O Supremo Tribunal Federal, a corte constitucional do país, reconheceu às uniões homoafetivas, na data de 05/05/2011, o status de entidade familiar, estendendo a estas relações a mesma proteção destinada à união estável prevista no artigo 226, § 3º, da Constituição Federal (CF), e no artigo 1723, do Código Civil.
Deste julgamento, proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277, direitos fundamentais até então negados aos casais formados por pessoas do mesmo sexo foram-lhe estendidos, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da intimidade e privacidade, privilegiando como conseqüência a proteção contra quaisquer tipos de discriminação.
Destarte, o ato do Tribunal da instância máxima do país serviu como resposta à inércia do Poder Legislativo em regular, por meio dos projetos de lei que há muito estão parados em suas pastas, a marginalidade sob a qual os casais homossexuais e toda a comunidade LGBT se encontravam frente à base jurídica fundamental conferida, distintamente, às uniões heterossexuais.
Ou seja, o referido Poder não cumpriu com a sua simples obrigação de reconhecer às mencionadas minorias o que a lei jamais proibiu ou previu: que as "sociedades de fato" reguladas pelo direito das obrigações, como as relações homossexuais até então eram tratadas juridicamente, passassem a ser dignas de direitos e deveres previstos no direito da família.
Por outro lado, a par dos argumentos contrários, no sentido de que o STF estaria ultrapassando a indigitada divisão de poderes ao suprir a lacuna deixada pela lei civil, como se legislando estivesse, a própria função e competência conferidas pelo constituinte ao Tribunal Superior já atribui indiscutível eficácia à referida decisão, segundo, inclusive, a Emenda Constitucional nº 45/2004, que alterou o § 2º do artigo 102 da Constituição Federal.
O referido julgado produz eficácia contra todos e perante todas as instâncias do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta.
Significa dizer, portanto, que, desde a sua publicação, a decisão na ADI 4277 já pode ser utilizada para fundamentar quaisquer questões relacionadas com o seu conteúdo, ou seja, caso seja negado a algum casal homoafetivo o reconhecimento de direitos e deveres inerentes à união estável, desde que devidamente comprovada, tais casos poderão ser discutidos judicialmente, com provável procedência da ação.
Com este entendimento, o STF apenas interpretou a lei civil conforme a Constituição, no que diz respeito à aplicação da união estável entre pessoas do mesmo sexo, tendo em vista que tanto o § 3º do artigo 226 da CF, regulamentada pela Lei federal nº 9.728/96 (lei que rege as uniões estáveis), assim como o artigo 1723 do Código Civil, jamais proibiram o reconhecimento destas relações, seja por omissão, seja porque nem mesmo poderiam fazê-lo se considerasse a proibição em confronto com os direitos fundamentais insculpidos na lei constitucional.
Assim, o casal homoafetivo poderá registrar sua união, como estável, desde que esta possua os requisitos de apresentar-se como pública, contínua, duradoura e com a intenção de constituir família.
Para o contrato de convivência não há forma exigida, bastando a capacidade das partes e a manifestação livre das vontades, admitindo-se tanto um contrato particular como por escritura pública, registrado perante um cartório de registro civil ou de notas, com a apresentação de documentos pessoais, como RG, CPF e certidão de nascimento, além de comprovante de residência. São necessárias, ainda, duas testemunhas para atestar a existência de estabilidade e publicidade na união.
As cláusulas deste contrato podem tratar de todos os assuntos concernentes a direitos disponíveis, inclusive sendo permitido aos conviventes que estabeleçam outra espécie de regime de bens que não o da comunhão parcial. No silêncio, contudo, será aplicado este regime, por expressa previsão em lei.
O registro é necessário para fazer prova da união estável perante quaisquer órgãos dos quais se requeira algum direito ou perante o qual tenha o casal algum dever proveniente da união, produzindo, conseqüentemente, efeitos perante terceiros.
Os companheiros poderão, desta forma, requerer pensão, estabelecer o regime de bens, suceder à herança, bem como requerer benefícios previdenciários e a adoção conjunta, entre obter a concessão de outros direitos previstos para a união estável.
A conversão da união estável em casamento também pode ser requerida, mas normalmente necessita de discussão judicial, a depender dos entendimentos pontuais dos tribunais, já que, apesar de a lei civil prever que tal conversão deva ser facilitada, o casamento civil ainda não foi reconhecido aos casais homoafetivos, esbarrando tal questão nas normas aplicáveis ao matrimônio.
