Resumo: Os tempos mudaram, a noção de família também. A base da união das pessoas para constituírem um lar comum, sejam do mesmo sexo ou não, é o amor. Sendo assim, aqueles que desejam ter filhos também podem lançar mão da adoção. A antropologia, a etnografia e a psicologia, em momento algum, detém estudos que não prestigiem a adoção por pares homoafetivos. A Psicanálise contemporânea, cujos conceitos sofreram a devida evolução, não seria uma barreira para impedir a adoção por pares homoafetivos, principalmente porque o complexo de Édipo na atualidade não mais é focado numa família patriarcal, mas sim consentâneo com uma entidade nuclear polimórfica e transgeracional. O Direito, igualmente, está concorde com a adoção pelas pessoas do mesmo sexo. O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República, legitimou a união estável dos homoafetivos. Por fim, há de se entender a homoafetividade alcançando as lésbicas, gays, travestis, transexuais e transgêneros, porque nenhum deles é menos humano por conta da orientação sexual que envergam.
Palavras-chave: Família, Amor, Adoção, Antropologia, Etnografia, Psicologia, Psicanálise, Homoafetivo, Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Édipo, Direito, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: 1. Introdução. 2. As contribuções da antropologia, da etnografia e da psicologia para o estudo do homem. 3. A evolução histórica da família. 4. O complexo de Édipo. 4.1. Noções gerais. 4.2. Visão estática - Freud. 4.3. Objeto parcial e complexo de Édipo - Melanie Klein. 4.4. Prisma lacaniano. 4.5. Contribuição ampliativa - Karen Horney. 4.6. Aspecto espiritual e matrilinear - Malinowski. 4.7. Caracterização sob o ponto de vista de Násio. 4.8. Dimensão contemporânea - João Neto. 5. Direitos reconhecidos aos pais homoafetivos. 5.1. Dignidade da pessoa humana e igualdade. 5.2. Reconhecimento da união estável pelo Supremo Tribunal Federal e suas consequências. 6. A adoção por conviventes homoafetivos e um novo enfoque do complexo de Édipo. 7. A alteração dimensional do Édipo e suas decorrências. 5. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho, conjugando a Psicologia, a Antropologia, a Etnografia, a Psicanálise e o Direito, desagua na alteração dos papéis de seus atores, cotejando a remodelação da ambiência familiar, desde as épocas mais remotas até o mundo contemporâneo.
Infere-se, nesse ponto, em sede psicanalítica que o complexo de Édipo, focalizado por Freud em momento histórico vitoriano – auge do modelo patriarcal no ocidente -, não deixou de existir, porém sofreu – e continua sofrendo na pós-modernidade - profundas modificações.
Com o fito de proceder a um criterioso exame de como os estudiosos da psicanálise veem a figura do Édipo, lançar-se-ão os nomes mais luminares dessa ciência/arte sobre o assunto, para, ao depois, alinhavar-se o tema central deste escrito, qual seja, os direitos a que fazem jus os pares homoafetivos, mormente à adoção, e a conjugação deste agir com o complexo de Édipo, com o avanço da comunidade em geral, por intermédio das contribuições da multidisciplinaridade.
No campo jurídico, é bom que se diga que, após a célebre decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo, acrescido ao que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, desde que perfaçam os requisitos biopsicossociais que protejam os interesses do menor e apontem para a existência de um lar com caracteres favoráveis, nenhum obstáculo existe quanto à adoção por homoafetivos, como se verá em tópico próprio, inclusive porque a jurisprudência vem convertendo união estável por parceiros do mesmo sexo em casamento.
Intenta-se, nestas páginas, destacar a evolução do conceito de família, demonstrando a historicidade que a marca, além de evidenciar que o Direito e Psicanálise e tantas outras disciplinas, voltadas aos saberes do humano, andam de mãos dadas em prol da adoção por pessoas com mesma orientação sexual, porque o complexo de Édipo ampliou sua dimensionalidade. Com tal proposta haveria a transcendência do preconceito e a prevalência do cuidado com aqueles cujo futuro fica à mercê da decisão social.
