CONCLUSÃO
O Estado Social de Direito, cujo ápice se verifica no Poder Executivo, utiliza-se da necessária regulação dos setores sociais, sobejamente o da saúde, para editar seguidos e sistemáticos regramentos, sempre visando uma melhoria na condição dos serviços oferecidos à população. A legalidade, quando se trata da saúde suplementar, é aplicada nos mais estritos limites, em especial com a criação de agência reguladoras, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Assim, adequar-se aos mais diversos regramentos normativos no setor da saúde suplementar é tarefa que estreita a margem de atuação econômica, culminando no controle duro e impiedoso das agências regulatórias.
Mas, com anseio nos regramentos constitucionais, em especial as disposições do artigo 170 e 199, as empresas envolvidas conseguem um norte de segurança jurídica, permeando um sistema sustentável. É que a Constituição, em sua extensão, prega a igualdade de direitos, inclusive nas relações de consumo, dando especial ênfase à livre iniciativa.
Um texto que pode ser classificado, nas acepções de Kant, como uma norma geral e abstrata (a priori), homenageando a lógica analítica, permite que o hermeneuta dialogue com os fatos concretos e chegue a uma conclusão mais próxima daquilo que denominou-se de razão pura.
Ainda que elaborado por premissas empíricas, o sistema constitucional brasileiro obtém êxito ao descrever as relações da saúde suplementar nos ditames da igualdade. A ANS, por sua vez, cumpre seu papel de proteção ao consumidor.
Todavia, o Poder Judiciário tem diligenciado no sentido da desconsideração desse regramento, que desvaloriza flagrantemente as instruções resolutórias para aplicar preceitos de ordem superior, em especial do CDC.
Trata-se, portanto, de um fenômeno cuja base está situada no contínuo e perigoso afastamento dos Poderes. Em que pese o sistema de freios e contrapesos estabelecido constitucionalmente privilegie uma atuação fiscalizatória entre eles, o que ocorre na prática é sua total desconsideração.
É necessário o controle, mas é preciso observar que existe uma atividade fim, com intuito de lucro. Não se trata, como se faz parecer, entidades filantrópicas. Assim, esmeiradas entre uma disputa de titãs, ficam as empresas à mercê da vontade de magistrados e fiscais que exigem, ora uma conduta, ora outra. Essa variação destrói a segurança jurídica, acaba com a calculabilidade e previsibilidade do sistema e resultam na inoperabilidade do setor.
Respeitar as normas infraconstitucionais é essencial, mas adequá-las a todo o complexo normativo envolvendo o setor, com especial vistas às disposições constitucionais, poderá devolver à saúde suplementar elementos de sustentabilidade. O hermeneuta deve evoluir, e atentar-se que hoje não é somente o consumidor que padece no arcabouço jurídico da área.
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Notas
- Prisma Econômico e Financeiro da Saúde Complementar 2009. ANS. Disponível em http://www.ans.gov.br/data/files/8A95886529B28D51012A155605B51C01/PRISMAfinal.pdf.
- Valor extraído do Caderno de Informação da Saúde Suplementar. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Rio de Janeiro. Setembro/2010. Disponível em www.ans.gov.br.
- Disponivel em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4924059. Acesso em 21/03/2011.
- Trata-se da essência extraída do pensamento de Lourival Vilanova em sua obra As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo (4ª Ed. São Paulo: Gnoeses, 2008).
- Idéia derivada da obra de Eros Roberto Grau intitulada de Ordem Econômica na Constituição de 1988 (São Paulo: Malheiros, 2009).
- O elemento calculabilidade advém das históricas considerações de Max Weber (Economia e Sociedade. Trad. José Medina Echeverria. México: Fondo de Cultura Economica, 1999, p. 834), que explica que a confiança no funcionamento da ordem jurídica e na administração constituem uma exigência vital do capitalismo.
- "Assim, partindo de Gadamer, Hesse mostra como o momento da pré-compreensão determina o processo de concretização: a concretização pressupõe a compreensão do conteúdo do texto jurídico a concretizar, a qual não cabe desvincular nem da pré-compreensão do intérprete nem do problema concreto a solucionar. O intérprete não pode captar o conteúdo da norma desde o ponto de vista quase arquimédico situado fora da existência histórica, senão unicamente desde a concreta situação histórica na qual se encontra, cuja elaboração (maturidade) conformou seus hábitos mentais, condicionando seus conhecimentos e seus pré-juízos." (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (em) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, pág. 244.)
- Conforme a própria autarquia preconiza em seu site: http://www.ans.gov.br/index.php/aans/quem-somos/historico.
- Nesta obra, muito embora se trate de uma forma épica de descrição de um ideal de justiça, percebe-se nela a aplicação pura e ininterrupta da lógica se "a" é igual a "b" e "b" igual a "c", então "a" é igual a "c".
- Vide livro "Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo", São Paulo: Noeses, 2005.
- Interessante destacar que, segundo Hobbes (2006), o papel do soberano é "estabelecer e promulgar normas, quer dizer, critérios de medida, gerais, de tal modo que cada pessoa saiba o que deve entender como próprio e como alheio, como justo e como injusto, como honesto e desonesto, bom e mau" (De cive, VI, 9). Essas normas "costumam ser chamadas de leis civis, ou seja, de leis do Estado, porque são ordens de quem detém a soberania no Estado".