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O Estatuto do Idoso e a judicialização do direito à saúde

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27/10/2011 às 09:56
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Os idosos têm direito a pleitear os medicamentos e tratamentos médico-hospitalares necessários do Poder Público e reivindicar os meios públicos para lhes serem assegurados o direito à saúde, direito social fundamental do cidadão, de aplicabilidade e eficácia imediatas.

Resumo: O direito à saúde, dentre os direitos sociais, tem merecido maior reflexão pelo expressivo número de ações judiciais que reivindicam medicamentos, insumos e tratamentos médicos em face do Estado, especialmente pelos idosos que tem se valido do Poder Judiciário para coagir a Administração a cumprir o dever que a Constituição e o Estatuto do Idoso impõem. É tão expressiva a quantidade de ações judiciais com esse intuito, que o fato já vem sendo chamado de "Judicialização da Assistência Farmacêutica", "Judicialização da Saúde".

Palavras-chave: Direitos Sociais; Estatuto do Idoso; Judicialização do Direito à Saúde

Abstract:

The right to health, of social rights, has received further consideration by the significant number of lawsuits claiming drugs, supplies and medical treatment in the face of the state, particularly the elderly who have been using the judiciary to compel the Administration to fulfill the duty that the Constitution and impose Elderly Statute. It's so impressive the amount of lawsuits to this end, the fact is already being called "Judicialization of Pharmaceutical Care", "Judicialization of Health."

Keywords: Social Rights, Elderly Statute; Judicialization of the Right to Health


1.O Direito à Saúde

Dentre os direitos sociais, o direito à saúde merece maior reflexão, pelo expressivo debate ocasionado pelas ações judiciais que pleiteiam a prestação de serviços públicos na área de saúde [01].

Atualmente, a humanidade não hesita em afirmar que a saúde é um direito humano e que, como os demais direitos humanos, exige o envolvimento do Estado, ora para preservar as liberdades fundamentais, principalmente por meio da eficiente atuação do Poder Judiciário, ora para eliminar progressivamente as desigualdades, especialmente planejando e implementando políticas públicas. Trata-se, então, da reivindicação do direito à saúde [02].

O reconhecimento do direito à saúde, nas sociedades contemporâneas, tem sido objeto de polêmicas envolvendo políticos, advogados, cientistas sociais, economistas e profissionais de saúde [03].

Paulo Roberto Ramos Alves esclarece que o direito à saúde passou a ter maior destaque, a partir da proclamação da Constituição Federal de 1988, passando a figurar no cenário jurídico nacional como um direito social (art. 6º), Mas, ressalta ele, que,

[...] o constituinte foi além de sua proclamação como direito fundamental social, estabelecendo ainda, no artigo 196 da Carta constitucional, ser a saúde um direito comum a todos e cuja efetivação é obrigação do Estado. Atribuiu, dessa forma, mesmo que não explicito no texto constitucional, competência concorrente à União, Estados, Municípios e Distrito Federal de modo a promover sua proteção e defesa [04].

Além de estabelecer o direito à saúde, como direito social (atr. 6º), e defini-lo como um "direito de todos e obrigação do Estado", a Constituição Federal estabeleceu os princípios da universalidade do atendimento público de saúde (art.194, inciso I); do atendimento integral (art. 198, I); da participação complementar das instituições privadas (art. 199,); e, disciplina que: "A família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, (...) defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes a vida" (art. 230). Visando a regulamentação desses dispositivos, foram editadas as Leis n. 8.080 e 8.142/1990, que estabelece o Sistema Único de Saúde – SUS, e, posteriormente, a Lei n. 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, que dispõe sobre a proteção dos idosos, a fim de garantir o efetivo cumprimento das politicas públicas de saúde pública dos idosos.


2.O Estatuto do Idoso e o Direito à Saúde

O Estatuto do Idoso estabelece que os idosos, com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e, que "é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público", assegurar-lhes, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Após longos sete anos de tramitação no Congresso Nacional, o Estatuto do Idoso vem ao encontro dos anseios da população idosa, estabelecendo garantias necessárias à manutenção digna das condições de vida de seus titulares. Corroborando com as disposições sanitárias consagradas na Constituição Federal de 1988, emergem na Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003, diversos programas normativos, notadamente aqueles relacionados à saúde, os quais estabelecem competência para sua efetivação, bem como as mais diversas garantias relativas à saúde.

