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Operação Faktor da Polícia Federal: direitos individuais e licitude das provas

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19/01/2013 às 13:04
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Analisa-se o conflito entre a privacidade e intimidade e a produção de provas na Operação Faktor, desenvolvida em conjunto pela Polícia Federal e Ministério Federal para investigar irregularidades na campanha de Roseana Sarney para o governo do Estado do Maranhão.

Se você não consegue voar, corra; se não consegue correr, ande;

se não consegue andar,se arraste, mas nunca pare de avançar.

Martin Luther King

Resumo: O trabalho apresenta um estudo sobre o conflito entre a privacidade e intimidade e a produção de provas na Operação Faktor, desenvolvida em conjunto pela Polícia Federal e Ministério Federal para investigar irregularidades na campanha de Roseana Sarney para o governo do Estado do Maranhão. As investigações revelaram grande esquema criminoso envolvendo órgãos públicos, entretanto, provas colhidas ainda no início da operação foram declaradas nulas, o que despertou acirrado debate jurídico quanto à validade e licitude de provas obtidas mediante quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, e até mesmo sobre a imparcialidade do Ministro. Assim, o trabalho estuda os direitos fundamentais em questão, a intimidade e a privacidade, com a consequente contraposição com a licitude das provas, e ainda analisa se a natureza do crime, tratando-se de criminalidade organizada, pode influenciar nas modalidades de prova a serem produzidas, afetando também o que é considerado lícito ou não.

Palavras-chave: Operação Faktor; provas ilícitas; quebra de sigilo; interceptação; Sarney.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 DIREITOS FUNDAMENTAIS. 2 PROVAS LÍCITAS E ILÍCITAS. 3 OPERAÇÃO FAKTOR DA POLÍCIA FEDERAL. 3.1 OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO E CONTEXTO POLÍTICO. 3.2 NULIDADE DAS PROVAS DA OPERAÇÃO FAKTOR. 3.3 LICITUDE DAS PROVAS VERSUS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 4 CONCLUSÃO. 5 BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

A Operação Faktor, inicialmente chamada de Boi Barrica, foi desenvolvida pela Polícia Federal e Ministério Público Federal para investigar supostas irregularidades em verbas relacionadas a campanha de Roseana Sarney para o governo do Estado do Maranhão. Tinha como alvo Fernando Sarney, irmão da candidata, assim como funcionários e sócios de empresas relacionadas à família. As investigações progrediram e revelaram um grande esquema criminoso envolvendo diversos órgãos públicos, entretanto, provas colhidas ainda no início da operação foram declaradas nulas.

A declaração da nulidade das provas, envolvendo questões políticas ainda nebulosas, despertou um debate jurídico acirrado quanto à validade e licitude de provas obtidas mediante quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, e até mesmo sobre a imparcialidade do Ministro.

Diante deste contexto, serão estudados os direitos fundamentais em questão, a intimidade e a privacidade. Em seguida, as atenções se voltam às provas lícitas e ilícitas, na tentativa de estabelecer quais provas são aceitas em nosso ordenamento jurídico. A seguir, será exposto, de modo resumido, o contexto político no qual a operação estava inserida, com a consequente contraposição entre licitude das provas e direitos fundamentais, que é o principal foco do trabalho.

A problemática do tema não reside apenas em se determinar se provas colhidas em decorrência de quebra de sigilo são ilícitas, ou ainda qual deve ser o tratamento dispensado às provas derivadas das ilícitas. O foco se dirige em analisar se a natureza do crime, tratando-se de criminalidade organizada, pode influenciar nas modalidades de prova a serem produzidas, afetando também o que é considerado lícito ou não.

As maiores dificuldades encontradas para o desenvolvimento do trabalho foram: compreender o contexto político, a fim de conferir sentido às informações; lidar com opiniões conflitantes sobre o mesmo tema, sob a suspeita de apresentarem cunho político; várias versões sobre os mesmos fatos.


1DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Dicionário Jurídico[1] define os direitos fundamentais como sendo “preceitos proclamados pela Declaração Universal de 1789,resultantes do apuramento da sociedade humana”, e “cuja aplicação, preservação e inalienabilidade é dever do Estado sob o império da lei”. Como exemplo, cita: fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Indica como sinônimos: direitos individuais, direitos coletivos e direitos humanos.

