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A reprodução assistida e a responsabilidade perante as gerações futuras

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30/03/2013 às 16:22
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Em razão do avanço tecnológico e da omissão do legislativo em relação à Reprodução Assistida, é necessário reconhecer que a geração presente possui responsabilidades perante as gerações futuras.

Resumo: Este estudo analisa aspectos da reprodução assistida e sua relação com a responsabilidade perante as gerações futuras. Trata-se de um estudo exploratório, realizado sob a perspectiva da revisão de literatura em que se  utilizaram como fonte de pesquisa documentos e bibliografia relacionada ao tema. Conclui-se que há que se reconhecer que a geração presente possui responsabilidades perante as gerações futuras, bem como que há a necessidade de se estabelecerem condições mínimas para a utilização das técnicas de reprodução assistida com a finalidade de garantir o direito ao acesso dos casais que dela necessitam e até com a finalidade da prevenção de patologias ligadas à hereditariedade. Por outro lado, é dever da geração presente impedir a utilização dessas técnicas como forma de reificação e de experimentação com a pessoa em respeito às gerações futuras.

Palavras-chave: Responsabilidade; reprodução assistida; gerações futuras.


1. Introdução

As modernas técnicas de reprodução assistida têm se apresentado como solução para muitos problemas relacionadas à infertilidade, entretanto questões ético-jurídicas se apresentam em muitos temas relacionados à temática.

Assim, o presente estudo tem a finalidade de analisar a reprodução assistida, bem como colocar em discussão se se pode falar da existência de responsabilidade da geração presente perante as gerações futuras.

Trata-se de um estudo exploratório, realizado sob a perspectiva da revisão de literatura em que se utilizaram como fonte de pesquisa documentos e bibliografia relacionada ao tema.

Discutem-se na sequência alguns aspectos da reprodução. Após, será abordada a temática da responsabilidade pelas gerações futuras e a dignidade da pessoa humana, encerrando-se com algumas considerações sobre o tema.


2 A reprodução assistida

Jonas (1994), em trabalho que analisa a questão relacionada à necessidade de uma nova ética faz referência a uma parte da Antígona de Sófocles para tratar das possibilidades do homem frente ao limiar das novas tecnologias de reprodução humana.

Muitas são as maravilhas do mundo, mas o homem supera-as a todas.

(...)

Todavia, nesta cidadela de sua própria criação, claramente destacada do resto das coisas e a ele confiada, encontrava-se o domínio inteiro e único da acção responsável do homem. A natureza não constituía objecto da responsabilidade humana – cuidando ela de si própria e usando-se com ela de algum mimo e afinco, também do homem: não a ética, mas tão-só a inteligência se lhe aplicava. Na cidade, porém, onde os homens tratam com homens, a inteligência tem de casar-se com a moralidade, pois esta é a alma do seu ser. Nesta moldura intra-humana reside toda a ética tradicional, coadunada com a natureza da acção delimitada por essa moldura. (SOFOCLES apud JONAS, 1994, p. 32)

Assim, é que a ética tradicional trilhava o caminho das relações humanas e a natureza se ordenava por si só. Entretanto, talvez, se Sófocles vivesse na atualidade, o coro da Antígona seria diferente, dadas as expressivas e profundas alterações que a ação humana pode gerar na natureza.

O homem sempre buscou se adaptar ou adaptar o meio para prover as melhores condições de sobrevivência. Isso passa necessariamente pela reprodução e pela perpetuação da espécie. Nesse ínterim, questões relacionadas à infertilidade representaram durante muito tempo uma incógnita e um problema. Entretanto, nos tempos atuais, a infertilidade entendida como “a incapacidade de conceber uma criança após no mínimo um ano de relações sexuais regulares sem protecção, ou a incapacidade de uma mulher levar a gravidez até o nascimento de um nado-vivo” tem sido em grande parte superada pelas modernas técnicas de Reprodução Assistida. (MADDEN, 1999, p. 273)

Aqui vale a observação de Arendt (2008, p. 9), de que “em toda a parte, os homens não tardam a adaptar-se às descobertas da ciência e aos feitos da técnica, mas, ao contrário, estão décadas à sua frente”.

