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Violência contra a mulher: aspectos formais da Lei nº 11.340/06 e sua efetividade

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01/02/2013 às 16:40
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CONCLUSÃO

A pesquisa bibliográfica e a pesquisa de dados demonstram que a Lei n.11.340/06 apresenta dois momentos bastante distintos, um primeiro momento com conseqüências mais gravosas para o agressor e um segundo, ainda com conseqüências amenas. No primeiro momento, destacam-se as medidas protetivas de urgência que muniu a Polícia Militar dos poderes para efetuar a prisão do agressor, bem como  a possibilidade de se apurar todas as denúncias de agressão contra a mulher, sendo obrigatoriamente levadas a juízo. Ambas surtem efeito na postura imediata do agressor. Entretanto, após este momento inicial, até a decisão do Superior Tribunal Federal, a maioria das ações necessita da representação da vítima, o que não ocorre, levando à impunidade, à continuidade da prática agressora e a diminuição da eficácia da lei. Além disso, existe outro ponto que merece consideração: mesmo nos casos em que há representação, o que se percebe é que as penas aplicadas nas ações julgadas ainda são pouco ofensivas, o que produz os mesmos efeitos declinados acima.

O Poder Judiciário processa e julga as ações, mas suas ações são limitadas em processos condicionados à representação da vítima. Se a última por sua vontade manifesta interesse em não representar, o Poder Judiciário nada pode fazer para punir o agressor. Os dados levantados demonstram que há um aumento gradativo no número de ações de violência contra a mulher condicionadas à representação da vítima, o que vem sendo acompanhado por um aumento gradual no número de representações. No entanto, verifica-se que o percentual de mulheres que não representam contra o agressor alcança patamares muito elevados, superando 50%, mesmo com a evolução do percentual de representações. É um dado alarmante tendo em vista que as agressões são perpetuadas geralmente dentro do lar, que deveria ser identificado como o local acolhedor e de conforto, mas que se torna ambiente de perigo contínuo, resultando num estado de medo e ansiedade permanentes.  A impunidade para este tipo de agressão é um estímulo para que continue a ser efetuada, o que acarreta inúmeras conseqüências para a vítima, sua prole e para a sociedade de maneira geral.

Considerando a conclusão dos dados da pesquisa, tem-se que o novo posicionamento do STF reforçou as conclusões da pesquisa de que a não representação da vítima constitui causa de impunidade ao agressor, diminuindo a efetividade da lei. Entretanto, a falta de representação é apenas um dos fatores.   É imperiosa a adoção de medidas integradas envolvendo as áreas educacionais, de saúde, de acompanhamento social, fazendo com que a violência de gênero seja realmente erradicada. O novo ordenamento traz inovações, mas isolado, pouco contribui para acabar com a violência de gênero. A vítima de agressão que depende econômica, afetiva e psicologicamente do agressor dificilmente sem uma estrutura de apoio assumirá uma postura segura, desvencilhando-se do agressor e de sua área de influência, dando termo a esse tipo de situação. A previsão legal do Título III, Capítulo I da Lei n. 11.340/06 visando a prevenção da violência de gênero por meio de medidas integradas ainda não foi aplicada na prática. Vê-se que o ordenamento está atuando nas conseqüências da violência e não em sua causa, embora haja previsão legal para isso. As medidas de prevenção pressupõem a ampliação do campo de atuação para além dos limites do Poder Judiciário.

No presente artigo, sugere-se, dentre as medidas desta ação integrada, a inclusão da dimensão de gênero nos programas escolares desde o ensino fundamental até o universitário, “mostrando como a hierarquia existente na cultura brasileira de subordinação da mulher ao homem traz desequilíbrio de todas as ordens – econômico, familiar, emocional e incrementa a violência"[13]. Se a violência de gênero é produto de uma construção cultural de séculos, a educação como principal meio de formação do cidadão tem papel fundamental na reversão deste quadro.