Quanto aos direitos individuais, o Dicionário Jurídico[2] diz que são aqueles “assegurados pelas Constituições a cada indivíduo e à coletividade, inerentes à dignidade da pessoa humana”.

Necessário destacar que, tendo em vista que a sentença que decretou a nulidade de provas colhidas durante a Operação Faktor se baseou na afirmação da superioridade dos direitos fundamentais, mais especificamente a privacidade, o estudo se voltará para o direito à privacidade e seus desdobramentos.

Trata-se de direito fundamental de primeira geração, que são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos[3].

A vida privada abrange os direitos à intimidade e à própria imagem, “salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.” A proteção consagrada no art. 5º, inciso X da Constituição Federal[4] abrange, “inclusive,à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.)”[5]. Também abrange a proteção ao sigilo telefônico, de dados, informações fiscais e bancárias, “sejam as constantes nas próprias instituições financeiras, sejam as constantes da Receita Federal ou organismos congêneres do Poder Público”[6]

Os direitos à intimidade e vida privada devem ser interpretados de forma mais ampla no restrito âmbito familiar, pois não se justifica intromissão externa nas relações familiares. SILVA[7] aponta que a privacidade é o conjunto de informações sobre o indivíduo que ele pode decidir manter sou seu exclusivo controle, o que abrange seu modo de vida, suas relações familiares e afetivas em geral. Para ele, a Constituição deu destaque ao conceito de vida privada, “para que seja mais abrangente, como conjunto de modo de ser e de viver, como direito de o indivíduo viver sua própria vida”. Importante destacar que, segundo o autor, hpa na Constituição dois aspectos da vida das pessoas:

[A Constituição] Parte da constatação de que a vida das pessoas compreende dois aspectos: um voltado para o exterior e outro para o interior. A vida exterior, que envolve a pessoa nas relações sócias e nas atividades públicas, pode ser objeto das pesquisas e das divulgações de terceiros, porque é pública. A vida interior, que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre os membros de sua família, sobre seus amigos, é a que integra o conceito de vida privada, inviolável nos termos da Constituição.[8]

Para MORAES[9], entretanto, a interpretação desta proteção constitucional deve ser mais restrita quando voltada àqueles que exercem atividade política, “havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem”. Isto porque, os políticos “estão sujeitos a uma forma especial de fiscalização pelo povo e pela mídia”. Esta condição, porém, não deve ser mantida quando as “ofensas forem desarrazoadas, desproporcionais e, principalmente, sem qualquer nexo causal com a atividade profissional realizada”.

Decorrem do direito à privacidade o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, que são invioláveis. Entretanto, podem ser quebrados por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

MORAES[10] esclarece que a Constituição Federal permite a possibilidade de violação das comunicações telefônicas quando presentes três requisitos: ordem judicial; para fins de investigação criminal ou instrução processual; nas hipóteses que a lei autoriza. Conforme determina a L. 9.296/1996[11], a interceptação de comunicações telefônicas “dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, aplicando-se, ainda, à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”.

O art. 2º da referida lei exige indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, o que deixa claro ser imprescindível “a presença do fumus boni iuris como primeiro pressuposto da medida cumulada com a existência de outros meios de prova disponíveis para a obtenção das informações necessárias, representando, assim, o periculum in mora”.Outrossim, é vedada em caso de o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.[12]

RANGEL[13] aponta que têm legitimidade para requerer a medida de interceptação a autoridade policial e o Ministério Público, assim como “estabeleceu a possibilidade do Juiz concedê-la de ofício”. Sobre os legitimados, MORAES[14] esmiúça que o requerimento da autoridade policial pode se dar somente não investigação criminal, enquanto que o do representante do Ministério Público pode ser tanto na investigação criminal quanto na instrução processual penal, “sempre descrevendo-se com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigações”.

O juiz tem o prazo de 24 horas para decidir sobre o pedido de interceptação, que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. MORAES[15] acredita que “há circunstâncias onde a indispensabilidade desse meio de prova possibilitará sucessivas renovações”.