Desde os anos 70, com o nascimento de Louise Brown, na Inglaterra, “considerada o primeiro “bebê de proveta” do mundo, tornou-se certo um fato que, até então, pertencia ao campo experimental: a possibilidade de concepção de um ser humano in vitro.” (BARBOSA, 2011)

A variedade dessas técnicas e tratamentos que vão “da inseminação artificial à fertilização in vitro, doação de gametas (ovo ou esperma) e mães de substituição”, apresentam hoje um enorme avanço no campo da reprodução humana. (MADDEN, 1999, p. 274) Para se ter uma ideia da disseminação e utilização das referidas técnicas, dados da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e na Rede Latino-americana de Reprodução Humana informam que existiam em 2001, no Brasil, 117 clínicas especializadas em Reprodução Assistida. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2003)

Por outro lado, entretanto, o tema apresenta questões ético-juridicas de profunda relevância que precisam merecer maior atenção das autoridades e nas legislações, dada a quase nenhuma legislação pátria sobre o tema, as possibilidades eugênicas e os reflexos futuros da utilização de tais técnicas.

Durante todo o desenvolvimento da ciência o homem tentou melhorar a sua própria condição de vida na terra. Assim, as práticas eugênicas sempre foram almejadas como forma de se aprimorar a espécie, seja pelo isolamento dos doentes acometidos por Lepra, por exemplo, seja com a descoberta de remédios ou vacinas a fim de se curar ou evitar as diversas moléstias. (DINALI; TAVALRES, 2011, p. 1079)

As possibilidades na utilização das técnicas de reprodução assistida criam o chamado risco eugênico, se é que se pode utilizar esse termo dada a polêmica[1] a favor e contra certas práticas de seleção.

Há quem defenda, por exemplo, que o risco da eugenia já esteja presente na seleção dos doadores, seja de esperma ou de óvulos, pois há necessariamente um controle médico sobre a fertilidade e qualidade genética do material doado. E continua na fase de implantação, pois os candidatos a pais “não são unidos aleatoriamente, mas em função de um certo número de parâmetros (etnia, tamanho, pigmentação, grupos sanguíneos)” contrariamente, assim, “à procriação natural, na qual os cônjuges se escolhem sem nenhuma interferência médica”,  esses  cruzamentos artificiais são medicamente dirigidos (LEITE, 2004, p. 36)

      Essa forma de seleção artificial propiciaria uma seleção artificial, medicamente dirigida, o que nunca foi feito no processo natural de evolução humana.

Há também, como adverte Klevenhusen (2005, p. 107), o risco de “coisificação” do ser humano, uma vez que “assumindo-se a “técnica” como referencial para regulamentação da reprodução assistida, a relação genitores-embrião é substituída pela “relação de produção”, o que leva à “coisificação” dos embriões humanos”

 Assemelham-se assim as técnicas de Reprodução Assistida ao homo faber, pois, como já escreveu Arendt (2008, p. 318), o homo faber se serve de instrumento e ferramentas para construir o mundo, mas não necessariamente para servir o processo vital humano.

E realmente, entre as principais características da era moderna, desde o seu início até o nosso tempo, encontramos as atitudes típicas do homo faber: a instrumentalização do mundo, a confiança nas ferramentas e na produtividade do fazedor de objetos artificiais; a confiança no caráter global da categoria de meios e fins e a convicção de que qualquer assunto pode ser resolvido e qualquer motivação humana reduzida ao princípio da utilidade; a soberania que vê todas as coisas dadas como matéria-prima e toda a natureza como um imenso tecido do qual podemos cortar qualquer pedaço e tornar a coser como quisermos.

Por outro lado, há também a possibilidade de manipulação genética com a finalidade de se evitar a transmissão de doenças hereditárias.

De acordo com o tipo de célula objeto da manipulação genética a terapia gênica pode ser classificada em duas: a terapia de células germinativas, quando as células manipuladas são as reprodutivas, presentes no espermatozoide e ovócito; ou terapia gênica somática, a qual tem por matéria-prima as demais células do organismo.

Além disso, a terapia gênica desenvolve-se por três métodos ou estratégias. O primeiro consiste na correção de parte de um gene com “defeito” para que volte a funcionar, são as chamadas modificações genéticas. A segunda forma é a substituição gênica, ou seja, a troca de um gene anômalo por outro normal. A terceira forma, por sua vez, denomina-se inserção genética, a qual ocorre quando da introdução de um gene normal de modo a obter-se o produto genético necessário, mantendo, ao mesmo tempo, o gene anômalo em seu lugar com as células. (DINALI; TAVALRES, 2011, p. 1083)

Esse tipo de terapia gênica tem sido encarado por alguns como Casabona, segundo Dinali e Tavares (2011, p. 1082), como o resultado do “desenvolvimento da engenharia genética, mas em um Estado Democrático de Direito, surgiu a neo-eugenia como uma forma de proteção da saúde de cada indivíduo.” Seriam as análises genéticas pré-implantatórias e o diagnóstico pré-natal um meio precioso para se evitarem a propagação de doença ou como forma de proteção da saúde[2].