2. AS CONTRIBUÇÕES DA ANTROPOLOGIA, DA ETNOGRAFIA E DA PSICOLOGIA PARA O ESTUDO DO HOMEM
É do ser humano o anelo de comparar a sua vida com a do próximo, e, desde as priscas eras, tal desiderato tornara-se perceptível com este ideário de cotejar sua aldeia com a vizinha, observando a diversidade de ritos, costumes e tantas outras gamas de condutas.
Surge, pois, a antropologia, que vem bem definida na fala de Rossano Carvalho Nunes:
“Etimologicamente, o termo Antropologia deriva da junção dos vocábulos gregos anthropos (homem) e logia (estudo/tratado), o que significa “o estudo do homem”. A Antropologia é o estudo do homem e da humanidade em sua totalidade, abrangendo suas dimensões biológicas, sociais e culturais; incluindo sua origem, seus agrupamentos e relações sociais, comportamento, desenvolvimento social, cultural e físico, suas relações com o meio natural, variações biológicas e sua produção cultural. Ou seja, a antropologia procura estudar a humanidade em todos os seus aspectos.”
A par disso, não se pode olvidar o viés biológico do ente humano, como se infere dos antropólogos Hoebel e Frost (2005): “desde o tempo das origens primitivas da cultura, todo desenvolvimento humano foi biológico e cultural. Nenhuma tentativa de estudar a humanidade pode ignorar este fato”. O biólogo evolutivo e geneticista russo Theodosius Dobzhansky (1963) concorda quando afirma que a evolução humana somente pode ser compreendida quando entendida como uma interação entre os desenvolvimentos culturais e biológicos.
Aprofundando o estudo sobre a raça humana nascera uma disciplina nova como uma especialidade da antropologia que é a etnologia, a qual na pena de Dirceu Lindoso:
“A palavra etnologia é de origem grega, e significa estudo dos povos. Esta saber, que povos? Há quem acredite que todos, mas não é bem assim. Uma corrente surgiu que delimita o estudo da etnologia aos povos que, comumente, chamava-se de selvagens e primitivos. E que seriam povos selvagens ou primitivos? Assim chamava-se aos povos que não conhecem a escrita nem as técnicas modernas. Mas há quem aplique, sob o nome de antropologia cultura, a etnografia a povos que conhecem a escrita e as técnicas modernas. E, portanto, aplicam o método etnológico, apurado no estudo de sociedades primitivas ou arcaicas, às sociedades industriais e urbanas. É o caso entre nós do antropólogo Darcy Ribeiro, que tanto estudou as sociedades primitivas, como a dos índios Kadiwéu e Urubu-Kaapor, quando estudou as sociedades complexas, como as sociedades nacionais brasileira e latino-americana. E Claude Lévi-Strauss pôs à sua cadeira no Collège de France o nome de antropologia social, embora considerasse um etnólogo.”
De nada adiantaria todo este escorço científico se o comportamento do humano não restasse aquilatado, o que fez emergir outro ramo imprescindível na árvore do conhecimento, qual seja, a Psicologia, assim definida por Alessandra A. F. Calbucci:
Em linhas gerais a Psicologia é uma ciência que visa compreender as emoções, a forma de pensar e o comportamento do ser humano. Embora existam diversas áreas e linhas de atuação, a Psicologia busca o conhecimento e o desenvolvimento humano individualmente ou em grupo.
Sem qualquer desconsideração para com a psicologia, surgira a psicanálise que Betelhin (1982) enquadra como:
“Psique é a alma – um termo repleto do mais rico significado, dotado de emoção, abrangentemente humano e não científico. Análise, por seu lado, implica a decomposição de um todo em suas partes componentes, um exame científico.”
