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Visão multidisciplinar acerca do casamento, da união estável e da adoção por par homoafetivo, com enfoque psicanalítico

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19/06/2012 às 19:03
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6 – A ADOÇÃO POR CONVIVENTES HOMOAFETIVOS E UM NOVO ENFOQUE DO COMPLEXO DE ÉDIPO

A baliza da adoção encontra-se, em nível de Brasil, no Estatuto da Criança e do Adolescente[9]:

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil:

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando;

§ 2º  Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família;

§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

§ 4º  Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.

§ 5º  Nos casos do § 4º deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

§ 6º  A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

Como se nota no § 2º, do diploma legal supracitado, é possível a adoção conjunta em “união estável, comprovada a estabilidade da família”. Logo, se o Supremo Tribunal Federal aludiu que os pares homoafetivos que vivem com os requisitos de uma habitação duradoura[10] equiparam-se à união estável, não mais subsiste qualquer discussão jurídica quanto à viabilidade da adoção de uma criança por eles.

É bom que se transcreva aqui, para dar conteúdo às discussões, algumas normas presentes no Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

O que houve, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, foi uma interpretação construtiva, isto é, organizando a leitura das normas infraconstitucionais com a Constituição Federal. Disso resulta que:

a) não mais deve ser tida como união estável apenas a relação entre homem e mulher, abarcando-se também, a ocorrida entre pessoas do mesmo sexo;

b) continuam válidas para se ter união estável, as seguintes condicionantes:

b.1) existência de convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família;

b.2) presença de lealdade e respeito entre os conviventes.

Caracterizando os elementos evidenciadores dos predicamentos para se ter uma família homoafetiva, certamente, além de elementos materiais (conta bancária conjunta, declaração de dependência em imposto de renda, plano de saúde) haverão outros pontos imprescindíveis, tais como fotografias em festividades familiares de ambos os conviventes, viagens conjuntas, dentre outros. Porém o mais significativo, entende-se como sendo a vinculação emocional entre eles, comparecendo a importância da lealdade, afetividade, o de desejo de se portarem em obediência às normas dos bons costumes – destacando-se, claramente, que estes tratam-se de fatores subjetivos e de difícil mensuração, o que não impede que deixem de ser requisitos fundamentais ao que se alude.

Naturalmente, não é qualquer encontro de pessoas do mesmo sexo, ou de sexos diversos, que desembocará em união estável, mas sim um liame duradouro e respeitoso. Somente uma entificação desta natureza é que tem viabilidade jurídica para legitimar a busca de um processo adotivo.

E para fechar a adoção, no patamar jurídico, pontua-se mais esta regra da Lei nº 8.069/90:

“Art. 43: A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.

Em decorrência da norma supracitada, pode-se inferir, ao se tratar da adoção por pares homoafetivos, que a criança teria reais vantagens. Neste ponto, remonta-se ao triste fato de diversos abrigos, por mais que tentem, não serem capazes de fornecer à criança, as condições de um desenvolvimento saudável. Em contraponto, a adoção bem direcionada e em conformidade com as determinações ora levantadas, seja ela por pais homoafetivos ou não, se não dão a garantia do pleno sucesso, ao menos apresentam, quando comparadas aos abrigos, iguais chances de fracassar.

Então, uma união estável homoafetiva – aquela que deve amoldar-se aos requisitos acima elencados -, tem toda a fundamentação legítima para pleitear a adoção de um infante, bastando que isso seja uma real vantagem para este último.

Abebera-se da lição de Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi Maia (2009)

Ora, se o que se busca com a adoção é o bem-estar da criança, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, poderíamos dizer que o não-reconhecimento das famílias compostas por pais/mães homossexuais e, assim, a impossibilidade da adoção por ambos os (as) parceiros (as) iria contra os princípios legais, já que facilitaria o fato de a criança se sentir diferente e discriminada. Assim, a criança poderia se sentir estigmatizada não por ser adotada por pessoas homossexuais, mas pela lei de seu país não considerar sua família como tal.