Outros entendem, todavia, que a utilização dessas  técnicas representam um enorme problema devido à seleção artificial das pessoas que devam viver ou morrer, em razão da presença ou não de determinado tipo de doença. Na França, segundo Leite (2004), é justificado, em certos casos de diagnóstico pré-natal, o aborto ou a IVG – interruption volontaire de la grossesse – interrupção voluntária da gravidez. 

A utilização da terapia gênica para a escolha do gênero do futuro nascituro apresenta outro problema, uma vez que pode redundar na desproporcionalidade de um sexo sobre o outro, bastando lembrar que em certos países orientais o nascimento de uma filha representa uma desvantagem em relação ao nascimento de um filho.

Por essa e outras razões, Melo (2008, p. 195) entende que a utilização da terapia gênica com o objetivo de seleção artificial dos futuros nascituros representa um crime contra a humanidade, uma vez que, assim como na época do Holocausto, o judeu não podia deixar de ser judeu, “também em regra o embrião portador de uma anomalia genética não poderá deixar de ser portador dessa anomalia. Ambos são fisicamente eliminados não por aquilo que fizeram, mas por aquilo que são”.

Mas, para além das questões atuais sobre a utilização da terapia gênica, guardadas as devidas proporções ligadas a motivos terapêuticos ou não, há ainda outro ponto que precisa ser analisado, considerando-se que a consequência da utilização das técnicas de Reprodução Assistida somente será aferida pelas futuras gerações.

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3 As pessoas do amanhã

Como as técnicas de reprodução assistidas apresentam seus efeitos apenas para o por- vir, há que se pensar em quem serão essas pessoas ou qual o sentido que se pode utilizar para designar essas pessoas.

Melo (2008) entende que várias são as atribuições que têm sido dadas à expressão “gerações futuras”, relacionando desde aqueles já nascidos, como aqueles que nascerão em um futuro próximo(já concebidos) ou nascerão em tempo mais remoto.

Entretanto, para Melo (2008, p. 171), pode-se entender por geração futura aquela “constituída pelos indivíduos que existirão num determinado período da história da humanidade, pelos indivíduos futuros”. São assim pessoas que ainda não nasceram ou que ainda não foram concebidas, sendo juridicamente admitidas pelo termo “concepturos”.  Essas pessoas comporão a comunidade humanidade até o final dos tempos e serão, assim, como sucedemos aos nossos antepassados, os sucessores dos sucessores da raça humana. Essa sucessão de pessoas por outras permite inferir que há sempre uma ligação do passado com o presente e com o que há por vir, resultando numa comunidade intergeracional que liga o que há de humano entre as pessoas de todos os tempos.

Essa ligação intergeracional nos permite também entender o conceito de humanidade como a “totalidade do gênero humano, o conjunto de todos os seres humanos que habitam o planeta ao longo das gerações sucessivas.” (MELO, 2008, p. 172)

Essa ligação ou essa inter-relação entre o passado, o presente e o futuro na comunidade humana, faz crer que existam certas obrigações entre os que ocupam hoje o status de humanos e aqueles futuramente ocuparão. Isto porque, se existe o humano hoje, é porque aqueles que o foram no passado permitiram a perpetuação de condições para que houvesse, hoje, o desenvolvimento que se apresenta.

Daí porque há que se falar de uma espécie de responsabilidade intergeracional. Sobre essa responsabilidade e para o enfoque da reprodução humana, é necessário admitir que as ações que hoje se desenvolvem repercutirão no “controle genético dos homens que hão de vir.” (MELO, 2008, p.175)

Controle genético que Jonas, segundo Melo (2008, p. 176), configura:

o mais ambicioso sonho do homo faber, sintetizado pela idéia de que o homem faz tenção de tomar a sua evolução nas próprias mãos, com o objetivo não apenas de preservar a integridade da espécie mas de a modificar através de melhoramentos da sua própria lavra

Nasce, uma vez que tudo na natureza apresenta um contraponto, frente à enormidade do poder humano, referenciado nas técnicas de Reprodução Assistida, uma enorme responsabilidade correspondente.