Sobre o principal fim da defesa da privacidade, MORAES[16] conclui:

Dessa forma, a defesa da privacidade deve proteger o homem contra: (a) a interferência em sua vida privada, familiar e doméstica; (b) a ingerência em sua integridade física ou mental, ou em sua liberdade intelectual e moral; (c) os ataques à sua honra e reputação; (d) sua colocação em perspectiva falsa; (e) a comunicação de fatos relevantes e embaraçosos relativos à intimidade; (f) o uso de seu nome, identidade e retrato; (g) a espionagem e a espreita; (h) a intervenção na correspondência; (i) a má utilização de informações escritas e orais; (j) a transmissão de informes dados ou recebidos em razão de segredo profissional.

Entretanto, é importante ressaltar que os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição não são absolutos, pois encontram limites nos demais direitos previstos na própria Constituição. Neste sentido, aponta MORAES[17]:

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.


2PROVAS LÍCITAS E ILÍCITAS

Segundo o Dicionário Jurídico[18], prova é o “meio legal empregado para efeito de ministrar ao órgão apurador os elementos de convicção necessários ao julgamento, e a saber: confissão, documento, testemunha, presunção, perícia”. Também aponta que meios de prova “são todos os elementos legais, inclusive os moralmente legítimos, hábeis para apurar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa”.

A atividade probatória é o cerne da dialética processual ,a própria essência, pois é nela que se demonstra a ocorrência do substrato fático, que permite a aplicação do direito na sentença. A prova tem como fim demonstrar e convencer seus destinatários, que são: o juiz, a fim de chegar a uma decisão; as partes, pois as provas pertencem a ambas; e à sociedade, pois a decisão judicial objetiva a pacificação social.

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Sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas, manifesta-se a Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Quanto ao tema, dispõe o Código de Processo Penal[19]:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Analisando o referido dispositivo legal, NUCCI[20] aponta que o Código de Processo Penal considera “ilícitas as provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, além de fixar o entendimento de que também não merecem aceitação as provas derivadas das ilícitas, como regra”. Neste sentido, o autor conclui que o processo penal se forma em torno da produção de provas legais e legítimas.

A doutrina apresenta definições diversas para o conceito de prova ilícita, e em sua maior parte diferenciam provas ilegais das ilegítimas, muitas vezes até de formas contrárias.

NUCCI[21] aponta que o conceito de ilicitude, proveniente do latim (illicitus = il + licitus), possui dois sentidos: estrito (proibido por lei) e amplo (contrário à moral, aos bons costumes e aos princípios gerais do direito). Analisando a ilicitude da prova sob o prisma constitucional, o autor prefere a visão ampla do termo ilícito, vedando-se assim a prova ilegal (que é materialmente ilícita e se refere à forma de obtenção da prova), e a ilegítima (que é formalmente ilícita e se refere à forma de introdução da prova no processo).

Para MORAES[22], as provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais ou com as ilegítimas. Ele conceitua provas ilícitas como sendo aquelas obtidas com infringência ao direito material, enquanto que as ilegítimas são obtidas com desrespeito ao direito processual. Por fim, provas ilegais são o gênero do qual ilícitas e ilegítimas são espécies.

Por sua vez, BONFIM[23] considera ilícitas as provas cuja obtenção viola princípios constitucionais ou preceitos legais de natureza material, enquanto que é ilegítima a prova obtida mediante infringência de norma processual.

Sobre a ilicitude das provas, RANGEL[24] diz que a prova ilícita pode ser vedada tanto em norma processual quando em norma de direito material, havendo diferença entre elas em nível doutrinário, considerando-se ilegítima quando a ofensa for ao direito processual e ilícita quando for de direito material. O autor apresenta uma terceira categoria de prova ilícita:

A prova ilícita é violadora do direito material. Seja porque a norma proíbe aquele tipo de prova (tortura, por exemplo), seja porque permite, mas desde que se cumpra com o que a norma exige (mandado de busca e apreensão para ingressar no domicílio). A prova ilegítima é aquela que é proibida pelo direito processual (depoimento do padre contra sua vontade). A prova irregular é aquela que é colhida com desrespeito às formalidade geais existentes, não obstante ser permitida por lei (expedição de mandado sem o fim da diligência; depoimento de testemunha-parente sem a advertência de que não está compromissada a dizer a verdade).[25]

Quanto à admissibilidade das provas ilícitas, a doutrina parece convergir no sentido de ser inaceitável para a condenação do réu, havendo tendência em ser tolerada, no entanto, para embasar sua absolvição.

