4 CONCLUSÃO
A vida privada constitui direito fundamental consagrado na Constituição Federal, que protege a intimidade, a imagem, o sigilo de correspondência, telefônico e de dados, além de informações fiscais e bancárias, assim como a intimidade e convivência familiar de intromissões externas.
Entretanto, os direitos e garantias fundamentais são limitados pelos demais direitos previstos na própria Constituição e, diante de conflito entre eles, deve ser utilizado o princípio da concordância prática ou da harmonização, a fim de coordenar e combinar os bens jurídicos conflitante para que não ocorra sacrifício total de um deles. Deste modo, tem-se que a privacidade pode ser quebrada por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses permitidas em lei.
A lei em questão é a L. 9296/1996, que exige, em seu art. 2º, indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, desde que não seja punida apenas com detenção, e a existência de outras provas que comprovem a necessidade da medida.
A prova, por sua vez, cerne da dialética processual, tem como fim demonstrar e convencer seus destinatários, para alcançar a pacificação social. A Constituição Federal veda a utilização de provas ilícitas, assim como também o faz o Código de Processo Penal, que determina que elas devem ser desentranhadas do processo.
São consideradas provas ilícitas aquelas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. Se no conceito de ilicitude de prova parece não haver grandes problemas na doutrina, estes surgem com a prática. Importante ter em mente que também são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, o que gera questões tanto doutrinárias quanto práticas.
Quanto às provas ilícitas, sua inadmissibilidade decorre do Estado Democrático de Direito, uma vez que o Estado não deve promover a violação da lei para garantir a efetividade da punição em matéria criminal, pois seria como admitir um crime para apurar e punir outro. A doutrina parece convergir no sentido de que as provas ilícitas são admitidas pro reo.
Em relação às provas derivadas das ilícitas, existem duas teorias principais quanto à admissibilidade: teoria dos frutos da árvore envenenada e teoria da proporcionalidade ou razoabilidade. Para a primeira, nenhuma prova derivada de ilícita poderia ser admitida, exceto se comprovada a autonomia da fonte, quando não há um liame entre uma e outra. Já a segunda teoria busca um equilíbrio entre o respeito às garantias fundamentais do cidadão e um processo penal justo e eficaz.
No momento de se aplicar a teoria ao caso concreto, surgem as dificuldades. No caso da Operação Faktor, que envolve um tormentoso contexto político, a análise da licitude das provas, assim como a licitude das derivadas, gerou intenso debate doutrinário e até mesmo despertou a imparcialidade do Ministro-relator.
A fundamentação do Ministro para declarar nulas as provas colhidas durante a Operação Faktor foi o conflito entre direitos fundamentais e os poderes estatais. Entretanto, tratando-se de criminalidade organizada, as fontes probatórias são restritas, de modo que não parece razoável sobrepor os interesses individuais dos infratores aos direitos da sociedade organizada.
A privacidade e a intimidade não podem ser utilizadas como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, pois, se a inadmissibilidade das provas ilícitas decorre do Estado Democrático de Direito, o afastamento ou diminuição da responsabilidade penal por atos criminosos sob o pretexto de desrespeito aos direitos fundamentais, sem dúvida, configura desrespeito ao Estado de Direito.
Não se trata de defender investigações sem limites, com devassa à privacidade e intimidade dos investigados, indiciados e réus. Entretanto, é preciso ficar atento para não superdimensionar direitos individuais, uma vez que os direitos fundamentais não são absolutos e se limitam reciprocamente. Ao supervalorizar o direito à privacidade e intimidade, está se agindo em detrimento dos direitos e interesses de toda a sociedade.
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Notas
[1] Direitos fundamentais. In: SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
[2] Direitos individuais. In: SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 59.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
[5] MORAES, op. cit., p. 79.
[6]Ibidem, p. 91.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 206.
[8] SILVA, 2006, op. cit., p. 208.
[9] MORAES, op. cit., p. 80/81.
