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Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como microempreendedor individual.

Uma abordagem lógico-jurídica

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07/05/2012 às 11:20
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Deve-se permitir o ingresso no Simples Nacional à modalidade de serviço de tradução técnica, trabalho que já enseja um embrião de exercício de atividade empresarial.

"Ciò che ha richiesto un duro lavoro per essere raggiunto, poi appare naturale."  (Donata Feroldi)

[tradução livre de Donata Feroldi de trecho do livro I Ching – Livro das Mutações]

RESUMO

O advento da Era Informacional e do Conhecimento e as consequentes mudanças nas relações econômicas e de trabalho observadas nas últimas décadas estão a exigir do Direito uma readequação para que cumpra o seu papel de regulador e pacificador da vida em sociedade. As mudanças não foram poucas. O trabalho intelectual e a prestação de serviços à distância (tele trabalho autônomo) assumiram uma dimensão extraordinária dentro de uma nova ordem econômica baseada em relações em rede. Nesse contexto, o legislador brasileiro constitucionalizou a intenção de proteger e incentivar as microempresas e as empresas de pequeno porte, pilares mestres da nova ordem econômica. Seguindo o mesmo princípio, criou-se em 2006, através do Simples Nacional, uma série de incentivos tributários para as micro e pequenas atividades negociais. Mais recentemente, em 2008, instituiu-se a figura do Microempreendedor individual, formalizando atividades outrora relegadas a um plano marginal na economia. Porém, excluiu-se do rol das atividades beneficiadas com o novo enquadramento jurídico, a tradução. Esta monografia, por intermédio de uma análise lógico-jurídica amparada em revisão bibliográfica multidisciplinar, concluiu pela necessidade de inclusão da categoria dos tradutores técnicos no rol dos microempreendedores individuais. Seja por uma questão de isonomia constitucional, seja por uma questão de fomento a uma atividade estratégica dentro de um contexto de relações globalizadas, cuja única fronteira é a linguagem.

Palavras-chave: Globalização. Era Informacional e do Conhecimento. Microempreendedor individual. Trabalho intelectual. Teletrabalho autônomo. Simples Nacional. Microempresa. Empresa de pequeno porte. Princípio do Tratamento Favorecido. Tradução.

LISTA DE SIGLAS

art. – artigo

ABRATES – Associação Brasileira de Tradutores

ATA – American Translators Association

ATPMG – Associação Tradutores Públicos de Minas Gerais

B2B – Business to Business/negociante para negociante

CAT – Computer-aided translation tools

CBO – Classificação Brasileira de Ocupações

CC – Código Civil

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica

CNPL – Confederação Nacional das Profissões Liberais

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronômia

CSA – Common Sense Advisors

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

DOU – Diário Oficial da União

DTP – DeskTop Publishing/Editoração Eletrônica

DVD – Digital Versatile Disc/Disco Digital Versátil

EPP – Empresa de Pequeno Porte

FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos

FIPE/USP – Fundação de Pesquisas Econômicas/Universidade de São Paulo

GEM – Global Entrepreneurship Monitor

HTML – HyperText Markup Language/Linguagem de Hipertexto Baseado em Marcas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBPQ – Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade

IN – Instrução Normativa

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

ISO – International Organization for Standardization/ Organização Internacional para Padronização

LC – Lei Cmplementar

LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais

LDA – Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998)

LSB – Língua de Sinais Brasileira

ME – Microempresa

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MEI – Microempreendedor individual

Min. – ministro/ministra

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

NASDAQ – National Association of Security Dealers Automated Quotation System [Bolsa eletrônica americana]

NYSE – New York Stock Exchange [Bolsa de Valores de Nova Iorque]

NR – Norma Regulamentadora

NT – Nota técnica

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OCR – Optical Character Recognition/Reconhecimento Ótico de Caracteres

POD – Print On Demand/Impressão por encomenda

PJ – Pessoa Jurídica

REsp – Recurso Especial

RJ – Rio de Janeiro

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas Empresas

SIMPLES NACIONAL – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

SINTRA – Sindicato Nacional dos Tradutores

SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

TM – Translation Memory/Memória de Tradução

TPIC – Tradutor Público e Intérprete Comercial

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 evolução e caracterização das atividades laborativas. 2.1 o trabalho: antecedentes históricos. 2.2 A ERA DA INFORMAÇÃO: MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. 2.3 Caracterização das atividades laborativas. 2.3.1 Trabalho subordinado e trabalho autônomo. 2.3.2 Locatio operarum e locatio operis. 2.3.3 Trabalho manual e trabalho intelectual. 2.3.4 Profissional liberal e trabalhador autônomo. 2.3.5 Trabalho a distância, trabalho em domicílio, teletrabalho, trabalho eventual e intermitente. 3 o Mercado da tradução. 3.1 Tradução autoral. 3.2 Tradução pública e tradução de LIBRAS. 3.3 Tradução técnica. 4 o enquadramento da atividade de tradução no mei. 4.1 A microempresa e a empresa de pequeno porte. 4.1.1 O sistema Simples Nacional. 4.2 o microempreendedor individual. 4.2.1 Atividades intelectuais incluídas no rol do MEI. 4.3 a inclusão dA ATIVIDADE DE TRADUÇÃO NO SIMPLES E NO MEI. 4.3.1 Impossibilidade de enquadramento do tradutor autoral como MEI. 4.3.2 Impossibilidade de enquadramento do TPIC e do LIBRAS como MEI. 4.3.3 Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como MEI. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

 


INTRODUÇÃO

Esta monografia é o resultado de uma pesquisa empreendida com o objetivo de contribuir para o debate sobre a possibilidade de inclusão do ofício do tradutor no rol dos microempreendedores individuais, de acordo com as normas estatuídas pela Lei Complementar n. 128 de 2008.

O Legislativo, obedecendo ao preceito constitucional insculpido no art. 170, inciso X da CFRB/88, em sintonia com a nova ordem econômica que objetiva fortalecer as micros e pequenas empresas brasileiras, promulgou, em 2006, a Lei complementar n. 123, criando um novo sistema de arrecadação tributária simplificado, o Simples Nacional.

Dando prosseguimento a esta política, por intermédio da Lei Complementar n. 128, criou, em 2008, um novo tipo de agente econômico, o Microempreendedor Individual (MEI), como mecanismo de inserção na economia formal de inúmeros trabalhadores autônomos cujas atividades estavam incluídas no Simples Nacional.

Entretanto omitiu-se, na promulgação das citadas leis, quanto ao ofício da tradução, apesar da milenar importância social dessa atividade, que auxilia o comércio e as transações entre os povos, em uma economia que pretende ser global.

Por razões de ordem profissional, a autora interessou-se pelo paradigma que impede aos que exercem profissão intelectual de serem considerados empresários e de poderem exercer a própria atividade à guisa de microempreendedores individuais, o que permitiria evitar a carga tributária deveras pesada à qual são submetidos como autônomos. Através de fóruns específicos sobre tradução, registrou-se o mal-estar geral desses trabalhadores pela dificuldade de se firmarem no mercado como autônomos, quando na impossibilidade de emitir nota fiscal do serviço prestado. Fato é que eles não conseguem fechar contratos com as empresas públicas e privadas, em razão da necessidade destas de conter os custos dos excessivos encargos sociais, e por recearem possíveis repercussões na justiça do trabalho.

A pesquisa realizada é multidisciplinar, pois tangencia distintos ramos do Direito (Direito do Trabalho, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Autoral, Direito Empresarial e Direito Tributário). É importante salientar, ademais, que não se delimitou às doutrinas da ciência jurídica e do direito positivo, fazendo-se necessário estender o olhar para outras ciências humanas, abrangendo leituras complementares acerca da história da tradução e da sociologia do trabalho.

A escolha multidisciplinar alargada à história da tradução e à sociologia do trabalho é relacionada à ausência na literatura jurídica de artigos sobre a tradução, existindo um alto grau de interdependência com o tema em debate, o trabalho do tradutor. Não se pretende, entretanto, esgotar a discussão em relação a nenhum dos campos abordados, mas tão somente traçar um perfil que permita alcançar uma compreensão geral sobre o ofício do tradutor e do mercado em que opera, de forma que o tema delimitado pela pesquisa, seu enquadramento como microempreendedor individual, possa ser melhor analisado.

O objetivo é descritivo, utilizando-se, para tanto, o levantamento bibliográfico de artigos científicos e livros de renomados doutrinadores juristas, sociólogos e teóricos da tradução. Para conseguir alcançar os objetivos almejados, usar-se-á o método de abordagem dedutiva.

Além do capítulo introdutório, esta monografia está estruturada em mais três capítulos. No segundo capítulo, após uma descrição sumária da origem e da evolução do conceito de trabalho, far-se-á uma análise das transformações nas relações trabalhistas, em virtude das mudanças da sociedade no mundo globalizado. Em seguida serão definidos alguns dos conceitos operacionais utilizados na pesquisa: trabalho subordinado e trabalho autônomo, contrato de empreitada e contrato de prestação de serviço, trabalho manual e trabalho intelectual, profissional liberal e trabalhador autônomo, trabalho em domicílio, teletrabalho e teletrabalho autônomo.

No terceiro capítulo será esboçado um panorama geral sobre o mercado da tradução, ilustrando sumariamente a existência fática de mais de uma tipologia de tradução, cada uma com suas peculiaridades, descrevendo a evolução do ofício do tradutor, não mais exclusivamente restrito à atividade propriamente tradutória, mas englobando outros serviços e competências.

