SUMÁRIO: Introdução. Prefácio. 1.Breves considerações sobre as funções constitucionais do STF e do CNJ. 2. Aspectos Históricos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e a internalização desses acordos internacionais. 2.1.) Da alteração do entendimento acerca da hierarquia das normas internacionais relativas a direitos humanos. 2.2.) Da contradição do STF acerca da aplicabilidade das normas internacionais relativas a direitos humanos quando estas contrariam a Lei Maior. 2.3) Da inaplicabilidade dos arts. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), no que concerne à condução do preso à presença do juiz. 2.4.) Do cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), quanto à apresentação de presos, no Brasil – violação ao princípio da proporcionalidade (parte 1). 3.Breve histórico e fundamentos para a edição da Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015, do CNJ. 3.1.) Do colapso do sistema penitenciário – consequência de problemas mais graves. 3.2.) Da atuação prévia do CNJ para criação da audiência de custódia – convênios e projetos pilotos. 3.3.) Das decisões do STF sobre a matéria. 3.4.) Dos fundamentos invocados para edição da Resolução 213/2015 do CNJ. 4.Criação de obrigações e vedações pela Resolução nº 213/2015, do CNJ – regras de direito penal e processo penal. 5.Inconstitucionalidades. 5.1.) Da inconstitucionalidade por violação ao princípio da legalidade. 5.2.) Da violação ao princípio da proporcionalidade (parte 2). 5.3.) Da violação ao princípio da razoabilidade. 5.4.) Da inconstitucionalidade por violação ao princípio da tripartição dos poderes. 6.O desvio de finalidade e as consequências nefastas para o sistema de segurança pública nacional e para a sociedade de maneira geral. 7. Das considerações finais. Anexos. Bibliografia
INTRODUÇÃO
Permito-me, apenas nessa parte do presente trabalho, escrever na primeira pessoa do singular, pois, dessa maneira, certamente, conseguirei transmitir de forma escorreita as razões que me levaram a começar a refletir sobre a recém-criada “audiência de custódia” e, ante as conclusões obtidas, a escrever sobre tal tema.
Em verdade, o início de minhas reflexões decorreu de uma conversa rápida com um investigador da Polícia Civil, no âmbito de uma Delegacia, em janeiro de 2016.
Para melhor contextualização, esclareço que estava na Delegacia da Polícia Civil, como qualquer do povo (e não no exercício do cargo de Delegado de Polícia Federal), acompanhando minha cônjuge, que, naquela ocasião, havia sido convidada a fazer o reconhecimento de um cidadão.
Isto porque, aproximadamente, um mês antes, por volta das 15:00 horas, minha esposa, após buscar nossos dois filhos e um amigo deles na escola, enquanto adentrava no veículo de sua propriedade - que se encontrava no estacionamento público existente na frente do colégio – foi abordada por dois criminosos, que, demonstrando portar armas de fogo, roubaram o automóvel e outros pertences que estavam no interior deste.
Por obra do acaso, minha cônjuge, no calor dos fatos, conseguiu que os agentes delituosos permitissem que as crianças (que já estavam acomodadas no banco traseiro) saíssem do automóvel.
Vale destacar, por oportuno, que esse evento causou grande repercussão psicológica na vida das crianças e de minha esposa.
Pois bem, feito esse introito e voltando à Delegacia de Polícia, após as devidas apresentações e enquanto esperávamos a preparação do local no qual ocorreria o reconhecimento, tive um breve e coloquial diálogo com o cortês investigador de polícia.
Transcrevo, abaixo, com a maior fidedignidade que minha memória permite, a referida conversa:
Autor: _ E ai guerreiro, como anda o trabalho por aqui?
Investigador: _ Na verdade Doutor, anda meio parado.
Autor: _ Mas com toda essa violência na cidade, porque as coisas estariam paradas por aqui, uma especializada em furtos e roubos?
Investigador: _ Não sei como funciona lá na Federal, porém, posso falar pro senhor que os policias, seja da civil, seja da militar, não estão querendo prender mais ninguém.
Autor: _ E por que? É a questão salarial ou da falta de estrutura?
Investigador: _ Também, mas além dessas coisas, agora inventaram uma tal de “audiência de custódia”...Nós trabalhamos dia e noite, investigamos por meses, ficamos longe da família, corremos risco de vida constante e quando conseguimos prender o “vagabundo”, agora, temos que levar ele pro juiz. Dai, chega lá, temos que esperar horas e quando nos damos conta, o vagabundo sai pela porta da frente, antes de nós, dando risada da nossa cara. E isso é 157, 171, pedófilo, assaltante...Não dá não... E há vezes em que, devido à ausência de juízes ou outros impedimentos dos “capa-pretas”, temos que voltar em outras datas para a tal audiência. Temos que levar o preso e voltar em outro dia...