É nesse sentido a opinião de NUCCI[26], acredita que a lei não pode ser violada em prol da efetividade da punição.

A prova obtida por meio ilícito deve ser considerada, sempre, inaceitável, ao menos para amparar a condenação do réu. O Estado não deve promover, em hipótese alguma, a violação da lei para garantir a efetividade da punição em matéria criminal. Chega a ser um contrassenso permitir a prática de um crime (como, por exemplo, a realização de grampo, sem ordem judicial) para apuração de outro delito qualquer. Infração penal por infração penal, a sociedade não se tornará mais justa porque uma foi punida e a outra, cometida sob amparo estatal, serviu de base para a condenação da primeira.

NUCCI[27] afirma a necessidade de manter um critério de proibição plena da prova ilícita, exceto em uma hipótese: quando o preceito constitucional se choca com outro de igual relevância. “Desta forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário precisa ser, a todo custo, evitado.”

BONFIM[28] anota que as provas admitidas em processo penal não estão previstas em rol taxativo pelo Código de Processo Penal, ou seja, vigora relativa liberdade probatória quanto aos sujeito do processo, devendo apenas ser respeitadas as proibições legais. Para ele, isto acarreta a ausência na lei de um rol de provas consideradas ilícitas a priori, sendo necessário verificar em cada caso se o meio de prova usado fere o ordenamento jurídico ou a esfera do moralmente aceitável. Por fim, conclui que “Certo é que as provas obtidas por meio considerado ilícito não poderão ingressar no processo” e“Caso já se encontrem nos autos, deve o julgados determinar seu desentranhamento”, a fim de evitar qualquer influência na formação de seu convencimento.

RANGEL[29] acredita que “a vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a prova do fato e, consequentemente, punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar.” Para ele, o direito e garantia fundamental à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos limita o princípio da liberdade da prova, assim como estabelece limites na investigação criminal, a fim de que o processo seja ético e “movido por princípios políticos e sociais que visam a manutenção de um Estado Democrático de Direito”[30]. O autor concluir que “a prova obtida por meios ilícitos enquadra-se na categoria de prova vedada, que, se admitida e valorada pelo juiz em sua sentença, acarreta a sua nulidade.”[31]

Para CHOUKR[32], as provas ilícitas não são admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, o que configura “regra de introdução da prova no cenário processual impedindo, por tabela, sua valoração, e que se estende a qualquer meio de prova (testemunhal, documental ou pericial)”.

Por fim, para MOSSIN[33], a vedação às provas ilícitas é a transposição para o Código de Processo Penal de um regramento compatível e harmonioso com a Constituição Federal. Sendo assim, a prova “obtida por meio não autorizado legalmente, em contrariedade com o comando legal (contra legis), a prova não pode gerar eficácia no campo do livre convencimento do magistrado.” Ele acrescenta que os limites na produção da prova se destinam a todas as partes, inclusive para a própria autoridade policial.

Divergência existe quando o tema é prova ilícita por derivação, que é aquela que decorre de uma prova ilícita.

Sobre as provas ilícitas por derivação, BONFIM[34] explica que “trata-se da prova que, conquanto isoladamente considerada possa ser considerada lícita, decorra de informações provenientes da prova ilícita”.

MOSSIN[35] acredita que nem toda prova ilícita por derivação é inadmissível, sendo que “a prova derivada da ilícita não será admitida somente quando houver conexão entre ambas. Todavia, caso não haja liame entre uma e outra, a prova será aceita.” Neste sentido, opina CHOUKR[36] ao afirmar que “a “autonomia das fontes” acabou sendo reconhecida pela nova norma, nada obstante a conceituação do termo ser imprecisa na redação sancionada.”

