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Registro Civil

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Agenda 11/06/2011 às 08:03

APONTAMENTOS FINAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil, ao estabelecer como fundamento da República a Dignidade da Pessoa Humana, superou o individualismo. Elegeu a pessoa, em sua dimensão humana, como núcleo irradiador do ordenamento jurídico.

Dentro desta nova visão do Direito, de maior privilégio às situações existenciais, mostra-se producente enfatizar os Direitos da Personalidade, onde sobrevalessem a proteção aos Direitos Essenciais da Pessoa. Desta forma tem-se que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, transcrição do preceituado no artigo 1º do Código Civil Brasileiro. Esta concepção decorre do reconhecimento da personalidade de forma universalizada.

Os Direitos da Personalidade são a inclinação para se titular direitos e deveres inatos ao homem, ou seja, a possibilidade de participar de uma relação jurídica; de se ser sujeito de direitos de forma ínsita. Desta forma se afigura razoável a codificação destes, não obstante a tutela conferida pela Carta Magna e por leis esparsas. O adentramento no código civilista é salutar por esclarecer e sistematizar de modo efetivo os direitos ora em comento. Com o Código Civil, resta regulamentado o nome enquanto Direito da Personalidade, entendimento inscrito em seu artigo 16, donde se depreende que toda pessoa a este faz jus.

Neste contexto a questão do nome assume ares de cidadania, exercida quando se conhece e reconhece os indivíduos como destinatários de direitos e garantias individuais. Assenta-se este entendimento por se considerar que é com o Registro Civil que se formaliza a existência humana no mundo culturado, sendo um elemento fundamental, ainda que sua eficácia dogmático-jurídica seja meramente declaratória. Com este se pode trazer para o mundo do Direito cerca de oitocentas mil crianças por ano, que têm sua existência jurídica negada pelo não-registro, vivendo, pois, à margem do sistema instituído.

Do ponto de vista estrito aponta a locução cidadão para a possibilidade de votar e ser votado, ou seja, fruição dos Direitos Políticos. A noção de cidadania que aqui interessa, todavia, diz pertinência à destinação de direitos e garantias individuais. Ora, quem não é parte do sistema não pode ser destinatário de nada, já que por uma questão lógica não se posta uma correspondência sem ter alguém para recebê-la. Neste ponto o Registro Civil é o endereço que possibilita a pessoa ser o alvo de políticas públicas, já que este torna evidente sua situação jurídica: idade, naturalidade e filiação. A publicização destes dados permite ao Estado maior controle das demandas sociais, possibilitando uma intervenção efetiva do ponto de vista econômico e sanitário.

Por certo o Registro Civil não cria uma pessoa. É essencial, contudo, para que a esta alcance status de cidadã, pois sem este não há existência formal. Sem esta formalidade a inserção na marginalidade social é o único caminho a se trilhar, uma vez que nas relações extrafamiliares há total imperatividade documental.

Carteira de identidade, cadastro de pessoas físicas no Ministério da Fazenda, título de eleitor, carteira de trabalho, passaporte, entre outros, são documentos corriqueiros no dia-a-dia. Não existem, todavia, sem um prévio Registro Civil. Assim este é requisito para o trabalho, fundamento da República, anunciado no artigo 1º, IV da Constituição, e da ordem econômica, conforme artigo 170.

Da mesma forma é pressuposto para a feitura da carteira de identidade. No Ministério da Fazenda é condição para o cadastramento, base das relações comerciais. Até mesmo o Direito de Ir e Vir fica cerceado sem o Registro Civil, pois não se pode ir além das fronteiras sem um passaporte, que por evidente presume o registro da pessoa.

O nome, assim como o estado civil e o domicílio, é um dos elementos que individualizam a pessoa em sociedade. Caracteriza-se por ser: absoluto, inalienável, imprescritível, irrenunciável, impenhorável, intransmissível. Por essa razão é chamado personalíssimo.

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Na formação do nome destaca-se tradicionalmente o prenome e o sobrenome. Nada obsta, todavia, que outros elementos possam compô-lo, como o cognome, também chamado apelido, e o agnome, cuja função é retomar laços genealógicos, comumente se valendo dos vocábulos Júnior, Filho, Neto e Sobrinho.

A Lei de Registros Públicos consagra a definitividade do nome. No artigo 58 cuida precisamente do prenome, asseverando ser este definitivo mas antevendo a possibilidade de sua alteração. Esta mesma lei colaciona outras hipóteses de alteração: adoção de apelidos públicos e notórios – artigo 58, caput; coação ou ameaça – artigo 58, parágrafo único; exposição ao ridículo – artigo 55, parágrafo único.

A legislação extravagante também cuida da possibilidade de alteração, como a adoção, prevista no artigo 47, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente e 1.627 do Código Civil e a tradução ou adaptação do nome estrangeiro, cuja previsão é feita pelo Estatuto do Estrangeiro – Lei nº 6.815/80 – em seu artigo 43.

Além das hipóteses expressamente consagradas pela legislação pátria, os tribunais têm ampliado o rol de possibilidades de mudança do nome, por exemplo, nos casos envolvendo o transexualismo. Estas decisões têm sido fundamentadas, em sua maioria, no artigo 55, parágrafo único da Lei de Registros Públicos, posto que tendo sido alterada a manifestação fenotípica da sexualidade, a mantença de um nome com base no genótipo tem potencial de submissão de seu portador ao ridículo.

Os casos envolvendo sexualidade precisam ser entendidos dentro do contexto de consideração que homens e mulheres pertencem à mesma raça: a humana. Ninguém é superior a ninguém, sendo o sexo biológico uma contingência que não autoriza nenhum tipo de discriminação. Sendo este contingencial, não subsistem argumentos para que seja forma de negação da identidade pessoal, verdadeiramente uma garantia da Pessoa Humana.

Tratando-se do transexualismo, mais dolorosa que a ablação física sofrida é a negação da real identificação pelo Poder Público, sobretudo nas hipóteses em que o nome foi incorporado de fato ao patrimônio ético do portador. Violência maior que sofrida pelo indivíduo a apresentar cisão genofenotípica é a privação forçada de um bem enraizado na intimidade.

A identidade pessoal, operacionalizada a partir do Registro Civil, é o modo de ser e de estar da pessoa em sociedade, na qual se impregnam qualidades e defeitos, realizações e aspirações externadas, bagagem cultural e ideológica. Enfim, é o direito que todos os indivíduos têm de serem eles mesmos. A identidade sexual, a seu turno, é um dos aspectos mais importantes e complexos da identidade pessoal, formada na estreita vinculação com a pluralidade de direitos associados ao desenvolvimento da personalidade.

O nome, símbolo de identidade, não é mera reclamação objetiva para o convívio humano. Da mesma forma não se resume à síntese documental de elementos morfossintáticos atribuídos às pessoas. Trata-se, em verdade, de registro subjetivo que constituiu atributo impregnado à personalidade, integrante, pois, da auto-imagem. Através deste a pessoa é percebida e identificada, por si e pelos seus.


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Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. Registro Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2901, 11 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19299. Acesso em: 23 nov. 2024.

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