Por fim, será analisada no último capítulo a vedação de ingresso no sistema tributário do Simples Nacional de quem exerce atividade intelectual, prevista no art. 17, XI da Lei 123/2006 e as exceções à vedação do § 1º do mesmo artigo. Verificar-se-á, assim, a possibilidade jurídica de inserção da atividade de tradução no sistema do Simples Nacional, pré-requisito para o tradutor ser enquadrado como microempreendedor individual, valendo-se de uma interpretação sistemática e teleológica objetiva da mens legis. Seguir-se-á uma digressão sobre § 1º do artigo 18-A da Lei 128 (que define as características do microempreendedor individual) e sobre as atividades notadamente intelectuais incluídas no MEI, para assim proceder a uma comparação e sucessiva verificação da possibilidade de inclusão do tradutor no rol dos microempreendedores individuais.

You can't connect the dots looking forward, you can only connect them looking backwards. (Steve Jobs)[1]


1 evolução e caracterização das atividades laborativas

 A ciência, assim como a história e a sociedade em geral, evolui através do rompimento de paradigmas, através das grandes revoluções (KHUN, 1998, p. 32). Os valores das sociedades e as formas de economia humana também se desenvolvem e amadurecem em volta desses paradigmas, e o direito, “por sua estrutura tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam” (Reale, 2001, p. 62), precisa acompanhar a realidade, pois, como sustenta Barcelos:

É ela que o direito pretende transformar e é dela que ele extrai as novas necessidades e demandas a serem reguladas; é a realidade que confronta o intérprete com os problemas mais intrincados e o impulsiona ao trabalho; é da realidade que o direito não pode se afastar além de um determinado limite, sob pena de perder o contato e caminhar sozinho e sem sentido, incapaz de aproximá-la de si. (BARCELOS, 2002 apud HIRONAKA, 2010, p. 454)

Vive-se uma nova era social e econômica, como será analisado adiante, e se faz assim necessário que o direito acompanhe o evoluir das formas de trabalho que surgiram ou se modificaram na sociedade atual e tutele os “novos” atores sociais.

Ao longo do tempo o trabalho assumiu diferentes conotações, expressando os valores e a filosofia de cada época. Ainda hoje é considerada a mais importante atividade humana, que desempenha funções econômicas, sociais e psicológicas, promovendo o desenvolvimento da civilização e da cultura. (ASCHETTINO, 2009, p.8, tradução nossa). [2]

Descreve-se a seguir o conceito de trabalho, sua origem e evolução, pois sem a compreensão do passado não será possível entender a complexidade das relações trabalhistas atuais, próprias da nova era.

1.1    o trabalho: antecedentes históricos

A história do trabalho não se apresenta de forma linear. Entrelaça-se à história da economia, à história social, à antropologia, enfim, à própria história da humanidade. Cada transformação do mundo econômico provoca uma mudança, uma ruptura dos paradigmas sociais. Sergio Ortino, professor de Direito da economia na Universidade de Florença, define esta correspondência, em seu livro “La struttura delle rivoluzioni economiche”, como atesta a contracapa do livro:

A ligação entre as inovações tecnológicas e as novas normas sociais ganhou forma através da noção de paradigma, um padrão contido nas novas tecnologias capaz de moldar as sociedades que as adotam. Toda revolução econômica revela uma estrutura lógica que se reflete no seu próprio paradigma especifico, o qual será valido até quando for substituído pelo paradigma de uma nova revolução econômica.[3] (ORTINO, 2010, contracapa, tradução nossa).

Desde o início da civilização, a sociedade se constitui em função do trabalho. No primeiro período da pré-história, o paleolítico, para sobreviver era necessário saber caçar e explorar as reservas naturais: os grupos tribais primitivos, basicamente nômades, caçadores e coletores, se instalavam provisoriamente em locais que ofereciam alimentos, até se esgotarem as reservas do lugar.

A descoberta do fogo, uma verdadeira revolução tecnológica, ou, nas palavras de Childe (1986, p. 62), “o primeiro grande passo na emancipação do homem”, permitiu preparar armas e utensílios para a caça. Com mais ferramentas e armas à disposição, atingiu-se certa organização no trabalho e outras maneiras de sobreviver foram surgindo. Ademais, graças ao desenvolvimento das primeiras formas de plantio e à criação de animais, muitas comunidades abandonaram o nomadismo e tornaram-se agropastoris. “A Revolução Neolítica deu início à nova idade da pedra no Egito e na Mesopotâmia há aproximadamente sete mil anos” (CHILDE, 1986, p. 58), impulsionando uma ruptura, uma mudança nas formas de organização da sociedade, que passou de sociedade nômade caçadora à sociedade produtora de alimentos, agrária e sedentária, cujo paradigma era a apropriação e o cultivo da terra.

As técnicas agrícolas foram se consolidando, “o arado prenunciou a Revolução Agrícola” (CHILDE, 1986, p. 126), permitindo gerar excedentes de alimentos e menos obrigações de caça. Destarte, sobrou mais tempo para o homem especializar-se em outras tarefas, como o aperfeiçoamento dos instrumentos de pedra, “para fabricar lanças e machados, criando sua primeira atividade industrial” (SUSSEKIND, 2000, p. 27), o desenvolvimento da cerâmica e da tecelagem e a utilização sistemática de metais para fabricar objetos. “Uma segunda revolução transformou pequenas aldeias de agricultores auto-suficientes em cidades populosas, alimentadas pelas indústrias secundárias e pelo comércio exterior, e regularmente organizadas como Estados” (CHILDE, 1986, p. 111). Surgiram as primeiras vilas, as primeiras civilizações foram se firmando, a vida social foi se tornando mais complexa, com uma ampliação gradativa da divisão do trabalho, passando-se das formas de cooperação tribal ao surgimento das primeiras cidades e estados, (CHILDE, 1986, passim).

A escravidão era comum entre os povos egípcio, grego e romano, pois, como ilustra Sussekind (2000, p. 27), o homem “[...] nos combates que travava com seus semelhantes, pertencentes a outras tribos e grupos, terminada a refrega, acabava de matar os adversários que tinham ficado feridos [...]. Depois compenetrou-se de que, em vez de liquidar os prisioneiros, era mais útil escravizá-los para gozar de seu trabalho.”

Na antiga Grécia, segundo Woleck (2005, p. 3), utilizavam-se “[...] duas palavras para designar ‘trabalho’: ponos, que faz referência ao esforço e à penalidade, e ergon, que designa criação, obra de arte. [...] Era rejeitada não a atividade em si ou o trabalho manual, mas a submissão do homem a outro homem ou a uma profissão”. Ponos eram as atividades miseráveis, aquelas que “por exigirem um esforço e um contato físico com os elementos materiais” [4], conforme Méda e Serra (p. 31, tradução nossa), eram consideradas degradantes, ao passo que ergon eram aquelas atividades identificadas como obra; eram os ofícios, como o do sapateiro e do marceneiro. Inclusive “as atividades comerciais padecem de reprovação, enquanto índice de uma ganância indigna para o homem. Somente as atividades agrícolas escapam do anátema, porque são as únicas que se subtraem à condição de dependência dos outros.” [5] (MÉDA, SERRA, 1997, p. 31-32, tradução nossa).

A economia da civilização grega assentava-se no trabalho dos escravos, obrigados a ceder sua força, no trabalho dos agricultores e no trabalho dos artesãos, denominados demiurgos, pois trabalhavam para o demos, o povo. Como ilustra Sussekind (2000, p. 27-28) “na Grécia havia fábricas de flautas, de facas, de ferramentas agrícolas e de móveis, onde o operariado era todo composto de escravos”. O direito acompanhava os valores sociais da época, permitindo a escravidão, “considerada coisa justa e necessária”, pois, trazendo à baila o raciocínio de Nascimento (2007a, p. 426-427), “procura, o direito, cumprir o seu papel, o que nem sempre se torna fácil, intentando regulamentar juridicamente as diversas relações sociais. Numa primeira divisão separou o trabalho dos escravos e dos homens livres. A estes atribuiu direitos. Àqueles, não, equiparando-os às coisas”.

Os romanos também consideravam o trabalho uma atividade degradante para o homem, um sinal de inferioridade que causava desprezo, (ASCHETTINO, 2008, p. 8). Por exemplo, Cícero afirmava que “Todos os artesãos exercem uma atividade sórdida; em uma oficina, realmente, não há nada que possa ser digno de um homem livre” [6] (CICERO, De Off., I, tradução nossa), e esta característica negativa atribuída ao trabalho pode ser encontrada também nos escritos de Sêneca (MCMLXII, p. 361, tradução nossa), que desprezava “as artes sórdidas e populares, próprias dos trabalhadores manuais [...] [são ofícios] que não proporcionam beleza e não guardam relação com a honra”[7]. A própria etimologia do termo trabalho parece remontar à palavra latina tripalium [três paus], conforme ilustra Santos:

Etimologicamente, o termo trabalho surgiu no século XI de onde se supõe provir da palavra latina baixa tripalium, que tinha dois significados: o de instrumento de três pés, destinado a torturas, e o outro, conhecido como um lugar onde se colocam bois para serem ferrados. [...] Portanto, o trabalho teve como significado primeiro o de castigo, tortura, tormento, sofrimento. (SANTOS, 2000, p. 43)

Até a Idade Média o significado negativo atribuído às atividades físicas e produtivas permanece quase inalterado, legitimado pela influência da doutrina do cristianismo que, conforme Aschettino (2008, p. 8, tradução nossa), “disseminou o conceito de trabalho sinônimo de punição e penitência e ao mesmo tempo de antídoto contra o ócio e a degradação do corpo” [8], pois conforme explicita Abbagnano em seu Dicionário de Filosofia:

É na acepção de esforço, sofrimento ou fadiga, [...] que se baseava a condenação da filosofia antiga e medieval ao trabalho manual [...]. Com esse mesmo aspecto, na Bíblia o trabalho é considerado parte da maldição divina, decorrente do pecado original (Gênese, III, 19). [...] Era nesse mesmo sentido que S. Agostinho (De operibus monachorum, 17-18) e S. Tomás (S. Th., II, II, q. 187 a. 3) prescreviam o trabalho como preceito religioso. (ABBAGNANO, 1998, p. 964)

A desintegração do Império Romano do Ocidente, o posterior desmoronamento do Império Carolíngio e as contínuas invasões bárbaras criaram um clima de grande insegurança que, nas palavras de Gonçalves Neto (2007, p. 40), levaram “à estruturação do sistema feudal onde os mais humildes procuraram proteção debaixo das hostes de seus senhores”. A base da economia dos feudos, cujo paradigma era a reclusão e a autossuficiência, era prevalentemente o escambo, pois “a exploração da terra realizava-se, preponderadamente, para a satisfação das necessidades vitais e não para fins especulativos”: as famílias camponesas produziam seus próprios móveis, roupas, alimentos e, eventualmente, trocavam o excedente entre si, havendo uma escassa atividade comercial e circulação de moeda.