[10]Ibidem, p. 85.
[11] BRASIL. Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal.
[12]RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a Lei 9296/96 (interceptação telefônica). Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/195>. Acesso em: 17 maio 2012.
[13]Ibidem.
[14] MORAES, op. cit., p. 86.
[15]Ibidem, p. 87.
[16]Ibidem, p. 91.
[17]Ibidem, p. 61.
[18] Prova. In: SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
[19] BRASIL. Decreto-lei n. 2.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.
[20]NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. rev., atual. eampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 353.
[21]Ibidem, p. 353.
[22] MORAES, op. cit., p. 125.
[23] BONFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 331.
[24] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 431.
[25]Ibidem, p. 432.
[26] NUCCI, op. cit., p. 357.
[27]Ibidem, p. 357.
[28] BONFIM, op. cit., p. 332.
[29] RANGEL, 2009, op. cit., p. 427.
[30] RANGEL, 2009, op. cit., p. 428/429.
[31]Ibidem, p. 430.
[32]CHOUKRFauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 318.
[33]MOSSIN, Heráclito Antônio. Compêndio de processo penal: curso completo. Barueri: Manole, 2010, p. 310.
[34]BONFIM, op. cit., p. 332.
[35]MOSSIN, op. cit., p. 310.
[36]CHOUKR, op. cit., p. 329.
[37] BONFIM, op. cit., p. 333.
[38]Ibidem, p. 337.
[39]ROESLER, Átila Da Rold. A questão da prova proibida. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=1276>. Acesso em 07 maio 2012.
[40] NUCCI, op. cit., p. 358.
[41] RANGEL, 2009, op. cit., p. 434.
[42]NUCCI, op. cit., p. 358.
[43] A Operação Boi Barrica da Polícia Federal teve seu nome inspirado em grupo folclórico maranhense. Incomodado com a homonímia, José Ribamar Pereira, fundador do grupo folclórico, pleiteou judicialmente a alteração do nome da operação.
[44] AMARAL, Ricardo; MEIRELES, Andrei; e RANGEL, Rodrigo. Curto-circuito no ministério: uma rede de intrigas e suspeita envolve a família Sarney e complica a nomeação de Edison Lobão como o novo ministro de Minas e Energia. Revista Época. São Luís, edição n. 504, 11 jan 2008. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81056-6009-504,00-CURTOCIRCUITO+NO+MINISTERIO.html>. Acesso em 14 maio 2012.
[45] CORRÊA, Érika et al.Operação Faktor(ou Boi Barrica). 2011. Disponível em: <http://www.muco.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=714:operacao-faktor-nascida-boi-barrica&catid=37:operacoes-da-pf&Itemid=56>. Acesso em: 14 maio 2012.
[46] VIVIANI, Oswaldo. Depois da prisão de Arruda, Fernando pode ser “bola da vez”, diz colunista. Jornal Pequeno, São Luís, fev. 2010. Disponível em: <http://www.revistadofactoring.com.br/artigos/operacao-faktor-depois-da-prisao-de-arruda-fernando-pode-ser-bola-da-vez>. Acesso em 14 maio 2012.
[47]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Habeas Corpus n. 191.378/DF. Impetrante: Eduardo Antônio Lucho Ferrão e outro. Impetrado: Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Paciente: João Odilon Soares Filho. Relator: Sebastião Reis Júnior. Brasília, 15 de setembro de 2011. Publicação: 05 de dezembro de 2011. Unanimidade.
[48]ROESLER, op. cit.
[49] GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A violação do princípio da proporcionalidade pela Lei 9296/96. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.45, p. 14, ago. 1996.
[50] FERNANDES, AntonioScarance. Interceptações telefônicas: aspectos processuais da nova lei. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.45, p. 15-16, ago. 1996.
[51] PRADO, Geraldo. A interceptação das comunicações telefônicas e o sigilo constitucional de dados operados em sistemas informáticos e telemáticos. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.55, p. 13-14, jun 1997.