Esta seria então hipótese de aplicação da teoria fruitsofthepoisonoustree, consagrada pelo § 1º do art. 157. Para o autor, há duas hipóteses que autorizam a utilização destas provas:

São inadmissíveis, pois, as provas derivadas das ilícitas, salvo nas seguintes hipóteses, que, tecnicamente, se consubstanciam de decorrência lógica da própria teoria:

a) Ausência de demonstração do nexo de causalidade: não se consegue estabelecer a relação de causalidade entre duas provas – a ilícita e a que dela supostamente decorreu –, razão pela qual não se incidirá a teoria;

b) Quando a prova puder ser obtida por fonte independente: o § 2º do art. 157 define como fonte independente “aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Assim, se o caminho trilhado na investigação ou a realização normal da instrução criminal pudessem levar à prova derivada da ilícita, não se considerará imprestável o elemento carreado aos autos.[37]

A utilização destas provas, ainda que em hipóteses restritas, decorre do princípio da proporcionalidade (para alguns “razoabilidade”), na busca pelo equilíbrio entre o respeito às garantias fundamentais do cidadão e um processo penal justo eficaz. Sobre o tema, BONFIM[38] observa que os tribunais pátrios têm mitigado a vedação às provas ilícitas, que em princípio seriam ilícitas, desde que não sejam “único elemento de convicção e que seu teor corrobore os demais elementos probatórios recolhidos no processo.”

Neste mesmo sentido, aponta ROESLER[39], ao definir a teoria dos frutos da árvore envenenada como sendo a “extensão da regra da inadmissibilidade às provas em si mesmas lícitas, mas que tiveram origem em uma prova ilícita”. Para ele, “a teoria dos frutos da árvore envenenada não pode ser levada ao extremo”, já que “a ilicitude não contamina as provas derivadas que, no caso investigado, poderiam ser descobertas de outro modo”. Ele fundamenta sua opinião no princípio da proporcionalidade, a fim de evitar injustiças, “garantindo a aplicação da lei em casos de extrema gravidade, fazendo prevalecer o interesse estatal sobre o particular”. Mas o autor adverte: “A inadmissibilidade das provas ilícitas busca exatamente impor limites à ação dos órgãos da justiça criminal evitando abusos contra o réu no curso da ação penal”.

NUCCI[40], sustentado opinião contrária, acredita que, se a prova foi produzida por meios ilícitos, não se pode aceitar as provas que daí advenham, já que, “de nada adianta, pois, a Constituição proibir a prova obtida por meios ilícitos, uma vez que a prova secundária serviu para condenar o réu, ignorando-se a origem em prova imprestável.” No mesmo tom, RANGEL[41] aponta que o entendimento atual da Suprema Corte “é de que a prova colhida em decorrência de uma prova obtida por meio ilícito é inadmissível no processo, pois ilícita por derivação, acarretando a nulidade do processo.” Para ele, não há dúvidas desta solução, que decorre do preço de se viver em uma democracia, que não tolera esse tipo de prova colhida ao arrepio da lei. “Do contrário, não vale a pena viver em um Estado Democrático de Direito.”

Para NUCCI[42], a solução a ser adotada não é a mitigação da proibição das provas ilícitas, que não devem ser utilizadas para justificar a impunidade; do contrário, as regras que regem a investigação policial podem ser mais flexíveis, a fim de que os direitos e garantias fundamentais sejam respeitados.

E mais: basta que o direito processual penal crie mecanismos mais flexíveis de investigação policial, sempre sob a tutela de um magistrado, controlando a legalidade do que vem sendo produzido, para que o Estado se torne mais atuante e protetor, sem abrir mão dos direitos e garantias fundamentais.

Se o processo penal, nele compreendidos a investigação policial e a ação penal, tem como objetivo apurar infrações penais quanto às circunstâncias e autoria, e, por consequência, proteger a sociedade do crime e suas consequências, não parece lógico que esta seja prestada a custo da mitigação dos direitos e garantias fundamentais.

 

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Sobre a autora
Denise Vichiato Polizelli

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-graduada em Ministério Público - Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLIZELLI, Denise Vichiato. Operação Faktor da Polícia Federal: direitos individuais e licitude das provas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3489, 19 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23487. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Orientador: Antônio José Mattos do Amaral

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