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Breves considerações acerca da (im)penhorabilidade do salário pelas instituições bancárias decorrente de dívidas contraídas anteriormente perante a elas

24/08/2016 às 08:13
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O banco pode se valer de um débito em seu favor para negar a abertura de uma conta salário? É lícito o banco descontar valores diretamente nessa conta? O consumidor é obrigado a aderir aos termos sem a possibilidade de rediscutir o débito?

Em tempos de elevado índice de desemprego – 11,2% no primeiro trimestre, segundo o IBGE -, ser admitido num bom cargo de uma renomada empresa é o sonho de qualquer cidadão.

Como de costume, após a admissão, a empresa solicita cópia de uma série de documentos (RG, Carteira de Trabalho, Diploma etc.) e pede para que seja aberta uma conta bancária em instituição pré-determinada para que o futuro funcionário possa receber seu salário, soldo, remuneração, ou como quer que se chame o valor que será percebido pela prestação dos seus serviços.

O cidadão, então, pensa que as diversas horas desprendidas com envio de currículos, entrevistas, processos seletivos e demais atos de conhecimento da maioria, enfim, deram resultado. E mais, já começa a fazer planos e pensa em quitar a fatura do cartão de crédito, ou o cheque especial que vem acumulando há alguns meses, ou ainda, aquele empréstimo feito para aquisição de algum bem ou serviço perante a mesma instituição bancária em que agora deverá abrir a conta, ambos atrasados, em razão da condição da qual pretende não fazer mais parte.

É aí que o consumidor, na ânsia de ver-se tão logo empregado, corre para a agência bancária estipulada pela empregadora com a finalidade de abrir a dita conta.

Já na agência, surge um problema não incomum, a negativa de abertura da conta em razão daquele empréstimo, a não ser que (1) haja o adimplemento do valor ou (2) seja autorizada a abertura da conta mediante uma renegociação forçada que corroerá parte do seu salário logo no primeiro mês. Embora seja a sua vontade, naquele momento o futuro funcionário (e consumidor) não pode arcar com o débito, pois possui despesas urgentes, como alimentação, moradia e transporte. Contudo, o seu argumento não surte efeito e acaba por renegociar a dívida, sem ao menos poder discutir a aplicação dos juros capitalizados, taxas e outros implementos contratuais inseridos, por muitas vezes, de forma excessivamente onerosa pela instituição, pois vê naquele ato a oportunidade de rever o seu crédito. 

Surge então as seguintes questões: A instituição bancária pode se valer de um débito em seu favor para negar a abertura de uma conta salário? É lícito a instituição bancária descontar valores diretamente nessa conta? O consumidor é obrigado a aderir aos termos sem a possibilidade de rediscutir o débito?

Esse fato e questionamentos são comuns no atual contexto político e social do nosso país.

No que se refere a abertura da conta e recebimento do soldo, a Constituição Federal prevê como norma fundamental (art. 7, IV), o recebimento do salário, como forma de atender às necessidades básicas do trabalhador, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte, de modo que a instituição financeira, ao negar a abertura da conta, cessa o exercício deste direito.

O próprio Banco Central disponibiliza no seu sítio eletrônico[1], com base nas suas Resoluções CMN 3.402 e 3.424, e circulares n.º 3.336 e 3.338, de 2006, que “O desconto de prestações de operações de crédito diretamente na conta salário somente é admitido se o empregado beneficiário do pagamento autorizar, prévia e formalmente, a sua realização.".

Não bastasse isso, a conta salário é aberta por interesse do empregador, que obriga o seu funcionário a abrir contas em instituição pré-determinada para receber os seus vencimentos, visando ser beneficiado mediante a isenção de taxas nas operações realizadas com aquela instituição bancária.

Veja, portanto, a existência do dever e obrigação da instituição bancária em abrir a conta salário, e não uma mera autonomia da sua vontade, de tal forma que a recusa na abertura da conta, além de obstar o exercício ao direito fundamental, de natureza alimentar, tratar-se de ilícito civil, em razão da afronta às Resoluções do Banco Central.

Por outro lado, é lícito à instituição bancária valer-se de mecanismos contratuais para preservar o seu direito a satisfação dos seus créditos, não se tratando, portanto, de cláusula abusiva. Inclusive, com o advento do novo Código de Processo Civil, houve a ratificação da inviolabilidade relativa do salário do trabalhador (art. 833, IV), e, dependendo da situação, poderá, diante da existência de fundamento concreto, ocorrer penhora e descontos de determinado valor com objetivo de satisfazer os seus débitos. 

No tocante ao valor a ser descontado, como em demais matérias, os Tribunais Superiores, entendem que o valor razoável para penhora e descontos não pode ultrapassar a quantia correspondente à 30% (trinta por cento) da remuneração do expropriado, desde que não impossibilite o atendimento das suas necessidades básicas, recolhimento das suas contribuições previdenciárias e alimentos devidos a seus dependentes, conforme julgamento do processo  nº 2010/0094365-0, pelo Ministro Marco Buzzi. 

Outro ponto que merece destaque refere-se à impossibilidade de discussão do débito no momento em que o consumidor aceita a renegociação para ter a conta aberta pela instituição bancária.

Não são raros os casos em que as instituições bancárias atuam de forma abusiva nas relações com seus devedores, não havendo possibilidade de discussão do dividendo, como retratado no caso aqui mencionado. Ou seja, se em condições normais os bancos dificultam a discussão dos dividendos, quiçá na posição do caso aqui retratado, pois o consumidor, querendo tão logo não fazer mais parte das estatísticas, precisa necessariamente abrir a conta para ver-se empregado.

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Portanto, a fim de evitar a onerosidade excessiva, bem como obstar a conduta abusiva de uma das partes na relação contratual, o Código Civil resguarda a parte prejudicada a possibilidade de rediscussão de cláusulas que impossibilitam o cumprimento do contrato, por meio de ação revisional (art. 480).

Veja que, na realidade, o consumidor não pode se eximir do pagamento do débito, mas deve buscar os melhores meios para que o faça de forma menos onerosa para si e melhor proveitosa para o banco, quitando o débito de forma justa e razoável.

Portanto, o direito subsiste a ambos os lados, devendo a parte interessada valer-se, o quanto antes, de um profissional qualificado e de confiança para combater qualquer transgressão aos seus direitos, seja por parte do consumidor ou pela instituição bancária, lembrando-se de que o consumidor, por ser a parte mais frágil nesta relação, certamente arcará com o maior prejuízo se não estiver assistido por profissional.

*Texto redigido para compor o site quartieriedecarli.adv.br


Nota

[1] http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/salário.asp,acesso em 26/07/2016

 

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Sobre o autor
Ricardo Henrique Decarli

Advogado, atuante no consultivo e contencioso do Direito Empresarial, mais especificamente, em obrigações empresariais, mercados financeiro e de capitais, contratos comerciais – bancários, securitários, imobiliários etc. –, na área societária – "due diligence", constituições e reorganizações de sociedades, elaboração de atos etc. –, e cível em geral – responsabilidade cível, obrigações e direito das coisas –, além de assessorar e intermediar relações negociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DECARLI, Ricardo Henrique. Breves considerações acerca da (im)penhorabilidade do salário pelas instituições bancárias decorrente de dívidas contraídas anteriormente perante a elas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4802, 24 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51534. Acesso em: 2 nov. 2024.

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