Sem o concurso dessas ciências, incompossível entender o ser humano, a constituição das famílias, e muito menos, a instituição da adoção, mormente no campo da homoafetividade, o que revela que hodiernamente só se apreende com justeza qualquer critério relacional mediante a interdisciplinaridade, do contrário, perdoada a metáfora empobrecida, seria como antever a floresta em sua biodiversidade por meio de uma só árvore.
3. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA
Principia-se invocando Engels (1982), no que tange a evolutividade familiar, onde este aponta os seguintes aspectos:
a) no Estágio Selvagem: o ser humano vivia muito mais sob as rédeas do instinto, apropriando-se dos bens aptos ao consumo e, no plano da sexualidade, tanto o homem quanto a mulher não definiam parceiros e viviam imersos na libertinagem;
b) sob o ângulo da Barbárie: aqui já se alvorece a agricultura, ocorre a domesticação dos animais e o progresso já se faz sentir com a produção de alimentos, ou seja, a razão se faz bem mais perceptível;
c) no campo da Civilização: desponta, nesta quadra, a industrialização e as artes, estas de forma a incitar a imaginação simbólica dos humanos.
Toma-se de empréstimo a lapidar explanação de João da Silva Carvalho Neto (2010), quando assevera que na Barbárie apareceu “a família sindiásmica, caracterizada pela redução do grupo à sua unidade última que é o par, o casal.” Asserciona ainda que “A família sindiásmica era aquela na qual o homem poderia estabelecer relações poligâmicas. No entanto, à mulher era vedado o adultério, sob pena de severos castigos.”
Igualmente, dando-se de ombros à fecundidade que assinala a peculiaridade da mulher, o homem, para subverter a ordem da vocação hereditária – apropriação dos bens quando da morte do cônjuge -, tornou-a mera serviçal.
Daí porque se traz à baila as sábias palavras de Giovanna de Fraga Carneiro (1990) ao dizer que
As filhas eram totalmente excluídas da sucessão, quando contraíam matrimônio recebiam um dote, constituído de bens que seriam administrados pelo marido. A linhagem beneficiava apenas componentes do sexo masculino, e a herança só era passada para o primogênito, isso como forma de evitar a divisão dos bens da família. Quando a mulher se casava passava a fazer parte da família do esposo. Nessa nova família, quando viúva, não tinha direito à herança. O casamento era um pacto entre duas famílias, seu objetivo era simplesmente a procriação. A mulher era ao mesmo tempo doada e recebida, como um ser passivo. Sua principal virtude, dentro e fora do casamento, deveria ser a obediência, submissão. Filha, irmã, esposa: servia somente de referência ao homem que estava servindo.
Porém, ainda que no campo da Civilização, não se abandonou muito o aspecto bárbaro do inferior trato à mulher, já que o homem passa a ser o chefe único da família, como se nota, por exemplo, em Roma, na figura do pater familiae.
É de bom alvitre a lição de João Carvalho Neto (2010), quando este afirma que o homem
era o chefe religioso, único dono da propriedade e juiz. Exercia o poder total sobre todos do grupo familiar, inclusive a esposa, que era considerada apenas um membro do marido, e após a morte dele ficava submetida ao seu sucessor, não tendo nunca independência e autonomia. O mesmo se estendia a todos aqueles ligados a ele pelo vínculo religioso, que era o que estabelecia as regras familiares.
Tal minimização da condição feminina seguiu o rumo da história, alcançando a Idade Média e, também, a época de Sigmund Freud, onde a questão sexual de tal gênero punha-se da maneira mais oculta possível, ou seja, este discurso deveria ser evitado ou, na melhor das hipóteses ser confiado a um clérigo, no ato confessional.