Além da educação, a área de saúde também é essencial, não só no que condiz ao atendimento dos problemas físicos decorrentes do ambiente de agressão, mas especialmente ao atendimento de ordem psicológica. A violência psicológica, silenciosa  e constante, é a que produz efeitos mais devastadores na vítima, destrói a auto-estima, provoca ansiedade, depressão e inúmeras outras moléstias desse gênero. Atinge também os filhos. Reverter os efeitos de tal violência exige atuação diferenciada da área de saúde, o que servirá de alicerce a vítima a fim de se estruture emocionalmente para enfrentar os efeitos da violência, possibilitando que ela dê suporte aos filhos e a si mesma. A recuperação da saúde emocional da vítima de agressão é essencial para conter a violência.

Outra medida é a assistência social e econômica: a dependência econômica da vítima constitui, aliada à dependência psicológica, uma das causas principais para a permanência ao lado do agressor. A vítima que não tem condições de sustentar a si e aos filhos, nem mesmo de suprir as necessidades mais básicas, que não tem onde se abrigar com eles, dificilmente abandonará o ambiente de agressão sem apoio da família, ou do Estado caso a família não possa assisti-la.

Além das medidas referidas, a assistência jurídica realizada por profissionais treinados também é importante. Tal assistência mostraria à vítima que ela poderá recorrer a medidas judiciais para afastar o agressor, para obrigá-lo a amparar os filhos economicamente, através da prestação de alimentos no caso de uma possível separação.

As medidas acima descritas podem ser implementadas na estrutura das áreas de Educação, Saúde, Assistência Social, Judiciária  já existente no Estado, apenas redirecionando as ações. Podem ser sugeridas outras que demandariam investimento, como a criação de órgãos especializados de assistência, com especialistas na área da Saúde, Assistência Social, Direito entre outras, para atender especificamente as vítimas de agressão e suas famílias. A criação de local apropriado para abrigar temporariamente mulheres vítimas de agressão e suas famílias.

Por todo o exposto, conclui-se que a Lei n. 11.340/06 trouxe avanços na contenção da violência de gênero na medida em que tipificou e definiu a  violência de gênero de maneira ampla e em que definiu o papel do Poder Judiciário, da Polícia e de diversas entidades na contenção deste tipo de violência. No entanto, o diploma legal isoladamente tem alcance restrito ao que se propõe. A vítima sem uma estrutura de apoio, estrutura esta que ultrapassa os limites de ação do Poder Judiciário, dificilmente se desvencilhará do agressor e de sua área de influência, o que faz com que a violência de gênero a continue acumulando vítimas. Assim, conclui-se que os avanços propostos pelo novo ordenamento encontram seu limite no próprio limite de ação do Poder Judiciário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Scielo Brasil. São Paulo, 2003. Seção Articles. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n49/18398.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2010.

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_______ Lei n.11340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal e dá outras providências. Diário Oficial da União, 08 de agosto de 2006.

_______ Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Núcleo de Gênero Pró-mulher.  Comentários à Lei Maria da Penha. Brasília, DF, 2008. Disponível em:  <http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=639&Itemid=133>. Acesso em: 29 mar. 2010.

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CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMAÇÃO CONTRA A MULHER. In:  PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.441-458.

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APÊNDICE

Figura 1: Ações envolvendo violência contra a mulher que necessitam de representação da vítima no ano de 2007 na Comarca de Machado - MG

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 2: Ações envolvendo violência contra a mulher que necessitam de representação da vítima no ano de 2008 na Comarca de Machado - MG

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 3: Ações envolvendo violência contra a mulher que necessitam de representação da vítima no ano de 2009 na Comarca de Machado - MG

Fonte: Dados da pesquisa

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Figura 4: Ações envolvendo violência contra a mulher que necessitam de representação da vítima no ano de 2010 na Comarca de Machado - MG

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 5: Comparativo relativo às ações envolvendo violência contra a mulher que necessitam de representação da vítima de 2007 à 2010 na Comarca de Machado – MG