Autor: _ É complicado...
Investigador: _ E mais, fiquei sabendo que na tal “audiência de custódia”, juiz e promotor só querem saber se o “vagabundo” apanhou da polícia...Ou seja, estão achando que a polícia ainda trabalha igual na época do militarismo...Os caras enfiam o cano na cabeça de criança, como no caso da sua mulher, matam direto e reto e nós é que somos os suspeitos...Tá todo mundo desanimado, revoltado...Tá todo mundo achando que é melhor deixar os vagabundos na rua, até que dê uma m....geral...
Autor: _ Esse excesso de garantismo ainda vai gerar muitos problemas...
Investigador: _ Quero ver a hora que os “malas” pegarem parente de “figurão” ou eles mesmo, pra ver se não vão pedir socorro pra policia...dai quando pegarmos o “mala”, quero ver se vão devolver para rua ....
Nesse momento a conversa foi interrompida pelo Escrivão que chamou minha cônjuge para fazer o reconhecimento do criminoso.
Enquanto o reconhecimento acontecia, deparei-me pensando na história “da ovelha, do lobo e do cão pastor”, cuja autoria é atribuída a Dave Grossman, Ten Cel, Ranger, Ph.D.
Para quem não conhece essa história, vale a pena fazer uma busca na internet[1]. Existem, ainda, inúmeros vídeos que foram elaborados para transmitir a mensagem nela inserta, de maneira mais lúdica.
Pois bem. Em síntese, ao final do breve diálogo descrito, fiquei consternado com o desânimo do policial e preocupado com a situação em geral.
Percebi, desde logo e após conversas com diversos policiais, inclusive, no âmbito da instituição em que trabalho, que, em virtude (i) da deturpação de princípios e valores que está em andamento no país e no mundo, (ii) da visão limitada da população, decorrente da ausência de investimentos em educação (em especial sob os aspectos da organização social e política e da formação moral e cívica), (iii) da exacerbação das garantias individuais em detrimento do interesse coletivo e, (iv) das equivocadas políticas públicas relacionadas à segurança, dentre outros fatores, que as polícias estavam sendo compelidas (ou induzidas) a deixar de cumprir suas respectivas missões constitucionais.
Retornando à história “ da ovelha, do lobo e do cão pastor”, constatei que os cães pastores (policiais) estavam sendo levados a se tornar ovelhas (pessoas a serem protegidas) e, até mesmo, lobos (criminosos).
Isso é grave! Gravíssimo!
Um Estado sem força coativa não é capaz de fazer valer o direito, elemento fundamental para a convivência harmônica da sociedade. Um Estado sem sua longa manus de coerção se torna anárquico. É o começo do fim. É a involução. Não é Estado. Não é democracia.
Nesse sentido, lembrei-me dos ensinamentos de Norberto Bobbio: “...não há grupo social organizado que tenha até agora podido consentir na desmonopolização do poder coativo, evento que significaria nada menos que o fim do Estado, e que, enquanto tal, constituiria um verdadeiro salto qualitativo para fora da história, no reino sem tempo de utopia...”[2]
Comecei a refletir nos dias seguintes, tendo aprofundado as análises sobre os aspectos jurídicos e sociais acerca da denominada “audiência de custódia”.
O resultado foi compilado nas próximas páginas. E, sinceramente, espero que o trabalho sirva, ao menos, para uma reflexão sobre o que queremos para as gerações futuras.
E só para constar... minha esposa não reconheceu o criminoso, pois, durante os acontecimentos, ela sequer pôde reparar nas características físicas do elemento, ela pôde (só pensava em tirar as crianças do veículo). Entretanto, posteriormente, fiquei sabendo que várias outras vítimas reconheceram aquele “cidadão”.
Se o indivíduo ficou preso ou não, não sei dizer, mas ante o que será exposto adiante, acredito que não. Muito provavelmente voltou para o seio da sociedade, onde deve continuar sua sanha delitiva.
PREFÁCIO
Em um país onde – infelizmente - a usurpação de atribuições e competências está, crescentemente, sendo tolerada como medida paliativa de resolução de entraves ou de majoração de poderes, o Supremo Tribunal Federal-STF e o Conselho Nacional de Justiça-CNJ, apesar das nobres intenções manifestadas formalmente, não deixaram de dar suas contribuições negativas.
