Notas
[1] Petição inicial da ADPF n. 101, Relatora Ministra Cármen Lúcia. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br /estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2416537>. Acesso em: 07 mar. 2012.
[2] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
[3] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
[4] Tal proibição encontra esteio no art. 27 da Portaria DECEX 08, de 14 de maio de 1991, do Departamento de Comércio Exterior, que assim dispõe: “Não será autorizada a importação de bens de consumo usados.” Referida norma teve sua constitucionalidade desafiada, em sede de controle difuso (RE 203953/CE), sendo que o STF a declarou constitucional assentado que o dispositivo encontrava fundamento no art. 237 da Constituição Federal que expressamente submeteu ao Ministro da Fazenda (órgão que à época detinha atribuição legal acerca da matéria) “A fiscalização e controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais [...]”. A ementa do Recurso Extraordinário foi assim redigida:
“IMPORTAÇÃO DE AUTOMÓVEIS USADOS. PROIBIÇÃO DITADA PELA PORTARIA N. 08, DE 13.05.91 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. ALEGADA AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, EM PRETENSO PREJUÍZO DAS PESSOAS DE MENOR CAPACIDADE ECONÔMICA. ENTENDIMENTO INACEITÁVEL, PORQUE NÃO DEMONSTRADO QUE A ABERTURA DO COMÉRCIO DE IMPORTAÇÃO AOS AUTOMÓVEIS TENHA O FITO DE PROPICIAR O ACESSO DA POPULAÇÃO, COMO UM TODO, AO PRODUTO DE ORIGEM ESTRANGEIRA, ÚNICA HIPÓTESE EM QUE A VEDAÇÃO DA IMPORTAÇÃO AOS AUTOMÓVEIS USADOS PODERIA SOAR COMO DISCRIMINATÓRIA, NÃO FOSSE CERTO QUE, AINDA ASSIM, CONSIDERÁVEL PARCELA DOS INDIVÍDUOS CONTINUARIA SEM ACESSO AOS REFERIDOS BENS. DISCRIMINAÇÃO QUE, AO REVÉS, GUARDA PERFEITA CORRELAÇÃO LÓGICA COM A DISPARIDADE DE TRATAMENTO JURÍDICO ESTABELECIDA PELA NORMA IMPUGNADA, A QUAL, ADEMAIS, SE REVELA CONSENTÂNEA COM OS INTERESSES FAZENDÁRIOS NACIONAIS QUE O ART. 237 DA CF TEVE EM MIRA PROTEGER, AO INVESTIR AS AUTORIDADES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NO PODER DE FISCALIZAR E CONTROLAR O COMÉRCIO EXTERIOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (STF – Pleno – RE 203954/CE – Relator Ministro Ilmar Galvão – DJ 07.02.1997)”
Posteriormente, essa Portaria foi substituída pela Portaria SECEX (Secretaria de Comércio Exterior) n. 14, de 17 de novembro de 2004, que assim dispõe: “Art. 40. Não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da NCM, à exceção dos pneumáticos remoldados, classificados nas NCM 4012.1.00, 4012.12.00, 4012.13.00 e 4012.19.00, originários e procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL ao amparo do Acordo de Complementação Econômica n. 18.”
Por oportuno, e isto foi frisado na inicial da ADPF 101, não se pode esquecer que a defesa do meio ambiente foi alçada pela Constituição de 1988 à qualidade de princípio geral da atividade econômica, conforma externado pelo inciso VI do art. 170 da Lei Fundamental, verbis: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.
[5] Em audiência pública (junho/2008) convocada pela ministra Cármen Lúcia, a Advocacia-Geral da União – cuja participação caracteriza exemplo de atuação na defesa extrajudicial dos interesses da União, mormente em um ambiente de diálogo democrático e plural como costumam ser as audiências públicas – informou que a legislação brasileira de forma geral proíbe a importação de pneus usados, com exceção daqueles advindos de países que compõem o MERCOSUL, isto porque o Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL condenou o Brasil a aceitar a importação de pneus dos países do grupo, quando questionado pelo Uruguai.