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 6: Demonstrativo da situação das ações que houve representação da vítima na Comarca de Machado – MG

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 7: Ações envolvendo violência contra a mulher distribuídas no primeiro trimestre na Comarca de Machado – MG

Fonte: Dados da pesquisa

A autora agradece especialmente ao Me Pablo Viana Pacheco pelo incentivo e pela orientação, à Me Eliana Mara Manso pela orientação metodológica e revisão, ao MM Juiz Claudio Hesketh pelo incentivo e permissão de acesso aos dados da pesquisa e ao MM Juiz Fernando Antônio Tamburini Machado pela permissão de acesso aos dados da pesquisa.  


Notas

[1] PIOVESAN, Flávia. Precedentes Históricos do processo de internacionalização e universalização dos direitos humanos. In _____. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009b. Cap.5,  p.118.

[2] Ibidem,  p.119

[3] PIOVESAN, 2009b, p.139

[4] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e Programa de Ação de Viena. Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, 1993. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm> . Acesso em:  20 abr. 2010.

[5] CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: Pacto de San José da Costa Rica. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.489.

[6] PIOVESAN, Flávia. A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos. In:  _____. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009a. Cap.4, p.76

[7] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988

[8] ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS: Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Relatório n. 54/01; Caso 12.051. Autora: Maria da Penha Maia Fernandes e outros. Réu: República Federativa do Brasil. Sociedade brasileira de Direito Público, São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/378_Relatorio%20anual%202000.pdf> Acesso em: 19 abr . 2010.

[9] BASTOS, Marcelo Lessa.  Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Jusnavegandi. 2006. Seção Doutrina. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9006&p=1>. Acesso em:  03 abr. 2010.

[10] GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Aspectos Criminais da Lei de Violência Contra a Mulher. Instituto Luiz Flávio Gomes. São Paulo, 2006. Seção Artigos. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20060828151003538>. Acesso em:  03 abr. 2010.

[11] ARAÚJO, Rodrigo da Silva Perez.  Violência doméstica: possibilidade jurídica da nova hipótese de prisão preventiva à luz do princípio constitucional da proporcionalidade. Juris Síntese n.67, SET/OUT 2007. 1 CDROM

[12]BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Núcleo de Gênero Pró-mulher.  Comentários à Lei Maria da Penha. Brasília, DF, 2008. Disponível em:  <http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=639&Itemid=133>. Acesso em: 29 mar. 2010.

[13] BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Scielo Brasil. São Paulo, 2003. Seção Articles. p.97. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n49/18398.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2010.  


ABSTRACT: The violence contrary to woman is serious problem, that cause countless consequences to society, for instance the physicals and psychological sequelas in victim; the possibility of sons delinquency, of sons have psychological seqüelas or develop violent behavior; the great decadence of the productivity in work of the women; the precocious pensions, licenses and hospitalization. To repress the practice of the species violence is obligation of the State. The Brazil was condemned for the Interamerican Commission of the Humans Laws in case n.12.051, of Maria da Penha Maia Fernandes. Since that time, the country intensified the measure to eradicate the species violence and it has how marked the creation of Law n.11.340/06. The Law introduced advances in combat violence contrary woman in formal aspect. This article will analyze the Law in the usage, basing in suit of species violence that need of representation of victim, in period of 2006 to 2010 in judicature of Machado- MG, analyzed whit the new positioning of the Supreme Court that such actions became public unconditioned representation.

Keywords: Violence, Woman, Law n.11340/06, Protection, Efficacy

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Sobre a autora
Maria Gorete Tavares

Servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, lotada junto ao gabinete da 2ª Vara Cível, Penal e de Execuções Penais da Comarca de Machado, licenciada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Prof. José Augusto Vieira e acadêmica do curso de Direito pelo IMES - Instituto Machadense de Ensino Superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Maria Gorete. Violência contra a mulher: aspectos formais da Lei nº 11.340/06 e sua efetividade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3502, 1 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23624. Acesso em: 25 abr. 2024.

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