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A citação do sócio na execução fiscal

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2.      Responsabilidade tributária pessoal: art. 135,III do CTN

Impossível analisar a possibilidade de redirecionamento da Execução Fiscal sem o devido estudo do instituto da responsabilidade tributária em si, especialmente da hipótese de responsabilidade pessoal sob escrutínio.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 121, traz o conceito de sujeito passivo da obrigação tributária, definindo-o como a “pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”. Em seu parágrafo único, divide a sujeição passiva em duas categorias, quais sejam, contribuintee responsável, caracterizando aquele pela“relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;”e este por exclusão, ao afirmar que a obrigação de pagar decorre diretamente da lei para aqueles que não são contribuintes.

Luciano Amaro[10] critica tal conceito legal: rejeita, primeiramente, a maneira como foi trazido pelo legislador, por se tratar de conceito dado de maneira negativa (“por exclusão”). Rechaça, em seguida, a idéia trazida de obrigação por “expressa disposição legal”, uma vez que o contribuinte também deve ser definido pela lei que instituir o tributo, pelo próprio conceito de tributo presente no art. 3º c/c art.97, III ambos do CTN [11]·.

Adequada, portanto, a definição de responsável apresentada por Ricardo Lobo Torres[12], como “a pessoa que, não participando diretamente da situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária, embora a ela esteja vinculada, realiza o pressuposto legal da própria responsabilidade ou de seu fato gerador”. Percebe-se que tal conceito doutrinário, ao aprofundar a letra da lei, afasta as críticas propostas por Luciano Amaro, uma vez que condiciona a responsabilidade à condição de terceiro e aos pressupostos próprios, não fazendo menção à lei de maneira genérica, como afirma o CTN.

Oportuno destacar ainda lição de Alfredo Augusto Becker[13], ao afirmar que “o responsável é sempre devedor de débito próprio”, uma vez a responsabilidade tributária, que decorre da lei, gera a sujeição passiva e conseqüentemente o dever jurídico de pagar tributo ou penalidade para o próprio responsável.

O artigo 135, III do CTN, objeto de nossos estudos, está situado em seção do Código Tributário Nacional denominada Responsabilidade de Terceiros. Entretanto, destaca-se que, por não integrar a relação entre Fisco e Contribuinte, todo responsável seria terceiro[14].Feita esta ressalva de caráter técnico, passemos à análise do dispositivo. In verbis:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Dois elementos devem ser analisados para correta compreensão da responsabilidade tributária prevista. São eles: (i) caráter pessoal da responsabilidade; e (ii) decorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Em relação à pessoalidade da responsabilidade, Luciano Amaro[15] afirma que o contribuinte deve ser excluído do pólo passivo da obrigação tributária, por expressa determinação legal, concluindo que “não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária de terceiro, nem de responsabilidade solidária (...) somente o terceiro responde pessoalmente”. Neste mesmo sentido, posiciona-se Paulo de Barros Carvalho[16], ao defender “responsabilidade exclusiva e pessoal” para os atos praticados nas hipóteses previstas no caput do artigo.

Entendemos ser correto tal posicionamento, no sentido de que a responsabilidade pessoal prevista no art. 135 “não é compartilhada com o devedor original ou natural”[17]. Não há qualquer menção no referido artigo à solidariedade, ao contrário do art. 134 que traz tal previsão de maneira expressa:

“Art. 134 - Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis” (original sem destaque)

Ademais, destaca-se que responsabilidadepessoal também se faz presente de maneira expressa no art. 208 do CTN, ao responsabilizar pessoalmente o funcionário público que expedir, mediante fraude ou dolo, certidão negativa “que contenha erro contra a Fazenda Pública”, bem como em seu art. 131[18].

Entretanto, tal entendimento não é unânime na doutrina: Ricardo Lobo Torres[19] entende ser hipótese de responsabilidade solidária, permanecendo intacta, desta forma, a figura do contribuinte:

“Outra coisa é a responsabilidade de que cuida o art. 135. Nela existe solidariedade ab initio, e o responsável se coloca junto do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. (...) A Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável”.

Na prática, não obstante a clareza do texto legal, bem com a solidez dos argumentos trazidos por Luciano Amaro e Paulo de Barros, a corrente minoritária, (defensora da responsabilidade solidária) prevalece na jurisprudência. Desta maneira, a pessoa jurídica não é excluída do pólo passivo da obrigação tributária, e, tampouco, do pólo passivo da ação de Execução Fiscal, que visa à cobrança do respectivo crédito tributário.