Acerca da importância do Estatuto do Idoso, Paulo Roberto Ramos Alves afirma:

O Estatuto do Idoso, no tocante à saúde, abre portas e dá novo ânimo às pessoas com idade superior a sessenta anos na incessante busca pela efetivação das promessas constitucionais sanitárias, fortalecendo, dessa forma, a garantia fundamental presente no art. 196 da Carta. O estatuto reforça a obrigatoriedade constitucional do Estado (bem como atribui tal responsabilidade à família, à comunidade e à sociedade) na efetivação do direito à saúde, trazendo em seu bojo previsões direcionadas, de modo que tal direito, no caso dos idosos, seja efetivado de forma plena e irrestrita [05].

A Lei n. 8.080/1990, que organiza o Sistema Único de Saúde em território nacional, estabelece, em seus artigos 6º e 7º, que entre as ações que se inserem no campo de atuação do SUS, encontra-se a de "assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica", que deve ser disponibilizada à população com observância da integralidade de assistência, entendido como "conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema".

No Título II, capítulo IV, o artigo 15 do SUS assegura a atenção integral, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, a um conjunto articulado e continuo das ações e serviços. A atenção integral compreende a prevenção e a manutenção da saúde do idoso. Incumbem ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

As instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e grupos de autoajuda.

Andréia Gomes Andrade Lima Vieira esclarecendo sobre o principio da proteção integral, assevera que,

o idoso, pessoa humana que é, goza de todos os direitos fundamentais inerentes a essa qualidade, direitos estes que estão estampados em todo o nosso sistema jurídico (CF/88 e demais leis), e agora também nesse seu Estatuto, que lhe assegura "proteção integral". Assim, visa assegurar-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade, dignidade e felicidade. Denota-se aqui o principio magno que rege todos os dispositivos do Estatuto do Idoso: o principio da proteção integral. [06]


3.As Políticas Públicas de Saúde dos Idosos

Para garantir o direito à saúde, o Estado brasileiro deve formular e implementar políticas públicas e prestar serviços públicos, contínuos e articulados, que garantam o acesso universal, igualitário e integral às ações e serviços de saúde, em todos os níveis de complexidade. [07]

Diante desses dispositivos legais, pergunta-se: os programas de promoção, proteção e recuperação da saúde dos idosos estão sendo implementadas? Essas "políticas públicas satisfazem as necessidades fundamentais ou estão orientadas a ofertar pacotes mínimos necessários para garantir a sobrevivência dos cidadãos idosos?" [08]

Sobre o tema, Fredy Hernán Pólo Campos questiona,

[...] se a atual oferta de serviços públicos de saúde está atendendo às necessidades e prioridades de saúde do idoso? A capacidade resolutiva está satisfazendo a perspectiva do cidadão idoso? As ações dos serviços de saúde estão atendendo às necessidades, desenvolvimento pessoal, familiar e comunal? Os serviços de saúde estão objetivando as necessidades do idoso com vistas à sua atenção? [09]

Segundo ele, as políticas públicas, expressam, por um lado, o reconhecimento dos direitos sociais de cidadania que fazem parte das condições de vida das populações; e pelo outro a proteção social como responsabilidade do estado. Para ele, entende-se por politicas públicas:

o conjunto de práticas e normas (programas de ação governamental) que emanam de um ou vários atores políticos. Toda política pública tem as seguintes características: um conteúdo, um produto, um programa ou marco geral de atuação, uma orientação normativa, um fator de coesão, consequência de autoridade dos atores públicos, e uma competência social que afeta os cidadãos e um território. [10].

Apesar do volumoso montante e verbas que são aplicadas anualmente em saúde, o fato é que, por diversos motivos, a maior parte da sociedade brasileira não vem gozando este direito. Para Campos,

A maior insatisfação está relacionada com o difícil acesso de tipo "estrutural" na medida em que o idoso quando procura o serviço de saúde público e evidencia escassos leitos hospitalares, superlotação (consulta, exames auxiliares, etc.), tempo prolongado de espera. As barreiras no acesso ao sistema de saúde fazem que o idoso opte por planos de saúde pagos por eles (privado); com isso, a responsabilidade de proteção social em alguns casos desloca-se para o idoso e sua família. [11]

Dentre os fatores que justificam o insucesso das politicas de saúde, Alessandro Coutinho [12] destaca a má administração dos gestores públicos, cuja maioria não tem a menor ideia de administração da estrutura do Estado, de seus princípios orientadores, e da força normativa da Constituição Federal. E, questiona:

Uma vez garantidos estes direitos sociais, realizadas estas promessas, poderia o Estado deixar de cumpri-las, fazendo da Constituição mera folha de papel? É neste ponto que entra em jogo a supremacia da Constituição e o dever de efetivá-la, o que é feito, em última análise, por seu principal guardião: o Poder Judiciário. [13]


4.A Judicialização do Direito à Saúde e o Direito dos Idosos

O assunto é cadente na comunidade jurídica, na comunidade médico-farmacêutica, na Administração e na imprensa. Isso porque a população tem se valido do Poder Judiciário para executar essa prestação, ou seja, o Judiciário tem sido provocado a coagir a Administração a cumprir o dever que a Constituição lhe impõe, garantindo, assim o exercício do direito à saúde.