Responsabilidade pela integridade da essência humana (Melo, 2008), pois as decisões que são, hoje, tomadas irão afetar pessoas que não foram consultadas, ou seja, o que se faz hoje não refletirá na pessoa que fez, mas em um ‘outro’ e, pior, de modo definitivo e irrevogável.

o futuro não se encontra representado, não é força que faça sentir o seu peso nas escalas de valores. Aquilo que não existe não tem lobby e aqueles que ainda não nasceram são desprovidos de poder. Portanto, a responsabilidade perante eles ainda não tem por detrás dela realidade política na presente tomada de decisões e quando eles puderem valer as suas razões, então nós, os argüidos, já cá não estaremos.(JONAS, 1994,p.  57)

Por existir uma responsabilidade sem precedentes na história é que Jonas, segundo Melo (2008, p. 177), propõe um novo imperativo categórico: “age de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a preservação da vida humana genuína.”

A essa situação jurídica de concepturo, inserida nesse âmbito da responsabilidade, deve corresponder alguma proteção legal, entretanto, via de regra, as legislações não disponibilizam o reconhecimento de personalidade à pessoa futura, que ainda não foi sequer concebida.

No Brasil, inobstante o vácuo legislativo[3] existente na regulamentação das técnicas de reprodução assistida, há no Código Civil (BRASIL, 2002) uma previsão de direitos ao concepturo nos direitos sucessórios previstos nos artigos 1799, I[4], que cuida da deixa testamentária e no art. 1952[5], que trata da substituição fideicomissária, ambos se referindo ao direito do “não concebido”.

Em Portugal, segundo Melo (2008), o Código Civil reconhece o direito do concepturo adquirido por sucessão e por doação.

Embora cuide de um indício de reconhecimento de direito patrimonial aos “não concebidos”, o âmbito de atuação é restrito, se restringe ao espaço cronológico de vigência  desses  preceitos e parece se ligar a um resquício patrimonialista herdado dos códigos oitocentistas.

Entretanto, quando se trata do direito que deve se relacionar a toda a humanidade, o raio de ação deve ser infinitamente maior, assim como é infinita a porção de pessoas que serão abrangidas. Neste passo, há uma convergência, embora ainda sem consenso, no Direito Internacional de reconhecimento da humanidade, a comunidade que congrega todos os povos, como sujeito de Direito. No entendimento de Melo (2008, p. 186)

Esta planetarização da sociedade internacional, concebida como uma comunidade de pessoas que abrange as gerações presentes e futuras, indefinidamente, implica uma mudança qualitativa profunda do paradigma das relações internacionais e conduz, segundo parte da Doutrina, ao gradual reconhecimento da humanidade no seu conjunto como titular de direitos, como um centro de imputação de normas jurídicas diferentes das diversas pessoas singulares presentes e futuras, que por ventura, lhe estejam subjacentes

Seriam as gerações futuras, segundo Dinali e Tavares (2010, p. 1088), “titulares dos direitos coletivos da humanidade, quais sejam à vida e à preservação da espécie humana, como bem defendido nos julgamentos de Nuremberg, que pela primeira vez utilizou a expressão “crimes contra a Humanidade’”.

Essa, parece, tem sido inclusive a tônica de várias normas internacionais, especialmente na órbita da Organização das Nações Unidas – ONU, como se pode verificar na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que no artigo 16º estabelece que “as repercussões das ciências da vida sobre as gerações futuras, nomeadamente sobre a sua constituição genética, devem ser adequadamente tomadas em consideração”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011)

Entendimento também presente na Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos que, no art. 1º, estabelece que “o genoma humano subjaz à unidade fundamental de todos os membros da família humana e também ao reconhecimento de sua dignidade e diversidade inerentes. Num sentido simbólico, é a herança da humanidade”; e, ainda no art. 8º, que expõe que “todo indivíduo terá o direito, segundo a lei internacional e nacional, à justa reparação por danos sofridos em conseqüência direta e determinante de uma intervenção que tenha afetado seu genoma.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011).

E ainda na Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as gerações futuras que já no art. 1º determina que “as gerações presentes têm a responsabilidade de assegurar que as necessidades e interesses das gerações presentes e futuras sejam plenamente salvaguardados”; e, no art. 3º, que estabelece que “as gerações presentes devem se esforçar para garantir a manutenção e perpetuação da humanidade com o devido respeito pela dignidade da pessoa humana. Conseqüentemente, a natureza e a forma de vida humana não deve ser prejudicada de forma alguma.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011).

Todas essas normativas, além de atribuir o reconhecimento de um “direito a proteção da humanidade”, também estabelecem que o foco deva estar na dignidade da pessoa humana.


4 Dignidade Humana e a valorização da pessoa

O conceito moderno de dignidade humana encontra os seus primeiros passos na doutrina cristã e no pensamento clássico. Tanto no antigo como no novo testamento, é possível encontrar referência de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus; daí o pensamento de São Tomás de Aquino entender que a dignidade é inerente ao homem. (SARLET, 2007)

Segundo Moraes (2003), a expressão dignidade vem do latim dignus que significa “aquele que merece estima e honra, aquele que é importante” e sua utilização sempre correspondeu à espécie humana.