Derradeiramente, além da União Estável que envolve a homoafetividade, atualmente, se preenchidos os requisitos da nubência,  aquela poderá ser convertida em casamento, como já alinhado dantes, ou mesmo haver o próprio ato do enlace matrimonial perante o cartório de registro civil, como se vislumbra:

 Embora casadas as pessoas do mesmo sexo (por conta da conversão da União Estável, ou mesmo já frente ao notário), para a adoção perduram todas as exigências da norma pertinente, tal como se daria no campo da heterossexualidade.

Ultrapassada a formalidade legal, surge a análise da adoção por par homoafetivo (em União Estável ou casados entre si) no campo psicanalítico.

A primeira preocupação, sem qualquer ideia preconceituosa, seria a de que, por imitação/identificação, a criança adotada, por um par homoafetivo, acabaria se tornando homossexual/transexual.

Ora, não é a identificação da criança adotada com os adotantes, sejam do mesmo sexo ou não, que a fará homossexual/transexual. Até mesmo porque, é por demais sabido serem inúmeros os filhos de casais heterossexuais que propendem para a homossexualidade lato sensu, em caso tal não se poderia cogitar de um processo de identificação.

O complexo de Édipo, por sua vez, mormente numa família não mais hierarquizada (patriarcal), circula, além das figuras objetais mais próximas, atingindo outros parentes, principalmente na atualidade, onde é corriqueiro a monoparentalidade – descendentes de um só genitor em comum -, somado à existência de diversas gerações em um só lar, por exemplo, com a permanência de avós, pais, tios e filhos. Não é à toa que o escritor mineiro, Rodrigo da Cunha Pereira (1997), tem a rara sensibilidade de lecionar que

ela não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos. Ela é antes uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, uma função. Lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem entretanto estarem necessariamente ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de lugar, que um indivíduo pode ocupar o lugar do pai sem que seja o pai biológico.

Por conseguinte, não há mais como se enxergar no complexo de Édipo um fenômeno puramente calcado na relação triádica – pai, mãe e filho(a), na percepção puramente genitalizada. Essa visão deveria se voltar para as dimensões afetiva, cultural e espiritual, como pode ser extraído dos escritos de Lacan, Horney, Malinowski e João Neto.

Não se está aqui, de modo algum, embotando o grande labor de Sigmund Freud, que devassou o psiquismo humano em um contexto patriarcal. Porém, soa o momento de grafar a evolução da sociedade, tanto no plano jurídico quanto no viés psíquico e ético, máxime separando o campo do prazer – que é veiculado pela cópula sexual – do ato da procriação.

Em outras palavras, na época freudiana, com o intento de se evitar gravidez indesejada o método viável era a interrupção do coito, o que certamente deslustrava a performance da relação sexual e, mesmo no Brasil, até o surgimento da Constituição Federal de 1988 a ideia de casamento era imantada diretamente à da procriação, legitimando-a. Tanto assim que filhos havidos fora das núpcias eram tidos como ilegítimos ou bastardos, o que não fazia com que eles deixassem de aumentar, afinal as pulsões sexuais eram (ou talvez sempre foram) maiores do que as convenções sociais, muito efêmeras e pautadas em um falso self[11].

Esse separatismo entre “casamento” (aqui compreendido também a união estável, seja por pessoas de sexo comum ou diverso) e procriação é que não fora antevista pelo pai da Psicanálise – e nem havia qualquer indício sociocultural para tanto –, como no-lo ensina Roudinesco (2003), “Freud desconhece a força da ruptura a que deu início, recusando-se a enxergar o quanto ela já contribuiu para a separação do desejo e da procriação, sem porém colocar em risco a civilização”.

Logicamente que, assim que sobreveio a pílula anticoncepcional, o ser humano sentiu maior liberdade para a prática sexual, descobrindo de certo modo o prazer decorrente desse encontro de corpos. Todavia tal ordem de coisa gerou a onda do “amor livre”, mesclado com o uso de drogas, o que alterou a formatação familiar, surgindo figuras típicas como as das mães solteiras e, também, a assunção do nascimento de grupos organizados para reivindicação de espaços sociais, como sói ocorrer com a representatividade homossexual, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBTTT).