Na oportunidade, o Advogado-Geral da União ressaltou que a ADPF 101 foi proposta contra as decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados para utilização no Brasil, na chamada indústria de remodelagem e que a ação pretende a declaração de inconstitucionalidade dessas decisões judiciais bem como a declaração de constitucionalidade do normativo que veda a importação desses pneus. Ademais, foi relembrado que a ADPF em questão tem fundamento nos artigos 196 e 225 da Constituição Federal, que dispõem respectivamente, sobre o dever do Estado em garantir políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e sobre o direito da sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
[6] Ações em que houve decisão versando sobre o tema em debate: 2004.38.00.021230-5/MG; 2003.50.01.003302-3/ES; 2003.50.01.003418-0/ES; 2002.51.01.007841-7/RJ; 2004.51.01.01332709/RJ; 2004.51.01.018271-0/RJ; 2000.51.01.015268-2/RJ; 2003.51.01.009085-9/RJ; 2003.51.01.020151-7/RJ; 2006.51.01.006669-0/RJ; 2002.51.01.021336-9/RJ; 2003.51.01.028108-2/RJ; 2006.51.01.5790-0/RJ; 2003.51.01.005269-6/RJ; 95.00.19425-2/RJ; 2002.51.01.005700-5/RJ; 2003.51.01.007301-1/RJ; 2004.51.01.011794-8/RJ; 2002.51.01.021335-7/RJ; 92.00.40127-7/RJ; 2004.51.01.001799-5/RJ; 2004.51.01.021624-0/RJ; 2006.51.01.004284-2/RJ; 2006.70.003656-4/PR; 2003.70.00.047071-8/PR; 95.00.22905-6/CE; 2003.02.01.018228-4/TRF2; 2004.50.01.011427-1/TRF2;2006.02.01.000974-5/TRF2; 2004.02.01.011669-3/TRF2; 2002.51.01.014707-5/TRF2; 2002.51.01.022492-6/TRF2; 2002.61.00.004306-9/TRF2; 2002.51.01.014705-1/TRF2; 2003.51.01.020151-7/TRF2; 2000.02.01.049640-0/TRF2; 2001.02.01.000846-9/TRF2; 2004.02.01.007769-9/TRF2; 2001.51.01.001651-1/TRF2; 2006.02.01.0049299-9/TRF2; 2003.02.01.003495-7/TRF2; 2006.02.01.004450-2/TRF2; 2003.02.01.006804-9/TRF2; 2002.51.01.022377-6/TRF2; 2004.02.01.002822-6/TRF2; 2003.02.01.016651-5/TRF2; 2005.02.01.001764-6/TRF2; 2005.02.01.000174-6/TRF2; 2006.02.021.003524-0/TRF2; 2002.51.01.014426-1/TRF2; 2006.04.00.004730-4/TRF4; 2002.70.00.008773-6/TRF4; 2002.70.00.045835-0/TRF4; 2002.70.00.075048-6/TRF4; 96.05.27638-0/TRF5; 245552-AI/STF; 411318-RE/STF. (ADPF 101, petição inicial, p. 20-22)
[7] Ver ADI n. 3.540-MC/DF (voto do Ministro Celso de Mello).
[8] “Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
§ 1º Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.”
[9] “A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, por sua vez, possibilita a retirada do mundo jurídico mesmo de decisões transitadas em julgado, o que se infere da interpretação a contrario sensu extraída do art. 5º, § 3º, da Lei 9.882, de 03 de dezembro de 1999:
Se existe expressa vedação de afetação de efeitos de decisões judiciais transitadas em julgado em sede de liminar da ADPF, é porque a decisão definitiva está apta a expelir do mundo jurídico tais decisões judiciais, que, ressalte-se, são as verdadeiras causas da lesão a preceito fundamental. Ora, se a ADPF não se prestar a esse papel, pode-se concluir que a Constituição não terá meios de assegurar a observância dos preceitos fundamentais por ela erigidos, em claro desprestígio de sua força normativa.” (petição inicial, p. 56)
[10] “Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.
[...]
§ 3º A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.”
[11] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”
[12] Paralelamente, transcrevemos trecho da petição inicial da ADPF n. 101, onde a AGU, ainda sobre o princípio da isonomia, aduz que: “A par disso, para se falar em isonomia de tratamento, deveria se considerar países em situação ao menos assemelhada, no que se refere a quantitativo de pneus existente como passivo ambiental.
Afinal, como se extrai das lições de Aristóteles, o que com propriedade denominou de ‘igualdade recíproca’, a verdadeira igualdade consiste em dar tratamento desigual àqueles que se encontrem em situações desiguais, na justa medida da sua desigualdade.
