os empregadores, em rol não exaustivo, pode-se destacar a antecipação da concessão de férias (individuais e coletivas) e a alteração do regime de trabalho presencial para outras formas como o remoto, teletrabalho ou “home office”. De maneira breve, o presente artigo discorrerá, com bases legais e interpretações casuísticas, sobre alterações na seara trabalhista, que suscitam dúvidas práticas, provenientes da MPV 927/2020.

Somando-se a isso, no dia 1º de abril de 2020, a MPV 936/2020, publicada pelo Governo Federal, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispos sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

É pertinente a observação de alguns aspectos que serão apresentados em seguida.

3.1. MPV 927/2020: Da antecipação da concessão de férias (individuais e coletivas)

Com o intuito de preservar a relação de emprego na situação de calamidade pública e também para tentar reduzir impactos econômicos no país, o Governo Federal editou a MPV 927/2020, que permitiu ao empregador conceder férias individuais ou coletivas de maneira antecipada aos trabalhadores.

Ao analisar os prós e os contras no âmbito econômico-trabalhista e da saúde, pode-se elencar como pontos positivos o fato de que se reduz, significativamente, a aglomeração de pessoas, evitando o aumento do número de contagiados, e antecipa-se um direito legal como medida para se evitar a demissão sem justa causa; por outro lado, sob um viés negativo, há significativa redução da força de trabalho, podendo acarretar até na paralisação de um setor, e também causar desajustes financeiros no fluxo de caixa do empregador devido à necessidade de antecipação de natureza pecuniária àqueles que forem gozar férias.

Em linhas práticas: imagine, você, empregador, após realizar o planejamento financeiro anual, ser surpreendido por essa infeliz e catastrófica doença viral que atinge diretamente seu quadro de funcionários, podendo colocar em risco a integridade física de incontáveis pessoas bem como a saúde do seu negócio. Como lidar com a possibilidade de antecipar férias, que esbarra no orçamento mensal já, previamente, programado? Marchi e Biancalana (2020) posicionam-se à luz da MPV em questão:

É possível, porém, que a empresa não tenha programado a concessão das férias anuais nesta época, o que pode ter implicações negativas para o fluxo de caixa. A MP apresenta então duas alternativas para diminuir os impactos financeiros decorrentes da antecipação de férias: (i) dilação de prazo para pagamento das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do período de descanso; e (ii) possibilidade de pagamento do adicional de 1/3 sobre as férias até o dia 20/12/2020.

E finalizam:

Do ponto de vista legal e da condição de força maior instaurada, não se vislumbram prejuízos às partes, pois o direito fundamental às férias anuais resta preservado, assim como o direito potestativo do empregador no particular, inclusive com redução nos procedimentos burocráticos e ganho de prazo para pagamento da remuneração (MARCHI; BIANCALANA, 2020).

Por fim, é necessário atentar-se ao fato de que a concessão de férias individuais pode ser adotada de forma unilateral pelo empregador (art. 134, CLT c/c art. 6º MPV 927/2020), já as férias coletivas devem ser comunicadas com antecedência mínima de quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com indicação do período a ser gozado pelo empregado (art. 6º, MPV 927/2020) e, as férias coletivas, no período de vigência da MPV, estão dispensadas de serem comunicadas pelo empregador de maneira prévia ao órgão local do Ministério da Economia (art. 12, MPV 927/2020). Por último, mas não menos importante, merece destaque que os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus (COVID-19) serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas (art 6º, § 3º, MPV 927/2020).

3.2. MPV 927/2020: Da flexibilização do trabalho presencial por meio do “home office”

Dá-se o nome de “home office” ao trabalho realizado de forma remota, eventual, à distância e, em geral, na casa do próprio empregado, entretanto há ressalvas a serem feitas. Conforme explica Wahle (2020) o trabalho em domicílio (“home office”) não é teletrabalho; este é um regime alternativo, enquanto aquele não altera o regime, porém, MPV 927 (art. 4º, § 1º) deu tratamento equivalente a ambos durante estado de emergência.

Com a disseminação da COVID-19 e a necessidade de isolamento social, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil, este tipo de trabalho tornou-se alternativa à proteção do vínculo empregatício e, também, da proteção à saúde do trabalhador, do empregador e do ambiente de trabalho como um todo. No entanto, por não ser uma forma de trabalho tão usual no cotidiano dos brasileiros surgem variadas dúvidas. Para clarear o assunto, é necessário que se conheça algumas diretivas.

De antemão, é importante que os funcionários estejam de acordo com a política de “home office” sugerida pelo empregador e assinem um termo aditivo ao contrato de trabalho com regras estabelecidas para essa modalidade laboral, conforme previsão legal do art. 75-A e seguintes da CLT.