Esta visibilidade, evidentemente, gera uma dificuldade de aceitação por parte dos conservadores que, em muitas vezes, preferem a hipocrisia à transparência no campo da sexualidade. Exemplificando: tem pessoas que se chocam com a adoção por par homoafetivo, sob o argumento de desestruturação do psiquismo infantil por falta da presença de um homem e de uma mulher, mas tem um caso com a cunhada e torna-se pai e, mesmo assim, não esboça qualquer preocupação com a sua prole decorrente da esposa e a confrontação com o oriundo da irmã daquela.

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Logo, vale a pena citar trecho do voto do Min. Luis Felipe Salomão (2010), ao escandir que:

Em síntese, tais estudos mencionados pelo acórdão (por exemplo, da Universidade de Virgínia, da Universidade de Valência e da Academia Americana de Pediatria) são respeitados e com fortes bases científicas, indicando:

 - ‘ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar, quanto na circunstância de amar e servir’;

- ‘nem sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há coincidência do sexo biológico com o sexo social’;

- ‘o papel de pai nem sempre é exercido por um indivíduo do sexo masculino’;

- os comportamentos de crianças criadas em lares homossexuais ‘não variam fundamentalmente daqueles da população em geral’;

- ‘as crianças que crescem em uma família de lésbicas não apresentam necessariamente problemas ligados a isso na idade adulta’;

- ‘não há dados que permitam afirmar que as lésbicas e os gays não são pais adequados ou mesmo que o desenvolvimento psicossocial dos filhos de gays e lésbicas seja comprometido sob qualquer aspecto em relação aos filhos de pais heterossexuais’;

- ‘educar e criar os filhos de forma saudável o realizam semelhantemente os pais homossexuais e os heterossexuais’;

- ‘a criança que cresce com 1 ou 2 pais gays ou lésbicas se desenvolve tão bem sob os aspectos emocional, cognitivo, social e do funcionamento sexual quanto à criança cujos pais são heterossexuais’.

Feitas tais considerações, observando-se o complexo de Édipo como um fenômeno de cunho extremamente cultural e histórico, como já mencionado antecedentemente, não se há como entender nociva a adoção por par homoafetivo, porque o que une os seres – aqui incluídos adotantes e adotado(s) – é o signo da afetividade.

Registra-se que não se entende como par homoafetivo aqueles exibicionistas, transformistas e adeptos de comportamentos ditos pervertidos, porque estes, sem qualquer traço de discriminação, não encontram legitimidade sociopsíquica para a adoção.

Não deve aqui ser encarada de forma nociva o travestismo sem fetichismo e também a transgenitalização, enfim o que recomenda, aliás, a distinção que se segue:

O transexual não se confunde com o homossexual, pois este não nega seu sexo, embora mantendo relações sexuais com pessoas do seu próprio sexo. Não se confunde com o travesti, que em seu fetichismo é levado a se vestir nos moldes do sexo oposto. Nem se identifica com o bissexual, indivíduo que mantém relações sexuais com parceiros de ambos os sexos.

No campo da transexualidade, o que no concurso da atualidade, mostra-se acobertada pelas decisões judiciais[12] , e de todo conforme com uma visão psicanalítica contemporânea,  nada há que desabone, por si só o processo de adoção.

No que tangue ao travestismo, vale salientar a notícia seguinte:

“O Patronato Nacional da Infância (PANI) da Costa Rica, instituição estatal encarregada da proteção a menores, concedeu direito de adoção de um menino de dez anos a uma travesti, que cuida da criança desde os três meses de idade. A decisão contraria pressão de grupos religiosos conservadores que pediam a perda da guarda da criança por sua educadora. Mairena Rodriguez  vive com seu filho Michael em um pequeno povoado próximo à capital San José. A ministra da Infância e Adolescência Rosalia Gil afirma que “não existe razão para tirar a criança”, já que funcionários do PANI acompanharam o caso por seis meses e não verificaram “nada de estranho” na educação do menor, que estuda em uma escola particular.”