Mas, com o advento das Cruzadas, um grande contingente de camponeses se dirigiu ao Oriente, em busca também de novas oportunidades de vida. Muitos deixaram de produzir para se dedicar às lutas e, assim, tornou-se necessário o fornecimento de produtos que outrora eles mesmos produziam. No dizer de Nascimento (2007a, p. 7) o “conceito de trabalho, cujas raízes primeiras estão no período da antiguidade e da Idade Média – do trabalho como um castigo dos deuses” evolui no Renascimento com “as idéias de valorização do trabalho como manifestação da cultura”.

Começava assim a renascer, lenta e progressivamente, a atividade comercial, e muitos dos artesões feudais começaram a se dedicar somente à prática dos seus ofícios, especializando-se cada vez mais e criando e aprimorando técnicas e instrumentos. Surge a cidade medieval, “para onde migraram muitos agricultores em virtude dos abusos que lhe eram perpetrados pelos senhores feudais”, e se desenvolve o comércio e “uma atividade industrial rudimentar e artesanal”, conforme elucida Gonçalves Neto (2007, p. 41). A cidade medieval aos poucos se “transforma em centro de consumo, de troca e de produção, onde predomina o trabalho livre dos mercadores e dos artesãos, os quais, mais tarde, associam-se em corporações”, com leis e estatutos que regulavam as respectivas atividades. O exercício de cada atividade dependia da autorização da corporação, das guildas (corporações de ofícios), cujas “amarras tornavam difícil o ingresso na profissão ou o progresso às funções superiores” (HINZ, 2006, p.3).

 Como leciona Antonino Romeo (1985, p. 11-12)[9], com a falência do estado, o poder feudal assumiu o poder no campo, enquanto nas cidades, as classes mais ativas, como “os banqueiros, os mercadores e os artesãos reuniram-se em associações” com o propósito de suprir a ausência de um poder estatal forte que regulamentasse suas atividades. Cada corporação criava leis e tribunais próprios para dirimir seus conflitos[10].

Neste contexto histórico foi se delineando a Revolução Comercial, favorecida pela grande expansão econômica, pelo forte desenvolvimento advindo do colonialismo e pelas doutrinas econômicas emergentes, como a do mercantilismo, e da escola Fisiocrática, cujo lema era laisser faire, laisser passer. Em concomitância Wolkmer releva a necessidade de adaptação do direito para disciplinar a atividade comercial, assinalando “[...] a necessidade de um direito privado moderno a partir de um sistema mais abstrato, formal e adaptado às exigências do direito civil e comercial surgidos” (WOLKMER, 2008, p. 146).

Ocorre, segundo exemplifica Gonçalves Neto (2007, p. 41), que o direito da época, a quem competia resolver as exigências de regulação do novo ambiente, era “integrado pelo direito romano justinianeu, rígido e mal conhecido, por leis populares germânicas, rudimentares e formalistas, e por um direito canônico hostil à prática do comércio e às suas instituições”.

 O conceito de trabalho também muda. O trabalho sinônimo de expiação deu lugar ao trabalho como fonte de realização pessoal e social, tornando-se meio de dignificação da pessoa, (ASCHETTINI, 2008, p. 8). O modelo de trabalho livre, “em que o trabalhador poderia utilizar-se de todas as suas potencialidades oferecendo seu trabalho em um ‘mercado’, sendo remunerado pelo seu exercício”, aos poucos, substituiu o modelo de trabalho feudal, “servil nos campos ou prestado por intermédio das corporações de ofício nas cidades” (HINZ, 2006, p.3). Entre as profundas transformações que se sucederam na economia, podem assim ser enumeradas a progressiva extinção das corporações de ofício, “empecilho ao livre desenvolvimento da indústria e do comércio” (NASCIMENTO, 2007a, p. 21), e a monetarização das transações comerciais.

Na continuação deste breve resumo sobre a evolução do conceito de trabalho, registram-se as duas grandes revoluções que “o mundo vivenciou nos séculos XVIII e XIX, a Francesa (de cunho político) e a Industrial (de cunho tecnológico), na Inglaterra [...]” (HINZ, 2006, p. 2). Conforme Manus (2005, p. 25), com o invento da máquina a vapor, dos teares mecânicos e o desenvolvimento da indústria têxtil, houve uma “mudança radical no modo de produção, em decorrência da utilização da máquina como fonte energética [...]” em volta da qual se reuniram “os meios de produção”, caracterizando o que “se denominou Revolução Industrial”.

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Nasce, assim, um novo paradigma: uma sociedade padronizada, fordista, com uma produção de bens de consumo de massa e o surgimento do operário da linha de montagem, ou, nos dizeres de Délio Maranhão citado por Manus (2005, p. 26) “do assalariado, cônscio de sua insignificância como indivíduo e de sua realidade social como classe”. É o modo de produção capitalista, baseado no assalariamento através de um contrato, onde se vende a capacidade de trabalhar, ou seja, onde o trabalho torna-se moeda de troca do sistema, que acaba por dividir a sociedade em burguesia exploradora e proletariado explorado.

 O nascimento das indústrias e seu desenvolvimento incidiram na organização do trabalho, produzindo mudanças também no plano social: “enquanto na era artesanal uma oficina era separada das outras”, na era industrial “a produção [...] ocorre numa unidade de espaço e de tempo: a fábrica”, onde a produção é “vista como uma cadeia de montagem, como um fluxo contínuo e linear”, (DE MASI, 2000, p. 193-194). O trabalho foi progressivamente se especializando, passando de uma manufatura organizada que agora trabalhava para o capital, para uma sempre crescente divisão do trabalho e uma crescente “utilização de forças motrizes distintas da força muscular do homem”, (NASCIMENTO, 2007a, p. 10).

Desta forma, os efeitos do capitalismo não tardaram a se manifestar, acentuando o “amplo empobrecimento dos trabalhadores, inclusive dos artesões, pela insuficiência competitiva em relação à industria que florescia” (NASCIMENTO, 2007a, p. 8), exigindo dos governos uma nova intervenção, como descrito por Hinz, passando assim os Estados “ a legislar sobre as relações de trabalho, fundado no modelo verticalizado”. Cria-se assim um “esquema de proteção social – que se passou a chamar de Estado de Bem-Estar Social - para as hipóteses em que alguém não pudesse trabalhar, quer por condições pessoais, quer por conjunturas econômicas (HINZ, 2006, p.6).

Junto com as reclamações de direitos sociais, germinam os primeiros movimentos sindicalistas, em combate à exploração dos trabalhadores, exigindo uma regulação do mercado de trabalho. As lutas do movimento operário e trabalhista em geral, os movimentos e as reivindicações que custaram também sangue e vítimas, levaram até aqueles direitos dos quais os trabalhadores empregados gozam hoje. Nascimento considera que “a imposição de condições de trabalho [...], a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores, [...] os acidentes ocorridos com os trabalhadores [...] e a insegurança quanto ao futuro [...] foram as constantes da nova era no meio proletário [...] (NASCIMENTO, 2007a, p.15).

Os direitos dos trabalhadores são alçados à seara constitucional no México e na Alemanha, (HINZ, 2006, p. 5) e, aos poucos, muitos Estados foram criando legislações para regular o exercício do trabalho e este passa definitivamente a ser considerado um valor social e universal que dignifica o homem, surgindo uma “divisão do direito, sensível às realidades da questão social e premido pela necessidade de estabelecer novos modelos [...] daí a legislação de proteção [...] adequada para um tipo de trabalho, aquele que é prestado sob a forma hoje denominada emprego" (NASCIMENTO, 2007a, p. 427).

Após a década de 1980, ocorreram ulteriores mudanças na organização da produção das empresas com o surgimento do modelo de organização da produção horizontalizado, denominado toyotista, em que as atividades são distribuídas entre várias empresas ou terceirizadas. Conforme elucida Hinz, “[...] muitos dos trabalhadores que no modelo anterior eram empregados, com a mudança [...] perderam o emprego e [...] passaram a trabalhar como autônomos, prestadores de serviços, ou se estabeleceram como empresas, por vezes contratando outros trabalhadores (HINZ, 2006, p. 7). O trabalho se torna, assim, mais especializado, havendo uma crescente automatização da produção. Isto permite maior precisão e rapidez na execução das tarefas e a criação de empregos extremamente especializados e qualificados de um lado e a redução de postos de trabalho, com relativo aumento do desemprego, de outro.