Ao editar norma infralegal (Resolução nº 213/2015) patentemente inconstitucional[3] por afronta aos princípios da legalidade, separação dos poderes, proporcionalidade e razoabilidade (dentre outras diametrais violações ao ordenamento e à lógica), o referido Conselho, seguindo diretriz (contraditória, diga-se[4]) da Suprema Corte e sob o pretenso manto da proteção aos direitos humanos, acabou por prejudicar, ainda mais, o frágil sistema de segurança pública nacional, colaborando para o aumento da violência, da criminalidade e da sensação de impunidade.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) figure como guardião da Constituição Federal[5] e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja “... uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual...”, como consta no próprio site de tal órgão[6], com a edição da Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015 e a criação da denominada “audiência de custódia”[7], tais órgãos, de forma absolutamente surpreendente, usurparam as atribuições do Poder Legislativo e do Poder Executivo, afrontando diversos preceitos legais e princípios constitucionais.
Para constatação do esposado, imprescindível o aprofundamento da análise dos fatos e das normas envolvidas, de forma sistematizada, razão pela qual o presente trabalho foi dividido em vários tópicos.
Vale destacar, desde logo, entretanto, que o texto confeccionado não objetiva o esgotamento do tema, abordando o normativo citado sob todos os enfoques, mas, simplesmente, de forma direta e objetiva (na medida da possibilidade, ante a complexidade das matérias envolvidas), apontar e demonstrar os vícios que acometem o regramento e as decisões judiciais que viabilizaram a edição deste, bem como as desastrosas consequências de sua implementação para o sistema de persecução criminal e, consequentemente, para as condições de segurança da sociedade nacional.
Assim, passa-se a dispor sobre cada um dos tópicos, ao final do que, s.m.j., não restará dúvidas, no mínimo, quanto à impertinência da referida norma.
1) BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DO STF E DO CNJ
Para exata compreensão do que será esposado doravante, imprescindível se faz rememorar quais são os relevantes papéis atribuídos constitucionalmente ao Supremo Tribunal Federal-STF e ao Conselho Nacional de Justiça-CNJ, para, por uma perfunctória análise a contrario sensu, constatar qual competência não fora atribuída a tais órgãos do Poder Judiciário[8].
A Carta Magna de 1988, elencou de forma clara as funções do STF nos arts. 36 (decretação de intervenção em entes federativos), 53, §§ 1º e 3º (julgamento condicionado de detentores de foro por prerrogativa de função), 61 (iniciativa para proposição de leis complementares e ordinárias), 86, § 1º, I (julgamento condicionado por crime comum do Presidente da República), art. 93 (legitimidade para proposição de estatuto para magistratura), 96, I e II (competência para elaboração de regimento interno e criação e extinção de tribunais, organização e divisão judiciárias, alteração do número de membros de tribunais inferiores e criação e extinção de cargos no âmbito do judiciário), 99, § 1º, § 2º, I (encaminhamento de proposta orçamentária), 102, I e II (competência para julgamento de ações originárias e recursos), 103, § 2º (competência para declaração da inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional), 103-A (edição, revisão e cancelamento de súmulas vinculantes e apreciação de reclamações), 103-B, 118,II e 130-A, IV (indicação e/ou escolha de magistrados para integrar outros órgãos do Poder Judiciário). Outras competências transitórias também foram previstas nos arts. 9º e parágrafo único e 27 e § 1º da ADCT.
Percebe-se, portanto, que a Suprema Corte possui competência para tomar a iniciativa de proposição de leis complementares e ordinárias[9], para declarar a inconstitucionalidade por omissão e cientificar o órgão responsável pela edição da medida para tornar efetiva norma constitucional[10], assim como para “...elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos...”[11]
Ocorre que, ressalva feita à hipótese de suprimento da inércia do legislador[12] por meio de julgamento em mandado de injunção[13], prevista no art. 102, I, “q”, não existe qualquer competência legislativa atribuída ao STF - sequer residual - no que concerne a direito penal ou processo penal, cuja competência legislativa privativa, diga-se, é da União Federal[14], o que se cita por merecer destaque para a análise minuciosa que será efetivada posteriormente.
E vale salientar que a Colenda Corte, em caso de impetração de mandado de injunção[15], só pode atuar reativamente, ou seja, mediante provocação da parte interessada.