Por analogia igual tratamento deve ser dado ao travesti brasileiro, porque não é a orientação sexual que dirá sobre a otimização da função paterna/materna, como no-lo ensina Elizabeth Zambrano:

O uso do termo "família homoparental" costuma ser objeto de muitos questionamentos, pois coloca o acento na "orientação sexual" (homoerótica) dos pais/mães e a associa ao cuidado dos filhos (parentalidade). Essa associação (homossexualidade dos pais/mães e cuidado com os filhos) é, justamente, o que os estudos sobre homoparentalidade se propõem a desfazer, demonstrando que homens e mulheres homossexuais podem ser ou não bons pais/mães, da mesma forma como homens e mulheres heterossexuais.3 Os estudos demonstram que é a capacidade de cuidar e a qualidade do relacionamento com os filhos o determinante da boa parentalidade, e não a orientação sexual dos pais.

Já o fetichismo, derivativo do vocábulo  fetiche,  tomado de empréstimo, pela psicanálise, da antropologia, designando como objeto material enfeixado como ídolo, já o era empregado pelos sexologistas antecedentemente à época freudiana.

Freud, em um primeiro momento, classificou o fetichismo como perversão no campo da sexualidade, já que tratava-se da vinculação do sujeito do desejo voltando sua atenção para parte do corpo de outrem (pé, boca, seios, etc.) ou para um objeto determinado (sapato, calcinha, etc.). Porém, em 1927, com o trabalho denominado Fetichismo, o pai da psicanálise altera o seu ponto de vista, vendo o fetichismo como uma organização patológica resultante de uma denegação ou recusa da percepção de que falta um pênis na menina.

Daí porque, nas pegadas de Freud,  seria o fetichismo exclusivo no homem, já que para a mulher era o seu corpo na integralidade que seria fetichizado e, por fim, representaria um paradigma das perversões em geral.

Todavia, com o evolver da psicanálise, com os estudos de Melanie Klein e R. Stoller, não se contesta o fetichismo também nas mulheres, ou seja, a prática de tal conduta enreda-se no campo da perversão.

 Certos travestis, conduzindo-se por intermédio de fetiches, tornam-se seres limítrofes em termos de personalidade, isto é, abeiram-se da psicose, porém, o transexualismo como um todo, para a psiquiatria é tido como um quadro mórbido.[13]

Com todo respeito, a própria situação psíquica do transexual, de um modo geral, para alguns, tem levado ao afastamento da probabilidade da adoção, ainda que realize eventual cirurgia para “adequação” da sexuação. Toma-se, aqui, de empréstimo, a lição de Contardo Calligaris (1989), citado por Arán (2006), ao afirmar que “no transexualismo a cirurgia pode ser compreendida como um esforço de constituição de uma ‘metáfora delirante no real do corpo’".

Então, a meu ver diante do movimento internacional para tornar análoga a cirurgia da transgenitalização por aquele que possua dupla formação anatômico-sexual com aqueles que apenas não se sintam psicologicamente adequados com o sexo biológico que possuem – sendo que estes para a certa porção da psicanálise contemporânea são tidos como limítrofes da psicose –, ainda assim, creio no momento evolutivo do pensamento psicanalítico que se está a viver, de que a adoção nesta última hipótese, por si só, não deixa de ser recomendável por conta de uma suposta situação emocional que restaria alterada por serem  transexuais/travestis[14].

Colaciona-se por oportuno esta lição de Danielle de Luca:

O que tem que ser realmente levado em consideração aqui, não é a opção sexual do indivíduo (transexual), mas sim o seu caráter e sua capacidade enquanto ser humano, além, é claro, do direito dessa criança de pertencer a uma família que lhe dará não só uma estrutura financeira, mas sim muito amor, carinho e respeito, que é a base de toda família, e isso, não é a opção sexual que define.

Em que pese o transexualismo encontrar classificado como transtorno de identificação sexual, não é por isso só que lhe deve ser despido o direito humano a uma dignidade que alcance os altiplanos da viabilidade da adoção, até mesmo porque no correr da história muito do que era tido como morbidez para a psiquiatria, deixou de sê-lo, incluindo aqui o homossexualismo.