Ora, neste contexto histórico, a família era hierarquizada e rigidamente organizada, isto é, cabia ao pai gestar toda sorte de interdição, à mãe o signo da passividade e à criança a obediência estrita. Logo, a mulher era a rainha do lar, a procriadora e a criadora da prole, o seu tempo com o rebento era o maior possível; enquanto a figura do pai representava o tacão da ordem.
Novamente, vem à lume o escrito de Neto (2010):
A família, naquele tempo, tem o homem como único elemento identificador e a mulher era, no casamento, sujeito incapaz. Dentro do processo evolutivo das expressões instintuais, percebe-se a manifestação mais livre do desejo sexual nos dois primeiros estágios considerados por Engels, onde a união sexual não caracterizava estabilidade para constituição de famílias. A partir do terceiro estágio, amplia-se a figura do superego, nas expressões da moral e da ética1, a definir normas e procedimentos para prática familiar. Claro que este superego coletivo é fruto dos superegos individuais e se desenvolve quando da definição vivencial da figura paterna, que se torna única e representante da lei que interdita o gozo no âmbito familiar.
Contudo, o êxodo rural, a globalização, dentre outros fatores importantes, fizera surgir um novo modelo de família. Anota, vez outra, Neto (2010):
A família contemporânea passou a ser, ao mesmo tempo e paradoxalmente, relacional e individualista. É na tensão entre esses dois pólos que se constroem e se desfazem os laços familiares, onde cada um busca a fórmula mágica que lhe permita ser livre e feliz junto, onde o ideal é a alternância entre um eu sozinho e um eu com.
Em nosso país, como registro histórico, a mulher casada até o ano de 1962 era relativamente incapaz, ou seja, qualquer ato seu só seria válido se confirmado pelo marido, ficava em condição similar ao dos índios. Quem a colocou em pé de igualdade com o seu consorte foi a Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, que “dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada”. No entanto o chefe do lar não era ela, tal como se lia no Código Civil de 1916, após a edição do Estatuto da Mulher Casada: “Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.”
De outra banda, merece, também, lançar neste tópico a evolução da, porque não dizer, família homoafetiva. Neste tanto, até meados do século XX, a homossexualidade era tida por doença2 e, sendo assim, jamais se poderia cogitar de direitos daqueles humanos que portassem tal condição.
Veio à tona maior visibilidade do assunto em comento, no episódio denominado de Rebelião de Stonewall, em 1969, na cidade de Nova York. Daí porque no-lo dizem Lima e Veloso (2011)
A Rebelião de Stonewall foi um violento conflito na cidade de Nova Iorque em que, pela primeira vez, um grande número de gays, lésbicas, bissexuais e trangêneros enfrentou a polícia em protesto aos maus tratos sofridos por quem possuía uma orientação sexual diferente da considerada ‘normal’.
A ocorrência acima mencionada, por óbvio, deu nascença a estudos sobre a homoafetividade e, mais que isso, fez com que os homossexuais, de um modo geral, reivindicassem espaço perante a sociedade, advindo o conhecido movimento gay.
Volta à tona Lima e Veloso (2011) ao elucidarem que
Em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria deixou de classificar a homossexualidade como transtorno mental. Uma grande conquista conseguida no Brasil em 1985 foi a retirada da homossexualidade como desvio sexual pelo Conselho Federal de Medicina. Cinco anos mais tarde foi a vez de a OMS (Organização Mundial de Saúde) retirar a homossexualidade de sua lista de doenças mentais.
Na linha de tal historicidade, em nossa pátria, Rodrigo Couto (2010) assinala que
Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia baixou uma resolução que reforça o tom e estabelece regras para a atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual. ‘Foi um momento histórico e importante, com outras decisões, para proteger os direitos humanos. À época, os 16 conselhos regionais referendaram a decisão e os movimentos dos homossexuais fizeram grandes manifestações de apoio’, lembra Ana Bock, então presidente do CFP e responsável por assinar a resolução que criou as normas.
