No dia 09 de abril de 2014, o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante nº 33, com o seguinte enunciado: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o art. 40, §4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica”.
A proposta de edição do verbete foi uma iniciativa do Ministro Gilmar Mendes, em 16 de junho de 2009, quando estava no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, em razão do crescimento exponencial do número de mandados de injunção impetrados para suprir a mora legislativa na regulamentação do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos.
Vale salientar que, desde o julgamento do Mandado de Injunção de nº 670/RS, a respeito do direito de greve dos servidores públicos federais, o Supremo Tribunal Federal superou o entendimento de que a atividade jurisdicional estava limitada ao reconhecimento da omissão legislativa e adotou uma posição concretista em relação ao mandado de injunção, segundo a qual há o poder-dever do próprio Poder Judiciário de realizar uma regulação supletiva e provisória do caso concreto, sem que isso implique assunção da função legislativa. Como consequência, inúmeras ações mandamentais foram impetradas para garantir a eficácia da previsão constitucional de aposentadoria especial, inserta no §4º do art. 40 da Constituição, por meio da aplicação integrativa do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em que estão previstos os requisitos e as condições para a obtenção da aposentadoria especial pelos trabalhadores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social.
Ao analisar pela primeira vez a matéria, no julgamento do Mandado de Injunção nº 721/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de lei específica que permitisse o exercício do direito constitucional à aposentadoria com tempo de serviço reduzido e determinou a aplicação temporária do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Ademais, autorizou que os processos de mesmo objeto pudessem ser julgados monocraticamente, sem necessidade de se levar cada caso ao Plenário.
O resultado disso foi a consolidação do entendimento jurisprudencial de que a mora legislativa na regulamentação do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos, prevista no §4º do art. 40 da Constituição, deve ser suprida pela aplicação analógica do art. 57 da Lei nº 8.213/91 até regulamentação específica.
Apesar das reiteradas decisões a esse respeito, o fato de o mandado de injunção possuir efeito inter partes, ou seja, restrito às partes que integram a relação processual, acrescido da ausência de qualquer esforço do Poder Legislativo em suprir sua omissão impediram a diminuição da quantidade de ações injuncionais com esse objeto. Com isso, identificou-se a necessidade de edição de verbete que vinculasse não só os órgãos do Poder Judiciário, mas principalmente a Administração.
Surgiu, então, a Proposta de Súmula Vinculante nº 45, que previa originariamente a aplicação restrita do §1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 como marco regulatório da aposentadoria especial prevista no §4º do art. 40 da Constituição.
Ocorre que a previsão de integração legislativa do texto constitucional pela aplicação somente do §1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 impede a conversão do tempo de serviço especial em tempo de serviço comum, permitida pelo §5º do mesmo dispositivo. Tal fato configura uma burla ao direito dos servidores públicos, já que a Constituição é bastante clara ao prever a adoção de requisitos e de critérios diferenciados para a concessão da aposentadoria aos que exercem atividades prejudiciais à saúde ou à integridade física. Esses requisitos e critérios diferenciados não dizem respeito apenas à aposentadoria especial propriamente dita, após 25 anos ininterruptos de serviço, mas abrangem também o direito à conversão do tempo especial em tempo comum para aqueles que cumprirem um menor tempo de exposição.
Até porque não há como se conceber que o ordenamento tutela a saúde do servidor que labora por 25 anos em condições especiais e deixa desamparado aquele que teve a saúde exposta a agentes nocivos por 24 anos por exemplo. Ademais, se no âmbito do Regime Geral da Previdência Social os dois institutos são tratados de modo conjunto, por tutelarem o mesmo bem jurídico, não há justificativa para o direito à conversão do tempo especial em tempo comum pelos servidores públicos não ser reconhecido.
Tendo como base justamente esse raciocínio, em 05 de novembro de 2010, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) expediu a Orientação Normativa nº 10, que estabeleceu orientações para a aplicação do art. 57 da Lei nº 8.213/91 aos servidores públicos federais e, como não poderia deixar de ser, disciplinou tanto a aposentadoria especial propriamente dita, quanto a conversão do tempo especial em tempo comum. A Orientação Normativa nº 10/2010 foi aplicada nos últimos anos e milhares de servidores públicos federais foram beneficiados pela proteção que a Constituição reserva àqueles que laboram sob condições nocivas.
