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Aplicação da disregard doctrine no juízo de família

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01/02/2014 às 09:16
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CONCLUSÃO

De todo o exposto, infere-se que a natureza da pessoa jurídica é considerada uma realidade técnica, se coadunando assim com a teoria da realidade das instituições jurídicas, vale dizer que sua capacidade e personalidade não são fictícias, são atributos conferidos pelo ordenamento legal lhe tornando sujeito de direitos e obrigações.

Por serem titulares de personalidade própria as pessoas jurídicas possuem direitos e obrigações autônomas em relação aos seus sócios, trata-se do princípio da autonomia patrimonial. Em decorrência deste princípio, tão importante a estes entes de suma relevância social e econômica, vislumbra-se a possibilidade dos sócios utilizarem a capa protetora da sociedade empresária como meio ardiloso objetivando lesar direito de terceiro.

A desconsideração da pessoa jurídica é um meio eficaz de reprimir a fraude perpetrada através do mau uso da sociedade comercial. Nos casos em que houver fraude, abuso de direito ou desvio de função, afasta-se temporariamente a personalidade jurídica da sociedade responsabilizando os sócios pelos atos praticados em nome daquela. Ressalta-se que a disregard doctrine deve estar sempre vinculada aos critérios da eventualidade e da temporariedade.

A doutrina brasileira se vale de duas teorias distintas que delimitam o campo de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, tem-se a teoria maior e a teoria menor da disregard doctrine.

A teoria maior da desconsideração exige determinados requisitos concretos, o juiz somente desconsiderará a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, não se afastando do caráter episódico e temporal, segundo este não se extingue a personalidade da pessoa jurídica, a desconsideração deve durar até os credores se satisfazerem no patrimônio pessoal dos sócios.

Para a teoria menor basta haver prejuízo dos credores ou até mesmo confusão patrimonial, entre os bens dos sócios e os da sociedade, para dar ensejo à disregard. É considerada, pela doutrina, como menos elaborada porque não analisa se houve irregular utilização da pessoa jurídica. Tal teoria defende que se vincular a desconsideração da sociedade empresária à existência de fraude ou abuso de direito excluem-se as hipóteses em que os sócios obtêm proveitos da autonomia patrimonial da pessoa jurídica sem incorrer em qualquer ato ilícito. A teoria menor é adotada pela legislação brasileira.

A desconsideração pode ocorrer na via inversa, responsabilizando a sociedade por obrigação do sócio, neste caso a pessoa jurídica foi utilizada como meio para ocultar o objeto da má-fé. São hipóteses em que os sócios, confiando na autonomia patrimonial da sociedade, desviam seus bens particulares para esta, objetivando assim fraudar direito alheio, como por exemplo, na separação judicial, no divórcio e na prestação alimentar.

É possível que, no intuito de lesar prestação alimentar, o sócio de uma pessoa jurídica oculte seus bens através do véu societário, mostrando-se aparentemente em situação de penúria, inferior a sua real condição econômica, tendo por fim, deste modo, não pagar, ou pagar a menor, alimentos fixados judicialmente.

No direito de família a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, ordinariamente, dar-se-á pela via inversa, desconsiderando o ato para alcançar bem da sociedade, indenizando ou restituindo o cônjuge ou credor familiar. Esta regra é válida tanto para as hipóteses de fraude à meação do divórcio ou da separação judicial quanto para o mau uso da pessoa jurídica no intuito de lesar prestação alimentar.

A disregard doctrine tem como um de seus principais objetivos preservar a integridade da sociedade empresária, uma vez que as condutas lesivas praticadas através da pessoa jurídica comprometem sua função original, desvirtuando-a de seu objeto contratual, de sua finalidade. Deste modo, evidencia-se que a teoria da desconsideração não é uma oposição ao princípio da autonomia patrimonial.

Um dos temas mais controversos acerca da desconsideração da pessoa jurídica é o momento processual adequado para se aplicá-la. A doutrina diverge entre a necessidade de um processo de conhecimento autônomo, tendo como objeto a disregard doctrine, ou a possibilidade de um simples despacho no bojo de um processo de execução. Tal discussão foi amortecida com o advento da Lei n. 11.235/2005, haja vista que não mais existe processo autônomo de execução de título judicial, a sentença passou a ser objeto de simples cumprimento.