Ultimamente, no campo da homoafetividade, Lima e Veloso (2011) esclarecem o fato de que
No Brasil, é perceptível também a mudança de tratamento dada a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, identificados pela sigla LGBT, principalmente a partir do fim do período da Ditadura Militar. As escolas e a mídia, antes mais preocupadas em não entrar na questão polêmica, passaram a propagar a necessidade de garantir-se tratamento igualitário a quem possui orientação sexual diferente da heterossexual.
Entrementes, com a Constituição de 1988, sensíveis foram as alterações. Destaca-se, entre elas, a igualdade entre os sexos, quando o art. 5º, I, afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” e a família transpondo os umbrais da dominação marital, uma vez que a própria Lei Suprema averba a seguinte redação:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Dito isso, observa-se, com meridiana clareza, que os vínculos coercitivos que marcavam as famílias do passado desapareceram para dar lugar à busca da felicidade, do amor, do companheirismo, sempre resguardando o princípio da dignidade da pessoa humana e evitando qualquer modalidade de discriminação, como se infere da mesma Magna Carta, em seu artigo 3º, IV: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Soa oportuna a lira de Neto (2010) ao afirmar que “Essa família, mais sublimada nas suas ligações libidinais, caracteriza-se como um grupo regulado pelo sentimento do amor, no qual os adultos, independente de serem homens ou mulheres, estão a serviço do grupo e principalmente das crianças.”
Não é à toa que a família homoafetiva, e assim entendo que deva ser chamada, está ganhando contornos de reconhecimento mundial, pois veja-se:
a) a orientação sexual encontra-se – e assim deve sê-lo – entronizada no ser humano, que deve ser respeitado em seus direitos no mundo de suas emoções e sentimentos, independentemente de qualquer mensuração outra que não a própria condição humana, ou seja, tendo o sagrado “direito a ser humano”;
b) qualquer tratamento diferenciado que venha a ser proclamado em razão da orientação sexual, além de ser uma verdadeira violência psíquica, é uma ofensa à norma constitucional que prioriza o cânone da isonomia.
Evoco aqui o escrito de Luiz Caversan (2011), da Folha de São Paulo, ao registrar:
“Chega de meios termos: homofobia é crime, sim.
Se não está previsto em lei ainda é porque nós somos atrasados em tudo ou quase.”
Mesmo em nossa plaga, onde a sociedade caminha no rumo de perceber e acolher o conceito múltiplo de família, já existe o projeto de lei nº 122/2006, que restara aprovado pelo plenário da Câmara para tipificar o crime de preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, o qual se encontrava na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa no Senado Federal de 29 de março de 2012 até 14 de maio de 2012, donde voltara para a relatoria da nobre Senadora Marta Suplicy.
Todavia, na data de 25 de maio de 2012, a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou o projeto de lei que torna legal a união estável entre pessoas do mesmo sexo, como noticia o site Espaço Vital:
“Transforma assim em lei os entendimentos do STF e do STJ sobre a matéria (...). O texto do projeto de lei prevê que, "para a união estável ser convertida em casamento, é preciso que o casal declare em cartório não ter impedimentos para casar”". (Os itálicos pertencem à fonte, porém as reticências de os parênteses escritos não).”
