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Do acesso imediato aos dados de futuras operações bancárias

Do acesso imediato aos dados de futuras operações bancárias

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Defende-se uma nova forma de acesso - em sede de investigação - às provas decorrentes da medida cautelar de quebra de sigilo bancário, em sintonia com os princípios da eficiência e celeridade.

Como é cediço, a medida cautelar de quebra de sigilo bancário no Brasil é regulamentada pela Lei Complementar n.º 105/2001, nos seguintes termos:

Art. 1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços bancários. (...) § 4º. A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial.

Art. 3º. Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

Analisando os dispositivos legais em tela, constata-se, de plano, que a lei supramencionada não estipulou tempo para que as instituições bancárias cumpram a determinação judicial e tampouco impediu o acesso a dados relativos a operações bancárias futuras.

A Lei n.º 12.850/13, ao tratar dos instrumentos aplicáveis às investigações contra organizações criminosas, fez expressa previsão quanto à possibilidade de acesso aos dados bancários dos investigados, sem, da mesma forma, prever lapso temporal para cumprimento da medida ou condicioná-la a operações bancárias pretéritas.

Há não muito tempo, as decisões de quebra de sigilo bancário eram cumpridas com o envio pela instituição financeira de cópias físicas dos extratos bancários dos investigados para o órgão requerente da medida. A utilização desses dados demandava muito trabalho, com a criação de extensas planilhas. Dependendo do número de investigados, do período solicitado e do volume de transações ocorridas, levavam-se meses e até anos para se concluir a análise de todo o material. Atualmente, entretanto, tem sido utilizada por boa parte das instituições a ferramenta “SIMBA”[1], por meio da qual os dados são transmitidos eletronicamente, viabilizando uma análise mais ágil e palatável dos dados.

Ocorre que mesmo com a criação do protocolo “SIMBA” ainda se perde precioso tempo na condução das investigações, na medida em que, na prática, somente tem sido pleiteado o acesso a dados bancários pretéritos dos investigados, além do fato de as informações levarem dias e não raro meses para chegarem às mãos dos órgãos incumbidos das investigações (muitas vezes chegam após a deflagração da operação - inviabilizando a perquirição sobre o dado em sede de interrogatório - e até depois do oferecimento da denúncia).

Constata-se, portanto, que hodiernamente a medida judicial em comento foi relegada à obtenção de informações sobre operações bancárias pretéritas, que chegam tardiamente ao conhecimento das autoridades que apuram as infrações penais.

Com efeito, a conveniência da obtenção dos dados bancários simultaneamente ao desenrolar das investigações é inegável, razão pela qual, aliás, é a regra em países como os Estados Unidos da América. A título de exemplo cite-se hipótese na qual no curso da investigação fosse deferida a medida judicial de interceptação das comunicações telefônicas. Ora, uma conversa que inicialmente parecesse não ter maior relevo, mas que fosse sucedida de significativa operação bancária, poderia indubitavelmente ganhar o status de relevante, em tempo praticamente real.

É fato notório, aliás, que os criminosos se valem de gírias e códigos para dificultar a compreensão de transações comprometedoras, tais como encontros para a entrega de dinheiro.

Assim, redundaria em grande otimização da medida de monitoramento, já que seria mais fácil seguir e registrar eventual encontro do investigado, se fosse possível saber, por exemplo, que ele acabara de sacar grande quantia em espécie em determinada agência bancária.

De outra banda, seria deveras eficaz para viabilizar - dentre tantas providências -, por exemplo, o cumprimento de mandados de prisão em aberto, tendo em mira que as operações efetivadas com cartão bancário indicam o estabelecimento no qual é realizada a transação (localização, portanto, mais precisa que a da própria ERB[2]), possibilitando a detenção do agente ou, em outros casos, em sintonia com a medida de interceptação telefônica, a constatação de que aquela operação tratar-se-ia, na verdade, de crime de lavagem de dinheiro.

Ressalte-se que não se pretende criar uma medida de “interceptação” de operações financeiras, mas visa-se à obtenção imediata de um dado bancário já realizado ou que venha a acontecer em um determinado período.

Como é sabido, o conceito de interceptação está ligado à obtenção das informações pretendidas durante a própria realização da operação monitorada, como ocorre nos casos das conversas telefônicas. No caso em apreço, entretanto, repise-se, o dado bancário, somente depois de concluída a operação - ainda que no futuro -, seria transmitido para a autoridade responsável, mas de forma imediata.