Feitas estas ressalvas, clarifica-se ainda que tal discussão acerca da natureza da responsabilidade não impede a sujeição passiva do responsável tributário em eventual Execução Fiscal, nos termos do art. 568 do CPC, regulamentado pelo art. 4º da Lei 6.830/1980:

Art. 568. São sujeitos passivos na execução: V - o responsável tributário, assim definido na legislação própria.

Art. 4º - A Execução Fiscal poderá ser promovida contra: V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;

Restando claro o conceito de responsabilidade pessoal, passemos à análise dos requisitos referentes ao ato praticado pelas pessoas elencadas, uma vez que o texto legal menciona apenas a expressão “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

Para Misabel Derzi[20], há necessidade de que a prática do ato ilícito se dê dolosamente, não sendo a mera culpa[21] no exercício das atividades de gerência suficiente para a transferência do ônus do pagamento do tributo. Ademais, na atividade de interpretação do dispositivo, a autora afirma ainda que as obrigações tributárias decorrentes dos atos praticados são aquelas contraídas “em nome do contribuinte, mas contrariamente a seus interesses”.

Aprofundando, destaca-se a lição de Renato Lopes Becho[22], no sentido de haver necessidade de prática dolosa de ato ilícito, entendido não como um ato ilícito qualquer, e sim como “atos lícitos contrários aos interesses do contribuinte”,restando a ilicitude no “animus do agente (responsável)”, uma vez que o art. 137 do CTN traz outra hipóteses de responsabilidade tributária, referente aos atos ilícitos em geral. Esclarece ainda o autor que há atividadede natureza lícita (prática de um ato comercial, por exemplo), realizado com infração à lei, contrato social ou estatuto. Resta, portanto, comprovado que a ilicitude do ato está presente neste segundo momento, decorrendo de atividade lícita,“mas que gera efeitos fiscais: a imputação da responsabilidade ao terceiro e não mais ao contribuinte”.

Assim, em síntese, para haver responsabilização tributária nos termos do art. 135 do CTN, com a exclusão do contribuinte do pólo passivo da obrigação de pagar e transferência do ônus pecuniário ao responsável, deve haver, por parte das pessoas elencadas nos incisos I a III, prática de ato doloso, “contra o interesse do contribuinte” e com “descumprimento da legislação que liga um ao outro (contribuinte e responsável)”.

Por fim, urge destacar que, na esteira da Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça, “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. Assim, impossível se falar na aplicação da responsabilidade tributária em análise pelo mero inadimplemento do tributo, demandando a prova no caso concreto dos requisitos elencados no caput  do art. 135 do CTN.

Finalizadas as considerações acerca da responsabilidade tributária, passemos à análise, sob a ótica processual, dos fundamentos do redirecionamento da Execução Fiscal para os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas.


3.      Princípios e Institutos processuais

O ajuizamento da Execução Fiscal é possível em face das pessoas elencadas no art. 4º da Lei 6.830/1980, rol que inclui o devedor (inciso I) e o responsável tributário (inciso V), cujos nomes constem na CDA (art. 2º, §5º, I do mesmo diploma). Entretanto, como visto, é requisito de validade da Certidão da Dívida Ativa sua regular inscrição, o que demanda observância dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, que serão analisados a fundo no item 3.1. Ademais, analisaremos em seguida, no item 3.2, a questão da inversão do ônus da prova dos requisitos da responsabilidade tributária, nos termos preconizados pelo STJ, que favorece as prerrogativa fiscais.

Preliminarmente, ao se falar em redirecionamento da Execução Fiscal, faz-se mister tecer algumas considerações acerca de dois institutos processuais: citação e parte. Segundo Fredie Didier Jr.[23], a citação

“é o ato processual de comunicação ao sujeito passivo da relação jurídica processual (réu ou interessado) de que em face dele foi proposta uma demanda, a fim de que possa, querendo, vir a defender-se ou a manifestar-se.”

Assim sendo, ao levar a demanda ao conhecimento do sujeito passivo, tem-se preenchida condição de eficácia “do processo em relação ao réu”[24],bem como dos “atos processuais que lhe seguirem”[25]. Resta claro, portanto, que o redirecionamento da Execução Fiscal nada mais é que a promoção de ato citatório em relação a terceiro que não era parte da relação jurídico-processual, como autoriza a Lei de Execução Fiscal.