Não obstante, já existem decisões conferindo o direito ao matrimônio entre homossexuais, como as proferidas recentemente pela 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca do Recife, que oficializou, em 18.08.2011, o segundo casamento entre pessoas do mesmo sexo em Pernambuco com efeitos imediatos e sem necessidade de celebração. Porém, tal ato só se tornou possível após a decisão na ADI 4277, do Supremo Tribunal Federal.
Entre outros direitos, a adoção por casais do mesmo sexo já vem sendo possível, pois a jurisprudência brasileira desempenhou grande papel evolutivo nessa seara, mesmo antes da discussão travada no STF, com o deferimento de adoções conjuntas a casais homossexuais deferidas pelo STJ, estando presentes os requisitos do artigo 42, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA exige a união pelo matrimônio ou por união estável, a estabilidade da família, a idoneidade dos adotantes, entre outras condições de parentalidade a serem comprovadas por relatório social, visando sempre agregar o infante a uma família que lhe traga os melhores benefícios, sendo que qualquer impedimento legal que se vislumbrasse ou que se vislumbre para esta adoção em nada pode dizer respeito à opção sexual dos pretensos pais adotivos.
E, ainda, no Recurso Especial 889852 / RS, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª Turma do STJ, julgado em 27.04.2010, assentou-se que: a matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.
Bem como se observou que: diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas, realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência e na Academia Americana de Pediatria, "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores".
A OAB também discute o casamento e a adoção para casais gays, além do divórcio, proteção contra a violência doméstica, acesso à herança, além de punição a atos discriminatórios, pretendendo estendê-los a bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais. Um anteprojeto de lei e uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foram elaborados pela comissão de diversidade sexual do Conselho Federal do órgão e apresentados em 23.08.11.
Por outro lado, a jurisprudência tem decidido pela proteção jurídica em questões envolvendo a sucessão do companheiro sobrevivo na união homossexual, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos, como se extrai do julgamento, ainda em 10.06.2010, na Apelação Cível 70035804772, da 8ª Câmara Cível, que teve como relator o Desembargador Rui Portanova.
Na mesma linha, o Tribunal do Rio Grande do Sul, pela 1ª Vara de Família e Sucessões de Alvorada, na Ação de Dissolução de União Estável 003/1.07.0001956-8, julgada em 13/01/2009, aceitou a possibilidade de partilha dos bens amealhados durante o convívio, fundamentando tal entendimento pelo fato de ser a homossexualidade um fato social que acompanha a história da humanidade e que não pode ser ignorada pelo Judiciário, bem como afirmando a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, além da analogia, dos princípios gerais de direito e da boa-fé objetiva, na busca da concretização da justiça.
Quanto às discussões previdenciárias, nenhum óbice existe à concessão dos respectivos benefícios, tendo a Advocacia-Geral da União, no dia 04/06/10, reconhecido antes mesmo do julgamento do STF, que a união homoafetiva estável dá direito ao recebimento de benefícios previdenciários, seguindo, dessa forma, a linha do entendimento de tribunais, como os dos estados de MG e RS, e do próprio STJ, que já se conduziam pelo deferimento da união estável e de seus efeitos às relações entre conviventes do mesmo sexo.
De fato, o Ministério da Previdência Social reconhece desde o ano passado o direito de companheiros homossexuais à pensão como descendentes preferenciais – mesma condição de cônjuges e filhos menores ou incapazes -, pela Portaria 513/10.
Nesse cenário, a Segunda Turma do STF negou por unanimidade, em 16.08.11, recurso de agravo regimental interposto pela filha de uma das partes em união homoafetiva contra a concessão de benefício previdenciário de seu falecido pai ao companheiro dele, reportando-se à decisão do Plenário do Supremo na ADI 4277, que estendeu o conceito de família também aos casais do mesmo sexo que vivem em união estável.
Diversas decisões do Judiciário já reconheceram, ademais, o direito à inclusão de companheiro homossexual como dependente em planos de saúde, assim como o Ministério da Fazenda autorizou a inclusão de dependente em relação homossexual para fins de dedução fiscal na declaração do Imposto de Renda (IR) deste ano, de acordo com a notícia veiculada no site da Câmara dos Deputados em 28.02.2011.
Como se pode notar, portanto, desta simples e despretensiosa dissertação, um grande passo foi alcançado após a prudência do órgão protetor dos direitos fundamentais (STF) em conceder o estado de entidade familiar às uniões estáveis homoafetivas, pois a omissão, do porte como vinha sendo efetivada em prejuízo dessas relações, tratava-se mais do que um retrocesso legal e social, de uma verdadeira discriminação.