1.2    A ERA DA INFORMAÇÃO: MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Desde o final do segundo milênio, junto com a crescente automatização da produção, assiste-se a uma revolução nas tecnologias da informação que está modificando e remodelando “a base material da sociedade em ritmo acelerado” (CASTELLS, 2010, p. 39), provocando claras e profundas alterações nas relações entre os indivíduos, e reestruturando o próprio capitalismo. Esta revolução atingiu a estrutura social em todas suas expressões e campos de atuação: novas formas de aprendizagem, de relacionamento, de comércio; processos judiciais eletrônicos, eleições informatizadas, aulas em modalidade online e muito mais. O direito, a economia, a escola, todos os campos, estão mudando gradualmente a própria fisionomia com a introdução das novas tecnologias.

Emerge, de tal modo, uma nova sociedade econômica que vê a redução do emprego rural e industrial e a ascensão de profissões especializadas, de cunho informacional. O trabalho mecânico e padronizado é executado pelas máquinas e os homens dedicam seu tempo a trabalhos criativos e intelectuais. Surge um novo tipo de trabalhador ? o trabalhador do conhecimento, como assinala Prandstraller (2003, p. 5, tradução nossa): “Pela primeira vez na história da humanidade o conhecimento torna-se um meio de produção”.

O homem não trabalha mais a terra com as próprias mãos, mas continua trabalhando na agricultura, pois apesar da mecanização das atividades de lavoura, em torno das empresas propriamente agrícolas trabalham inúmeros profissionais que prestam serviços de consultoria, de pesquisa, de análise do solo, de inseminação artificial e de muitas outras atividades paralelas. O homem não opera mais as máquinas industriais devido à mecanização dos processos e à consequente redução da atividade operacional junto às máquinas, mas auxilia no progresso da indústria. Ou seja, citando Castells (2010, p. 324), “embora a tecnologia em si não gere nem elimine empregos, ela, na verdade, transforma profundamente a natureza do trabalho e a organização da produção”.

Na visão de Sussekind (2000, p. 207), “A liberação e a mundialização da economia incrementou a concorrência entre os países, impondo-lhe a necessidade de produzir mais e melhor”. A transformação na estrutura ocupacional, decorrente da exigência crescente de maior produtividade no contexto global, e as mudanças nas relações de trabalho, testemunhas do surgimento de novas categorias profissionais, são a expressão direta do processo de transição histórica que estamos vivendo, em que se assiste ao advento de uma nova força de trabalho global, ou nos dizeres de Castells (2010, p. 300), de uma “interdepen­dência global da força de trabalho na economia informacional”. O autor assevera que “a transformação organizacional da economia, bem como da sociedade em geral, é, como nos períodos anteriores de transição histórica, condição essencial para a reestruturação institucional e a inovação tecnológica anunciarem um novo mun­do” (CASTELLS, 2010, p. 199). Os teóricos do pós-industrialismo e do informacionalismo afirmam que esta mudança na composição das categorias profissionais, esta “transformação da estrutura ocupacional, ou seja, da composição das categorias profissionais e do emprego” é a maior prova empírica do surgimento de um novo contexto histórico, caracterizado “pela mudança de produtos para serviços, pelo surgimento de profissões administrativas e especializadas, pelo fim do emprego rural e industrial e pelo crescente conteúdo de informação no trabalho das economias mais avança­das” (CASTELLS, 2010, p. 266).

É um processo que gerou altas taxas de desemprego e promoveu a migração do trabalho para atividades de pesquisa, gerenciamento, consultoria, marketing, design, ou seja, outros serviços ligados ao conhecimento que permitem oferecer um valor agregado à atividade produtiva industrial. É uma transformação da estrutura do mercado de trabalho que, aliada à crescente demanda de trabalhadores autônomos e às políticas de flexibilização adotadas pelas empresas, provocou o surgimento de novas modalidades de trabalho (CASTELLS, 2010, p. 39), como a do teletrabalho e a do trabalho em domicílio, em que o trabalhador não tem necessidade de sair de casa para exercer suas tarefas: “o surgimento dos métodos de produção enxuta segue de mãos dadas com as práticas empresariais reinantes de subcontratação, terceirização, estabe­lecimento de negócio no exterior, consultoria, redução do quadro funcional e produção sob encomenda” (CASTELLS, 2010, p. 324).

Dando uma visão bastante abrangente do fenômeno, no capítulo sobre trabalho atípico, Nascimento (2007a, p. 46) considera que a “reengenharia do processo produtivo, a informática e a globalização levaram as empresas a reestruturar os serviços” que foram, assim, “transferidos para unidades menores”, levando ao surgimento “de novos tipos de trabalho, que os computadores e a televisão [sic] criaram, como o teletrabalho na residência do prestador [...]”.

Ainda segundo Nascimento (2007a, p. 455), o direito do trabalho está procurando regular e entender as “formas contemporâneas de trabalho profissional não enquadráveis nos moldes até hoje prevalecentes”.

São categorias de trabalho atípico, que ele descreve como sendo:

[...] aquele prestado por uma pessoa física com pessoalidade e em caráter profissional, para empresa ou não, com ou sem subordinação, com características que o afastam do padrão tradicional da relação de emprego quer quanto aos seus sujeitos, à sua duração, ao tempo de atividade, forma de remuneração e local em que a atividade é desenvolvida. [...] A sua tipologia não abrange situações de emprego comum [...] nem situações de empregos regidas por meio de regulamentações profissionais especiais. (NASCIMENTO, 2007a, p. 455)

O aumento exorbitante da concorrência econômica global e o crescimento exponencial das redes interativas de computadores, modificando a estrutura social de maneira brusca e radical, provocam o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento, do “modo informacional de desenvolvimento, [cuja] fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação dos símbolos” (CASTELLS, 2010, p. 53).

A nova Era, designada de Sociedade do Conhecimento ou Sociedade da Informação, para alguns marca, de certo modo, os primeiros passos do homo culturalis, em contraposição ao homo economicus dos séculos XIX e XX (DOWBOR, 2001, p. 30). Pode-se dizer que o conhecimento passa a ser o elemento-chave da transformação histórica, o novo paradigma. A produção deixa de se associar aos bens materiais ligando-se ao conhecimento: “é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza a função da produção tecnológica no informacionalismo” (CASTELLS, 2010, p. 54).

De acordo com Zanchin (2000, p 248), neste mundo informacional, a “geração de riqueza, o exercício do poder e a criação de códigos culturais” dependem da capacidade tecnológica, sendo a tecnologia da informação “decisiva na globalização das principais atividades econômicas, na flexibilidade de trabalho e no enfraquecimento da mão-de-obra sindicalizada”. Torna-se fator imprescindível para a competência das empresas o trabalhador do conhecimento, que “passa a ser gerador de valor à organização nos chamados ativos intangíveis, hoje tão sobrevalorizados pelo mercado, em detrimento dos ativos tangíveis. [...] Nas empresas do conhecimento, os principais ativos são os intangíveis e uma parte destes, chama-se capital intelectual. (ZANCHIN, 2000, p. 249)

Os trabalhadores tornam-se provedores de serviços, engajados em projetos para executar várias tarefas, a distância ou em locais diferentes, com periodicidade variável. Em Zanchin (2000, p. 251) encontramos o seguinte esclarecimento: as empresas contratam “profissionais para tarefas e prazos específicos”, podendo o trabalhador fazer parte de mais de um projeto, ou “estar realizando determinado trabalho em mais de uma empresa concomitantemente”. Desta forma, esperam-se deste “novo homem” novas competências, entre elas o autogerenciamento, ou seja, a “capacidade de autoconduzir, com sucesso, a carreira profissional”, a criatividade, a flexibilidade, a multiespecialidade e a comunicação.

Harry Braverman, entretanto, discorda da concepção “revelada por alguns escritores”, segundo a qual a “nova classe trabalhadora” abrange aquelas ocupações que servem como os repositórios do conhecimento especializado na produção e na administração: engenheiros, técnicos, cientistas, assistentes gerenciais, peritos em administração, professores, etc. O autor prefere considerar a classe trabalhadora como um todo, sem distinções (BRAVERMAN, 1987, p. 32-33).

Já faz algum tempo, na verdade, que se constata esta revolução nas relações de trabalho, com reflexos na organização da produção, ultrapassando as formas tradicionais de relação de emprego e estimulando o surgimento de outras modalidades de trabalho. Segundo Nascimento (2007a, p. 455), “o modelo típico da empresa laboral cede o seu lugar para uma multiplicidade de modelos empresariais”, surgindo atividades diferentes da relação de trabalho típica, que “deixa de ser a dominante, para passar a ser apenas mais uma entre as diversas situações juslaborais”.

Zanchin (2000, p. 249) alega que as transformações nos modelos empresariais podem ser constatadas “pelo grande número de fusões e aquisições de empresas, nos esforços de corte e redução de despesas e nas alianças economicamente estratégicas”. Surgem o trabalho em domicílios, o teletrabalho, a prestação de serviços por meio de cooperativas ou outros tipos de pessoas jurídicas e a constituição de pessoas jurídicas sem empregados etc.

Castells explicita que são vários os fatores que “aceleraram a transformação do processo de trabalho: a tecnologia da computação, as tecnologias de rede, a Internet, e suas aplicações”, que se tornam mais acessíveis e são utilizadas em larga escala, de forma a promover o uso de “novas formas quase sempre baseadas em flexibilidade e atuação em redes” (CASTELLS, 2010, p. 302).

Nascimento também considera que a retipificação do modelo empresarial, decorrente não só de “interesses empresariais”, atende a exigência de aumento de produtividade correlata a um menor “contingente de trabalhadores”, no quadro de uma competição cada vez mais acirrada, que exige “[...] especialização diante da nova tecnologia [...] o que as leva a estratégias como a exteriorização dos empregos permitida pelo avanço dos meios de comunicação à distância e com o uso de equipamentos que não exigem mão-de-obra intensiva permanente e a tempo integral [...]” (NASCIMENTO, 2007a, p. 455-456).

