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Teorias do Estado: ditadura inconstitucional

Teorias do Estado: ditadura inconstitucional

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Tudo indica que mudamos o rumo do nosso barco e começamos a seguir em direção a um Estado de exceção permanente, instrumental, global, exemplar, hegemônico e imoral. Propõe-se uma análise da história recente do Brasil focada no fenômeno político-jurídico.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objetivo geral estabelecer uma relação entre o Estado de Exceção e o fenômeno político-jurídico que se abrigou no país a partir, sobretudo, de 2016 – quer seja visto pela realização do impeachment quer seja entendido sob a nomenclatura de “quebra institucional”.

Partindo-se do fato de que tal relação não se reduz a um processo político-jurídico – ainda que essa seja a fase abordada com mais substância no texto –, a referida análise recebeu a denominação de Ditadura Inconstitucional.

Trata-se de uma forma de ditadura não-convencional, como quarteladas, Estado de Sítio ou, simplesmente, a clássica ditadura constitucional. Porém, como “governo dos homens” em que as leis são manejadas a bel prazer pelo poder, constitui-se em estrutura ditatorial. Assim, é inconstitucional porque viola o Princípio Democrático que embasa a Constituição Federal de 1988.

Esclarece-se que algumas passagens foram publicadas em periódicos ou em eventos de natureza científica, ao longo do período analisado, bem como utilizamos a revisão bibliográfica, com análise pautada no realismo político, basicamente, de um único evento político-jurídico.

Como suporte teórico/conceitual cabe uma definição e um perfilamento iniciais acerca da nomenclatura empregada e a ser desenvolvida com mais substância e detalhamento.

Por que temos uma Ditadura Inconstitucional?

Devido às atitudes ocorridas no decorrer de 2016, torna-se quase impossível fazer um passo a passo da inconstitucionalidade que desonera a República da democracia, bem como sacramenta ações macro e micro de quem defenestrou o poder da soberania popular, tantas são suas peripécias

Em todo caso, atenta-se a duas de muitas razões: a primeira ou mais atuante é a aceitação do Poder Judiciário (em efeito beneplácito) a fim de que se castrem direitos fundamentais individuais e sociais; em seguida, mas como condicionante da anterior, o acatamento da vontade do poder imposto que assaltou o poder legítimo.

O cenário nacional prenunciado, portanto, é regressivo e repressivo em direitos, liberdades e garantias constitucionais. Em 2017, é já possível vislumbrar a mitigação dos direitos fundamentais individuais e sociais, além da internacionalização das riquezas nacionais e a falência institucional da separação dos três poderes. Fato este retratado como Cesarismo de Estado.

Assim sendo, o referendo dado ao pior crime cometido contra a República, o impeachment sem objeto legal fez do Supremo Tribunal Federal (STF) o pior cenário para quem procura por direitos e justiça. Tanto é assim que, dias depois, o Legislativo legalizou as “pedaladas fiscais” porque o tomador do poder utilizar-se-ia delas.

Quando o senador Cristóvam Buarque admite que o motivo do Golpe de Estado legalizado fora, antecipadamente, a aprovação incondicional da PEC 241, comete e declara ser crime contra a democracia1. Se os três Poderes não estivessem alinhados na legalização dos diversos atos dos abusadores do direito contra a República, responderiam sob a Lei de Segurança Nacional que ainda está em vigor.

A conivência da Suprema Corte com o justiciamento político-partidário – salvo poucas exceções internas – faz com que se pense que “são seletivas tanto a amizade quanto a injustiça”. Nesse caso, todas as instâncias do Judiciário estão alinhadas, empenhadas, na remoção do “entulho democrático”: o direito de protesto está abolido2.

Quando o próprio Supremo exonera direitos fundamentais, resguardados em cláusulas pétreas, colabora ativamente na desconstrução da Constituição Federal de 1988. Agir ou permitir que se aja contra a Constituição, quando se deveria ser o bastião de sua defesa, mais do que comprova que se trata de Ditadura e que este processo político-jurídico é inconstitucional. Desse modo, na nova proposta de reforma encontram-se os benefícios retirados dos trabalhadores.

Nesta última de outubro [de 2016], a aposentadoria e o direito de greve de servidores públicos – estes mesmos, na base da pirâmide, esquecidos pelos burocratas que usufruem de todos os privilégios lá do alto – foram as mais recentes vítimas. A decisão vem após o anúncio de apoio à PEC 241 pela Presidente da Corte Min. Cármen Lúcia, a pior à frente do cargo que me lembro. Vem depois da intragável sessão que eliminou a presunção de inocência, inesquecível para quem cultiva o mínimo do mínimo de compromisso com a Constituição Federal3.

A regra de ouro transmitida por séculos pelo Direito Ocidental é que “não se faz justiça com menos direitos”. Mas essa conta não fechará enquanto houver a mordacidade da Ditadura Inconstitucional e só será paga historicamente. Isto é, quando seus perpetradores não mais estiverem aqui.

O legado inconstitucional, portanto, será pago pelo povo e recairá sobre os ombros de seus descendentes. Hoje, há total conivência com o assalto ao poder e com a desconstrução do Princípio Democrático na base da pirâmide legal.

Enfim, ainda se pode dizer que, sem democracia há ditadura e que esta é absurdamente inconstitucional quando viola frontalmente os postulados constitucionais essenciais. Mutações constitucionais desse porte só seriam legítimas em Assembleia Nacional Constituinte, como a de 1985, mas aí seria outra Constituição.

Do contrário, independentemente de rito qualificado (votação em maioria absoluta no Congresso Nacional), simplesmente ou exatamente, apenas desqualifica a CF/88. Torna-se mero ritual tipológico de um “novo” Estado de Exceção.

Trata-se de um legado jurídico para a remoção do poder legítimo no mundo ocidental. Sem recorrer às armas, vale-se da “força de lei” interposta contra a legitimidade construída sob os escombros da ditadura civil/militar de 1964.

Na tríade dos poderes antirrepublicanos, mas como retaguarda da Ditadura Inconstitucional, o Judiciário se porta como um tipo específico de abusador do direito Sem que haja necessidade de intervenção militar (militarismo), e mesmo que haja militarização institucional e policial, ainda não se vive sob o Bonapartismo (Marx, 1978): quarteladas, manu militari, Estado de Sítio.

A diferenciação entre fascismo e bonapartismo (cesarismo) deve ser pautada, mas em momento oportuno. Também vale lembrar que Caio Júlio César foi nomeado ditador da República romana, um instituto temporário definido em lei. A prorrogação do instituto por Cesar, concentrando poderes em torno de seus interesses, possivelmente teria dado origem à expressão “cesarista” e ao nome próprio Cesarino. E esse foi o motivo do seu assassinato: dificultar a volta do poder ao Senado.

Na ilegalidade dos abusadores do direito, talvez esteja nas entrelinhas de um cesarismo institucional – ou Cesarismo de Estado –, e não sob o controle de um condottiere. Uma modalidade de cesarismo regressivo e repressivo (Gramsci, 2000), capaz de articular os três poderes contra a República e a democracia.

Com isso também se metamorfoseia (assustadoramente) a necessária “judicialização da política” em Politização do Judiciário. Por fim, pode-se indicar liminarmente que a Politização do Judiciário perfila a natureza jurídica da Ditadura Inconstitucional.

A lei na Ditadura Inconstitucional

Se o positivismo clássico separa sujeito e objeto na investigação dos fatos, por sua vez, o Positivismo Jurídico não admite a aplicação do direito ao fato concreto que não tenha na lei o mote principal da ação judicial. Portanto, pode-se facilmente separar o direito da justiça – se esta não estiver estampada em lei.

Para a versão mais conservadora do Positivismo Jurídico, a Lei é a principal fonte do direito. Daí resulta que legalidade e legitimidade tenham a mesma natureza jurídica. Nesse sentido, a dinâmica do direito se reduz ao Estado – como instituição – ou ao “soberano da política”, na figura do condottiere.

Por isso, no Positivismo Jurídico tradicional o direito é sinônimo do Poder Político, assim como o Estado de Direito corresponde à vigência dos direitos individuais. Destarte, decorre a visibilidade, sobretudo para o homem médio em sua vida comum de que o direito protege o poder, pois, assim, resguarda a propriedade privada em detrimento dos direitos sociais, coletivos e difusos.

O problema surge no entrechoque desse direito patrimonial com o entreposto das demandas sociais e populares. A história da relação legitimidade/legalidade revela que – sob o Princípio do Processo Civilizatório – entre os séculos XIX e XXI, ultrapassaram-se os limites formais do Estado-juiz para vislumbrar condições mais propícias à Constituição Aberta: entropia mudancista nos níveis de interação social. Hoje, entretanto, há um refluxo político-jurídico crescente.

Também por tal razão os abusadores do direito confundem autonomia – do Poder Judiciário, por exemplo – com soberania (Poder Político), acostando-se como regime de castas (em que vigoram os privilégios e não o direito) e postulando por “mais poder” nos escaninhos e nos entremeios de exceção.

Como se sabe, autonomia sem auditoria se degenera em autocracia. Sem contar na lição mediana que uma instituição ou poder-parte da República Federativa não são soberanos. O resultado dessa confusão proposital – como ataque frontal à República – é uma interpretação constitucional excludente das demandas sociais e populares.

O desmanche das instituições republicanas, na base do Estado de Direito, atua como sobrecarga do direito patrimonialista – renascendo sob a forma de uma Constituição fechada para a agenda social/socialista e democrática.

No caso concreto, se a PEC 241 viola direitos fundamentais sociais – tutelados por cláusulas pétreas – é inconstitucional. E esse teria sido o objeto/trunfo da Ditadura Inconstitucional desde os primeiros passos do seu antidireito – seguindo-se a declaração do senador Cristóvam Buarque, adepto do Golpe de Estado de 2016.

Com a PEC 241, faz-se exemplar mutação constitucional regressiva, extirpando-se a obrigatoriedade da vigência dos direitos fundamentais sociais e, em seguida, aplica-se o Positivismo Jurídico para que se cumpra rigorosamente o que a “nova” Lei Constitucional vier a prescrever. Ou seja, anular a essencialidade social/socialista da Constituição Federal de 1988 (art. 170) sempre foi o motivo do motim antijurídico da tomada de poder em 2016. Além de se obter a retroação da Constituição Aberta (inclusiva) em cesarismo regressivo.

É por isso que a PEC 241 tem inegável “força de lei” protofascista – mitigadora do Princípio Democrático – tal qual Caio Júlio César manejava a “força da espada”.