Ademais, em relação ao elemento da ação “parte”, ressalta-se que, ao ser chamado a integrar a relação, o responsável tributário torna-se parte processual, fazendo “parte do contraditório (...), atuando com parcialidade e podendo sofrer alguma conseqüência com a decisão final.” [26]

Entretanto, ser parte em sentido material não é suficiente para que o responsável tributário citado sofra os ônus da execução. É necessário que ele seja ainda parte legítima, autorizada para “estar em juízo a discutir aquela determinada situação jurídica” [27].

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Assim, passemos à análise dos requisitos para que haja validade do título executivo extrajudicial, legitimidade ad causam[28] do responsável tributário e, conseqüentemente, regular desenvolvimento do pleito executório.

3.1.  Devido processo legal, contraditório e ampla defesa: o procedimento como forma de limitaçãodo alcance subjetivo das prerrogativas do crédito tributário

Conforme ensina Hugo de Brito Machado Segundo[29], a tutela de conhecimento não pode ser buscada no bojo da Execução Fiscal, cuja tutela é apenas executiva. Desta maneira, a responsabilidade tributária não é matéria passível de apuração através deste procedimento, devendo ser apurada em sede de procedimento administrativo preparatório. Dessa forma, aos sócios gerentes e administradores, lhes deve ser dada chance de participação e defesa, uma vez que a Constituição da República, em seu art. 5º, inc. LIV e LV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, versando ainda que“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Em outras palavras: para que a inscrição em Dívida Ativa se dê de maneira regular, assegurando a validade do título executivo, os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa devem ser respeitados, no que tange à apuração da responsabilidade tributária.

Neste ponto, vale ainda destacar lição de Fredie Didier Jr.[30], aparentemente contraditória, mas que serve como base às nossas reflexões acerca destes princípios. Destaca o autor que

“o título executivo há de ser assinado pelo devedor. Em outras palavras a formação do título deve contar com a participação do devedor. O único título que não necessita da participação do devedor, podendo ser emitido, é a Certidão de Dívida Ativa expedida pela Fazenda Pública.”

Obviamente, tais ensinamentos devem ser interpretados conforme a Constituição (buscando a efetividade e plenitude do direito de defesa), não sendo absoluto o direito de a Fazenda Pública constituir título executivo extrajudicial unilateralmente. Passemos, portanto, à análise dos “princípios informadores do procedimento administrativo”[31]mencionados, uma vez que “primordiais para a defesa do sujeito passivo da relação tributária”[32]:

Apreciaremos, primeiramente, o princípio do Devido Processo Legal, uma vez que ele constitui “a característica primordial do procedimento administrativo”[33], ou seja, fundamento de validade da seqüência ordenada de atos, prevista em lei, implicando “no único meio legal e eficaz de atingir validamente o fim proposto”[34]. Essa idéia, trazida por Flávio Couto Bernardes[35], se justifica sob a ótica do Estado Democrático de Direito, uma vez que os cidadãos, através de seus representantes, elaboram tais meios legaispara garantir segurança jurídica em face do Estado, “assegurando ao administrado a previsibilidade de sua conduta”. Ademais, o autor sintetiza suas idéias destacando a doutrina de Aroldo Plínio Gonçalves[36]: “as garantias constitucionais do processo são garantias da própria sociedade”.

Dessa maneira, o formalismo procedimental existe para resguardar o interesse do administrado face ao poder de império do Estado, como forma de se garantir a segurança jurídica, mediante estabilidade do ordenamento jurídico e previsibilidade dos atos da administração, tutelando-se, portanto, a confiança do particular. Assim, está o princípio do devido processo legal ligado diretamente ao princípio da legalidade, uma vez que, no campo da administração pública, “não há liberdade de atuação, já que somente pode praticar os atos previstos na lei: trata-se aqui de poder e, concomitantemente, de dever estipulado nas prerrogativas que lhe são fixadas”[37].

Em relação aos princípios do Contraditório e Ampla Defesa, entende Alberto Xavier[38] serem “manifestações do princípio mais amplo do ‘devido processo legal’(dueprocessof law)”. Nesta esteira, o autor restringe o direito de ampla defesa ao direito de audiência, concretizado pela “oportunidade de apresentar as razões (fatos e provas) que achar convenientes à defesa dos seus interesses” [39],referindo-se assim ao direito de participação no procedimento administrativo. Flávio CoutoBernardes[40], ampliando corretamente o conceito anterior, traz que a participação deve se dar em nível máximo, garantido pelo direito ao acompanhamento e acesso a todas as informações constantes do processo administrativo, bem como à motivação das decisões e demais atos administrativos.