Ora, querer comparar o que a União Européia pode representar em termos de danos ambientais e à saúde com os seus milhões de pneus, com o que os países do Mercosul poderiam representar nessa área, é no mínimo desarrazoado.
Para se compreender a dimensão do abismo existente entre esses dois paradigmas, basta dizer que os países do Mercosul foram responsáveis pela importação de apenas 500 mil pneus em 2005, o que representa 5% dos 10 milhões de pneus importados pelo Brasil da União Européia.
Desse modo, a argumentação de violação ao princípio da igualdade mostra-se falaciosa, pois, além de o Brasil ter sido compelido judicialmente a permitir a importação apenas de pneus remoldados dos países do Mercosul, e não de pneus usados para servirem como matéria-prima, seria plenamente justificável conferir tratamento distinto aos mesmos, pelo fato de o Mercosul se tratar de União Aduaneira e por razões de equidade e de política internacional, considerando, sobretudo, o diminuto impacto ambiental que tais importações poderiam representar.” (petição inicial, p. 39)
[13] “Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”
[14] Resolução CONAMA 301/2002:
“Art. 1º Alterar e incluir os seguintes Considerandos à Resolução CONAMA n. 258, de 26 de agosto de 1999, que passam a vigorar com a seguinte redação:
[...]
Considerando que a importação de pneumáticos usados é proibida pelas Resoluções CONAMA n.s 23, de 12 de dezembro de 1996 e 235, de 07 de janeiro de 1998;”
[15] “Art. 4º. Os Resíduos Inertes – Classe III não estão sujeitos a restrições de importação, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida.”
[16] A Resolução CONAMA n. 235/1998 apenas confirma a proibição quanto à importação de pneumáticos usados, na medida em que, conferindo nova redação ao Anexo 10 da Resolução CONAMA n. 23/1996, classificou os pneumáticos usados como resíduos inertes – Classe III – de importação proibida. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23597.html>. Acesso em: 15 abr. 2012.
[17] Voto da Ministra Cármen Lúcia. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/voto-carmen-lucia-pn.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2012.
[18] A Ementa restou assim redigida: “EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU EXAURIDO: IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. DECISÕES JUDICIAIS COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO TEMPO: PROIBIÇÃO DE NOVOS EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação.
2. Arguição de descumprimento dos preceitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos: decisões judiciais nacionais permitindo a importação de pneus usados de Países que não compõem o Mercosul: objeto de contencioso na Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de 20.6.2005, pela Solicitação de Consulta da União Europeia ao Brasil.
3. Crescente aumento da frota de veículos no mundo a acarretar também aumento de pneus novos e, consequentemente, necessidade de sua substituição em decorrência do seu desgaste. Necessidade de destinação ecologicamente correta dos pneus usados para submissão dos procedimentos às normas constitucionais e legais vigentes. Ausência de eliminação total dos efeitos nocivos da destinação dos pneus usados, com malefícios ao meio ambiente: demonstração pelos dados.
4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica.
5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a falta de utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de disseminação de doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal preventiva, prudente e precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial, cuja tutela se impõe de forma inibitória, preventiva, impedindo-se atos de importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos, que deles se livram.
6. Recurso Extraordinário n. 202.313, Relator o Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 19.12.1996, e Recurso Extraordinário n. 203.954, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ 7.2.1997: Portarias emitidas pelo Departamento de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Decex harmonizadas com o princípio da legalidade; fundamento direto no art. 237 da Constituição da República.
7. Autorização para importação de remoldados provenientes de Estados integrantes do Mercosul limitados ao produto final, pneu, e não às carcaças: determinação do Tribunal ad hoc, à qual teve de se submeter o Brasil em decorrência dos acordos firmados pelo bloco econômico: ausência de tratamento discriminatório nas relações comerciais firmadas pelo Brasil.
8. Demonstração de que: a) os elementos que compõem o pneus, dando-lhe durabilidade, é responsável pela demora na sua decomposição quando descartado em aterros; b) a dificuldade de seu armazenamento impele a sua queima, o que libera substâncias tóxicas e cancerígenas no ar; c) quando compactados inteiros, os pneus tendem a voltar à sua forma original e retornam à superfície, ocupando espaços que são escassos e de grande valia, em especial nas grandes cidades; d) pneus inservíveis e descartados a céu aberto são criadouros de insetos e outros transmissores de doenças; e) o alto índice calorífico dos pneus, interessante para as indústrias cimenteiras, quando queimados a céu aberto se tornam focos de incêndio difíceis de extinguir, podendo durar dias, meses e até anos; f) o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica. Ponderação dos princípios constitucionais: demonstração de que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 170, inc. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225 da Constituição do Brasil).