Pragmatismo Jurídico na Ditadura Inconstitucional

Do ponto de vista da Hermenêutica Jurídica (interpretação do direito) adotada em 2016, especialmente pela operação denominada Lava Jato são vigentes dois binômios: Pragmatismo Jurídico e Análise Econômica. Ao que se acrescentaria, como efeito de manobra jurídica (inconstitucional), um Positivismo Jurídico nascente após a mutação constitucional que mitiga direitos fundamentais individuais e sociais.

Positivismo Jurídico, em suma, é a teoria jurídica que não admite aplicar o direito interpretando-o em desacordo com o texto legal. Em regra simples: direito = Estado. O que o Poder Político determina como legal é legítimo.

Por Pragmatismo Jurídico (em geral) se entende, brevemente, que o Judiciário busca resultados práticos e rápidos. O que chama a atenção, pela falta de lógica, é como se aplica o Judiciário nacional – em pragmatismo – em tamanha lerdeza. Como pode um pragmatismo (e que já não é o original: prestar-se à Justiça Social) sem resultados? A falta de celeridade é causa e imposição de injustiça.

Também está em curso a corrente denominada de Análise Econômica. Se tiver de escolher entre duas linhas ou situações, escolha a de maior ganho público: ou, simplesmente, abasteça-se o ente estatal controlado por corporativismos. Nesse caso, o assim denominado “ganho público” não corresponde à justiça distributiva: “a cada um o que é seu”, no princípio geral do direito, ou “a cada um de acordo com sua necessidade”, sob o olhar previdente da Justiça Social.

Portanto: 1) a negação da desaposentadoria pelo STF de forma inconstitucional de acordo com especialistas em direito previdenciário –, e 2) a reação corporativa da presidência do Supremo contra gravíssima violação de direitos básicos do Legislativo – por juiz de primeira instância – são apenas alguns exemplos da grade de proteção da seletividade investigativa adotada no país em 2016.

Assim como o aceno do STF de que a PEC 241 será declarada constitucional, ainda que fira de morte cláusula pétrea defensiva dos direitos fundamentais sociais. Esse seria, juridicamente falando, o Positivismo Jurídico sob a Ditadura Inconstitucional: muda-se a Constituição, de forma inconstitucional, anulando-se os predicados sociais fundamentais, para aí se seguir à risca a “nova” paginação constitucional regressiva em direitos.

Nesse imbróglio institucional não há por que se defender qualquer ato isolado ou específico de nenhuma autoridade constituída e atuante na tomada de poder, haja vista se estar sob o tacão do fascismo. Até prova em contrário, as varreduras em dependências ocupadas por senadores – atrás de escutas ilegais – são amparadas em portarias que regulamentam a Polícia Legislativa.

Até prova do diferente, o Judiciário não determina – salvo se é Estado de Excecão – colocar escutas em residências ou gabinetes. Ou será que escutas em ambientes podem ser içadas por drones, para que o Judiciário tenha uma panorâmica do cenário?

Tipologia das Ditaduras

Ao buscar micro referências, a tipologia sobre a ditadura não tem fim. Porém, podem-se destacar quatro formas básicas que teriam originado outras tantas modificações/adaptações ao longo da história política. Com a breve declinação do poder de autoritas, também se diferencia e se especifica a realidade nacional de 2016.

1. Roma antiga: para o dictator, havia expedição de poder suplementar por iniciativa do Senado Romano – com prazo específico para abdicação do posto de César – e com a finalidade específica de conter e solucionar graves problemas sociais, como uma guerra civil. Um caso clássico é o de Caio Júlio César.

2. Ditadura Absolutista Inconstitucional: por certo, é uma ditadura inconstitucional, pois o mandatário que (re)toma o poder, via de regra, assim o faz em total desconsideração aos mandamentos constitucionais. O poder ex parte principis é absoluto, incondicionado a qualquer preceito legal que não seja a vontade do soberano. Por isso, se a Constituição é uma “embalagem de lixo sem serventia”, sob a ação de notório(s) abusador(es) do poder e do direito, talvez o mais correto fosse denominá-la como ditadura absolutista inconstitucional, uma vez que o poder de exceção atua sem limites, assim como a soberania que não requisita superlativos. Exemplos: Idi Amin Dada (Uganda), Papa Doc e a milícia Tonton Macoute, no Haiti.

3. Ditadura Constitucional: o jurista alemão Carl Schmitt, na base do direito nazista, é enfático ao destacar que a própria Constituição contém regras de exceção que suspendem as normas vigentes. A previsão do Estado de Sítio – suspendendo direitos fundamentais – é um caso clássico. O que a diferencia do segundo caso e a aproxima do primeiro, aqui denominados, é a convenção acerca de um poder de exceção – com previsão legal –, de que deriva um mandato delegado e não outorgado, como no caso da ditadura absolutista inconstitucional. Portanto, traz elementos que a aproximam da tipologia romana e, um pouco, da nossa atualidade em 2016.

4. Ditadura Inconstitucional: trata-se do modelo típico de dominação racional–legal (Estado de Direito de Exceção), ocorrido em 2016, mas, diferencia-se do segundo tipo (Absolutismo Ilegal), porque não há desconsideração constitucional absoluta. Não há mutação constitucional que não passe pelo legislativo, bem como há interpretações judiciais da Carta Magna que permitem – sem (re)fundar uma Hermenêutica Constitucional, por completo – violar frontalmente direitos fundamentais. Além disso, há manipulação da CF/88, como na própria sentença do Impeachment, que produz o antidireito; como ideologia jurídica constitucional (a Treva Branca) produz um embate direto à Constituição. O papel do Judiciário e das polícias (como reserva das forças armadas) é essencial. Não se recorre ao manu militari porque as polícias cumprem sua missão constitucional, e os tribunais que validam violações de direitos fundamentais são, concretamente, Tribunais de Exceção. Por fim, interpretações inconstitucionais da CF/88 permitem que “certos” princípios sejam vergados contra a própria Constituição.

No pós-golpe de 2016, não se verifica uma ditadura jurídica – ainda que o Judiciário “surfe na onda” – porque o direito está a serviço dos Grupos Hegemônicos de Poder e, nesse caso, o mesmo Judiciário contemplado com privilégios é revolvido por ondas maiores. Em relação ao 2º tipo, ditadura absolutista inconstitucional, a diferença é que no caso de 2016 há autonomia do poder (Treva Branca: conformismo, alienação, cooptação) e, na outra espécie, há a total submissão do Legislativo e do Judiciário ao ditador mandatário.

Também não se equivale em “força de lei de exceção” à ditadura absolutista inconstitucional porque há uma miragem, miríade de constitucionalidade. E se não faz uso – ao menos por hora – dos meios de exceção já previstos (art. 137 da CF/88) é porque o manu militari não é pleno – efusivo – e, assim, tem-se discrepância, mas não indiferença plena do Direito Constitucional.

Em outra comparação ao segundo tipo, é possível alegar que todo fascismo é ditatorial, mas nem toda ditadura é anti-iluminista. Por exemplo, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), no poder há mais de 70 anos no México, socorre-se de implementos antijurídicos para adensar seu poder, mas não é exatamente contra o ensino da Teoria da Evolução. Dessa maneira, o PRI age para moldar a Constituição Mexicana “à sua cara”, no entanto, sem recorrer a graves mutações constitucionais. Assim, antecipa-se para novas estratégias e, de certa forma, pode indicar a premissa do que se presenciou em 2016.

Comparativamente à ditadura absolutista inconstitucional, a “nossa” Ditadura Inconstitucional pode ser definida como moderada, mas a moderação se refere à forma e não ao conteúdo: mantém-se certa sutileza no abuso do direito e as forças de repressão seguem o ordenamento sob o “estrito cumprimento do dever legal”; ainda que se invadam escolas públicas com fuzis em mãos, ou que juízes decretem (sentenciem) a prática da tortura para secundaristas amotinados. Há um espectro de legalização do poder controlativo das adversidades políticas. Aplica-se, juridicamente, a regra política do amigo x inimigo.

Então, o eixo da tipologia está em produzir concepções de antidireito a partir da visão oportunista da CF/88, que legalizam a violação de direitos fundamentais e dessacralizam a própria CF/88. Nesse curso, duas súmulas vinculantes à exceção se notabilizam diariamente: autonomia sem auditoria é autocracia; autoridade sem alteridade é atrocidade. De modo que sua natureza jurídica corresponde ao Oportunismo Jurídico: “os fins justificam os meios”.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE OS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE PRATICADOS PELA DITADURA INCONSTITUCIONAL

Considerando que há perda de massa crítica no processo civilizatório global,

Considerando os tempos de graves ameaças ao padrão civilizatório nacional demarcado a partir da Assembleia Nacional Constituinte/1985 e reafirmado com a CF/88,

Considerando que este longo processo histórico tem uma data precisa de imersão na vida política – 1º de Abril de 1964 –, sob todas as formas de resistência ao golpe militar,

Considerando que a classe trabalhadora já se organizava no início do século XX, a fim de reivindicar direitos fundamentais societais,

Considerando que desde os imemoriáveis tempos de Zumbi dos Palmares – e antes dele – já se reconhecia forte resistência a todas as formas de opressão neste país,

Considerando o atual estágio de profunda instabilidade – em que o processo de impeachment da Presidência da República é apenas um apanágio – cabe ressaltar que, o Congresso Nacional não tem legitimidade para desmantelar o corpus político-jurídico em que se assentou o Estado Democrático de Direito,

Considerando que se pode revogar o instituto da Presidência da República, mas em hipótese alguma os postulados da República,

Considerando que a população leiga – e mesmo os doutores em direito – parece distante desses fatos, adormecida pelo esquecimento da grande mídia,

Considerando que este é o verdadeiro golpe, acachapante, que se perpetra sobre o povo e a Nação – com claro desmantelamento da camada constitucional protetiva da própria noção de civilidade/dignidade construída a duras penas,

Considerando que – faça-se o que se fizer – mudanças estruturais da Constituição Democrática que mitiguem e/ou aniquilem direitos fundamentais é crime atentatório à democracia e ao Estado de Direito (art. 5º, XLIV da CF/88),

Considerando que não há poder (majestas), superveniente, que seja superior ao Poder Constituinte Originário,

Considerando que as cláusulas pétreas são um lembrete explícito e definitivo do “Espírito das Leis” – Preâmbulo da Constituição – que motivou o Estado Democrático de Direito,

Considerando que a Carta Política de 1988 estabeleceu uma Constituição Programática – com evidente e inquestionável fluxo político, institucional e jurídico de efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais,

Considerando que a soberania popular (potestas in populo) está acima de quaisquer Grupos Hegemônicos de Poder e é, portanto, por sua previsão nomológica4, uma negativa absoluta aos golpes institucionais – neste caso do Poder Legislativo,

Considerando que todas as ações do Congresso Nacional violadoras das conquistas populares e trabalhistas devem ser enfrentadas no campo da luta política pelo direito – a outra roupagem ou nomenclatura da luta de classes que fundamenta o sistema de produção capitalista,

Considerando que as supra citadas ações “reformistas”, na verdade aniquiladoras dos direitos fundamentais – sobretudo, com previsão de foro de urgência/urgentíssima na pauta do Congresso Nacional –, violam o (con)sagrado Princípio Democrático,

Considerando que o Princípio Democrático, baluarte do processo civilizatório que se insculpe desde o fim da Segunda Grande Guerra, está demarcado nos principais Estatutos Internacionais de proteção aos Direitos Humanos Fundamentais,

Considerando que o fascismo revigorado pelo manejo do cutelo do cesarismo5 legislativo e no bonapartismo institucional6, e que por hora se movimenta nos “Tempos Sombrios” do Estado de Exceção,

Considera-se que todos os presentes e futuros atos “revisionistas” do Congresso Nacional, notadamente os que ofendam o Estado Laico e os Direitos Humanos Fundamentais, constituem-se em Crime contra a Humanidade.