Torna-se costumeira a adoção, por parte das empresas, de um regime de flexibilidade de custos, de flexibilidade interna e externa, que permite utilizar o conhecimento de alguém apenas pelo tempo limitado em que for necessário. Terminado o projeto, encerra-se a relação de trabalho. Para Martins (2007, p. 18), “estamos saindo da era industrial para entrar na era dos serviços”, em que as ideias e o saber, em geral, são considerados recursos valiosos pelas empresas. A própria economia é individualizada, o consumo de massa é substituído pelo consumo personalizado, fazendo surgir nichos de mercados diferenciados e produtos e serviços especializados.

Assiste-se à “individualização do trabalho no processo de trabalho [...], reverso da tendência histórica da assalariação do trabalho e socialização da produção [...], característica predominante da era industrial”, conforme Castell explica:

A nova organização social e econômica baseada nas tecnologias da informação visa a administração descentralizadora, trabalho individualizante e mercados personalizados e com isso segmenta o trabalho e fragmenta as socieda­des. As novas tecnologias da informação possibilitam, ao mesmo tempo, a des­centralização das tarefas e sua coordenação em uma rede interativa de comunica­ção em tempo real, seja entre continentes, seja entre os andares de um mesmo edifício. (CASTELLS, 2010, p. 324)

Considera ainda Braverman (1984, p. 38) que o capitalista, com o objetivo de obter “o mais valioso efeito do trabalho, porque é isto que lhe renderá o maior excedente e assim o maior lucro”, utiliza-se de todos os meios que possam aumentar a produção da força de trabalho “desde o obrigar o trabalhador à jornada mais longa possível, como era comum nos inícios do capitalismo, até a utilização dos mais produtivos instrumentos de trabalho”.

É da mesma opinião Manus (2005, p. 124-125), que utiliza a expressão “flexibilização para designar [...] a alteração do enquadramento jurídico das formas de prestação de serviço por pessoa física a empregador [...]”, termo adotado, segundo o autor, pela doutrina, e considera que o termo “terceirizar significa buscar os serviços de um terceiro (que não o empregado) para desenvolver determinada tarefa”. Considerando a terceirização como fenômeno imposto pela globalização, o autor pondera que a introdução de empresas multinacionais entre os competidores, torna “o mercado altamente difícil para a empresa nacional, impondo-lhe medidas drásticas para poder manter-se em atividade” (MANUS, 2005, passim).

Martins considera a tendência à flexibilização, decorrente da evolução de novas tecnologias, “na passagem da era industrial para a pós-industrial”, fomentadora de um crescimento do setor terciário da economia, advertindo a necessidade de “uma proteção ao trabalhador em geral, seja ele subordinado ou não [...]. É nesse momento que começam a surgir contratos distintos da relação de emprego, como contratos de trabalho em tempo parcial, de temporada, de estagio, etc. (MARTINS, 2007, p. 39). Em outra obra, o autor considera “a flexibilização necessária, implicando uma racionalização do aparato normativo do Direito do Trabalho e adaptando-o às transformações sociais,”, alertando que “[...] porém não pode levar a abusos” (MARTINS, 2000, 111).

Em recente publicação sobre contratos eletrônicos, Luiz Gustavo Lovato explicita que: “A informatização das empresas é, atualmente, uma condição de sobrevivência e competitividade no mercado.” Comenta o autor que “as relações internacionais possuem a caracaterística de trascender um único ordenamento jurídico, provocando conflitos de leis no espaço”, pois com a Internet o mundo se torna “acessível ao usuário no clicar de um botão. As fronteiras geográficas desaparecem [...]”. Nasce assim o e-commerce, como “meio de relação mercantil” em um ambiente em que “surge uma nova modalidade de atividade empresarial, relacionada às novas exigências surgidas no eMarketplace. [...] basta fazer uso da internet como meio para exercer uma atividade negocial” (LOVATO, 2011, p. 127-140).

Os conceitos de produto e serviço ganharam novas acepções, “em relação às suas concepções tradicionais” graças ao comércio pela internet que, de acordo com Albertin, citado por Lovato, possibilitou a oferta de novos produtos: “entrega online e informação de marketing; acesso eletrônico a serviços; [...]”. Esclarece Lovato que se trata de “um novo conceito de mercado” que vê o surgimento de novos atores envolvidos: “1) prestadores de serviços da sociedade de informação; 2) prestadores de serviços intermediários; e 3) destinatários dos serviços” (LOVATO, 2011, 135-138).

 Torna-se imprescindível repensar o Direito, haja vista a impossibilidade do Estado, adstrito às suas fronteiras, de ditar regras às empresas transnacionais em um mercado que se internacionalizou. De fato, “o mundo encontra-se diante de um novo tipo de comércio, e, consequentemente, diante de um novo tipo de empresa” (LOVATO, 2011, p. 132).

É necessário repensar o direito, em especial “aqueles ramos mais proximamente relacionados com a economia”, pois “certos institutos tornaram-se obsoletos [...] em virtude da globalização, pela incapacidade de solucionar todos os problemas da relação entre o capital e o trabalho” (MARTINS, 2000, p. 112).

1.3    Caracterização das atividades laborativas

Para permitir uma mais fácil compreensão do estudo em análise, resumem-se a seguir alguns dos conceitos operacionais relatados e utilizados no presente trabalho, bem como suas características.

1.3.1        Trabalho subordinado e trabalho autônomo

Trabalho é ação e, no sentido de agir, todos os seres, aproveitando-se do que a natureza oferece, desempenham atividades em prol da própria sobrevivência: os vegetais alimentando-se da luz do sol e dos minerais da terra úmida, e os animais alimentando-se dos vegetais e caçando outros animais. Entretanto, nas palavras de Braverman, “[...] apoderar-se desses materiais da natureza tais como são não é trabalho; o trabalho é uma atividade que altera o estado natural desses materiais para melhorar sua utilidade. Pássaro, castor, aranha, abelha e térmite, ao fazerem ninhos, diques, teias e colméias, trabalham [...] (BRAVERMAN, 1987, p. 49).

Dessa forma, a espécie humana, à semelhança dos outros seres, age e trabalha, na intenção de realizar ou fazer algo. Em suma, “atua sobre a natureza de modo a transformá-la para melhor satisfazer suas necessidades”, diferenciando-se do trabalho instintivo dos animais, por ser a do homem atividade consciente e proposital, “orientado pela inteligência” (BRAVERMAN, 1987, p. 54).

Delgado delimita a palavra trabalho como sendo “o dispêndio de energia pelo ser humano, objetivando resultado útil (e não dispêndio de energia por seres irracionais ou pessoa jurídica)” (DELGADO, 2007, p. 266).

De acordo com o Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva (2009, p. 1402), atualmente o trabalho è entendido genericamente como a “ação de trabalhar, sendo assim de significação equivalente à obra, ocupação, tarefa, função, ofício, serviço, mister, emprego, missão, cargo, encargo”.

Extrai-se ainda outro ensinamento fundamental do Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva:

No sentido econômico e jurídico, porém, trabalho (...): é toda ação, ou todo esforço, ou todo desenvolvimento ordenado de energias do homem, sejam psíquicas, ou sejam corporais, dirigidas com um fim econômico, isto é, para produzir uma riqueza, ou uma utilidade, suscetível de uma avaliação, ou apreciação monetária. (DE PLÁCIDO, 2009, p. 1402, grifo nosso)

Quando o homem trabalha sob a dependência de empregador, recebendo uma retribuição pelos serviços prestados, teremos um trabalho subordinado, e o trabalhador é denominado empregado: “A propriedade atrai a força de trabalho e permite que seu titular a dirija, pois os frutos dessa atividade lhe pertencem, como também os riscos do empreendimento econômico” (BARROS, 2004, p. 149).

Braverman, postulando que “o trabalho [...] é uma propriedade inalienável do indivíduo humano [...]”, pois “músculos e cérebros não podem ser separados de pessoas que os possuem”, considera que, quando um capitalista emprega os serviços de um trabalhador, “o que o trabalhador vende e o que o capitalista compra não é uma quantidade contratada de trabalho, mas a força para trabalhar por um período contratado de tempo”, pois o trabalho é uma função física e mental inalienável (BRAVERMAN, 1987, p. 56).

Podemos assim definir empregado a pessoa física que presta pessoalmente a outrem serviços não eventuais, subordinados e assalariados, como disposto no art. 3º da CLT. Um dos requisitos fundamentais, nota-se, é a pessoalidade: o empregado é um trabalhador que presta os serviços pessoalmente[11]. Como elucida Delgado, para configurar a relação de emprego é imprescindível que “a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador”, caracterizando uma relação jurídica intuitu personae: o “prestador de serviço não poderá assim fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados” (DELGADO, 2007, p. 292).

Entre os elementos que distinguem as figuras de empregado e trabalhador autônomo, (subordinação, continuidade, pessoalidade, alteridade e onerosidade), “a lei trabalhista adota a subordinação como um dos requisitos essenciais para se caracterizar o vínculo empregatício, ao lado da dependência econômica e habitualidade” (CALDEIRA, 2004, p. 313).

Para caracterizar a relação de emprego é necessário, portanto, que haja subordinação, considerada, “entre todos os elementos, o que ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia”, segundo Delgado (2007, p. 301).

Como assevera Martins (2007b, p. 93), o empregado é considerado subordinado por se submeter à direção do empregador, enquanto “o trabalhador autônomo não é empregado justamente por não ser subordinado a ninguém, exercendo com autonomia suas atividades e assumindo os riscos de seu negócio”.