9. Decisões judiciais com trânsito em julgado, cujo conteúdo já tenha sido executado e exaurido o seu objeto não são desfeitas: efeitos acabados. Efeitos cessados de decisões judiciais pretéritas, com indeterminação temporal quanto à autorização concedida para importação de pneus: proibição a partir deste julgamento por submissão ao que decidido nesta arguição.
10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente procedente.”
[19] “A adequação da presente Arguição está na comprovação de existência de múltiplas ações judiciais sobre as normas aqui questionadas tendo como objeto exatamente os preceitos constitucionais fundamentais.
Na peça inicial da Arguição se comprova que alguns daqueles casos foram julgados: a) em primeiro grau; b) em grau de recurso e, ainda, c) com trânsito em julgado.
Desta pletora de decisões, algumas conflitantes, e como não houve declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas relativas à matéria, tem-se a manutenção de atos concretos do Poder Público. Esses, porém, são tidos como não aplicáveis às situações descritas em diferentes processos mencionados nos autos.
A aplicação diferenciada e simultânea das normas pelas decisões judiciais contrárias parecem poder traduzir descumprimento de preceitos constitucionais fundamentais.
Não há, pois, outra ação na qual se possa suscitar o questionamento posto na presente Arguição com a efetividade da prestação jurisdicional pretendida, donde a comprovação de acatamento ao princípio da subsidiariedade.” (Voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 13-14)
[20] “Os Países integrantes da União Européia ressaltaram então: a) a proibição de importação de pneus remoldados; b) a imposição de multa de quatrocentos reais para quem importa ‘comercializa, transporta, armazena, guarda ou mantém em depósito pneu usado ou reformado’; c) a isenção de proibição de importação e de penalidades econômicas por parte do Brasil aos Países integrantes do Mercosul; d) que a existência de legislações proibitivas da comercialização de pneus reformados importados afrontaria os princípios de livre comércio e isonomia entre os Países membros da OMC.
O Brasil argumentou, então, sobre a necessidade de adoção das medidas para evitar danos ambientais, pois os pneus usados têm vida útil mais curta que os novos, além de se transformarem em resíduos de difícil aproveitamento e de grave contaminação do meio ambiente e comprometimento da saúde humana. Demonstrou, ainda, que, em Países tropicais, a proibição de importação de pneus faz-se especialmente necessária como procedimento de combate às doenças transmitidas por mosquitos, que neles se instalam. Em resumo, a proibição da importação é uma providência imprescindível adotada para, dando cobro às normas constitucionais vigente (sic), cuidar-se do meio ambiente e da saúde da população brasileira.
Ponderou, ainda, haver dificuldades no armazenamento de pneus procedentes de outros Países, além daqueles produzidos internamente, defendendo a tese da responsabilização pela correta destinação, ou seja, o Estado produtor deveria dar solução ao problema do resíduo de seu produto.”
Demonstrou, ademais, “que a isenção do Mercosul da proibição de importações e das multas anticircunvenção é também justificada pelo Artigo XX(D) porque é uma medida ...‘necessária para assegurar o cumprimento de leis ou regulamentos’ que não são inconsistentes com o GATT. [E] que a isenção dos países do Mercosul da proibição e das multas é necessária para assegurar o cumprimento pelo Brasil de suas obrigações no âmbito do Mercosul, conforme determinado pelo Tribunal ad hoc do Mercosul” (Segunda Petição do Brasil perante a Organização Mundial do Comércio apresentada em 11.8.2006, p. 62-63, tradução livre).” (Voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 57-58)
[21] Textualmente, aquele artigo do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio estabelece:
“Artigo XX. Exceções Gerais.
Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante de medidas:
(b) necessárias para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal”.