DITADURA INCONSTITUCIONAL

UM CONCEITO ABERTO

Da tipologia clássica do Estado de Exceção

Da forma-Estado e fases do Estado de Exceção no Brasil em 2016

Eu não troco a justiça pela soberba.

Eu não deixo o direito pela força

Rui Barbosa

Tens força, tens, pois o direito

De quem meu bom direito exijo?

Mefistófeles – n’O Fausto

Espreita-se daqui da Justiça a horrível arte

Lá o não é sim quando o dinheiro dita

Dante Aliguieri

Há algo de podre no reino da Dinamarca

Hamlet - Shakespeare

Soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção Permanente

Carl Schmitt

A politirania produz a regra da exceção em massa

Aristóteles

O Estado Democrático de Direito (Silva, 2003) é regido pelo Princípio Democrático (Canotilho, s/d) – e se pauta pela Justiça Social. Se isto se dá, de fato, é de se reputar que sob a democracia não vigoram os arcana imperii ex parte principis (Bobbio, 2014). Qual seja, ainda que sob o impacto do Poder Extroverso (Sundfeld, 2002), o Poder Público se verga ao Estado de Direito (Malberg, 2001) e não pode fazer de sua rotina administrativa – salvo segredo de justiça – o escopo do segredo de Estado.

Do tema e do objetivo geral

O objetivo geral do relatório é conceituar o termo Ditadura Inconstitucional à realidade nacional firmada a partir de 2016. Entenda-se, neste momento, por Ditadura Inconstitucional uma fase pós-moderna de exercício do poder institucional inerente ao clássico Estado de Exceção. Todavia, trata-se de uma forma-Estado muito mais ideológica e legalista do que outrora, quando se baseava o poder de intimidação/opressão nas estruturas de autoritas. Golpe de Estado convencional, ditadura civil ou militar, despotismo, quartelada, são exemplos tradicionais de exceptio. A decretação do instituto denominado Estado de Emergência (França, Turquia) ou a Lei Antiterror nacional, combinando o passado e o presente, são exemplos bastante atuais do poder ex parte principis. No Brasil, a peculiar ditadura, por sua vez, faz uso de uma verdadeira exegese de exceção – do direito positivado, de seus tribunais e juízes – para solapar a Constituição Federal de 1988. Além, obviamente, de acomodar os reais Grupos Hegemônicos de Poder com a “ruptura institucional” (ou Golpe de Estado), ainda assiste placidamente ao desmonte dos direitos fundamentais individuais e sociais ou corrobora com o fim do Estado Laico. Ocorre que esse fenômeno político-jurídico é relativamente incomum, de certa forma uma modalidade em experimento, como uma variante do clássico Estado de Exceção – que se engendrou no pós-Revolução Francesa – e que recebeu aportes contemporâneos do Estado de Emergência. Além dos clássicos fenômenos do bonapartismo, do cesarismo e da convencional ditadura civil e militar, a Ditadura Inconstitucional apresenta-se sui generis: considerando-se que a Constituição Federal de 1988 esteja em vigor, qualquer atentado aos direitos fundamentais individuais e sociais, bem como práticas político-jurídicas antipopulares, antidemocráticas, antirrepublicanas, constituem-se num amplo “conjunto da obra” autocrático, ditatorial e inconstitucional. Simplesmente porque viola frontalmente o Princípio Democrático albergado na CF/88. Por sua vez, é um constructo que também engendra uma perspicaz legalidade de exceção que se volta diretamente contra o Princípio Democrático. Sem que se admita uma “ruptura institucional” (Golpe de Estado), uma verdadeira exegese do ordenamento jurídico é direcionada contra a Constituição Federal de 1988. Muitos exemplos e argumentos podem ressurgir, em momentos diversos do texto, ora como recurso de linguagem, ora a fim de que o conceito seja mais bem apreendido a partir do realismo político instaurador da exceção.

Do objeto: O Estado Moderno nasceu emparelhado ao capitalismo na Europa Ocidental, no passar da Idade Média para as luzes, e somente no século XIX se conheceu o Estado de Direito. Hoje, como efeito residual, é preciso uma Sociologia Político-Jurídica para analisar as formas de exceção que socorrem ao capital – sobretudo, para desvendar o obscurantismo fascista do real e muito bem narrado por Camus (2002) em obra específica, mas que está presente em toda sua construção literária e que se derrama no realismo político que margeia a vida comum do homem médio no século XXI.

Da justificativa e esclarecimento inicial

O Poder Político não é O Estado como entidade única, supra-histórica, como se todos os Estados representassem ou contivessem a mesma estrutura ou condição político-institucional e sem diferenças reais: manu militari X Estado Social; Welfare State e fascismo, por exemplo. Da Grécia clássica, em que se valorizavam os cidadãos ativos e dignos da Polis (por excelência, o espaço público da cidadania ativa) –, passando pela Roma antiga que se batia pela construção e efetivação de instituições públicas (a começar do Direito) –, até a modernidade criadora do Estado de Exceção, em espécie, muitas são as diferenças de fundo e de substância. Assim como o Estado de Exceção não se resume a uma única forma de opressão e subtração da vida política. O mundo como um todo – e as pessoas na esteira de rolagem – é movido por um tipo especial de Estado de Direito, em que os direitos fundamentais individuais e sociais são negados. O Poder Político garante a liberdade e a democracia formal, aplica-se o direito sob os auspícios do Princípio da Legalidade – em alguns casos, inclusive, há legitimidade alicerçada no clamor público: populismo jurídico. No entanto, a Justiça é subtraída e vilipendiada por ações públicas e privadas denominadas “excepcionais”. São permitidas exceções, exatamente, para que a normalidade jurídica nunca se descole do status quo político e econômico. Ressalta-se também que toda ditadura moderna tem traços fascistas, mas o Estado Fascista é produto do século XX – ao passo que a ditadura é um expediente milenar. A este conjunto de uso/abusivo da coerção (direta e indireta, física e moral) e do direito (e da cultura) é o que se denomina de Estado de Exceção: o substrato da Ditadura Inconstitucional. Para tanto, duas questões devem servir de base, inicialmente:

  • Há o fim do sublime Político?

  • Ou o início de uma “nova” era da sublimação da política?

Para dar prosseguimento à introdução temática que se verá em todo o trabalho, é oportuno fixar alguns conceitos iniciais.

Cultura da torpeza

Na cultura da torpeza o povo se encanta, revive, tem espasmos e gozos em vida com a Síndrome de Estocolmo: adora, venera os violentadores dos seus direitos, de sua consciência e dignidade. Pelo prazer mórbido de ver o desafeto da aristocracia sucumbir, o povo tem o imenso prazer de comemorar golpes baixos na democracia. Por isso, os anões do poder se agigantam e exibem sua Branca de Neve: bela, recatada e dólar. É a Síndrome de Estocolmo, a paixão pelo absurdo, o amor pelo nojento, a identidade perfeita - em idolatria - com a putrefação da política. Nessa síndrome da torpeza, o objeto da vida é tudo que for abjeto. Nossa realidade prosaica escapa a qualquer mito dignificante que não espelhe Macunaíma.

Vida comum do homem médio

O homem médio em sua vida comum é aquele a que se aplicam as regras sociais e as normas jurídicas – diferentemente do magistrado que, por definição, não é mediano na compreensão do medium-direito. Como intérprete privilegiado do ordenamento jurídico, impõe-se o dever da correição – da livre convicção – diante dos fatos. Por sua vez, em sua vida comum, o homem médio ora é dotado de bom senso, ora age por impulso e é dirigido pelo senso comum. Espera-se, evidentemente, que o homem médio em sua vida comum seja fiel depositário da normatividade/racionaidade do direito vigente. Tanto que a ninguém é assegurado o direito de alegar desconhecimento da lei. Contudo, nem sempre o bom senso é acionado no cotidiano das relações conflituosas e, em parte, isso se deve à má formação da consciência jurídica, à manipulação da mídia, ao sôfrego estado do Político, ao embaralhamento natural (ou provocado) de sua condição de classe (lumpen, classe média) e à pessima educação oficial ofertada aos mais pobres, sobretudo, negros das periferias urbanas. Mais ainda: politicamente, naturaliza-se a lógica de que "os fins justificam os meios7". Mais exatamente porque se trata com inimigos públicos e não adversários políticos. Esse é o efeito mais perverso da naturalização do Estado de Emergência, sobretudo, na vida comum do homem médio. Sob a Ditadura Inconstitucional, se é tornado, compulsoriamente, fascista porque poucos não aderem à ideia de limpeza, higiene pública. Em troca, abre-se mão dos direitos sociais e trabalhistas, da laicidade estatal, da liberdade e das garantias fundamentais. Afinal, para o senso comum – sempre tendente à simplificação fascista – trata-se de evitar o mal maior. Ao inimigo político declarado não vale o direito de presunção de inocência e de ampla defesa. O caos social, como se fora uma situação de guerra, serve como justificativa à suspensão dos direitos fundamentais. O que não se revela, obviamente, é que isso assim se dá em benefício exclusivamente do capital e dos Grupos Hegemônicos de Poder. Esse formato de "emergência social" é a mais recente forma-ideológica de mobilizar, manipular o povo. O sentido de ilegalidade nunca existe; pois, o povo anseia e presta seu reconhecimento às mutações/manipulações constitucionais, com inequívoca adesão cultural. Desse modo, equivale-se o senso comum à vida pública e privada medianamente. Não só para as autoridades e políticos profissionais, mas especialmente para o homem médio em sua vida comum, haja vista que público e privado não existem mais. O povo justiceiro ataca mulheres e idosos com roupa vermelha, a polícia dizima negros pobres. Tudo é permitido na lei da selva. Em razão da urgência da limpeza ética, índios perdem suas terras. Como o povo está sedento, oferece-se a vingança privada. Isso é tão natural quanto lutar por um copo de água no deserto. Ao mais forte, a vida. E assim se reduz a Razão de Estado a um tipo perverso de legítima defesa da ordem pública, como se lutassem pela sobrevivência após um terremoto. Portanto, ao terremoto monstruoso, aplique-se o Leviatã (Hobbes). Ou seja, naturalizam-se regras jurídicas de pura força, com repúdio popular a todo direito que possa atrasar a justiça prometida pelos nobres da reconstrução social. Inimigos escolhidos ou fabricados ameaçam a integridade; por causa disso, o povo reage como bando. A natural necessidade de sobrevivência, a começar pela solução das necessidades básicas como a segurança, é absorvida e se converte em chamamento político dos justos contra os infiéis.