De fato, o autônomo, como o próprio nome expressa, é sinônimo de independência, designando-se com o termo “trabalhador autônomo” a pessoa física que exerce, habitualmente e por conta própria, uma atividade remunerada, prestando serviços de caráter eventual a uma ou mais empresas, sem relação de emprego e assumindo o risco de sua atividade. Segundo Nascimento (1998, p. 154) “o elemento fundamental” de distinção é a subordinação, “decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade” que transfere “ao empregador o poder de direção sobre a atividade”. Em suma, conclui o autor, “empregado é trabalhador subordinado. Autônomo trabalha sem subordinação”

Neste sentido, Maranhão alega que autônomo não é empregado, pois “a autonomia da prestação de serviços confere-lhe uma posição de empregador em potencial: explora em proveito próprio a própria força de trabalho” (MARANHÃO, 1992, p. 51).

Já Nascimento considera que o autônomo, por ser independente, não se submete “às ordens de serviço de outrem, uma vez que [...] trabalhará quando quiser, como quiser e segundo os critérios que determinar. Autodetermina-se no trabalho. O empregado ao contrário, subordina-se no trabalho” (NASCIMENTO, 1998, p. 155). Reporta o autor que para alguns doutrinadores, que ele não cita, a subordinação pode ser encontrada quando alguém “trabalha por conta alheia”; para outros doutrinadores “se os riscos são suportados pelo trabalhador, ele será autônomo”, havendo também quem sustente ser elemento de autonomia a posse dos instrumentos de trabalho (NASCIMENTO, 1998, p. 156).

Neste sentido, por exemplo, Caldeira afirma que os trabalhadores autônomos, exercendo por conta própria os serviços, assumem os riscos inerentes à sua atividade “em razão do poder de direção que assume” da própria atividade, não sendo subordinados a um superior hierárquico que fiscalize a execução.

Outra diferença entre o trabalho subordinado e autônomo é encontrada, por exemplo, em relação à teoria do resultado do trabalho, pois o trabalhador autônomo “recebe exatamente pelo trabalho prestado”, recebendo um montante relativo à obra executada ou serviço prestado, enquanto que o trabalhador subordinado “recebe uma remuneração (salário), independente do resultado, ou seja, este último vende a sua mão-de-obra”, recebendo uma remuneração por hora ou dia trabalhado ( CALDEIRA, 2004, p. 312).

Nascimento (1998, p. 156) considera também que, “quanto mais alto é o nível do trabalhador, mais tênue é a subordinação”, existindo em relação a esses trabalhadores, “predominantemente intelectuais”, uma forma de subordinação “com as nuanças próprias da situação em que [...] se encontram”.

O autônomo escolhe, por ser independente, a quem, como e quando prestar serviço, e “ajusta os serviços e o preço” conforme lhe convier (MANUS, 2005, p. 69). Ele não é hierarquicamente subordinado à figura do empregador e, principalmente, não existe na relação o caráter de continuidade e de fixação jurídica, mas sim o caráter de eventualidade, pois não se fixa a uma fonte de trabalho, prestando sua atividade para múltiplos destinatários, sem se fixar continuamente em nenhum deles. Ressalta ainda o autor que “a continuidade na prestação de tais serviços pode vir a alterar a forma de vínculo entre as partes”, caracterizando uma dependência do prestador que desnatura o caráter de autonomia da prestação. Entretanto, “há trabalhadores que prestam serviços sem continuidade, eventualmente”. Quando os serviços “são prestados a vários tomadores, sem qualquer indício de continuidade, configura-se o trabalho eventual ou avulso” (MANUS, 2005, p. 70).

O trabalhador autônomo caracteriza-se, portanto, pela autonomia da prestação de serviços a uma ou mais empresas, sem relação de emprego em nenhuma delas, ou seja, ele exerce sua atividade, no tempo que achar necessário e por sua própria conta e risco, não fazendo jus aos direitos sociais intrínsecos na relação trabalhista. Em algumas situações, esses profissionais nada mais são que trabalhadores normais que os empresários mantêm como seus prestadores de serviços, sem vínculo empregatício, quando na realidade, tudo isso seria uma forma de dissimular um contrato de trabalho, evitando o pagamento de certos encargos previdenciários ou trabalhistas[12]. De qualquer modo, se ficar comprovada a existência de uma relação empregatícia para com algum dos destinatários dos seus serviços, os direitos sociais inerentes a este vínculo lhe são devolvidos, devendo a empregadora pagar os encargos sociais sonegados.

1.3.2        Locatio operarum e locatio operis

É no direito romano, segundo Nascimento (2007, p. 461), que se podem encontrar as “bases da diferença entre trabalho autônomo e subordinado [...] com as figuras da locatio operarum e da locatio operis”. Relata o doutrinador citado que, na locatio operarum, é contratada a “operae, isto é, o trabalho, a atividade humana”, correspondendo, grosso modo, ao atual contrato de trabalho subordinado, “enquanto na locatio operis o contrato recai sobre o resultado do trabalho humano, sobre a obra, a opus”, correspondendo, grosso modo, ao contrato de trabalho autônomo.

Pode-se inferir, portanto, que na locatio operis, o sujeito se obriga a entregar uma opus, uma obra, sendo assim uma obrigação de resultado e não de meio. Ele não está colocando à disposição do locador o próprio trabalho, ou seja, a própria habilidade por um determinado tempo, mas está se obrigando a entregar um resultado, uma obra.

Igualmente Venosa (2004, p. 189) relaciona a locatio conductio operis à empreitada, e a locatio conductio operarum (quando “um sujeito coloca à disposição de outrem, durante certo tempo, seus próprios serviços, em troca de retribuição”) à prestação de serviço, disciplinada no atual Código Civil nos arts. 593 a 609.

Venosa (2004, p. 203) conceitua empreitada como o contrato pelo qual “uma das partes, denominada empreiteiro, empresário ou locador, obriga-se a executar uma obra, mediante pagamento de um preço que outra parte, denominada dono da obra, comitente ou locatário, compromete-se a pagar.”

A obrigação do locador é neste caso, portanto, a execução da obra, sendo admitida pela doutrina a empreitada de obra imaterial, pois “não há óbice que objetive perfazimento de atividade incorpórea por parte do empreiteiro, como, por exemplo, a obrigação de escrever um livro, organizar um evento festivo ou espetáculo, elaborar um programa de informática (software) etc.” (VENOSA, 2004, p. 204).

Partilham da mesma opinião Coelho (2010, p. 296-297), que considera objeto do contrato de empreitada “a coisa corpórea feita por uma das partes [...] a obra, resultante do cumprimento de uma obrigação de fazer”, e Stolze (2008, p. 262), que entende ser objeto da relação contratual de empreitada a obra a ser executada, não sendo limitado o uso desta modalidade de contrato à construção civil, “podendo ser utilizada também para o desenvolvimento de um trabalho, seja manual ou intelectual, como uma criação técnica (elaboração de um projeto cientifico), artística (redação de um livro ou uma peça teatral) ou artesanal (feitura de vasos de argila para decoração).”

Trazendo o ensinamento de Pontes de Miranda, Coelho (2010, p. 303) explica que “a obrigação do empreiteiro não consiste na prestação de serviços, mas na de obra”, concluindo que “o empreiteiro é um prestador de serviços que assume obrigação de resultado, e não de meio”.

Oliveira também considera a empreitada uma contratação em que “o trabalhador assume o risco do seu próprio empreendimento. Não recebe salário, mas a paga pelo serviço que se propõe produzir e entregar” (OLIVEIRA, 2000, p.138).

Em Venosa encontramos a seguinte argumentação:

a empreitada é, sem dúvida, modalidade de prestação de serviços ou locação de serviços. A distinção [com a prestação de serviço], nem sempre muito clara, reside no fato de que o fulcro da prestação de serviço é a atividade prometida do prestador, enquanto na empreitada seu objetivo é a conclusão da obra proposta. Na empreitada existe obrigação de entregar obra; na prestação de serviço, existe obrigação de executar trabalho. (VENOSA, 2004, p. 210, grifo nosso)

Conclui desta forma que na prestação de serviço há uma obrigação de meio, ao passo que na empreitada há obrigação de resultado, uma obrigação de fazer e de entregar a obra, sendo que este fazer “materializado na obra objeto da empreitada decorre de habilidade técnica, arte ou competência.” Desta forma, o contrato é, frequentemente, “realizado intuitu personae: o empreiteiro, pessoa natural ou jurídica, geralmente é conhecido e indicado ao dono da obra por suas qualidades, seu renome” (VENOSA, 2004, p. 204), sendo essencial como fator de escolha a “habilidade do artífice ou artesão, a criatividade do arquiteto, a técnica do engenheiro, a ciência jurídica do advogado”. O autor considera, portanto, que, no caso de empreitada intuitu personae existem empreitadas que tem por objeto coisas móveis, em prevalência tratando-se de encomendas de obra a artesão ou trabalhador intelectual.

1.3.3        Trabalho manual e trabalho intelectual

No trabalho autônomo existem duas categorias que correspondem, respectivamente, ao trabalho manual e ao trabalho intelectual.

Em sentido genérico, conforme Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, define-se trabalho manual (SILVA, 2009, p. 1404) aquele que se “executa sem auxílio de máquinas, dependendo simplesmente do esforço muscular ou da habilidade das mãos. O trabalho braçal é forma de trabalho manual”.

Dentro da segunda categoria, a do trabalho intelectual, estão inseridas, essencialmente, as profissões intelectuais protegidas pelas Ordens, regulamentadas por lei. Entretanto, existem também trabalhos intelectuais para os quais não é necessária a inscrição em uma Ordem ou Registro.