Essa realidade foi modificada com a publicação da Orientação Normativa nº 16, em 23 de dezembro de 2013, a qual revogou a Orientação Normativa nº 10/2010, extinguiu o direito à conversão do tempo especial e determinou a revisão de todos os atos praticados com base nas determinações anteriores, ao argumento de que a conversão do tempo especial em tempo comum seria uma modalidade de contagem ficta de tempo de serviço não albergada pelas decisões proferidas nos mandados de injunção.
Esse entendimento, entretanto, está equivocado e representa indevida restrição ao direito resguardado pela Constituição. Em primeiro lugar, porque as redações do §4º do art. 40 e do §1º do art. 201, ambos da Constituição, são idênticas. Dessa forma, se os trabalhadores da iniciativa privada possuem o direito à aposentadoria especial e o direito à conversão do tempo especial, inexistem motivos para que os servidores públicos não usufruam desses direitos.
Segundo, define-se como fictícia a contagem de tempo de serviço sem o efetivo exercício e o corresponde recolhimento de contribuição social por parte do servidor. Certamente, esse conceito não se aplica à conversão do tempo especial em comum, em que inegavelmente há a prestação do serviço e o recolhimento da correspondente contribuição. A diferença, neste caso, é que a contagem do tempo de serviço das atividades insalubres se dá de forma ponderada, tendo em vista que, para fins de aposentadoria, é exigido um tempo de serviço reduzido.
Terceiro, ainda que a conversão do tempo especial seja vista como contagem fictícia, somente depois da edição da Emenda Constitucional nº 20/98 é que o texto constitucional passou a proibir qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício.
Na análise da Proposta de Súmula Vinculante nº 45, todos esses argumentos foram ressaltados pelos representantes da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, do Sindicato dos Professores das Instituições de Ensino Superior de Porto Alegre e do Sindicato dos Servidores do Ministério de Agricultura no Rio Grande do Sul que na qualidade de Amicus curiae sustentaram na sessão de julgamento e tentaram demonstrar o equívoco na redação original da proposta.
A Advocacia-Geral da União, por sua vez, pleiteou na tribuna a limitação da aplicação do art. 57 da Lei nº 8.213/91 ao segurado sujeito a condições especiais de trabalho que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Em outras palavras, solicitou que a legislação do Regime Geral da Previdência Social não fosse aplicada integrativamente aos portadores de deficiência ou submetidos a atividades de risco, conforme previsto respectivamente nos incisos I e II do §4º do art. 40 da Constituição, por supostamente inexistirem critérios objetivos aptos a nortear a atuação da Administração na análise desse tipo de solicitação.
Durante a votação, o Ministro Luís Roberto Barroso acolheu a tese defendida pelos representantes das entidades associativas e se posicionou favoravelmente ao direito à conversão do tempo especial em comum. O Ministro registrou que a possibilidade de conversão do tempo de serviço deveria constar expressamente no enunciado da Súmula Vinculante, sob pena de a regulamentação da aposentadoria especial dos servidores públicos não surtir efeito prático algum.
Entretanto, não foi seguido pela maioria qualificada do Plenário, segundo a qual a análise do direito de conversão do tempo especial em comum estaria formalmente prejudicada naquele momento, em razão de a votação e a aprovação de propostas de súmulas vinculantes configurarem procedimento meramente formal que reflete a unificação de entendimentos reiterados sobre um mesmo tema. Não devem, portanto, ocasionar a rediscussão do mérito da matéria submetida à apreciação.
Como resultado do julgamento, embora o Supremo Tribunal Federal não tenha se debruçado sobre a constitucionalidade da conversão do tempo especial em comum, foi afastada a expressa limitação da aplicação das regras do Regime Geral da Previdência Social apenas ao caput e ao §1º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Além disso, foi acatado o pleito da Advocacia-Geral da União e limitada a extensão da aplicação integrativa do art. 57 da Lei nº 8.213/91 ao estabelecimento de critérios diferenciados de aposentadoria aos servidores que laboram sob condições insalubres que importem dano à saúde ou à integridade física, segundo o previsto no inciso III do §4º do art. 40 da Constituição. Assim, o enunciado da Súmula Vinculante não se aplica aos casos de servidores portadores de deficiência ou aos casos de servidores que exerçam atividades de risco.
Importante registrar que, embora tenha sido modificada a redação inicialmente proposta para o verbete, a Súmula Vinculante nº 33 não garante a aplicação automática da integralidade do art. 57 da Lei nº 8.213/91 aos servidores públicos. Assim, apesar de ter sido resguardada a aposentadoria especial aos servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, a possibilidade de conversão do tempo especial em tempo comum será objeto de amplo debate nos tribunais pátrios e no Supremo Tribunal Federal.