Em relação ao Princípio do Contraditório, Alberto Xavier[41]destaca duas características, que dizem respeito: à “paridade das posições jurídicas das partes (...) de tal modo que ambas tenha a possibilidade de influir por igual na decisão” e ao “caráter dialético dos métodos de investigação e tomada de decisão” [42], devendo às partes lhes serem dadas oportunidades “de contradizer os fatos alegados e as provas apresentadas pela outra.”[43]

Destarte, conclui Flavio Couto Bernardes que estes princípios sãofundamentos essenciais “para a legitimidade da formação do título executivo de natureza”[44], fundamentando assim a garantia de liquidez e certeza do débito regularmente inscrito em Dívida Ativa.

Logo, conclui-se não ser necessária efetiva participação por parte do administrado no processo tributário administrativo, bastando sua oportunização/possibilidade, com paridade de armas, sob o rito estabelecido em lei. Cabe ao particular, portanto, o direito de participar efetivamente da formação do título executivo tributário, sendo, por outro lado, dever da administração pública, promover todos os meios necessários para o seu exercício potencial e concreto.

Logo, em caso de negativa de oportunização de participação na via administrativa, impossível se auferir a responsabilidade tributária de plano no âmbito da Execução Fiscal, limitando-se, portanto, a extensão subjetiva das prerrogativas da CDA apenas aos participantes do processo administrativo.

3.2.  Ônus da Prova dos requisitos art. 135, III do CTN

Ponto polêmico no que tange à responsabilização dos co-devedores elencados no art. 135, III do Código Tributário Nacional diz respeito ao ônus da prova da prática de atos fraudulentos e dolosos.

Conforme já explicitado no item 1.1, sobre a matéria, entende o STJ que, sendo a Execução Fiscal ajuizado em face da pessoa jurídica, pela ausência do nome do sócio da Certidão da Dívida Ativa, cabe ao Fiscoo ônus da prova. Entretanto, tal entendimento deve ser compatibilizado com a lógica do processo de execução, que não comporta, em seu bojo, a tutela de conhecimento.

Como solução para a questão, o Supremo Tribunal Federal, desde momentos pré CRFB/88[45], é historicamente favorável à flexibilizaçãodo sistema processual, permitindo “a citação dos sócios-gerentes como responsáveis pela sociedade, embora não tenham eles figurado na referida certidão” [46], sob o fundamento de que a responsabilidade tributária prevista no art. 135, III do CTN “poderá ser discutida, amplamente, em embargos de executado” [47].Ou seja, a Corte viabiliza a discussão sob a tutela cognitiva, cabendo, nesta hipótese, o ônus da prova da responsabilidade tributária ao Fisco.

Por outro lado, o entendimento do STJ é pacífico no sentido de que, tendo o sócio sido incluído na CDA na qualidade de responsável tributário, cabe a ele provar a ausência dos requisitos trazidos pelo art. 135 do CTN. Portanto, a análise deste ponto deve ser feita à luz da teoria geral da prova, considerando ainda a presunção de liquidez e certeza do título executivo extrajudicial: como compatibilizar a celeridade do pleito executório (que visa à defesa de interesses públicos) com a garantia de um processo justo, sob a ótica dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal?

Como regra, o Código de Processo Civil adota a distribuição estática do ônus da prova, competindo, “em regra, a cada uma das partes o ônus de fornecer os elementos de prova das alegações de fato que o fizer”[48]. Logo, legitima-se a necessidade de prova, pelo Fisco, da responsabilidade tributária quando o nome do sócio-administrador não constar da CDA. Uma vez que se trata de fato constitutivo de seu direito, “cabe a ele provar o fato que determinou seu nascimento e existência.” [49]

Entretanto, os maiores problemas decorrem da outra situação narrada (nome do responsável ausente da CDA), afinal, a Certidão da Dívida Ativa presume-se legítima, considerando que, em tese, já houve processo administrativo, orientado pelos princípios constitucionais processuais, como se analisou exaustivamente no tópico anterior. Desta forma, a priori, correta seria a posição adotada pelo STJ, uma vez que já houve esforço probatório por parte do Fisco, à luz da teoria estática da distribuição da prova, que diligenciou para provar na via administrativa a responsabilidade tributária do sócio-gerente, cuja oportunidade lhe foi dada de participar em igualdade de armas no procedimento.Logo, decorrendo a liquidez e certeza do título da correta e regular inscrição em Dívida Ativa (relação de causa e efeito), não haveria problemas em se redirecionar a Execução Fiscal para a pessoa do sócio-responsável com a inversão do ônus da prova, vez que o Fisco já exerceu seu encargo na via administrativa.