Cesarismo

Atribui-se ao pensador e dirigente do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci (2000), a formulação do conceito de cesarismo. Brevemente, trata-se de recuperar métodos de ação política intentados por Caio Júlio César ora para se defender de tentativas de golpe, ora para promover contragolpes contra seus detratores. Diga-se, em suma, que os meios de ação política eram equivalentes à logística de guerra civil: distribuindo ou recolhendo o poder em proveito próprio e/ou de seus correligionários. O direito, cá como lá, era mero subterfúgio para se enveredar na conquista ou na manutenção do poder. De certo modo, o conceito de Gramsci guarda semelhanças com as lições de Maquiavel, em O Príncipe (1979).

Bonapartismo

A expressão bonapartismo é atribuída ao pensador alemão Karl Marx (1978). O livro 18 de Brumário recorta o momento em que Luís Bonaparte se utiliza de estratagemas do Estado de Sítio – assim como do aporte de forças mercenárias francesas e de forças regulares internacionais para aniquilar os revoltosos de 1848. Com esse conjunto de mecanismos interpostos contra os interesses populares e das classes trabalhadoras, Luís Bonaparte entronizou-se como o Imperador Napoleão III; fato que o mantinha na esteira de Napoleão Bonaparte (2010). Nesse caso, o direito à revolução contra atos despóticos fora subtraído, exatamente, pelo déspota em plena ação de conquista sanguinária de poder.

Em que pé se encontra a sociedade?

A sociedade encontra-se na Guerra de Quarta Geração?8 Mergulhados nesse contexto, com o fascismo imperante no cotidiano, o inimigo é o povo: o cidadão, o trabalhador, os despossuídos, os inimpregáveis, os desajustados do sistema global, os excluídos dos direitos fundamentais. Esse é também o pano de fundo do golpe que se colocou na sala de estar, onde repousa o “cidadão do sofá” e onde bem se acomodaram César, Napoleão e Luís Bonaparte. Pela turnê denegatória dos direitos fundamentais que se inicia, caminha-se em largas passadas para um sistema/regime de poder totalitário; com penalização hedionda do Político e que se traveste de Ditadura Inconstitucional, ao invés de aprimorar os canais de expressão do Político. A par disso, nos últimos 50 anos, com emprego maior (liberalismo) ou menor (democracia representativa) de meios de exceção, o capital tem afirmado grupos políticos, religiosos, jurídicos, econômicos e culturais na preservação de seus interesses.

Grupos Hegemônicos de Poder

Grupos Hegemônicos de Poder constituem uma nomenclatura alternativa para designar as classes fundamentais na sociedade capitalista (burguesia e proletariado), as frações da classe dominante – financistas, empresariado, industriais, grandes atacadistas, agronegócio, banqueiros – e os setores, segmentos, estratos ou castas sociais que lhe dão suporte institucional, técnico, jurídico e político. No sentido específico aplicado ao instrumental ofertado pelo Poder Judiciário, ressalve-se que as prerrogativas constitucionais – metamorfoseadas como privilégios funcionais e pessoais – retratam uma atuação própria de regime de castas9. Ainda estão contidos os grupos, as entidades e as instituições mais subservientes do sistema político: sindicatos patronais, grupos de pressão e entidades classistas representativas do grande capital (Febraban, FIESP, CIESP, OAB). Esse apoio sistêmico/sistemático será somado aos setores, às agências e instituições públicas ou estatais, da Administração Pública Direta ou Indireta afeitas ao capital: Banco Central, BNDES, CADE, Ministérios, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal. Formando-se um arco de alianças em amplos segmentos dos poderes constituídos, o Judiciário atua como uma casta quer seja na defesa do capital – descumprindo o ordenamento de que a propriedade privada obedece a uma função social – quer seja para garantir seus privilégios e benesses: como ter um contracheque quatro vezes superior ao limite constitucional – além de atuar, judicialmente, contra a liberdade de informação. Ao que ainda se somam os gestores públicos de segundo e terceiro escalão que se postam a serviço dos interesses e dos poderes representativos do capital hegemônico e de seus aliados: o corpo técnico administrativo, burocratas e demais serventuários públicos que sirvam aos Grupos Hegemônicos de Poder.

O poder hegemônico globalizado, atualmente, responde ao e pelo capital financeiro, ou seja, bancos, financeiras e demais agências de financiamento do capital. Desse modo, os Grupos Hegemônicos de Poder respondem, em maior ou menor grau, aos interesses do capital financeiro. Em momentos mais agudos da luta de classes – no movimento contrário à classe trabalhadora – os Grupos Hegemônicos de Poder podem intensificar suas investidas com a compra pecuniária ou ideológica da classe média (fascisticizada) e o lumpemproletariado. A classe média, manipulada pela grande mídia, na condição de pequena burguesia (fração de classe), pode e deve atuar como meio social de reverberação “intelectual” dos ideários propostos pelos grupos dominantes. Com uma economia crescente, inflacionando o poder aquisitivo e o consumismo, a classe mediana tende ao liberalismo; com depressão econômica, os desejos mais medíocres insuflam o uso extensivo dos meios de exceção. O lumpen é a fração de classe do proletariado excluída da funcionalidade sistêmica do modo de produção (os inimpregáveis). Deserdados do trabalho formal – e praticamente do informal também – são despejados socialmente para viver no submundo e, por isso, não é de se estranhar sua proximidade com o crime organizado. O lumpen não é uma força desprezível, uma vez que são acionados – comprados com migalhas ou promessas vazias – para promover o caos; como filhos do caos, sua resposta é natural e imediata. Historicamente, o lumpemproletariado – instituindo uma grande fração de classe de inimpregáveis (ou Intocáveis, como na Índia) – serve aos grupos hegemônicos como exército social de reserva, promovendo o caos social e legitimando a opressão posterior.

Bem como os Grupos Hegemônicos de Poder podem requisitar, a peso de soldo redobrado, as tendências e os segmentos retrógrados das forças armadas – a quem se submetem por dever hierárquico as forças policiais dos Estados-membros; sobretudo, a Polícia Militar. Não é segredo que sempre existiu um Estado de Exceção nas periferias sociais onde o capital e o Poder Político não chegam. As igrejas de um modo geral, mas especialmente os setores reacionários da Igreja Católica – a Opus Dei é uma mera expressão no conjunto todo – e a Bancada Evangélica são expoentes diferenciados no apoio direto aos grupos dominantes. Com fortíssima atuação no Congresso Nacional, desconstruindo o Estado Laico e removendo direitos fundamentais individuais e sociais, principalmente os direitos trabalhistas, a chamada Bancada BBB (boi, bala, bíblia + bancos) já apresentou 55 PECs (Propostas de Emenda à Constituição) a fim de legalizar, naturalizar o Estado de Emergência1 – sendo essa figura jurídica a maior desconstrução já vista da CF/88. O Ministério Público – com destaque ao Ministério Público Federal – será outro baluarte na defesa do capital e dos Grupos Hegemônicos de Poder. Bem distante de sua funcionalidade de “defensor da sociedade”, será outra ponta de lança na promoção gradual e segura de fixação de um Estado de Emergência. Por força da nomologia de exceção, quer-se instituir o controle epistemológico do conhecimento1.

Quanto aos partidos políticos tradicionais há uma diferença a ser notada; pois, mesmo dentre os tradicionais há os que servem de roldana ao poder estabelecido, emprestando-lhe votos e massa de manobra, e os partidos tradicionais que se posicionam efetivamente de forma hegemônica. São aqui retratados como Grupos de Poder Hegemônico. Pois bem, não há apenas diferença semântica quando se emprega os dois termos: Grupos Hegemônicos de Poder e Grupos de Poder Hegemônico, pois neste último sentido, pode-se averiguar a presença e a atuação de um determinado agrupamento, partido, facção ou conjuração político-partidária que se imiscui e permanece no controle do poder estabelecido; muitas vezes como as antigas “iminências pardas” ou lideranças político-partidárias que ultrapassam quatro décadas de hegemonia. Os exemplos sistêmicos são inúmeros, a contar do PRI (Partido Revolucionário Institucional), presente na coordenação político-institucional do México por quase um século, e o PMDB – supostamente herdeiro do MDB, e de resistência permitida no período militar pós-64 – no Brasil. No caso nacional, ainda há que se reportar ao poder local e estadual, em que siglas partidárias e indivíduos confundem-se à história política sob a proteção de uma “blindagem” do Judiciário. Esses dados não são ofensivos ou caluniadores; ao contrário, para um leitor mediano da história política, são dados concretos e verificáveis a olho nu. O objetivo maior da definição, portanto, é o estímulo a se encontrar um posicionamento libertário na luta política pelo direito e que é, como dado inescusável da ontologia política, parte da luta de classes. De modo que essa luta pelo direito, que é uma luta política (partidária), é a essência da luta de classes. No caso específico da Ditadura Inconstitucional, a luta pelo Estado de Direito implica na preservação da democracia e dos direitos fundamentais.

O Estado de Direito perdido na ditadura legal 10

O Estado de Direito se construiu e se constrói na luta pelo direito, que é uma luta política inerente à luta de classes. A luta pelo direito é como a luta pela vida e, por isso, há uma intensa dor de parto (com simbolismos, mas também diante do “realismo político”).