O fornecimento de tratamentos e medicamentos por parte do Poder Público, inclusive por determinação judicial, ou seja, a denominada "judicialização do direito à saúde" tem sido alvo de acaloradas debates e debates doutrinários e jurisprudenciais.

O exercício do direito à saúde vem ganhando contornos nunca vistos, compelindo magistrados, promotores de justiça, procuradores públicos, advogados, entre outros operadores do direito, a lidarem com temas oriundos do Direito Sanitário e da política pública de saúde a lidarem com a garantia efetiva deste direito social.

O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, vem se deparando com um volume cada vez maior de ações judiciais individuais que reivindicam os mais diversos medicamentos, insumos, tratamentos e produtos de saúde em face do Estado, como garantia do direito à saúde resguardada constitucionalmente. [14]

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É tão expressiva a quantidade de ações judiciais com esse intuito, que o fato já vem sendo chamado de "Judicialização da Assistência Farmacêutica", "Judicialização da Saúde" ou "Fenômeno da Judicialização dos medicamentos", como escreve João Agnaldo Donizeti Gandini. [15]

Silvia Badim Marques [16] argumenta que,

Se, por um lado, a crescente demanda judicial acerca do acesso a medicamentos, produtos para a saúde, cirurgias, leitos de UTI, dentre outras prestações positivas de saúde pelo Estado, representa um avanço ao exercício efetivo da cidadania por parte da população brasileira, por outro, significa um ponto de tensão perante os elaboradores e executores da politica no Brasil, que passam a atender um número cada vez maior de ordens judiciais, garantindo as mais diversas prestações do Estado. Prestações estas que representam gastos públicos e ocasionam impactos significativos na gestão pública da saúde no país. [17]

O Direito Sanitário esteve em evidência com a realização de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre politicas públicas de saúde. Os ministros do STF ouviram cerca de cinquenta especialistas, entre magistrados, professores, advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), médicos e técnicos de saúde, nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009, sobre diversas questões que envolvem a garantia efetiva do direito à saúde no Brasil, intimamente relacionadas com as políticas públicas de saúde, e a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) [18].

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou, por meio de balanço que está sendo finalizado, que tramitam no Judiciário brasileiro, cerca de 240.980 processos judiciais na área de saúde – as chamadas demandas judiciais da saúde [19].

A maior parte destes processos se refere a reclamações de pessoas que reivindicam na Justiça acesso a medicamentos e a procedimentos médicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como vagas em hospitais públicos e ações diversas movidas por usuários de seguros e planos privados junto ao setor.

Os dados fazem parte de um estudo que está sendo realizado pelo CNJ, desde o ano passado, pelo Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde – nos tribunais de Justiça e tribunais Regionais Federais das cinco regiões.


5.A Judicialização da Saúde e as Decisões dos Tribunais Superiores

Em 30/04/2010, o STF julgou, o Agravo Regimental (SL 47 AGR /PE) que requeria a suspensão da execução da liminar proposta pelo Ministério Público Federal e Estadual contra o Município de Petrolina, Estado de Pernambuco e a União, e, assim decidiu:

EMENTA: Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde Pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas Públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação dos poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento. [20]

O Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em seu relatório, argumenta que:

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferaram-se em todas as instancias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público, passível de garantia pela via judicial. [21]

O Ministro declara, em seu voto, que o denominado problema da "judicialização do direito à saúde" ganhou tamanha importância teórica e prática, também para os gestores públicos, os profissionais da área da saúde e a sociedade civil como um todo. Destacou, ainda que, defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indispensáveis para a realização da dignidade humana; e, que o "mínimo existencial" de cada um dos direitos, exigência lógica desse princípio, não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial, ressaltando que,

Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais tem significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. [22]

Por sua vez, os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiram ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.136.549 – RS (2009/0076691-2), no dia 08/06/2010, proferindo a seguinte decisão:

ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros " (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido.