[22] A relatora aponta, com base na argumentação desenvolvida pela AGU, as nefastas consequências para o Brasil acaso a OMC desse ganho de causa à União Europeia, verbis: “Como ponderado pelo Arguente, se a Organização Mundial de Comércio desse ganho de causa à União Europeia, ‘o Brasil poder(ia) ser obrigado a receber, via importação, pneus reformados de toda a Europa, que detém um passivo de pneus usados da ordem de 2 a 3 bilhões de unidades, abrindo-se a temível oportunidade de receber pneus usados do mundo inteiro, inclusive dos Estados Unidos da América, que também possuem um número próximo de 3 bilhões de pneus usados’.” (voto da Min. Cármen Lúcia, p. 100)
[23] Também destacou que o STF já assegurava a proteção ao meio ambiente antes mesmo do advento da Constituição de 1988, como demonstra o precedente MS n. 22.164, de relatoria do Ministro Celso de Mello (DJ 17.11.1985), cuja ementa foi assim lavrada:
“A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direito de terceira geração. Princípio da solidariedade. O direito à integridade ao meio ambiente. Típico direito de terceira geração. Constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinárias” (Plenário, DJ 17.11.85).
(Observação: A ementa acima foi extraída do voto da Ministra Cármen Lúcia (p. 104-105). Mas em pesquisa junto ao sítio do STF, não encontramos tal acórdão. No caso o MS n. 22.164 se refere a uma questão fundiária/ reforma agrária e foi movida por um particular contra o Presidente da República, sendo da relatoria do Ministro Celso de Mello e tendo sido publica do no DJ em 17.11.1995)
Sendo que essa tendência protecionista se confirmou no julgamento da ADI n. 3.540-MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello, cuja ementa segue abaixo reproduzida:
“E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQUENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória n. 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).”
[24] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
[25] Sobre o princípio da precaução a relatora fala (p. 110): “O princípio da precaução vincula-se, diretamente, aos conceitos de necessidade de afastamento de perigo e necessidade de dotar-se de segurança os procedimentos adotados para garantia das gerações futuras, tornando-se efetiva a sustentabilidade ambiental das ações humanas. Esse princípio torna efetiva a busca constante de proteção da existência humana, seja tanto pela proteção do meio ambiente como pela garantia das condições de respeito à sua saúde e integridade física, considerando-se o indivíduo e a sociedade em sua inteireza.”
[26] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
[27] “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
[28] “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
[29] São competências do Decex, dentre outras:
“Art. 165. Ao Departamento de Comércio Exterior compete:
[...]
VII - traçar diretrizes da política do comércio exterior;
VIII - adotar medidas de controle das operações do comércio exterior, quando necessárias ao interesse nacional;
[...]
X - baixar normas necessárias à implementação da política de comércio exterior, bem assim orientar e coordenar a sua expansão;
[...]
XXI - normatizar, supervisionar, orientar, planejar, controlar e avaliar as atividades aduaneiras.”
[30] O CONAMA foi criado pela lei n. 6.938/81 e detém as seguintes atribuições:
“Art. 8º Compete ao CONAMA: (Redação dada pela Lei n. 8.028, de 1990)
I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA; (Redação dada pela Lei n. 7.804, de 1989)
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional. (Redação dada pela Lei n. 8.028, de 1990)
III - (Revogado pela Lei n. 11.941, de 2009)
IV - homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental; (VETADO);
V - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; (Redação dada pela Lei n. 7.804, de 1989)
VI - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;
VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Parágrafo único. O Secretário do Meio Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente do Conama. (Incluído pela Lei n. 8.028, de 1990)”
[31] “Há notícias de que pneus chegam ao Brasil por preços ínfimos, em torno de 20 a 60 centavos de dólar por unidade. A questão é: qual a causa de tamanha ‘generosidade’, qual o motivo de preço tão ínfimo se o bem fosse tão bom, servível ou mesmo aproveitável e não agressivo à saúde ou ao meio ambiente? Ou seria isso apenas ‘despejo’ de material inservível? Essas interrogações não têm resposta prévia. Nem mudam o que aqui se há de decidir com base na Constituição. Mas sobre ela, sertaneja, diria como Guimarães Rosa, ‘eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa’.” (voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 128)
[32] Voto do Ministro Eros Grau. Disponível em: <http://jusvi.com/files/document/pdf_file/0004/0666/ADPF101 ERus.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012.