A ideia de que a formação do direito segue um processo indolor e espontâneo, independente de qualquer esforço, tal qual o crescimento de uma planta, tem feição nitidamente romântica, já que repousa sobre uma falsa idealização de situações passadas; a realidade nua e crua revela um quadro bem diferente [...] E segundo essas informações, o nascimento do direito, tal qual o do homem, é invariavelmente acompanhado das dores violentas do parto (Ihering, 2002, pp. 33-34).

Além de medir esforços, compor e ajustar meios e fins, a luta pelo “bom direito” (hoje equivaleria à Justiça Social) define sua personalidade jurídica. É certo que a luta pelo reconhecimento nunca deixa de ser uma luta por conservação (Honneth, 2003), mas, agora, supõe-se a conservação dos demais, senão de todos, pelo novo direito que se apregoa. É, sem dúvida, uma luta pela “autoconservação moral”:

Portanto, a defesa do direito é um dever de autoconservação moral: o abandono total do direito, hoje impossível, mas que já foi admitido, representa o suicídio moral. E o direito nada mais é do que a soma dos seus intuitos. Cada um desses tem um pensamento peculiar, físico ou moral, que condiciona sua existência (Ihering, 2002, p. 41 – grifo nosso).

Em algum ponto da história ou da convergência entre anseios “mais populares” e “meios para sua realização”, a luta pelo direito se converteu em luta pelo Estado de Direito, fase em que o direito passou a regular/limitar a ação dos poderes estatais. O Estado de Direito impõe e se impõe por meio da Ratio legis (“em razão da lei”), como descreve Canotilho (1999) resgatando a tradição alemã de Von Mohl.

A expressão Estado de direito é considerada uma fórmula alemã (Rechtsstaat) [...] O Estado domesticado pelo direito é um Estado juridicamente vinculado em nome da autonomia individual ou, se se preferir, em nome da autodeterminação da pessoa [...] Contra a ideia de um Estado de polícia que tudo regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade dos súditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado de limites, restringindo a sua ação à defesa da ordem e segurança públicas. Por sua vez, os direitos fundamentais liberais – a liberdade e a propriedade – decorriam do respeito de uma esfera de liberdade individual e não de uma declaração de limites fixada pela vontade política da nação (Canotilho, 1999, p. 27).

Aqui a cultura e a política tornam-se reais instituições políticas, mas essencialmente públicas, no sentido de que passa a haver um controle político-institucional dos aparelhos ideológicos e repressores do Estado. Na modernidade clássica, do Estado Moderno até fins do Estado Social nas décadas de 60-70, o Estado de Direito transbordou de valores. Como diz o jurista espanhol Pablo Lucas Verdú (2007)11, trata-se da luta pelo “direito justo” e por causa disso é preciso abrir caminho à força: o fórceps da história é a luta pelo reconhecimento e autolegitimação. Entretanto, também é uma espécie de “lei da vida social” e isso coincide com a “luta pelo Estado de Direito”.

Os pontos de contato da luta pelo Estado de Direito com a democracia se baseiam na ideia de que o Estado e o Direito estão sempre a depender da sua conformidade com a vontade popular, conclusão que converte essa luta constante em um importante alicerce da soberania popular [...] Submeter o poder político ao Direito12 não era mais suficiente; tornava-se necessário assegurar a compatibilidade desse Direito com os critérios jurídico-convivenciais lançados pela vontade popular (Agassiz, 2007, p. XII).

Verdú é o autor da concepção e das teses que deram origem e substância jurídico-histórica à expressão Estado de Direito Democrático (Portugal) ou, no caso espanhol, Estado Social e Democrático de Direito 13. No Brasil, como é sabido, a CF/88 adotou o termo/conceito Estado Democrático de Direito. Como Estado Democrático de Direito, procura uma forma mais legítima de afirmação, ou seja, por meio da Ratio essendi (em “razão de ser”). Neste trabalho empregar-se-á a expressão Estado Democrático de Direito Social, com evidente destaque à afirmação dos direitos sociais, em que se projetam como preceitos do Estado e da sociedade almejando mais equilíbrio e Justiça Social. Nesse caso, o direito à saúde e à educação devem ser considerados cláusulas pétreas, como condicionantes do Estado e como princípio da salus pública, como salvaguarda social. Em suma, é também uma “luta pela cultura do reconhecimento”, para depois atuar como luta pelo “reconhecimento do direito” (acima e além do Estado) e, por fim, como “luta pela Justiça”. Mas ainda se trata de luta pelo reconhecimento (agora da Justiça), “submetendo-se o sistema ao mundo da vida”, o direito à própria Justiça. Com isso, a defesa da soberania popular (se entendida como “ação política sobre o Estado”) se congrega ao mundo da vida e ao próprio Estado de Direito. Só desse modo podemos entender como é que o Estado Democrático de Direito Social poderia ser um caminho célere e honesto, em busca da referenciada Justiça Social. Desde Pablo Verdú (a primeira monografia, Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito, data de 1955) e Elías Díaz (com seu livro Estado de Derecho y sociedad democrática, de 1966), o moderno conceito de Estado Democrático de Direito atrelou-se conceitualmente ao socialismo e à Justiça Social. Essa ligação é tão forte que também foi chamada de Estado de Justiça.

Socialismo e democracia coincidem em nosso tempo e institucionalizam-se conjuntamente com a proposta do chamado Estado democrático de Direito: o socialismo como resultado da superação do neocapitalismo próprio do Estado social de Direito [...] Isto significa que o velho Estado de Direito, sem deixar de seguir sendo-o, terá que se constituir em Estado de justiça [...] Estado de Justiça tem, sem dúvida, um sentido muito mais abstrato. Ambos os termos só podem considerar-se intercambiáveis se os entendemos no sentido de que o Estado democrático de Direito é hoje o Estado de Justiça, quer dizer, o Estado que aparece atualmente como legítimo, como justo, em função precisamente de alguns determinados valores históricos que são a democracia, o socialismo, a liberdade e a paz (Díaz, 1998, pp. 133-134 – tradução livre).

Portanto, não é difícil ver que a “luta pelo reconhecimento do direito” é uma luta ferrenha, não pacífica, como supõe o senso comum. Pertence à ordem das “lutas por autoconservação” de interesses, de pressupostos, de motivações de classes, grupos, camadas, setores, partidos, castas ou estamentos e indivíduos. O reconhecimento do novo implica na superação do antigo; a afirmação do novo implica na negação ao direito de conservação do antigo. Desse modo, mais corretamente, “a luta pelo reconhecimento é uma luta por conservação intersubjetiva”. Porém, se o “direito novo” nasce por oposição ao antigo, ao chamado “direito posto”, então, ironicamente, o novo direito surge e se impõe no uso que faz do outro. Todavia, apropria-se e remodela o direito posto, não só antigo como secularmente tradicional no debate político-jurídico: provém o direito de resistência[14]. Pode-se dizer que a resistência é um preparativo do direito à sedição e, posteriormente, da própria ação revolucionária, radical e “sediciosa” que, via de regra, acaba por se seguir. Pode-se pensar a resistência como direito ou como ação política que procura recuperar a liberdade (como ratio: “o pensar só pode ser livre”). Assim sendo, trata-se de uma luta interna e externa ao direito.

O Direito a ter direitos na era da horizontalidade democrática

O Direito a ter direitos se confunde com a própria história da primeira, segunda, terceira e quarta geração dos direitos humanos. De modo sucinto, pode-se dizer que o Direito a ter direitos vem em luta acesa pela restrição aos poderes absolutistas do Estado (Magna Carta, do Rei João Sem Terra) e pela liberdade, ao menos desde o Habeas Corpus no século XVII; tal qual se notabilizou a luta social pela igualdade nas pós-revoluções americana e francesa. Mais recentemente, no curso da Revolução Russa e demais insurreições sociais, o Direito a ter direitos vem se afirmando como direito à solidariedade e maior integração social: além da preservação da liberdade e da igualdade já configuradas. Desse modo, entre os séculos XX e XXI expandiu-se o lastro de uma consciência plurinacional e pluridimensional em prol do meio ambiente, da inclusão dos desassistidos e em defesa da Justiça Social e de uma especificidade do Estado de Direito Solidário (art. 3º da CR/88). O Direito a ter direitos, portanto, não é um conceito, mas uma experiência teleológica da consciência moral-jurídica que constitui as bases do processo civilizatório, na perspectiva e na propulsão da presença de direitos.

O papel do direito na vida social é insofismável (mundo-direito); pois praticamente não há esfera da vida social que não conheça da norma jurídica. Se, por um lado, cresce o controle social, por outro, a presença (ou ausência reticente) do direito acirra a consciência histórico-jurídica. À diferença do passado, a luta pelo reconhecimento do direito não é mais inerente a este ou aquele grupo, movimento ou classe social; mas sim prerrogativa de uma multidão indeterminada de sujeitos de direitos. A ideia-força do Direito a ter direitos é, atualmente, uma realidade global também por se ajustar à era do capitalismo globalizado. O direito a ter direitos é um pensamento/ação em conformidade com a relação espaço/tempo; daí, novamente, o caráter histórico do direito. Tal direito também sinaliza para a história como “invenção do futuro jurídico”, pois o fim que se conhece não é o da história, mas sim, de uma visão excludente da própria história. Em outro sentido, o fim da história proposto é aquele de um fim imposto. No século XXI, o direito a ter direitos atua como força centrífuga que se espraia e irradia a democracia horizontal. Esta forma de política, democracia horizontal, em consonância com a consciência do agir político próprio à luta pelo reconhecimento do direito, ratifica o Poder Social como alteridade e sem que se tenha verificado uma autoridade constituída.

A democracia horizontal é uma forma política de questionamento e de enfrentamento das estruturas hierárquicas rígidas (estáticas), em que se sobressai a presença da autoridade sem alteridade. Assim, a democracia horizontal se notabiliza pela presença do Poder Democrático: autoridade + alteridade. Diante da sociabilidade horizontalizada, a potencialidade da Multidão se converte na possibilidade real de se insurgir como novo coletivo de sujeitos de direitos atuantes e envolventes em suas requisições, posto que as ações políticas são baseadas na legitimidade democrática e subversiva da heteronomia própria à centralização do poder (Razão de Estado). Porém, se ao contrário do senso mediano, nem mesmo o direito de protestar é assegurado – pelo contrário, aprova-se medida judicial para que não se denuncie o Golpe de Estado – é óbvio que o contexto trazido em 2016 é de atuante regime ditatorial[15].