Em Mato Grosso do Sul, a Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) julgou, em 28/03/2006, o Agravo de Instrumento interposto pelo Estado em face da decisão proferida nos autos da Medida Específica de Proteção consistente em deferir a limitar pleiteada para determinar que o Estado viabilizasse a imediata internação da agravada no HE/Dourados, ou outro integrante do Sistema Único de Saúde, as expensas do Estado, proferiu a seguinte decisão:

EMENTA – MEDIDA ESPECÍFICA DE PROTEÇÃO – CONCESSÃO DE LIMINAR PARA DETERMINAR QUE O ESTADO VIABILIZASSE A IMEDIATA INTERNAÇÃO DA AGRAVADA NO HOSPITAL EVANGÉLICO DE DOURADOS (MS), OU OUTRO INTEGRANDE DO SISTEMA ÚNICO DE SAUDE, APTO A REALIZAR OS PROCEDIMENTOS CIRURGICOS RECOMENDADOS, E, NÃO SENDO POSSIVEL, EM QUALQUER HOSPITAL, PÚBLICO OU PRIVADO, QUE ESTEJA HABILITADO A FAZE-LO - APLICAÇÃO DO ESTATUTO DO IDOSO E DO ART. 196 DA CF – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSAO DA LIMINAR – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

O mérito deste agravo deve restringir-se tão-somente à verificação da presença ou ausência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Tendo o profissional médico atentado a necessidade do tratamento cirúrgico objeto desta medida liminar, e diante das normas estabelecidas pelo art. 15 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que assegura aos idosos a atenção integral à sua saúde, garantindo-lhe acesso universal e igualitário, bem como pelo art. 196 da Constituição Federal que assegura o direito à saúde a todos os cidadãos, resta firmada a caracterização da prova inequívoca do direito do impetrante, estando configurado o periculum in mora, em razão da irrefragável necessidade da obtenção em caráter de urgência do tratamento. Recurso conhecido e não provido. (TJMS 1ª T. Civ., Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves. 28.3.2006, Agr. Inst.)

No mesmo sentido, em 30/09/2009, a Quinta Turma Cível do TJMS, em julgamento de Recurso de Apelação interposto contra o Estado de Mato Grosso do Sul, proferindo a seguinte decisão:

EMENTA – APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ORDINARIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – FORNECIMENTO DE CIRURGIA APONTADA COMO NECESSÁRIA PARA O TRATAMENTO DE PESSOAS DESPROVIDAS DE RECURSOS FINANCEIROS – PATOLOGIA QUE IMPLICARÁ INCAPACIDADE LABORATIVA - PREMENTE INVALIDEZ PERMANENTE – INSCULPIDA NO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO – CUMPRIMENTO DE FORMALIDADES BUROCRÁTICAS – PRESCINDIBILIDADE – NÃO-CONFIGURAÇÃO DE AFRONTA COMETIDA À ORDEM ECONOMICA E ORÇAMENTARIA – IMPOSSIBILITADE DE QUE SEJA APLICADA A TEORIA DA RESERVA DO POSSIVEL – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante politicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196 da Constituição Federal de 1988).

É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves (REsp N. 507.205 – PR, do qual foi relator o Ministro José Delgado).

A subserviência a meras formalidades e previsões burocráticas contidas em Regulamentos Infra Legrais, não podem prevalecer em detrimento de um direito constitucionalmente garantido.

Não advirá do fornecimento de tratamento de saúde a um administrado necessitado lesão alguma aos cofres públicos, ainda mais quando tal obrigação encontra-se constitucionalmente prevista, realidade fática que torna inaplicável em casos análogos ao presente a teoria da reserva do possível.

Aflora-se necessária e urgente a intervenção cirúrgica quando esta implicará em redução da capacidade laborativa do paciente, frente ao agravamento diário do seu quadro clinico e a premente invalidez permanente. Recurso conhecido e provido. (TJMS, 5ª. T. Cível, Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva, 30.7.009, Ap. Civ.)

No mesmo entendimento, em 30/09/2010, a Quinta Turma Cível do TJMS em julgamento de Recurso de Apelação Cível, interposto contra o Município de Dourados, proferiu a seguinte decisão:

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO PARA TRATAMENTO DE PACIENTE IDOSO PORTADOR DE TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO – PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE – CONFUNDE-SE COM O MÉRITO – INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – OBRIGAÇÃO DO ESTADO LATU SENSU DE PRESTAR ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA POPULAÇÃO – DEVER CONSTITUCIONALMENTE PREVISTO – INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA – PEDIDO INICIAL PROCEDENTE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJMS, 5ª T. Civ. Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso, 30.9.2010, Ap. Cív. Ord.)

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Sobre o autor
Eliotério Fachin Dias

Professor de Direito na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, advogado licenciado pela OAB-MS, pós-graduado em Direito das Obrigações

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Eliotério Fachin. O Estatuto do Idoso e a judicialização do direito à saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20304. Acesso em: 22 nov. 2024.

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