Destarte, a disregard doctrine como forma de coibir as fraudes perpetradas através da pessoa jurídica, neste caso, em especial, no Direito de Família, pode ser aplicada ao abrigo de qualquer meio processual admitido no ordenamento pátrio, inclusive em processos cautelares e incidentais. Cumpre destacar que sempre devem ser observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

É possível o emprego da disregard doctrine em decorrência de ação cautelar, podendo, inclusive, ser utilizado os diversos procedimentos cautelares dispostos na legislação vigente. Outrossim, executar exame pericial nos livros comerciais da sociedade mercantil no intuito de fazer um levantamento dos bens e dos ganhos do sócio.

O Direito de Família atravessou grandes transformações desde a promulgação do Código Civil de 1916, sendo afetado por vários princípios, como o da dignidade da pessoa humana. Exemplos de significativas mudanças é a elevação da união estável à categoria de entidade familiar, ao lado do casamento, a isonomia entre os cônjuges, a facilitação do divórcio e a igualdade do tratamento jurídico dos filhos.

No casamento e na união estável as relações patrimoniais do casal são disciplinadas pelo regime de bens, segundo o qual haverá ou não participação de um cônjuge sobre o patrimônio do outro e de que forma se dará essa participação.

O regime de bens é estabelecido através do pacto antenupcial, tem o condão de declarar a origem, a finalidade, a titularidade e o destino dos bens conjugais. O ordenamento jurídico brasileiro prevê o regime da comunhão parcial (regime legal), comunhão universal, separação de bens e participação final nos aqüestos. O regime de bens tem relação recíproca com o direito de meação.

A meação é um direito do sócio aos bens da sociedade conjugal, representa a partilha de bens. Após a definição do regime de bens do casal tem-se estabelecido o direito a meação de cada um dos cônjuges.

A anulação do casamento, o divórcio e a morte de um dos cônjuges são os três meios aptos a extinguir o vínculo conjugal. A separação judicial representa a simples separação de corpos e, possivelmente, de bens, neste caso o vínculo permanece intacto. O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio após previa separação judicial por mais de um ano, ou, no caso do divórcio direto, após dois anos de separação de fato.

Dentre os diversos meios capazes de fraudar o direito a meação, tem-se o mau uso da pessoa jurídica. Evidencia-se neste ponto o foco central deste trabalho, o qual conclui que nesta hipótese é imprescindível a aplicação, pelo Poder Judiciário, desde que provocado, da disregard doctrine. Não se pode considerar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica de forma absoluta sob o crivo de apoiar os atos ardilosos.

Os bens, originariamente pertencentes ao casal, transferidos a uma pessoa jurídica deixam de integrar o acervo a ser partilhado na separação judicial ou no divórcio. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica será possível responsabilizar a sociedade empresária pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro (a).

Em não sendo possível recuperar os bens originários do casal caberá perdas e danos, vale dizer, o cônjuge lesado será indenizado com outros bens até integralizar o que lhe é de direito. Pode haver compensação de bens até a restituição da parte lesada em substituição aos bens originários.

A desconsideração da pessoa jurídica deve atuar somente sobre os atos fraudulentos, ou seja, tem de ser temporária e episódica. A condição de sócio possui caráter personalíssimo, também não é possível a inclusão do cônjuge lesado como sócio da pessoa jurídica.

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Sobre o autor
Eujecio Coutrim Lima Filho

Delegado de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais. Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (UNESA, RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Estado da Bahia (UFBA, BA). Graduado em Direito pelo IESUS (BA). Professor de Direito Processual Penal na UNIFG (BA) e na FAVENORTE (MG). Professor nos cursos de pós-graduação da UNIFG/UNIGRAD (BA) e da ACADEPOL (MG). Ex-Advogado. Ex-Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de obras jurídicas. Colunista do Canal Ciências Criminais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Eujecio Coutrim. Aplicação da disregard doctrine no juízo de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3867, 1 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26561. Acesso em: 28 dez. 2024.

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