Define-se intelectual a atividade que envolve a inteligência, tendo como produto desse trabalho a manifestação do próprio intelecto criativo, ou como conceitua Lima (2007, p. 4): “trabalho intelectual é aquele que provêm da inteligência criadora do ser humano. Trabalho intelectual é o que representa criação e recriação de seu autor.”

A categoria é subdividida em três naturezas: científica, artística e cultural. Segundo exemplifica Barros (2004, p. 148): “Os trabalhadores intelectuais são aqueles cujo trabalho pressupõe uma cultura científica ou artística, como o advogado, o médico, o dentista, o engenheiro, o artista, entre outros”.

A pessoalidade é um dos traços distintivos do trabalho intelectual, pois não pode esse fazer-se substituir na prestação de serviço. A prestação intelectual tem natureza intuitu personae, em razão da pessoa, ou, conforme Cesar Fiuza (2008, p. 348), “em função da confiança entre as partes”, em decorrência da natureza personalíssima da obrigação contratual. Os trabalhadores intelectuais podem executar suas funções de forma independente, como autônomos, ou exercer suas atividades na condição de empregados, pois a subordinação jurídica, indispensável à configuração de um contrato de trabalho, conforme Alice Monteiro de Barros “admite graus e matizes. Quanto mais a prestação de serviço se intelectualiza, mais se dilui a subordinação, porque maior é a intensificação da iniciativa pessoal do trabalhador”, surgindo na relação a denominada “subordinação técnica invertida” (BARROS, 2004, p. 147).

O critério da subordinação jurídica, “que realça a submissão funcional do empregado às ordens do empregador”, característico da sociedade industrial primitiva, não é mais considerado suficiente, “em uma sociedade como a atual, caracterizada pela racionalização do trabalho, com a conseqüente especialização da mão-de-obra”. Existe, assim, uma dificuldade para enquadrar relações de trabalho que apresentam elementos de trabalho autônomo e subordinado concomitantemente, “principalmente em face dos novos perfis profissionais” (BARROS, 2004, p. 147-152).

A clássica dicotomia entre trabalho autônomo e subordinado entrou em crise, segundo Barros (2004, p. 153), devido às mudanças que ocorreram no cenário econômico e social, “entre as quais a descentralização produtiva, a inovação tecnológica (informatização e automação) e o aparecimento de novas profissões advindas da transição de uma economia industrial para uma economia pós-industrial ou de serviços”, a mercantilização do trabalho intelectual, incluído na estrutura de mercado e subordinado às leis de mercado.

Foi proposto, pela doutrina italiana, um modelo intermediário, o de trabalho parassubordinado, em que os trabalhadores não são considerados subordinados, mas colaboradores.

[...] prestam uma colaboração contínua e coordenada à empresa e, por motivos fáticos e de desnível econômico, contratam seus serviços com esta em condições de inferioridade, sob a modalidade de contratos civis ou mercantis, como o de obra, prestação de serviços profissionais, transporte, etc., sem, entretanto, possuírem uma efetiva liberdade negocial. (BARROS, 2004, p. 153)

 Haja vista a ausência de tutela característica do trabalho autônomo, sente-se a necessidade, na Itália, de medidas de tutelas adequadas ao trabalho parassubordinado, sem a intensidade prevista para o trabalho subordinado (BARROS, 2004, 145).

1.3.4        Profissional liberal e trabalhador autônomo

Importante definir, para o fim desta pesquisa, a diferença entre os profissionais liberais e os trabalhadores autônomos que exercem atividade intelectual.

A Constituição de 1988 dispõe no inciso XIII do art. 5º: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Refere-se à regulamentação de determinadas profissões, cujo exercício, no entender do constituinte, necessita de condições de capacidade técnica estabelecidas por lei. Sussekind ilustra o debate acontecido quando da votação da Constituição de 1946, e cita Mário Masagão, o qual acrescentou à defesa da regulamentação que “Há profissões cujo exercício diz diretamente com a vida, a saúde, a liberdade, a honra e a segurança do cidadão e, por isso, a lei cerca seu exercício de determinadas condições de capacidade”. O autor especifica ainda que “o texto aprovado faculta ao legislador adotar determinações sobre as profissões liberais” para que, nos dizeres de Pontes de Miranda, citado pelo autor, “o público seja bem servido e o interesse coletivo satisfeito” (SUSSEKIND, 2000, p. 778)

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não conceitua o profissional liberal; entretanto, o Estatuto da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, no parágrafo único de seu art. 1º elucida que: “Art. 1 Profissional Liberal é aquele legalmente habilitado a prestar serviços de natureza técnico-científica de cunho profissional com a liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípios normativos de sua profissão, independentemente do vínculo da prestação de serviço”(CNPL, Estatuto, 1992).

De acordo com Caldeira, o profissional liberal é aquele cuja profissão é protegida e regulamentada por meio de lei ou decreto e que detém o conhecimento técnico sobre a sua profissão, atestado por meio de diploma legalmente reconhecido: “o conhecimento técnico deve ser certificado através de um diploma profissional, conferido por escola de ensino superior autorizada” e, para alguns autores, este seria o requisito essencial que distingue o profissional liberal dos demais.

Acrescenta ainda, entre as características, o livre exercício da atividade e a relação intuitu personae que estes profissionais instauram nas suas relações contratuais, pois “trata-se de contrato pessoal firmado com base na confiança e credibilidade. Contrata-se a pessoa e não um pacote com todos os serviços.”. Ademais, segundo a autora, “alguns autores entendem que a relação intuitu personae já é suficiente para caracterizar o profissional liberal” (CALDEIRA, 2003, p. 312).

A autora atenta para a diferença entre profissional liberal e profissional autônomo, reiterando que:

O profissional liberal também é autônomo, pois possui autonomia e poder de direção, entretanto, sua atividade requer conhecimento técnico (intelectual ou manual), atestado por escola de nível superior, cuja profissão tem que ser regulamentada. Dessa forma, profissional liberal é espécie do gênero profissional autônomo, pois todo liberal pode ser autônomo, mas nem todo autônomo pode ser liberal.(CALDEIRA, 2003, 315)

A Nota Técnica n. 11 de 2006, do Ministério do Trabalho, sobre “Enquadramento de profissionais liberais e de categorias diferenciadas” (MTE, NT 11), neste mesmo sentido elucida que “foi adotado o critério de classificação de profissionais liberais para aqueles que possuem Conselho de classe e foi classificada como categoria diferenciada aquela que possui condições específicas na legislação.” Acrescenta ainda, no ponto 17 da NT 11, que os profissionais liberais poderão “desempenhar suas atividades somente após habilitados na forma da lei, juntamente com a comprovação do cumprimento dos requisitos impostos pela legislação”. No ponto 2 a Nota Técnica 11 elucida que o estatuto próprio que rege o exercício das profissões liberais e das categorias diferenciadas, “[...]pode ser lei ordinária ou regulamentação normativa ministerial, quando esta era permitida, portanto, inserem-se no conceito de profissões regulamentadas.”

Exemplo de profissionais liberais, portanto, são os contadores e contabilistas (Decreto 20.158/31), os enfermeiros (Decreto 50387/61), os advogados (Lei 4215/63), os corretores de seguros (Lei 4594/64) e os fisioterapeutas (Decreto-lei 938/69), conforme lista da CBO (MTE, LPR).

1.3.5        Trabalho a distância, trabalho em domicílio, teletrabalho, trabalho eventual e intermitente

Como descrito por Nascimento, a expressão “trabalho a distância” é usada na doutrina para “designar o trabalho que não é realizado no domicílio do empregador”, utilizando-se “dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo, em especial de serviços”. Sempre segundo o autor, o trabalho a distância é o realizado “na residência do trabalhador, como fornecedor de terceiros, [...] denominado trabalho no domicílio”, e difere do trabalho doméstico de “quem presta serviços, sob forma de emprego” na residência do empregador (NASCIMENTO, 2007a, p. 1027).

Para a doutrina italiana citada por Nascimento (2007a, p. 1027-1028), há quem considere o trabalho a domicílio compatível com a subordinação, em maior ou menor grau, considerando a dependência econômica como característica importante para a definição da subordinação.

Neste sentido, o autor menciona Sinagra, para o qual “os trabalhadores a domicílio são economicamente dependentes do empregador para o qual trabalham”; De Litala, que considera este trabalhador uma “figura intermediária entre o trabalhador autônomo e o subordinado”; e De Agostini, que assevera serem todos eles empregados subordinados, “a menos que sejam empregadores” (NASCIMENTO, 2007a, p. 1028).

Outra parte da doutrina afirma que essa relação jurídica é autônoma, por não se adaptar ao “esquema do trabalhador subordinado” (GRECO apud NASCIMENTO, 2007a, p. 1028), ou por não ter horários, não ser submetidos a controle, “podendo organizar seu trabalho com critérios próprios e assumindo um certo risco” (DI MARCANTONIO apud NASCIMENTO, 2007a, p. 1028), ou porque “desenvolve a sua atividade à disposição de um ou mais empregadores” (RIVA SANSEVERINO apud NASCIMENTO, 2007a, p. 1028).

Martins (2000, p. 53) elucida com propriedade que o trabalho a distância é “gênero que abrange o trabalho em domicílio e o teletrabalho”, considerando-o uma “espécie de flexibilização da relação de emprego, já que as tarefas são prestadas fora do âmbito da empresa”; a “subordinação pode ficar mitigada” pela redução de ordens de serviço, considerando o fato de o empregado não trabalhar “no ambiente interno da empresa”. O autor reitera também que “trabalho em domicílio é o prestado na residência do empregado e não na sede do empregador. É o que ocorre, em certos casos, com o teletrabalho”. A subordinação necessária à “caracterização do vinculo de emprego com o empregador” poderá “ser medida pelo controle do empregador sobre o trabalho do empregado, como estabelecendo cota de produção, determinando dia e hora para a entrega do produto, qualidade da peça etc. (MARTINS, 2000, loc. cit.).