Para uma sociologia política do fascismo e da Ditadura Inconstitucional

É preciso não confundir a política com o Político; nem a “politização da justiça” (partidarização) com a “judicialização da política” (necessária). O risco é enorme, pois com a deslegitimação da representação ganha força a "terceira via": o fascismo. A exceção daí nascente não permite a livre manifestação política das classes, das nações, dos grupos, das camadas, dos estratos e dos setores político-sociais que compõem a sociedade nacional. O Político, para ser exato, tanto se idenfica na luta pelo direito quando os pais exigem que seus filhos não sejam maltratados na escola por uma diretoria negligente, quanto nas reivindicações de classe social dos trabalhadores do campo e da cidade. O Político inclui a organização de bairros, a negociação familiar de poder entre homem e mulher, a consciência política que distingue status e papel social, a votação no vereador, a definição das atribuições do prefeito, do governador e da Presidência da República. Quando se define, constitucionalmente, cargo e função pública também verifica-se o mesmo sentido expresso (ontológico) dessa instância da vida humana chamada de Político. Quando se premia o sistema financeiro, quer dizer, improdutivo, com mais direitos e, ao revés, pune-se as classe trabalhadoras com a desqualificação dos direitos trabalhistas, pranteia-se uma política que minimiza o Político. Hoje, com a política representativa e partidária em frangalhos, o Político – a humanização pela prática política –, na sobra dos problemas diários, desfaz-se e, em seu lugar, (re)surge a redenção, o salvacionismo; obrigando-se ao papel ou função social previsto na origem das classes sociais: com a equivalência do status atribuído. Sob uma análise funcionalista, significa que os atores societais reduzem o status assumido (o que se almeja para si) ao status que fora atribuído na sociedade capitalista desde a origem do indivíduo. Com a divisão das classes produtivas em burguesia e proletariado, é clara a mensagem de que pobre nasceu para ser pobre; rico, para ser rico.

Na análise crítica, implica em ver que essas mesmas classes (fundamentais) estão em luta política acesa, mas em polos contrários, antagônicos, refratários. As classes fundamentais sempre estão em processo de luta de classes, porque seus interesses são excludentes: mors tua, vita mea[16]. Em outros termos, diante desse fato estrutural do capitalismo, as sociedades têm se regido basicamente de duas formas: democracia ou fascismo. No atual estágio de Ditadura Inconstitucional, caminha-se do fim do Estado de Direito para o fascismo – e neste não há o Político. A próxima lição da história dirá que, sem a prática política, não há o humano. Excluir classes, grupos e pessoas da prática política, implica em condená-los à menoridade moral, intelectual e jurídica. Por isso, ao se confundir propositalmente a política praticada diante do poder, em total descrédito com o Político – e sem exceção para se definir quem é parte inativa –, todos são considerados falhos, impuros, corruptos, e não merecedores de se tornarem “seres políticos”: zoon politikón. Desse modo todos acabam tutelados, regidos por um ser superior – um homem de estafe – que acumula o controle do Estado: o Poder Político. Do alto de sua galhardia poderá dizer – como editos de poder absoluto – o que é melhor para todos: atribuindo e conferindo o status previsto no atual estágio da sociedade nacional para cada um dos seres sociais. Na menoridade moral, intectual, política, o pretenso ser político-social deverá obedecer ao pai: ele sabe o que é melhor para todos. Filhos menores (crianças) e presos (políticos) têm algo em comum: os primeiros não têm maturidade para fazer escolhas próprias; o segundo grupo recebeu direitos, mas perdeu a nomenclatura do Político ao se insurgir contra o status quo. No entanto, os grupos sociais têm tratamento díspare: menores e crianças recebem direitos especiais; presos políticos são apartados do Político e do Estado de Direito. Alguns recebem a pena do exílio político, outros vão parar na Guantánamo nacional ou nos presídios-masmorras.

Dessa forma, um dos lados do misticismo do poder que se constrói com o fim do Político dá nascimento à Ditadura Inconstitucional. No lugar da política, em que as classes sociais revelam sua concepção de poder e lutam para anular as condições impostas pelas classes sociais dominantes, também surge a identificação total entre status e papel social. Vale frisar que a dinâmica social do capitalismo é regida pela luta de classes; quer seja ao tempo do liberalismo inglês, quer seja na era da assim denominada pós-modernidade. Porém, com suas funções bem definidades ad eternum, a classe trabalhadora tem o papel de reproduzir socialmente a si e ao capital. Sua função ou papel social, portanto, não inclui a organização política; daí que o status que se projeta é o da subalternidade. No outro polo da cadeia alimentar do poder de comando do capital vigora a mesma regra, mas com efeitos contrários: os detentores ou gestores do capital têm elevado status social (projeção de poder) como forma de representação do poder que aglutinam. Mas exatamente porque gerem o eixo do sistema são informadores do capital. A esteira de rolagem, a exemplo da antiga linha de produção do capital e da política, é simples: trabalho subalterno (manual) versus gestão do poder e intelectualização no alto comando da cadeia produtiva. Desse modo, os gestores do capital colocam-se como os únicos capacitados intelectualmente para manifestar inclinações políticas como também legitimados a orquestrar o Estado e, portanto, definir as principais políticas públicas. Em resumo, com a identificação entre a política e o Político, e entre status e papel/função social, os únicos despersonalizados são os frequentadores das classes trabalhadoras e/ou subalternas. Sob o capitalismo, o Político sempre foi refém do capital, dos Grupos de Poder Hegemônico (patrimonialismo) e, desde 2016, inclina-se ao fascismo de uma ditadura legal: o mais correto seria dizer legalizada.

O combate é civilizatório

Outro impulso de poder da Ditadura Inconstitucional – a ser analisada como conceituação inovadora do Estado de Exceção – provém de ações contundentes da chamada Bancada BBB (Boi, Bala, Bíblia + Bancos) e que ameaça o Estado Laico. São exemplos: a ruptura dos limites da legislação penal que pune a exploração do trabalho escravo; o STF, em uma semana, demole os direitos civis e individuais, na outra, abre processo crime contra o presidente da Câmara dos Deputados; o Executivo central enfrenta o impeachment com a privatização do Pré-Sal. Esses são apenas exemplos do embate/combate enfrentado no miolo do processo civilizatório, e que tinha a CF/88 como demarcação de território político-jurídico. Se nunca foi a Constituição dos sonhos, certamente, foi popular e socialista no modelo programático e, por isso, é extensa e rígida desde o nascimento. Em todo caso, em meio a esse processo contraditório em que surge e age o direito e o antidireito, não se fala exclusivamente em dominação de classe, mas sim em Grupos Hegemônicos de Poder, porque:

1) O direito não é um monolito manejado livremente por uma única classe social, visto que há avanços e refluxos históricos a contragosto da própria classe dominante (“função social da propriedade”, Código do Consumidor). Como referências globais, destacam-se: Constituição de Weimar (1919); Constituição Mexicana (1917); Carta dos Direitos do Povo Trabalhador e Oprimido (Rússia de 1917); Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

2) O Estado também não é um refém inerte da burguesia, como classe dominante e dirigente, uma vez que o Poder Político e a burocracia estatal podem ser indutores de um processo de mudancismo societal, a exemplo da Revolução dos Cravos: inclusive com a participação dos militares. Em consequência, advieram as constituições espanhola e portuguesa no seguimento das transformações que puseram fim ao fascismo recalcitrante.

3) Em que pese o fato de a burocracia estatal ser contida ou estar a contento das classes dominantes, em muitos momentos atua e se desenvolve de acordo com interesses próprios: Estatuto do Servidor Público, para o bem; regime de casta para o Judiciário, se for para o mal.

4) Essa mesma burocracia pública é preenchida por servidores públicos que, antes de ingressarem no serviço de gestão da administração pública, são pessoas e agentes com visão de mundo politizada, de um modo ou de outro. A revisão técnica e funcional realizada pelos técnicos legislativos, no Senado e na Câmara, são casos típicos de luta interna contra o desfazimento dos direitos fundamentais – ao barrar proposições absurdas e atentatórias à lógica formal e jurídica.

5) O direito é resultado desse conjunto de contradições que se agudizam e, nesse momento mundial, retrocede em termos de avanço humanitário. Mas que avançou, juridicamente, desde o fim da Segunda Grande Guerra (Constituição de Bonn – Alemanha).

6) Os Grupos Hegemônicos de Poder17 podem incluir vetores da grande burguesia (sistema financeiro), da burguesia nacional, da pequena burguesia e da própria burocracia estatal; quer seja representando um deles mais ativamente, quer seja administrando os conflitos internos entre as várias classes e as frações sociais: lumpemproletariado, por exemplo.

7) No que também, pode o Estado, sua burocracia e o direito proposto – às vezes reposto – terem a possibilidade de representar interesses populares da classe trabalhadora.

O país, nos últimos dez anos, é um exemplo de como esse arranjo não é pacífico; ao contrário, caminha em dois paralelos que se encontram em ondas de choque político-institucional. Nessa fase, revisitam-se as máximas do Estado de Exceção e de uma ditadura legalizada já sem disfarces.


PARTE I

AB ORIGINE DO EXPEDIENTE DO EXCEPTIO

O Estado de Exceção é um recurso notoriamente burguês, do século XVIII, criado com a missão de conter o mudancismo e contornar graves crises políticas que ameaçavam o poder hegemônico18. Como tipo político, no entanto, decorre de uma cultura germinativa da exceção:

[...] os imigrantes anglo-saxões são também uma elite intelectual, mas sobretudo moral. Refiro-me, naturalmente, aos primeiros imigrantes, aos pioneiros, protagonistas das lutas religiosas e políticas inglesas, derrotados, mas nem humilhados nem rebaixados em sua pátria de origem. Eles trazem para a América [...] um certo grau de civilização [...] mas com um ritmo incomparavelmente mais rápido do que na velha Europa, onde existe toda uma série de freios (morais, intelectuais, políticos, econômicos, incorporados em determinados grupos da população, relíquias dos regimes passados que não querem desaparecer) que se opõe a um processo rápido e equilibram na mediocridade qualquer iniciativa, diluindo-a no tempo e no espaço (Gramsci, 2000, p. 27-28 – grifo nosso).

Evidentemente que esses freios e contrapesos herdados dos regimes passados imporiam obstáculos ao livre curso (acelerado) do capitalismo. Seriam tidos, inclusive, como freios jurídicos que obstaculizariam o próprio poder central. Poder esse que necessitava atuar livre de amarras e que fosse apto para conter o ímpeto das mudanças populares. Em 1786-1787, em Massachusetts, uma rebelião popular foi deflagrada contra leis injustas (prisão por dívida) e injustiças institucionais: desapropriação sem a devida indenização. Definida como catastrófica, acionou na capital dos EUA um poder capaz de banir e de punir “governos fracos e indecisos” (Losurdo, 2004, p. 97). Em resposta ao sonho americano de 15 mil jovens pobres pelo compartilhamento da propriedade da terra, o general Washington preparou as ações de exceção inerentes à represália. Aliás, um dado muito presente nas recomendações do Federalista. A Constituição Americana não nasceu, pois, com o objetivo de transformar a Confederação em Estado Federal e unitário, mas, sim, para repelir o sonho americano dos seus miseráveis. E essa foi a trajetória da legitimação (legalidade constitucional) posta desde o início para atender seu modelo de Estado de Exceção. Portanto, o Federalista iria declarar uma modalidade de exceção exclusivamente antipopular. Uma tipologia estatal que interditaria Locke19 em favor de Hobbes20.