Mendes, Guidi, Galo e Nascimento (2020) alertam para fatos importantes a serem observados pela empresa e que o empregador precisa conhecer, em caso de adotar-se o “home office”:

Neste caso (de se adotar o “home office”), a empresa deve arcar com o pagamento do salário integral e será necessário ajustar as regras sobre os custos deste tipo de serviço (infraestrutura, luz, internet, etc.) mediante política interna ou aditivo contratual firmado em até trinta dias após a alteração do regime de trabalho. Observamos que alterações prejudiciais aos contratos e às condições de trabalho são vedadas. O regime quanto ao controle de jornada e às horas extras (se cabíveis ou não) deve permanecer inalterado.

Para alinhar os interesses do empregador com as funções a serem desempenhadas pelo empregado, remotamente, é aconselhável alinhar diretrizes de tarefas a serem desempenhadas, horários e entregas, por exemplo.

Além do mais, possíveis reembolsos de despesas arcadas pelo empregado serão previstos em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho, conforme preconiza o art. 4º, § 3º, da MPV 927/2020.

Por fim, é salutar que ambas as partes conheçam o teor do art. 4º, § 4º, I da MPV 927/2020, a saber que na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial.

Posto isso, é possível perceber que a MPV 927/2020 buscou abarcar flexibilizações tanto para o trabalhador quanto para o empregador, com a finalidade de proteger a relação de emprego e, sobretudo, o combate à pandemia e a preservação da vida.

3.3. MPV 936/2020: Dos objetivos, das medidas e das suas consequências práticas

A norma editada pelo Presidente da República, com aplicação durante o estado de calamidade pública, tem o objetivo expresso de preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e de reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública (art. 1º, I, II e III, MPV 936/2020).

Três são as medidas, de caráter intervencionista e protecionista, adotadas pelo Executivo: o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (art. 3º, I), a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários (art. 3º, II) e a suspensão temporária do contrato de trabalho (art. 3º, III).

No entanto, o parágrafo único do art. 3º limita tais medidas, de modo que elas não se aplicam, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos organismos internacionais.

Vale destacar que fica sob a competência do Ministério da Economia a coordenação, execução, monitoramento e avaliação do Programa, bem como a edição de possíveis normas complementares que podem fazer-se necessárias no decorrer de sua execução (art. 4º).

3.3.1. Serão possíveis reduções proporcionais de jornada de trabalho e de salário?

De início, a resposta é SIM. É fundamental, tanto para o empregador quanto para o empregado, compreender como isso pode ocorrer. Para isso, explica-se:

  1. Para 25% de redução do salário e da jornada, o empregador passa a receber o Benefício Emergencial correspondente a 25% do valor do seguro-desemprego, sendo, ainda, possível de se fazer um acordo individual entre as partes, qualquer que seja o salário devido.

  2. Caso as reduções, de salário e jornada, sejam de 50%, o valor do Benefício será de 50% do valor do seguro-desemprego, porém será possível um acordo individual apenas para empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 ou para empregado portador de diploma de nível superior com salário acima de R$ 12.202,12.

  3. As mesmas condições do item B referentes a possibilidade de acordo individual aplica-se à redução de 70% da redução de salário e jornada com Benefício correspondente a 70% do valor do seguro-desemprego.

Caso o empregado receba entre R$ 3.135,01 e R$ 12.202,11, as reduções superiores ao percentual de 25% somente podem ser realizadas mediante prévia negociação sindical.

Além disso, faculta-se ao o empregador ajustar os percentuais de redução diferentes dos indicados desde que haja negociação coletiva, observando a proporção do pagamento do benefício emergencial previsto na norma em questão.

É a inteligência dos artigos 7º, 8º e 9º c/c arts. 11 e 12 da MPV 936/2020.

3.3.2. Há possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho?

A resposta é positiva. Sim, é possível a suspensão. Tal feito está discriminado na Seção IV, art. 8º da MPV.

Para não restarem dúvidas sobre em que consiste essa suspensão, Massei, Marchi e Takano (2020) explicam que a referida suspensão consiste no ajuste individual ou coletivo para suspensão do contrato de trabalho pelo empregador, com o pagamento de até 30% do salário do empregado e a concessão do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda pelo governo federal.

O empregado e o empregador devem firmar acordo individual escrito. Para empresas com faturamento superior a R$ 4.8000.000,00 será devida ao empregado uma ajuda compensatória mensal equivalente a 30% de seu salário, enquanto estiver em vigência a suspensão pactuada entre as partes. Ademais, a suspensão não será superior a 60 dias – é possível o fracionamento – e sobre esta verba compensatória não incidirá tributação.

Outra observação importante é a necessidade de prévia negociação sindical de que a suspensão para os empregados que ganham entre R$ 3.135,01 e R$ 12.202,11. Para os empregadores fica o alerta ao dever de informar a suspensão temporária do contrato de trabalho, no prazo de dez dias, contado da data da celebração do acordo (art. 5º, § 2º, I).