Por fim, no que tange a preconceitos de outrem com relação a uma criança/adolescente adotado por homoafetivos, deve ser vencido pela sociedade, como aliás o fora em tantos aspectos da história, como por exemplo a proibição do casamento inter-racial em alguns estados dos Estados Unidos da América, assim como no Brasil negros eram barrados em bailes de brancos, eram tidas como de má vida mulheres separadas ou mães solteiras. Neste ponto, há de se levantar a célebre frase do pai da Psicanálise, quando ele diz que “A substituição do poder do indivíduo pelo poder da comunidade é o passo cultural decisivo.” (FREUD, 2010)

Aliás, o doloroso selo do preconceito, também, às vezes, é conferido por instituições públicas como se entrevê desta notícia publicada no portal do Superior Tribunal de Justiça, intitulada “Rejeitado recurso contra decisão que afastou limite de idade em adoção por homossexuais”:

“(...)órgão ministerial – idade mínima de 12 anos para o adotando em caso de adoção por casal homoafetivo – não encontra o mínimo suporte legal, ante a absoluta ausência de previsão no ordenamento jurídico sobre idade mínima da pessoa a ser adotada. “O magistrado que estabelecesse uma idade mínima da criança a ser adotada, só porque os adotantes seriam pessoas do mesmo sexo, estaria infringindo a própria Constituição republicana, pois estaria criando norma sem o devido e legal suporte”, afirmou o tribunal estadual. Para o TJPR, a pretensão de estabelecer idade-limite para a criança ser adotada, em razão da orientação sexual dos adotantes, configura “exigência ilegal e de cunho discriminatório e preconceituoso (...)”. (ausentes reticências e parênteses no texto primitivo)

Ao que parece, somente adolescentes – posto que possuiriam idade igual/superior a doze anos -, poderiam ser adotados por casal homoafetivo, como se um menor de idade pudesse vir a ser “contagiado” pela orientação sexual dos adotantes. Não existe nenhuma evidência científica, como já se deitou nesse trabalho, que apontasse pela identificação do adotando com a manifestação da sexualidade de seus pais. O nome desta fixação de idade mínima para a adoção por par homossexual é um só: discriminação.

Sobre esta chaga da discriminação, que quem a usa coloca-se indevidamente acima do outro, este brado de Maria Berenice Dias (2011) evoca significativa reflexão: “Um dado consolador é que os jovens, as pessoas com melhor nível de escolaridade e maior poder aquisitivo se mostraram mais tolerantes. Pelo jeito este é o caminho. Educação. Só ela permite melhor renda e mais condições sociais.”

Somente com evolver do conjunto social, até mesmo como desafio, é que se rompem barreiras, evitam-se constrangimentos e verdadeiras torturas – que outrora eram meras troças – como o malsinado bullying. Nota-se, como apresentado por Freud em uma de suas obras (2010) que “a agressão é introjetada, interiorizada, na verdade mandada de volta à sua origem; portanto, dirigida contra o próprio eu”.

Arrematando-se, uma ideia de verdadeira espiritualidade do ser, aquela que o percebe de forma transcendente buscando enxergar nele os valores de sua alma, conseguirá não coagular a visão de futuro sobre algo aparentemente não compreendido com as balizas do que se entende no presente. Derruindo-se, de vez, os grilhões do preconceito.

Adverte, com a maestria de sempre, em reportagem dada ao Jornal Folha de São Paulo, no dia 4 de agosto de 2009, o Min. Luis Felipe Salomão (2010):

A adoção, quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, como no caso dos autos, é um gesto de humanidade, e LRM foi além, adotando duas crianças e delas cuidando. Os menores são, ainda, irmãos biológicos – e, segundo o Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. (Jornal Folha de São Paulo de 4 de agosto de 2009).

Arrematando, é de se dizer que, na própria natureza como um todo, ressai a diversidade. Um olhar reducionista só enxerga o que é semelhante, mas uma captura holística admira a completitude do todo, que é composto de partes. Não admitir a diversidade da sexualidade para a adoção é perder de vista a riqueza do gênero humano, contentando-se com uma raça pura, tão a gosto do nazismo, de ontem e de hoje.

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Visão multidisciplinar acerca do casamento, da união estável e da adoção por par homoafetivo, com enfoque psicanalítico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3275, 19 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22049. Acesso em: 10 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado, com alterações posteriores, na Rede Internacional de Ensino Livre, como requisito para obtenção de título de mestre na disciplina Psicanálise, com menção de destaque ao autor.

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