Silva (2007) afirma que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao mesmo tempo da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspira a ordem jurídica. Reconhecer a proteção da dignidade humana resulta de um processo de evolução do pensamento humano, do que significa o ser humano e de quais valores lhe são inerentes. Tal reconhecimento vale-se da complexidade de suas ações, forma pela qual se expressa e concretiza a existência no mundo, traçando relações, muitas vezes, de alta complexidade e pluralidade. (COMPARATO, 2001)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, estabelece no seu art. 1° que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS)

  Por tal razão, Sarlet (2007) afirma que “a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que constitui dado prévio, no sentido de preexistente e anterior a toda experiência especulativa”. E, ainda, que haverá necessidade de proteção da dignidade humana sempre que a pessoa for reduzida em sua condição humana ou sempre que for rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e desconsiderada como sujeito de direitos.

E, da mesma forma que o ser humano não pode ser reificado, Melo (2008) adverte que os seres humanos também não devem poder ser reduzidos à soma de seus genes.

E ainda explica que:

Um conceito de dignidade humana segundo o qual o ser humano é igualmente digno em todas as fases do seu desenvolvimento biológico (que é a posição que defendemos), a pertença à espécie humana constitui condição necessária e suficiente para o reconhecimento da qualidade que é a dignidade. Essa pertença será, no entanto, condição necessária mas não suficiente para o efeito se, para o reconhecimento da eminente dignidade da pessoa humana se exigir a verificação de um quid adicional: por exemplo, que o ser humano seja dotado de capacidade de autodeterminação e de racionalidade (MELO, 2008, p. 205)

 Essa igualdade de dignidade que deve ser reconhecida  à pessoa, desde a sua concepção, é um valor que lhe é inerente e impede que tenhamos categorias de pessoas e de dignidades.

quando começamos a diferenciar a natureza jurídica do concebido em situação extra-uterina, do embrião nidado e do nascido, criamos categorias jurídicas que representam nosso juízo de valor a respeito da humanidade do embrião nas fases de seu desenvolvimento, em clara desconsideração de que a humanidade não pode sofrer graduações. Retirar a subjetividade do embrião humano, transformando-o em uma categoria inferior à pessoa natural, vulnerando a sua dignidade e possibilitando que seja tratado como coisa (KLEVENHUSEN, 2005, p. 126)

Entretanto, para que possamos analisar coerentemente essa questão, há que se pensar, segundo Jonas (1994, p. 57), “que força há de representar o futuro no presente?”.

Essa força pode, talvez ser representada pela fórmula expressa por Ralws, segundo Melo (2008), para quem as gerações não se encontram subordinadas umas às outras e nenhuma geração tem condições de ter exigências mais fortes do que outra; os membros das diferentes gerações têm deveres e obrigações uns para com os outros, numa espécie de Justiça Intergeracional.

A concretização da dignidade da pessoa passa pelo respeito e pela promoção da pessoa humana hoje, mas, dada a ideia de Justiça intergeracional, ecoa nas gerações futuras, donde resulta que assim como não permitimos hoje que outros nos digam como devemos ser ou viver nossas vidas, também nós devemos respeitar a dignidade daqueles que hão de vir.

Há a necessidade, como salienta Melo (2008, p. 209), de proteger o homem dele mesmo.

O século vinte, que foi o mais inventivo de todos os séculos, o século de todos os progressos, que dominou o impossível e foi de estrela em estrela à procura dos começos do universo, ultrapassou todos os outros séculos em mortes, dado que nunca o ser humano foi tão bem estudado, nem tão bem curado, nem tão bem morto. Urge, assim (...) protegê-lo dele mesmo.

Trata-se de proteger a vida e de eleger que tipo de sociedade e que tipo de responsabilidade a geração atual pretende ter. Pois, assim como já escreveu Platão (2001, p. 490) no livro X da República, sobre o mito de Er.

Almas efêmeras, vai começar outro período portador da morte para a raça humana. Não é um gênio que vos escolherá, mas vós que escolhereis o gênio.

O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor; cada um terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou a desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. O deus é isento de culpa.

A responsabilidade pelas ações do hoje são pessoas que vivem essa época, o Deus e a natureza são isentos de culpa.

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Sobre o autor
Wesllay Carlos Ribeiro

Professor Adjunto da Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Wesllay Carlos. A reprodução assistida e a responsabilidade perante as gerações futuras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3559, 30 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24032. Acesso em: 24 abr. 2024.

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