3.3.3. Qual é o valor do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda? Como calculá-lo?

O pagamento do Benefício terá como base o valor da parcela do seguro-desemprego, levando em conta a média salarial dos últimos três meses, portanto:

a.1) Para média salarial acima de R$ 2.666,26 o valor da parcela será de R$ 1.813,03

b.1) Com média entre 1.599,62 e R$ 2.666,26, o valor excedente a R$ 1.599,61 deve ser multiplicado por 0,5 (50%) e somado a R$ 1.279,69.

c.1) Se a média for de até R$ 1.599,61 o valor da parcela será a multiplicação da média obtida por 0,8, ou seja, 80%.

Exemplificando:

a.2) Se a média de Cláudia é R$ 2.857,25 sua parcela será de R$ 1.813,03.

b.2) Para João Carlos que possui média de R$ 2.620,41 a parcela a ser recebida é no valor de R$ 1.790,07. Aqui se faz: { [ (2.620,41 – 1.599,62) * 0,5 ] + 1.279,69}. O valor obtido deve ser sempre menor que R$ 1.813,03.

c.2) Para Maria que possui média de R$ 1.500,00 sua parcela será de R$ 1.200.

Para solidificar o entendimento, mais uma situação hipotética, dessa vez vale apresentar a casuística “ipsis litteris” de Massei, Marchi e Takano (2020):

Para um empregado que, nos últimos três meses, teve uma média salarial de R$ 2.000,00, o valor de cada parcela do seguro-desemprego seria de R$ 1.479,87.

Caso esse empregado venha a ajustar com o empregador um acordo de redução de jornada na proporção de 50%, caberá mensalmente:

À empresa pagar 50% do salário do empregado, que, no caso, corresponde a R$ 1.000; e

Ao governo federal pagar 50% do valor do seguro-desemprego, que, no caso, corresponde a R$ 739,94.

Assim, durante o período de redução de jornada, o empregado em questão receberá mensalmente R$ 1.739,94, isto é, praticamente 87% do seu salário original.

3.3.4. MPV 936/2020: contextualizando

É rico o conteúdo da MPV, e aqui colecionou-se dúvidas frequentes e pertinentes de trabalhadores e empregadores, entretanto, por ser de vasta abrangência e conteúdo, não teve seus pormenores esgotados. Recomenda-se sua leitura integral para maiores esclarecimentos que possam surgir.

Diante do quadro pandêmico na saúde, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário necessitam intervir nas esferas pública e privada para socorrer todas as classes sociais, segundo o princípio constitucional da igualdade.

A intenção de acertar é sempre presente, no entanto surgem questionamentos. Ao referir-se às entidades sindicais, Menezes (2020) - advogado e professor de direito processual do trabalho - destaca que a MPV 936/2020 apresenta injustificável depreciação do papel das entidades representativas dos trabalhadores na negociação desses acordos.


4. Considerações finais

O ano de 2020 já possui capítulo garantido nos livros de História. Juntamente com a Peste Negra (século XIV) e a Gripe Espanhola (século XX), agora a COVID-19 (século XXI) entra para a lista de trágicos acontecimentos na história recente da humanidade que ceifaram centenas de milhares de vidas. No entanto, nunca o conhecimento científico e o uso de tecnologias foram tão valorizados em prol da humanidade como neste momento, tendo em vista que o combate à pandemia é global e os avanços da medicina aliados às informações corretas de prevenção têm salvado muitas vidas.

Nesse contexto, o direito, como eminente ferramenta social, debruça sobre os problemas sociais decorrentes das relações humanas interferidas pela pandemia ocasionada pelo coronavírus. Relações contratuais, de consumo e trabalhistas, por exemplo, em questão de dias ou semanas sofreram mudanças abruptas e a sociedade socorre-se ao conhecimento jurídico para tutelar seus interesses.

Relações consumeristas frustradas, elucidações de revisões contratuais e implementações de formas alternativas de trabalho e possibilidades de reduções de jornadas de trabalho e de salários têm sido algumas das inúmeras casuísticas interpretadas pela ciência jurídica com a finalidade de fornecer proteção jurídica sem ferir a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, o desenvolvimento social e econômico e, sobretudo, salvaguardando o bem mais precioso: a vida.


5. Referências Bibliográficas

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Autor

  • Afonso Luís dos Santos Sales

    Bacharel em Química Ambiental pela UNESP (2015), professor de química para ensinos fundamental e médio. Ingressou no curso de Direito (UNIFEV) em 2018 com formação prevista para 2022. Áreas de interesse : Direito Civil, Empresarial e Trabalhista. Em busca de adquirir e transmitir conhecimentos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Afonso Luís dos Santos. Os impactos da covid-19 nas relações contratuais e trabalhistas. Análise das Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6169, 22 maio 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81028. Acesso em: 28 mar. 2024.