 Sussekind também conceitua o trabalhador em domicílio, especificando que “a lei não exige, para a existência de contrato de trabalho, que a prestação se realize no próprio estabelecimento”. Desta forma, se ele for subordinado ao empregador, do qual recebe ordens e instruções, “obrigando-se a uma produção determinada, é empregado para todos os efeitos” (SUSSEKIND, 2000, p. 317). Considera o autor que, por vezes, pode ser suficiente a caracterização de dependência econômica para distinguir “o trabalho prestado em domicílio com autonomia daquele com caráter de subordinação a um empregador”, mas que existem outras situações, como a “do pequeno empresário, autônomo” que, apesar de estar juridicamente “na dependência econômica de grandes empresas” em que parece ser melhor solução considerar o “modo pelo qual o serviço é realizado”. Utiliza-se da seguinte argumentação:

Um estabelecimento, por incipiente que seja, supõe um mínimo de 'organização' dos fatores de produção. Se, em seu domicílio, o prestador de serviços admite, por seu turno, empregados a quem remunera, instala máquinas e utensílios industriais por ele próprio adquiridos, assumindo os riscos de uma atividade econômica, estaremos diante de um verdadeiro 'empresário', de uma prestação autônoma de serviço. Se, porém, trabalha só, ou com o simples auxílio dos seus, para o mesmo empregador, que lhe determina tarefas rigorosamente fixadas, que podem ser alteradas ou modificadas ao seu talante, evidentemente estaremos diante de um verdadeiro empregado. (SUSSEKIND, 2000, p. 317)

Teletrabalho, por sua vez, é uma espécie do gênero trabalho a distância, “num centro de conexão ou na própria residência do exercente”, e, a segunda dos casos, pode “configurar um vínculo autônomo ou subordinado” (NASCIMENTO, 2007a, p. 637).

 Elucida o autor, em outro livro, que o teletrabalhador poderá ser “empregado, autônomo, eventual ou trabalhar no seu domicílio, de modo que em nada altera o seu enquadramento jurídico num dos tipos tradicionais de relações de trabalho o fato de atuar com um equipamento moderno, o computador.” (NASCIMENTO, 2007b, p.131).

Denise Pires Fincato descreve o teletrabalho como “modalidade de trabalho surgida dessa Revolução Informacional, que mescla os avanços tecnológicos (principalmente informáticos) e comunicacionais”, no intuito de “atender às necessidades empresariais, contribuindo para que trabalhadores com dificuldades específicas (deficiências físicas, maternidade, distância geográfica etc.) possam prestar os serviços contratados em lugares mais favoráveis para si” (FINCATO, 2006, p. 46).

Utilizando-se do conceito de teletrabalho de Ortiz Chaparro, Fincato utiliza os mesmos elementos, para um conceito esquemático do teletrabalho:

Conjugam-se os termos trabalho (atividade geradora de riquezas, propulsora da economia), com a distância (em seu entendimento geográfico, com trabalhadores remotos, prestando serviços fora da estrutura física tradicional do empregador) mediada pelas telecomunicações (os sistemas de tecnologia da informação e da comunicação permitem que a distância seja relativizada, mantendo-se trabalhadores e empregadores em contato constante, apesar da distância geográfica). Esse trabalho a distância, mediado pelas telecomunicações, deve ser prestado de maneira subordinada, ou seja, para alguém (por conta alheia), descartando-se do nosso estudo o teletrabalho autônomo. (FINCATO, 2006, p. 46).

Na pesquisa, a mais aprofundada na bibliografia disponível sobre teletrabalho, Fincato (2006, p. 57) elucida sobre a possibilidade ou não de uma prestação de serviço em modalidade de teletrabalho caracterizar uma relação de emprego e diferencia as diferentes formas encontradas por tipo de contrato, contrato de empreitada, contrato de trabalho liberal, contrato de trabalho “parassubordinado”, contrato de trabalho subordinado ordinário, contrato de trabalho subordinado em domicílio.

Faz-se necessário, para o fins dessa pesquisa, resumir as considerações da autora.

Como descrito por Fincato, entre as várias formas que um contrato de teletrabalho pode apresentar tem-se: i) o contrato de empreitada em que a execução de “obra ou serviço [...], a tarefa, é realizada à distância, porém, conectando-se eletronicamente as duas empresas”; ii) o “contrato de trabalho liberal” em modalidade de teletrabalho para o qual, havendo um objeto definido, “pode ser determinada [uma] forma de remuneração independente do tempo empregado na execução do serviço”, destacando-se como exemplo de teletrabalhadores liberais[13], “os consultores informáticos, os projetistas gráficos, os jornalistas freelancers, os tradutores etc.”, que realizam suas tarefas de forma “ocasional, para uma pluralidade de pessoas”. Destarte, inexiste a possibilidade de aplicação das “regras protetivas dos trabalhadores subordinados”, devido à ausência de continuidade e da inexistência de “inserção do trabalhador na organização empresarial”; iii) o “contrato de trabalho parassubordinado”, que diferencia-se dos anteriores pela extensão no tempo da colaboração, “por ser conhecido como forma de colaboração coordenada e continuada, caracterizada pelo fato de que a prestação laboral tende a estender-se no tempo.” Atenta, também, para o fato de os profissionais que trabalham com contrato de empreitada ou de trabalho liberal poderem ser considerados parassubordinados, quando “sua tarefa não se revista de caráter singular, eventual, mas sim em algo que se protraia no tempo, não se encerrando em apenas uma tarefa”; iv) o “contrato de teletrabalho subordinado ordinário” em que o empregador limita a liberdade do trabalhador “na execução de suas tarefas remotas” obrigando-o, por exemplo, “a utilizar apenas um determinado software, ou a trabalhar em algum espaço virtual de trabalho – criado pela própria empresa -, ou seguir um certo padrão na execução das tarefas”; v) o “contrato de teletrabalho subordinado em (ou 'a') domicílio”, que diferencia-se pela “rarefação da sujeição direta do empregado ao seu superior direto”. Neste caso, “o trabalho, objeto da atividade econômica explorada pelo empregador, será realizado a partir do domicílio do empregado”, seguindo um “certo padrão de produtividade (qualidade e quantidade)” (FINCATO, 2006, p. 57-58).

É importante atentar que o art. 6º da CLT não distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e aquele realizado no domicílio do empregado, se for caracterizada a relação de emprego (BRASIL, CLT, 1943).

Segundo o professor de sociologia do trabalho Domenico De Masi, teletrabalho é aquele “realizado longe dos escritórios empresariais e dos colegas de trabalho”, em que a comunicação acontece “através de um uso intensivo das tecnologias da comunicação e da informação, mas que não são, necessariamente, sempre de natureza informática” (DE MASI, 2000, p. 215). Analisando a atuação do teletrabalho na sociedade atual, De Masi traz um paralelo entre a sociedade pré-industrial e a sociedade informacional, constatando que “enquanto na era artesanal uma oficina era separada das outras”, com o teletrabalho “cada unidade produtiva é ligada às outras por via telemática” (DE MASI, 2000, p. 194).

Na sua análise detalhada considera, do ponto de vista sociológico, as vantagens e as desvantagens para os teletrabalhadores. Cita, entre os diferenciais positivos do teletrabalho a “autonomia dos tempos e dos métodos” de trabalho, com a “possibilidade de redução das horas de trabalho propriamente dito”, uma melhor administração da vida social e familiar, a diminuição das despesas e do cansaço para se locomover. De outro lado, entre as desvantagens, enumera o “isolamento, [a] marginalização do contexto e da dinâmica da empresa”, a necessidade de reestruturar os ambientes domésticos e os hábitos pessoais e familiares em função do trabalho (DE MASI, 2000, p. 216-217).

Considera que “ainda existe a exploração, mas ela assume novas formas que tardam em se transformar num conflito de classes entre dois blocos opostos. Os conflitos se subjetivizam, se fragmentam” (DE MASI, 2000, p. 194), e “as organizações sindicais” terão dificuldades “até o momento em que o sindicato aprenda a usar estas tecnologias e se transformar em telesindicato”. Além disso, o teletrabalho, por ser substituível, pois “o espaço da concorrência se estende a todo o planeta”, diminui o poder contratual do trabalhador, tornando-o “mais precário” (DE MASI, 2000, p. 217).

Ilustra Martins (2000, p. 83), entre os trabalhos atípicos, uma modalidade de trabalho denominada intermitente, que corresponde ao trabalho de “empregado que não presta serviços todos os dias, mas nos períodos em que há necessidade trabalho.” Destarte, há períodos de atividade alternados a período de inatividade, podendo ocorrer trabalho “em um ou alguns dias da semana, em algumas semanas, ou em alguns dias do mês ou do ano[14]”, podendo ser denominado “trabalho fixo descontínuo” ou “trabalhadores por chamada”. A descontinuidade da prestação de serviço para o mesmo tomador pode caracterizar “inexistência do vínculo de emprego, pelo trabalho ser eventual” (MARTINS, 2000, p. 83). Prossegue-se agora ao exame específico do trabalho do tradutor, contextualizando os mercados em que ele opera.

Não há dúvida de que a linguagem foi o primeiro grande prodígio na evolução da humanidade.

(Hans-Georg Gadamer, tradução nossa)[15]

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Sobre a autora
Ernesta Perri Ganzo Fernandez

Advogada em Florianópolis (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Ernesta Perri Ganzo. Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como microempreendedor individual.: Uma abordagem lógico-jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3232, 7 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21701. Acesso em: 21 nov. 2024.

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