Além desta medida, o legislador brasileiro, mormente diante da indeterminação dos conceitos em Direito de Família, acrescido da mutabilidade de tais institutos em razão dos avanços tecnológicos, somado ao fato de que o Código Civil de 2002 tivera gênese em projeto de lavra do saudoso professor Miguel Reale na década de 60 do século passado, entende, por bem em criar um microssistema para a proteção do complexo familiar, cognominado estatuto das famílias, e, em especial, quanto a união homoafetiva vem apontado que:
“O estágio cultural que a sociedade brasileira vive, na atualidade, encaminha-se para o pleno reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A norma do art. 226. da Constituição é de inclusão - diferentemente das normas de exclusão das Constituições pré-1988 -, abrigando generosamente os arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diferentes do modelo matrimonial. A explicitação do casamento, da união estável e da família monoparental não exclui as demais que se constituem como comunhão de vida afetiva, com finalidade de família, de modo público e contínuo. Em momento algum a Constituição veda o relacionamento de pessoas do mesmo sexo. A jurisprudência brasileira tem procurado preencher o vazio normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos pessoais e familiares às relações entre essas pessoas. Ignorar essa realidade é negar direitos às minorias, incompatível com o Estado Democrático. Tratar essas relações cuja natureza familiar salta aos olhos como meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios de uma sociedade de fins lucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas, consagrado no art. 1º, III, da Constituição. Se esses cidadãos brasileiros trabalham, pagam impostos, contribuem para o progresso do país, é inconcebível interditar- lhes direitos assegurados a todos, em razão de suas orientações sexuais.”
Não é outro, como já se assinalou, o viés mundial quanto à homoafetividade, como se observa:
a) no Brasil o casamento de homossexual foi deflagrado por decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277. Por efeito desta decisão, permitiu-se à magistratura nacional a convolação de união estável em casamento. Os juízes, após a ímpar decisão da Suprema Corte, passaram a proceder a conversão da União Estável homoafetiva em casamento, onde, dentre outras, colige-se esta brilhante decisão prolatada pela eminente juíza Junia de Souza Antunes, da 4ª Vara de Família de Brasília, que passa, para conhecimento de todos, a dar-lhe publicidade abaixo:
b) na Argentina, primeiro país da América do Sul que admite o casamento gay, o mesmo viera à baila através da aprovação da lei pelo Senado, mediante o cômputo de 33 votos, com o apoio da presidente Cristina Kirchner, conforme notícia infra:
Depois de 14 horas de discussão, o Senado da Argentina aprovou na madrugada desta quinta-feira (15) a lei que autoriza o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo no país.
A decisão, apoiada pela presidente Cristina Kirchner, transforma o país no primeiro da América Latina a permitir o casamento gay.
Assim, a Argentina é décimo país no mundo a autorizar casamento entre pessoas do mesmo sexo, depois de Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal e Islândia.
c) Na Europa, o casamento homoafetivo já é de todo sedimentado na Holanda, Bélgica, Espanha, Noruega, Suécia, Islândia e Portugal.
d) No Canadá e na África do Sul o matrimônio homoafetivo também recebe aplauso do ordenamento jurídico.
e) Já existem três estados dos Estados Unidos que admitem enlace entre pessoas do mesmo sexo, daí porque na campanha presidencial hodierna tem-se que:
Casamento gay: Obama vinca diferenças para Romney.
Candidato republicano considera que o matrimónio “é a união entre homem e mulher”
Barack Obama assumiu ser a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o tema passou a ser o mais abordado nos Estados Unidos, lançando pistas para a campanha Presidencial. As diferenças para Mitt Romney são grandes, nomeadamente nestas questões fraturantes.
Enquanto o atual Presidente americano dizia em entrevista à ABC: “Para mim, é importante que os casais do mesmo sexo possam casar. Esta ideia tem que avançar”; Mitt Romney, o candidato republicano, vai na direção oposta: “Creio que o matrimónio não é outra coisa senão a união entre homem e mulher”.
Registro com muito pesar, no que tange ao casamento homoafetivo que, “em cinco nações, esse ato é punido com pena de morte, e em 39 dá direito à prisão. Pasme-se, isto em pelo século XXI, onde prima-se pela liberdade.
Porém, no contexto histórico, as barbáries vêm cedendo passo à evolução dos conceitos arrimados na dignidade da pessoa humana, que independe da orientação sexual. O mesmo já ocorrera com as mulheres, que em épocas não muito recuadas, eram tidas como seres despidas de alma, mormente no período medieval, onde uma rainha só assumia tal posto quando seu marido havia de ir para a guerra!