Com o objetivo de estar preparado para qualquer acontecimento, é absolutamente necessário um governo dotado de “energia” [n. 37], um “Executivo forte” [n. 70], que saiba eventualmente até mesmo enfrentar o “desfavor” do povo e “seja capaz de impor a própria opinião com decisão e energia” [n. 71], um Executivo capaz de dispor, centralizadamente, de todos os corpos armados, inclusive, em caso de necessidade, “da Milícia de cada estado” [n. 69] (Losurdo, 2004, p. 99 – grifo nosso).

Trata-se de uma concepção hegemônica acerca do Estado de Exceção já manifesta e atuante desde sua origem – sob o parlamento (Inglaterra) ou de acordo com o Executivo. O regime do Parlamentarismo é celebrado porque une em fusão completa os dois poderes: Legislativo e Executivo21. A tese da divisão de poderes e do controle do Estado sob determinados freios e contrapesos jurídico-institucionais, evidentemente, foi por água abaixo. O povo deve ser afastado do poder porque não tem capacidade de melhorar a si mesmo, quanto mais preocupar-se com a União (Losurdo, 2004, p. 68). O povo é tratado, no regime da monarquia constitucional, como multidão criança. Será essa ausência inicial de um apreço (até desprezo) por medidas ou mecanismos de freios e contrapesos o que explicaria a germinal tendência para a cultura da exceção que normaliza/normatiza o Estado de Exceção: jus puniendi global ou Ditadura Inconstitucional. Outra ponderação inicial indica que o Estado de Exceção, como personalidade jurídica, antecede ao regime político do bonapartismo. Do decreto de 8 de julho de 1791, da Assembleia Constituinte francesa ao Golpe de Estado liderado por Napoleão Bonaparte em 1799, decorre pouco tempo, mas havia já o respaldo legal. Napoleão seria celebrado como o “novo Washington” (Losurdo, 2004, p. 93).

Características gerais

Uma insistente, persistente crise econômica, social e política ou crise sistêmica (sistemática) institui a desestabilização como uma constante nos processos político-jurídicos que abala o Poder Político. É essa desestabilização (como regra) que permite o incremento dos meios e dos recursos de exceção. Para melhor entendimento, a análise permeia o caminho da Modernidade Tardia (Giddens, 1991), conceituação societal que conjuga passado e presente, moderno (clássico, tradicional) com pós-moderno: tradicionalismos, regionalismos que confirmam a Razão de Estado como motor dos regimes de exceção. Sob a risca dessa modernidade, uma característica – e, certamente, a principal – do Estado de Exceção lato senso é a inclusão de regras excepcionais do exercício de controle sobre o Poder Político e que, em suma, permitem formas variadas e extremadas de exclusão social, política (adversários são tornados inimigos de Estado) ou econômica (garantir expressamente que o direito de propriedade jamais seja estendido aos não proprietários). Na excepcionalidade do direito ou estão preclusos ou são subsumidos os direitos fundamentais.

Outro exemplo simples se verifica na tributação excessiva da cesta básica dos mais pobres e o Imposto de Renda que recolhe na fonte dos remediados, sem que haja o mesmo rigor tributário quanto à evasão de divisas assombrosas ou sequer a tributação sobre o capital que incide em grandes fortunas. A arrecadação sobre a transferência de capital dos 200 mil contribuintes mais ricos do país poderia gerar receita superior a seis bilhões de reais por ano, ou seja, a mesma quantia que foi retirada, em 2015, do seguro-desemprego que beneficia o trabalhador pobre e desempregado22. Outra característica, igualmente fundamental (mas não necessariamente fundante), é também moderna – ainda que adquira extensão muito maior com os recursos chamados de pós-modernos – e aqui se revela como sentimento de suspensão 23. De fato, há suspensão (anulação) de garantias, de liberdades e de direitos fundamentais. Porém, junte-se a isso uma suspensão de critérios e de princípios (considerados clássicos, como a Prudência Política) e que permitiam avaliar o que era/deveria ser regular (certo) ou excepcional (errado, quando aplicado como regra). A inexistência de certeza, a insegurança (não só jurídica) e a inconstância na aplicação de critérios e de princípios – como vetores do Estado de Exceção no século XXI – podem ser reunidas sob a condição pós-moderna do desequilíbrio e da descontinuidade. A mais notável descontinuidade é, obviamente, a da aplicação ou vigência das regras regulares de exercício e de controle do Poder Político, afinal, somente quando há descontinuidade da regra, como paradigma da normalidade, é que vicejam espaços para a aplicação da exceção e sob um quadro geral já dominado pela anormalidade do poder concentrado. Ou seja, a exceção – na pós-modernidade – foi tão fortemente incutida que poucos percebem sua supremacia (como regra) na realidade político-jurídica.

Uma terceira característica – e verdadeiro pano de fundo de toda a discussão – dirige à ontologia política. Pois, a história política conhece exceções desde que se implantou a primeira forma de Estado; contudo, só o Estado de Exceção moderno transformou as exceções (desafio estrutural diante de necessidades volumosas) em regra. A política e o direito contorcido pela exceção, evidentemente, são máquinas racionais que levam a aceitar comodamente a predominância do extraordinário como inevitável; até porque a necessidade de poder é o mito mais antigo da Humanidade (Hegel, 1997, p. 217)24. As necessidades humanas nunca terão fim, e assim o mito da necessidade do poder (que proteja dessas mesmas necessidades) sempre será renovado (Bacon, 2002). Ou seja, nunca acabará a necessidade de poder (e nem do poder em se arvorar em mais poder) como forma eficaz de organização social e, assim, o Estado – identificado como a fonte precípua ou “única” do poder – acaba consagrado como também inevitável.

1) A stasis25 não provém da oikos, não é uma “guerra em família”, mas é parte de um dispositivo que funciona de forma idêntica ao estado de exceção. Como, no estado de exceção, a zoe, a vida natural, é incluída na ordem jurídico-política através da sua exclusão, de modo análogo através da stasis a oikos é politizada e incluída na polis. 2) O que se encontra em jogo, então, na relação entre oikos e polis é a constituição de uma zona de indiferença na qual o político e o impolítico, o fora e o dentro, coincidem. Devemos, portanto, conceber a política como um campo de força no qual os extremos são a oikos e a polis: entre eles a guerra civil assinala o limiar de transição através do qual o impolítico se politiza e o político se “economiciza” (Agamben, 2015, p. 30 – grifo nosso).

Em sentido correlato, se a vida natural é incluída na ordem jurídica-política, pode-se concluir que a necessidade (do próprio poder) se metamorfoseia em Estado de Necessidade Política (Saramago, 2008). Pois, se há necessidades especiais a serem debeladas – a exemplo de enfrentar crises políticas muitas vezes geradas pelos grupos de poder que monopolizam o Estado – logo, o Estado legitimado como inevitável na organização social é abastecido de recursos excepcionais de poder e, como essa necessidade nunca acaba (porque as crises são recorrentes e estruturais), a exceção é normalizada e normatizada como algo benéfico. A Razão de Estado (do Renascimento) não tem a mesma idade do Estado de Exceção (Iluminismo), entretanto, na atualidade, foram nivelados no mesmo plano, identificados uma ao outro, como necessidades e justificativas emparelhadas na lógica do poder. Portanto, com a Razão de Estado fundida na lógica da exceção, a necessidade de poder – normalização das relações políticas – legitima a normatização da própria exceção. No Positivismo Jurídico, o poder é limitado ao Estado e este é apresentado como o Poder Político. Homem social e zoon politikón são tornados sinônimos, pela exceção, tanto quanto a necessidade de poder gera poderes especiais, capacidade desregrada (não comutada pelas regras do homem médio – o homem sociável) e não condicionada pelo poder que não provenha do Estado; chamou-se isso de “última razão dos reis”. Em abordagem inicial, pode-se dizer que a necessidade de e do poder (que não é sinônimo obrigatório de Estado) banaliza o uso da exceção. Com isso, chega-se a outra característica do Estado de Exceção: a necessidade do poder se arvorar em mais poder.

Na fase atual, o Poder Político 26 organizado e centralizado na forma-Estado é vital à sociabilidade capitalista e o Estado de Exceção é o seu braço armado, ideológico, jurídico e político. Na fase repressiva, o povo é levado a crer ideologicamente (“penas mais duras”, por exemplo) que a estrutura político-jurídica pode ser consertada em seu benefício. Por meio desse engenhoso artefato acredita-se, nesse extremo, que o Direito Penal dará jeito na crise global provocadora do caos social – não se vê, por óbvio, que se arrasta uma guerra civil, no Brasil, com mais de 50 mil mortes violentas por ano. Para efeito de comparação, na Guerra do Vietnã, de 1961 a 1974, morreram 46.370 soldados estadunidenses. Sob essa condição ou característica derivada, pode-se dizer que a paz é um interregno nos tempos de guerra; todavia, não se pode supor que a exceção é o lapso, lacuna ou interregno do direito, uma vez que a exceção é o próprio direito. Além disso, para além do crime famélico, criminalizam-se inocentes (entre 22% e 40% dos presos) e sem base legal ou na base do impedimento do amplo direito de defesa. O Estado de Exceção, em sua peculiaridade, mistura Estado Penal com Estado de não Direito: ora se nega o direito fundamental, ora são aplicadas leis injustas27. Em complemento, o estímulo ao populismo também pode ser uma condição do fascismo. No entanto, sob o Estado de Exceção, converte-se em Populismo Jurídico: geração de leis injustas, oportunistas, germinadas de privilégios como presente do senhor do poder. Nesse sentido, o populismo jurídico vem atrelado ao culto à personalidade. Isso é, o populismo jurídico é uma característica de exceptio, mas que se completa com a regra fascista de adoração às personalidades de poder. Populismo jurídico (Getúlio Vargas no Estado Novo28 presenteando a nação com a CLT) que ainda se assegura de legitimação e de reconhecimento interno e externo: o Estado de Israel nunca respondeu por crimes de guerra. E, com isso, a necessidade de poder torna-se o império da lei de exceção. Essa particularidade do populismo jurídico não é propriedade nacional, mas revela uma característica nativa chamada revolução conservadora. A Revolução Burguesa conservadora, ao mitigar transformações e mudanças reais muda os nomes e as siglas, mas garante os grupos de poder dominantes e afirma seu status quo. Das incertezas de poder nasce o descalabro moral, social e jurídico (Goethe, 1997).