Nesse ponto parece curial fazer alusão à viabilidade jurídica da pretensão com esteio no princípio da proporcionalidade (Art. 282, I e II, do Código de Processo Penal) e no poder geral de cautela (Art. 798 do Código de Processo Civil). Logo, se no caso concreto o magistrado concluir que é conveniente para a efetiva apuração dos fatos a obtenção dos dados bancários que venham a acontecer em um período a ser fixado, bem como que o acesso a esses dados deve se dar em tempo real, pode exigir o cumprimento da decisão nesses moldes pelas instituições bancárias.

É inegável que a medida ainda vai ao encontro dos princípios da eficiência e celeridade processual, já que acabaria com a necessidade da formalização de sucessivos pedidos judiciais de acesso aos dados bancários produzidos no trâmite das investigações, como ocorre atualmente.

Frise-se que boa parte dos usuários do sistema bancário brasileiro vale-se de ferramenta por meio da qual as operações financeiras, sobretudo as ligadas a cartões de crédito, são comunicadas aos clientes através da plataforma SMS[3], imediatamente após sua ocorrência. Ora, com absoluta certeza essas informações poderiam, sem maiores dificuldades, ser repassadas da mesma forma e ainda por meio de e-mails aos órgãos responsáveis pela apuração dos delitos.

Assim, é plenamente viável que a decisão judicial determine que um número de telefone celular e/ou e-mail indicados pelo órgão investigador sejam cadastrados junto às instituições para que todas as operações bancárias durante determinado lapso sejam, tão logo realizadas, imediatamente repassadas aos órgãos incumbidos da apuração dos fatos.

E desnecessário argumentar acerca da simplicidade e do baixo custo das tecnologias a serem empregadas para o atendimento das medidas pretendidas!

Relevante frisar, ademais, que a presente pretensão em nada interferiria na utilização da ferramenta “SIMBA”. Via de regra continuaria sendo solicitado o acesso aos dados passados, porém com o acréscimo daqueles produzidos, no futuro, em período a ser fixado pelo Poder Judiciário, que poderia ser o de 15 (quinze) dias[4], em analogia com o disposto na Lei n.º 9.296/96. Durante tal lapso as instituições financeiras teriam, também, a obrigação de comunicar, em tempo real, por SMS e/ou e-mail, ao órgão investigante, todas as operações ocorridas, com todos os detalhes possíveis, tais como valores, agências, favorecidos, etc., relativos à conta bancária investigada.

Com o encerramento do prazo, a instituição bancária faria o encaminhamento, por meio da ferramenta SIMBA, de todos os dados transmitidos durante o período fixado pelo Juízo por meio do protocolo SMS e/ou e-mail.

Em suma, em tempos em que a tecnologia atingiu patamar em que interessam à humanidade – e, infelizmente, ao crime organizado - ferramentas que viabilizem a obtenção quase instantânea das informações, não se pode aceitar que importante instrumento de investigação seja utilizado somente para a obtenção de dados pretéritos e - não raro - a destempo.


Notas

[1]O Sistema de Movimentação Bancária é um conjunto de processos, módulos e normas para tráfego de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos governamentais, que foi desenvolvido pela Assessoria de Pesquisa e Análise - ASSPA, que é uma unidade vinculada ao gabinete do Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal.

[2]O acesso ao posicionamento das ERBs (Estações Rádio Base) permite ao detentor da senha e login concedidos pela concessionária de telefonia identificar a localização geográfica aproximada do usuário do telefone celular.

[3]Short Message Service é um serviço disponível em telefones celulares digitais que permite o envio de mensagens curtas entre estes equipamentos e entre outros dispositivos de mão (handhelds), e até entre telefones fixos (linha-fixa), conhecidas popularmente como mensagens de texto.

[4]Gize-se, outrossim, que o Código de Processo Penal admite expressamente a aplicação da analogia em seu artigo 3º, regra de integração utilizada pelos magistrados como parâmetro nos casos de deferimento da medida de interceptação ambiental, para fixar o lapso de 15 (quinze) dias, nos termos da Lei 9.296/96.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Denis Augusto Bimbati. Do acesso imediato aos dados de futuras operações bancárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4182, 13 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31503. Acesso em: 23 abr. 2024.