[33] “Acompanho o voto entendendo, contudo, ser outra a fundamentação da afirmação de inconstitucionalidade das interpretações judiciais que autorizaram a importação de pneus. Isso de um lado porque recuso a utilização da ponderação entre princípios para a decisão da questão de que se cuida nestes autos. De outro porque, tal como me parece, essa decisão há de ser definida desde a interpretação da totalidade constitucional, do todo que a Constituição é. Desse último aspecto tenho tratado, reiteradamente,em textos acadêmicos. Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo --- marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas.” (voto do Ministro Eros Grau, p. 03)
[34] “O direito moderno, posto pelo Estado, é racional porque cada decisão jurídica é a aplicação de uma proposição abstrata munida de generalidade a uma situação de fato concreta, em coerência com determinadas regras legais. Eis o que define a racionalidade do direito: as decisões deixam de ser arbitrárias e aleatórias, tornam-se previsíveis. Racionalidade jurídica é isso: o direito moderno permite a instalação de um horizonte de previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, sobretudo àqueles que se dão nos mercados.” (voto do Ministro Eros Grau, p. 08)
[35] Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/682_101%20 GM.PDF>. Acesso em: 25 abr. 2012.
[36] “Na forma da jurisprudência desta Corte, que se apreende inclusive a partir dos precedentes acima evidenciados, vê-se que a importação de pneus usados de qualquer espécie, a despeito de estar expressamente materializada em diversos atos normativos federais, consubstancia questão constitucional relevante, por envolver a interpretação sistêmica do conteúdo normativo do direito à saúde (art. 196), do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) e do direito à liberdade de iniciativa (art. 170).
O contexto da referida discussão evidencia a complexidade do sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais, que são, num só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva.
[...]
É inequívoca, pois, a relevância constitucional da controvérsia submetida a esta Corte, quanto à ofensa aos artigos 196 e 225 da Constituição, que, inevitavelmente, envolve também a consideração do artigo 170. Dessa forma, há implicação de preceitos fundamentais de enunciação expressa na Constituição, bem como uma repercussão jurídica evidente na sociedade quanto às distintas posições interpretativas adotadas em atos judiciais e atos normativos federais.
[...]
Já firmamos o entendimento de que os direitos fundamentais rimam com a ideia de preceitos fundamentais e de que outros direitos fundamentais compõem a nossa ordem constitucional, sem necessariamente estarem topograficamente estabelecidos no art. 5º da Constituição.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 04-06)
[37] “O tema da garantia da preservação ambiental e da saúde pública é tratado pela Constituição com especial atenção. Como se pode perceber, no caput do art. 225 e nos incisos do seu parágrafo único, afirma-se o direito dos cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como meio de fruição de uma sadia qualidade de vida, bem como se destaca o dever do Poder Público de efetivar meios objetivos para consecução de tal fim. Entre os variados meios, aponta-se o controle da produção, da comercialização e do emprego de métodos, técnicas e substâncias que comportem risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente.
Na inicial, alega-se que a comercialização de pneus usados de qualquer espécie envolve riscos para o meio ambiente e para a sadia qualidade de vida, na medida em que o grande volume importado desses bens para produção gera um passivo ambiental extremamente preocupante e não há método eficaz de eliminação completa dos resíduos apresentados pelos pneumáticos usados de qualquer espécie. Assim, diante do risco conhecido de nocividade dos resíduos desses bens, que não recebem adequado descarte no meio ambiente, o controle da produção, em termos de proibição de importação, seria medida conforme à determinação constitucional.
Ao mesmo tempo, o artigo 196 da Constituição trata a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Nos termos da inicial, a proibição de importação de pneus usados de qualquer espécie se enquadraria como política socioeconômica voltada à redução de risco de doença e outros agravos, na medida em que o número excessivo de pneus consubstancia um aumento efetivo de vetores de doenças e sua eliminação inadequada no meio ambiente gera a liberação de diversas substâncias tóxicas e cancerígenas.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 07-08)
[38] “Nesses termos, apreende-se que a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui um cofator ou dimensão que potencializa a fruição do direito à saúde e a execução de políticas públicas sanitárias. A efetividade de um direito é dependente, em certa medida, da efetividade do outro direito.