[52] STJ despreza parecer do MP ao julgar Boi Barrica. Estadão.com.br. 21 set 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,stj-despreza-parecer-do-mp-ao-julgar-boi-barrica,775455,0.htm>. Acesso em: 16 maio 2012.
[53] BRASIL. Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências.
[54] SILVA, Márcio Alberto Gomes. O superdimensionamento de direitos individuais e a anulação de investigações policiais no âmbito dos Tribunais Superiores. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3044, 1 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20327>. Acesso em: 29 maio 2012.
[55] LOPES, Nathalia Chaves. Prejuízos, (in)constitucionalidade e soluções contra a prática de criação de contas em paraísos fiscais para fins fraudulentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2177, 17 jun. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13011>. Acesso em: 27 maio 2012.
[56] MIRANDA, Leandro. PF contesta anulação de provas de operação contra família de Sarney. Blog Marrapá. Ano 1, 22 set 2011. Disponível em < http://www.marrapa.com/tag/operacao-faktor/>. Acesso em 15 maio 2012.
[57]ROESLER, op. cit.
[58]ROESLER, op. cit.
[59] VIVIANI, Oswaldo. Jurista considera ‘esdrúxula’ a anulação de provas da PESSOA FÍSICA no ‘caso Fernando’. Jornal Pequeno, São Luís, set. 2011. Disponível em:<http://www.jornalpequeno.com.br/2011/9/22/jurista-considera-esdruxula-a-anulacao-de-provas-da-pf-no-caso-fernando-170873.htm>. Acesso em: 16 maio 2012.
[60]BOTTINI, Pierpaolo Cruz; TORON, Alberto Zacarias; e VILARDI, Celson Sanches. Magistratura não pode se submeter ao populismo penal. Publicado em 06 out 2011. Disponível em: <http://www.oabes.org.br/artigos/553965/>. Acesso em 16 maio 2012.
[61] VIVIANI, 2011, op. cit.
[62]Recurso do MPF contra ilegalidade de quebra de sigilo baseada em relatório do COAF vai ao STF. 2012. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105266>. Acesso em: 16 maio 2012.
[63] MORAES, op. cit., p. 84.
[64]Ibidem, p. 60.
[65] PRADO, op. cit.
[66]BERTAZZO, Rafael Lins. Os procedimentos de coleta de elementos de informação e meios de prova. A posição do juiz como elemento de garantia de tutela dos direitos fundamentais do acusado. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2437, 4 mar 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14448>. Acesso em: 28 maio 2012.
[67] PORTUGAL, Amaury. Amaury Portugal, presidente do sindicado dos delegados federais em São Paulo: ‘Ficou mais difícil combater a corrupção oficial’. Coluna do Augusto Nunes: 04 out. 2011. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/boi-barrica/>. Acesso em 15 maio 2012. Entrevista concedida a NASCIMENTO, Fernanda; REBELLO, Aiuri.
[68]BOTTINI, TORON e VILARDI, op. cit.
[69] SILVA, 2011, op. cit.
[70]ROESLER, op. cit.
ABSTRACT: The paper presents a study about the conflict between privacy and intimacy and the production of evidence in Operation Faktor, developed jointly by the Federal Police and the Federal Prosecutor to investigate irregularities in the campaign of RoseanaSarney for Government of the State of Maranhão. The investigations revealed large criminal scheme involving public agencies, however, evidence still harvested at the beginning of the operation were declared null and void, what sparked raging legal debate as to the vadility and legality of evidence obtained through breach of banking, tax sigils, telephone, and even about the impartiality of the Minister. Thus, this paper studies the fundamental rights concerned, the intimacy and privacy, with the consequent contraposition with the lawfulness of evidence, and even analyses whether the nature of the crime, in the case of organized crime can influence the rules of evidence to be produced, also affecting what is considered lawful or not.
Keywords: Faktor Operation; illegal evidence, breach of confidentiality; interception, Sarney.