Contudo, como já visto anteriormente, ao analisarmos a participação da pessoa jurídica e dos sócios nos procedimentos administrativos tributários, pode-se constatar que nem sempre é dada à pessoa natural a oportunidade de exercício do direito de defesa: o contraditório se verifica apenas em relação à pessoa jurídica e, ao final, o Fisco lança o nome dos sócios como responsáveis na CDA, de maneira arbitrária, supostamente, em nome da garantia do crédito tributário e do interesse público. Haveria assim erro na CDA, uma vez que a inscrição em Dívida Ativa não teria se dado de forma legal, ensejando necessidade de reflexão e busca de solução processual que abarque os casos de inscrição regular ou não, de maneira a se garantir direitos inerentes ao Fisco e ao contribuinte.

No que tange à inversão total do ônus da prova para o responsável tributário, situação caótica seria criada, poismuitas vezes demandaria produção de prova diabólica, aquela definida por Didier como “impossível, senão muito difícil, de ser produzida”[50], bem como aquela referente a “algo que não ocorreu”[51].

No caso em estudo, invertendo-se o ônus probatório, caberia ao sócio executado comprovar que não agiu dolosamente nem praticou ato com o intuito de lesar a sociedade, o que seria de extrema dificuldade, exigindo-se prova de elemento subjetivo. Além disso, asconseqüências de qualquer ato de gestão e comércio para uma sociedade empresária são incertas, vez que a empresa participa de inúmeras relações jurídicas, cujos reflexos dependem de diversas variáveis externas (como situação do mercado, política monetária e econômica, etc).

Lado outro, exigir nova prova da responsabilidade por parte do Fisco seria ignorar completamente a presunção relativa de liquidez e certeza do título executivo, exigindo novo esforço probatório e movimentando a máquina pública pela segunda vez em uma mesma relação jurídica, de maneira desnecessária. Ademais, provar outra vez a condição de responsável do sócio administrador no processo de execução atentaria contra a natureza deste, voltado para “satisfação do direito do credor”, já que apenas no processo de conhecimento é possível a instrução probatória, dependente de prova pericial, testemunhal e documental.[52]

Como solução para tal questão, defende a doutrina ser correta a presunção de liquidez e certeza da CDA decorrente do procedimento administrativo, sendo a indicação do nome do responsável no título,resultado lógico. Por conseguinte, a via da exceção de pré-executividade, prevista na súmula 393 do STJ, seria adequada à comprovação, por parte do coobrigado, não da ausência dos requisitos presentes no art. 135, III do CTN, e sim da ausência de participação na via administrativa, com violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, cuja comprovação possa dar-se de plano, pela via documental inequívoca, ou seja, sem dilação probatória.[53]Outrossim, poderia o magistrado reconhecer de ofício a ausência de qualquer requisito para regular inscrição em Dívida Ativa, excluindo-se o coobrigado do pólo passivo da ação executória fiscal, exercendo controle “sobre a co-responsabilidade indicada na CDA da Execução Fiscal, prestigiando o Direito positivo e a jurisprudência, tomados no devido contexto e de forma harmônica e sistemática.”[54]

Ademais, seria viável a proposição de outra solução, à luz da Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, que preconize que o ônus probatório incumbe àquele que teria “melhores condições de produzi-la, à luz das circunstâncias do caso concreto” [55]. Neste sentido, a presunção de liquidez e certeza da CDA seria flexibilizada em relação aos coobrigados (conforme voto-vencido proferido pela Ministra. Eliana Calmon no REsp nº 1.182.462/AM[56], exposto no tópico 3.2 acima), dadas as irregularidades muitas vezes praticadas pelos Fiscos, cabendoao Estado a juntada de cópia da decisão administrativa que reconheceu a responsabilidade tributária de terceiros. Assim, a aferição da responsabilidade se daria no plano administrativo, em procedimento orientado pelo contraditório e ampla defesa, havendo no plano judicial mera confirmação da inscrição regular do crédito tributário em Dívida Ativa. Destarte, caso necessário, o sócio poderia se defender pela via da exceção de pré-executividade,trazendopela via documentaleventuais vícios procedimentais,nosmoldes já aceitos pela doutrina atual.

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Sobre o autor
Bernardo Teixeira Lima Fernandes

Advogado; Pós-graduando em Direito de Empresa pela Puc-Minas; Graduado em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Bernardo Teixeira Lima. A citação do sócio na execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3689, 7 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25113. Acesso em: 19 abr. 2024.

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