Além disso, a interpretação do artigo 170 da Constituição evidencia que o direito fundamental à livre iniciativa e ao livre comércio não é absoluto, mas deve guardar compatibilidade com a defesa do meio ambiente. Tal como outras Constituições brasileiras anteriores, a Constituição de 1988 consagra a técnica de estabelecimento de restrição a diferentes direitos individuais.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p.09)
[39] “O artigo 225 da Constituição, ao impor à coletividade e ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, apresenta um dever geral de prevenção dos riscos ambientais, na condição de uma ordem normativa objetiva de antecipação de futuros danos ambientais, que são apreendidos juridicamente pelos princípios da prevenção (riscos concretos) e da precaução (riscos abstratos). Também o artigo 196 da Constituição, ao impor expressa determinação de execução de políticas socioeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, aponta para um dever geral de garantia da saúde.
[...]
As referidas determinações constitucionais de evitar riscos (Risikopflicht) são explicitadas no texto da Constituição (art. 196 e art. 225), o que autoriza o Estado a atuar com objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral, mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde e do meio ambiente, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico, que resulta também da utilização de pneus usados de qualquer espécie”(voto do Ministro Gilmar Mendes, p.13-14).
[40] Parecer da Procuradoria-Geral da República. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/422 _ADPF_101_MPF.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012.
[41] “Tendo em consideração a complexa composição química do material, aliada às condições físicas do produto e sua propensão ao amontoamento de larga escala, os meios de controle não têm hoje nenhuma dúvida quanto ao potencial extremamente prejudicial não só ao equilíbrio do meio ambiente, como também à saúde coletiva. Além de berço da procriação de insetos vetores de doença infecto-contagiosas, a queima de pneus usados, afora a própria degradação do material de sua composição, é item de índices de imensa toxicidade.” (Parecer do PGR, p. 03)
[42] Refere-se ao âmbito normativo dos arts. 196 e 225 da Constituição da República.
[43] “49. Um argumento insuperável diz com a já instalada questão do despojo dos dejetos, que, finalizada a vida útil econômica do bem, não têm destinação viável para nenhum processo aperfeiçoado de reutilização.
Fala-se em alguns destinos, como a moagem para pavimentação de estradas, mas todas – absolutamente todas – as saídas são por demais dispendiosas, a ponto de se inviabilizarem, ao menos neste momento, como solução para a questão.
50. De outro lado, a utilização comercial de produtos reformados não se justifica ante a perspectiva da substituição de pneus novos, que, virtualmente, deixariam de ser comercializados. Há um dado relevante nesse ponto, que é bem destacado nas razões apresentadas pelo arguente. Absolutamente não há como se promover válido controle dos pneus que entram no país nesse processo de importação, sendo verificado que, sem maiores considerações quanto ao montante que é destinado aos processos de reforma, desde logo 30% (trinta por cento) dos lotes já chegam ao país inteiramente degradados, sem a menor condição sequer de aproveitamento pelos importadores/consumidores.” (Parecer do PGR, p. 12)
[44] “52. A importação constitui-se, já de saída, na transferência de material absolutamente inutilizado proveniente dos países exportadores para o seu armazenamento em terras brasileiras. Essa é uma situação que, por si só, parece lançar muitas luzes quanto à relação dessa atividade econômica com o plano de equilíbrio que o Estado brasileiro, comprometido com futuras gerações de brasileiros, deve atender.
53. Portanto, a importação de pneus usados, uma vez apurada a patente ligação com o meio ambiente e seu equilíbrio, há de ser considerada como um fator a ser legitimamente regulado pelo Estado, em garantia a direitos fundamentais de ordem de brasileiros que, sequer, muitos deles, ainda nasceu.” (Parecer do PGR, p. 13)
[45] “54. Há que se considerar que a proibição da importação de pneus usados e reformados não anula a iniciativa privada nesse setor de comércio e de indústria. O parque industrial instalado no país é expressivo, e tem no próprio consumo de pneus internamente realizado material infindável de produção. O interesse pela irrigação do mercado interno com pneus importados atende apenas a questões individuais e de ordem eminentemente econômica, centrada na redução dos preços da matéria prima.” (Parecer PGR, p. 15)
[46] “O ambiente gerado pelos pronunciamentos, que tão abrangentemente admitem o processo de importação de pneumáticos, nulifica por completo a política pública adotada. Isso é o mesmo que se dizer que atividade econômica pode, sim, ser exercida sem rédeas, e mesmo à revelia da decisão soberana adotada pelo Brasil perante organismos internacionais. A violação, ao que se constata, é não só aos arts. 196 e 225 da Lei Maior, mas também ao art. 170, I e VI, e seu parágrafo único:
‘Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
[...]
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003)
[...]
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.’”(Parecer do PGR, p. 18)