Não se avente, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal teria o poder legislativo implicitamente previsto no art. 103-A[16], da Carta Magna. Isto porque, a competência para edição de súmulas vinculantes (com exceção daquelas decorrentes de julgamentos reiterados em mandados de injunção[17]), não conferem o poder de legislar, mas sim o de consolidar e tornar de observância obrigatória, a validade, a interpretação e/ou a eficácia de determinada norma (seja ela qual for) à luz da Constituição Federal. Todavia, da mesma forma, também nessa hipótese, referida Corte só poderia agir ex officio, após atuação reativa resultante de várias provocações no mesmo sentido.
De outra parte, o Conselho Nacional de Justiça também tem suas atribuições previstas na Carta Magna, notadamente nos arts. 93, VIII (decidir sobre remoção, disponibilidade e aposentadoria de magistrados), 100, § 7º (apreciar, na sua esfera de atuação, atos de presidentes de tribunais que retardem o tentem frustrar a liquidação regular de precatórios), 103-B, § 4º e incisos I a VII, que seguem in verbis:
“...§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
IV representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VII elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)...”
Resta claro, portanto, que a única hipótese atribuída ao CNJ para “normatizar” – e não “legislar” -, diz respeito à expedição de atos regulamentares, no âmbito de sua competência , sem prejuízo da “recomendação” de providências (art. 103-B, § 4º, I, da CF/88).
E vale frisar, neste ponto, que a competência do CNJ está perfeitamente delineada no art. 103-B, § 4º, qual seja, “...o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes...”.
Não se cogite, por descabido, que a Lei da Magistratura[18], em virtude do disposto na última parte do parágrafo 4º, do art. 103-B (“...Compete ao Conselho (...) além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura...”), poderia atribuir outras atividades “legislativas” ao CNJ.
Com efeito, ao delegar à Lei Complementar a discriminação de outras atribuições, certamente, a Constituição Federal quis, apenas, explicitar que o rol de incisos do citado parágrafo 4º poderia ser majorado, porém, dentro das atividades para as quais o Conselho Nacional de Justiça foi criado. E dentre essas atividades, não está a legislativa.
E mais. Eventual modificação da Lei da Magistratura, nesse ponto, deveria se sujeitar ao devido processo legislativo, nos termos do art. 59, II e parágrafo único, da Carta Magna [19] e Lei Complementar nº 95/1998.
Isso é corolário do princípio da tripartição de poderes, o que se conclui por qualquer linha interpretativa que se queira adotar.
Ademais, vale salientar que a LOMAM, em nenhum momento, atribuiu capacidade, ao CNJ, que não estivesse prevista na Carta Magna[20].
Assim, também não se verifica no corpo da Carta Magna, a atribuição, ao CNJ, de qualquer competência legislativa ou normativa para dispor sobre matéria penal e processual penal.
Com efeito, o reconhecimento de competência legislativa aos citados órgãos do Poder Judiciário, fora das hipóteses aventadas[21], data vênia, constitui erro interpretativo grave e viola frontalmente o princípio da separação dos poderes [22].
O jurista Pedro Lanza, ao dispor sobre os princípios interpretativos da Constituição Federal[23], citando obra de Canotilho, assim dispôs:
“...Princípio da justeza ou da conformidade (exatidão ou correção) funcional
O intérprete máximo da Constituição, no caso brasileiro o STF, ao concretizar a norma constitucional, será responsável por estabelecer a força normativa da Constituição, não podendo alterar a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes, no sentido de preservação do Estado de Direito.
O seu intérprete final “... não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido (EHMKE)”.36
Nos momentos de crise, acima de tudo, as relações entre o Parlamento, o Executivo e a Corte Constitucional deverão ser pautadas pela irrestrita fidelidade e adequação à Constituição...
36 J.J.G.Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 6.ed., p.228 ...”
(destaques do subscritor)
E mais adiante, na mesma obra supra citada[24], ao explanar sobre a finalidade da separação dos poderes e sobre a imprescindibilidade de sua observância, assim dispôs:
“...Dimitri, com precisão, observa que “seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tendência ‘absolutista’ de exercício do poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas. A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos, minimiza riscos de abuso de poder...”
Corolariamente, no caso de interpretação, pelo STF, da Lei Maior, com subversão da ordem e organização nesta estabelecidas, bem como usurpação da função legislativa fora das hipóteses constitucionalmente previstas, constata-se, de forma clara, a afronta ao princípio magno da tripartição ou separação dos poderes[25], adotado pelo constituinte hodierno.