Uma característica ou condição sistêmica, pode-se dizer, implica em que o Estado de Exceção é um componente ativo da lógica capitalista de “destruição criativa” (Mészáros, 2015, p. 180). O que remete à lógica de que, sob a condicionante da exceção, democracia e capitalismo podem caminhar lado a lado. Esse laço será rompido somente em situação realmente dramática – quando se institui, democraticamente ou não, as condições de exceção. Quando o Estado de Exceção normaliza as relações de produção, perde seu efeito imediato (Mészáros, 2015, p. 183). Como se vinculam sociometabolicamente Estado – Sociedade (trabalho) – Capital, direito e força (ou “lei do mais forte”) acabam por se nivelar como equivalentes (Mészáros, 2015, p. 18). Característica derivada se deve ao fato de que o Estado de Exceção desmorona o senso de proporção, pois desequilibra a relação entre positivo e negativo no uso/abusivo do Poder Político; na verdade, não há análise dos efeitos maléficos (a não ser quantitativa: “quanto poder nós temos”) e, portanto, não se admite a autocrítica política (e moral/jurídica). Sendo assim, a vigência da exceção rompe radicalmente toda possível ligação entre ética e política, porque recusa uma sociabilidade que não se restrinja aos anseios do capital – a começar dos movimentos sociais populares – e porque privilegia a legalidade em detrimento da legitimidade (social).

Do passado ao presente

O Bonapartismo francês pode ser o marco historiográfico (Marx, 1978), mas o Estado de não Direito será muito mais sutil sob a camuflagem da democracia formal do Estado de Direito convencional. Do mesmo modo, pode-se dizer que toda ditadura é fascista e que todo fascismo é autocrático (com início na louvação da personalidade) e, sobretudo, em razão dos princípios e das ações políticas engajadas. Todos são, notoriamente, Poder Político de exceção. Na leitura clássica há, digamos, três formas predominantes do Estado de Exceção: fascismo; ditadura (tradicional, oligárquica ou Estado Militar29); bonapartismo (Poulantzas, 1972). Na Modernidade Tardia (Giddens, 1991), por sua vez, acrescentamos outros tipos de exceção: Estado de Sítio clássico (interno ou externo); Estado de não-Direito (Canotilho, 1999), jus puniendi global; Terrorismo de Estado, ditadura constitucional (Schmitt, 2006), cesarismo (Gramsci, 2000), Ditadura Inconstitucional.

Destaca-se que essas formas suplementares da exceção também conhecem derivações políticas, judiciais, militares e econômicas. Os subtipos mais recorrentes são: i) golpe institucional, ii) golpe e contra-golpe de Estado; iii) Estado Militar (todos pertencentes ao tipo geral do Estado de Sítio); iv) Estado Policial (como subtipo do Estado de não Direito); v) Estado Penal (categoria específica do jus puniendi global interna corporis); vi) Estado Controlativo; vii) Estado de Justiça (os dois últimos são, digamos, subtipos pós-modernos de ratificação do Terrorismo de Estado); viii) Estado Capitalista Patrimonial (ou Estado de Direito Repressivo e Regressivo, como cesarismo). Por fim, a Ditadura Inconstitucional só se assemelha de forma limitada à convencional ditadura constitucional; pois, não se trata aqui do uso legítimo dos mecanismos constitucionais de exceção: Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Outrossim, ainda há pequenas alterações investigadas por outras abordagens: “...entre guerra e estado de sítio militar, de um lado, e estado de exceção e estado de sítio político, de outro” (Teixeira, 2015, p.118)30. É a descrição crítica de um bonapartismo soft e do bonapartismo de guerra, ambos com forte lastro no Federalista dos Estados Unidos (Losurdo, 2004); além do cesarismo (Gramsci, 2000) e da Soberania de Conquista31. Sem perder a perspectiva de que as variações nacionais parecem não ter fim, como se vê nos golpes constitucionais32 e na implementação do decisionismo jurídico33 – e de onde surgem novas modalidades do poder do dictator (César, 1999).

A Soberania de Conquista – forma privilegiada da exceção no século XXI, sobretudo, quando se complementa com o Terrorismo de Estado34 – é um apelo ao absoluto e mesmo que advirta para a fragilidade do populismo jurídico: “Em política, há casos de que só se pode sair cometendo faltas [...] A virtude política é um contrassenso [...] Onde houver um centro de poder incontestável, haverá homens para exigi-lo para si” (Napoleão, 2010, p. 56-57 – grifo nosso). Aplica-se o que o jurista denomina de origem estatal em atos de força, de violência ou de conquista (Dallari, 2000, p. 54), mas que, na prática, opera-se em estado de guerra total (Virilio, 1996)35; força-se o desmembramento e faz agir a expansão/anexação territorial ou de seus recursos.

Soberania de Conquista

A seguir, far-se-á correlação entre a política de exceção e o conceito apontado de Soberania de Conquista. Para tanto, deve-se observar que outras realidades políticas concorrem para esse amálgama, especialmente no século XXI, em que são empregadas formas variadas de invasão e de colonização dos povos e dos territórios “ocupados”. A Soberania de Conquista segue a lógica do cesarismo: Veni, vidi, vici (vim, vi, venci). A mais famosa máxima de Caio Júlio César (1999) – conquistador da Gália –, sem o saber, consagraria os modernos Estados soberanos; formações políticas que Maquiavel (1979) reportou na origem da centralização do poder e que respondia à necessidade econômica capitalista da acumulação primitiva de capitais (Marx, 1977). Na Soberania de Conquista opera a lógica de “conquistar para libertar” e remonta à junção do poder com a revelação dos institutos dos gloriosos. O Destino Manifesto (EUA) apresenta-se à clássica soberania, com a devida mistificação dos dotes do poder. Em Aquino (1995), o poder dos gloriosos é glorificado, santificado.

Onde não há Estado Laico, por exemplo, em regime político sob a condição de Estado Teocrático – hoje o Califado ou Estado Islâmico, ontem o Shogunato (Japão) – a Tradição será conquistada para que intervenha a liberdade do capital. Onde o Estado Laico está implantado alguns dos seus mais evidentes limites serão invocados a fim de que se retraia, institucionalmente, a secularização do Poder Político. Dessa retração, posto que a liberdade política foi além da conservação do capital e dos Grupos de Poder Hegemônico, a liberação gradativa da política será contemplada como graça futura. Não por acaso, portanto, a Bancada BBB, no Brasil, agora investe contra a laicização do Estado de Direito36. Do Estado Laico que comete o perjúrio de liberar o poder do controle divino à futura revelação da graça nacional à concessão reacionária do poder no Brasil: juridicamente, a primeira fase foi estabelecida com a criminalização das relações sociais (avanço legislativo dos crimes hediondos: exceção jurídica); a segunda se prepara com a aprovação da Lei Antiterror, abertura para a criminalização dos movimentos sociais populares.

No Brasil trata-se de forma contundente da exceção política, posto que a diferenciação entre “ativismo político” e “terrorismo” será puramente subjetiva e a cargo da autoridade coatora. Essa autoridade, vale lembrar, serve ao Estado de Direito que, gradativamente, perdeu a laicidade: a distinção entre direito e moral, tão celebrada pelo Ocidente Iluminista, é nesse momento combatida como a razão da desmoralização pública. O fim da laicidade concorre para a restauração do Estado de Direito que já não se baseia mais na separação de poderes. Talvez nunca tenha havido, de fato, separação entre os poderes – seguindo-se a lógica do bonapartismo soft (Losurdo, 2004) –, porém, a colonização religiosa do Poder Judiciário é prova inconteste do fim do Estado Laico. O revisionismo dessa matéria não será científico, mas sim seguidor do populismo jurídico lastreado na crendice religiosa mais conservadora possível37; o que, enfim, revela o passo atrás no Processo Civilizatório Iluminista. Na exceção praticada para se consagrar o fim do Estado Laico, nessa altura dos fatos, os métodos absolutistas do poder são revigorados.

Pois bem, se a origem da corrupção política está na distinção entre moral e direito, então, desfazendo-se esse “erro histórico” volta-se à graça do poder. O Destino Manifesto da Soberania de Conquista pode ser, por fim, celebrado, definindo-se a Soberania de Conquista como a junção entre Razão de Estado (Destino Manifesto) e tipologia da exceção. Sob o comando da polícia do mundo, todas as soberanias devem responder aos interesses do poder hegemônico. Soberania de Conquista, portanto, equivale à celebração da soberania nacional por meio da aquisição violenta ou pacífica de territórios, riquezas ou potências estrangeiras (compra do Alasca pelos EUA e a “livre” adesão de Porto Rico), mas que, no século XXI, emprega todos os meios de exceção disponíveis, além de revigorar o absolutismo: bonapartismo, cesarismo, invasão territorial de outras soberanias, guerra cibernética, guerra de conquista (Afeganistão, Iraque), boicote internacional, emprego regular de forças militares especiais que desestabilizam os comandos locais. Além disso, concorrem os golpes constitucionais38 ou Estados de Sítio provocados pela instabilidade política e econômica planejada por atos de Terrorismo de Estado que respondem ao Império. A Soberania de Conquista, portanto, retroalimenta-se do Estado de Exceção Permanente, Global e Hegemônico. Desse modo, a soberania tem de ser analisada no âmbito do Estado de Exceção e, dessa junção, entre Razão de Estado39 e tipologia da exceção.

E ainda que soberania e Razão de Estado não sejam sinônimos, como semelhantes, reafirmam-se na verossimilhança a realidade política da exceção. A Razão de Estado (RE) justifica o Poder Político, como no discurso da segurança (versus a liberdade), e é essa racionalidade política que está na origem da nacionalidade, como a legitimação necessária para a fixação de um povo em determinado território. A Razão de Estado pode ser compartilhada, invocada como “o destino certo, imperioso” para se definir um “novo” Estado Moderno: povo, território (RE), soberania. Em suma, a Razão de Estado é o motor da soberania, como fato verificado, entre outros, na passagem da Confederação ao estágio do Estado Federativo. Para os EUA, por exemplo, a Razão de Estado é sinônimo glorioso do Destino Manifesto (glorificação do Político). Também é glorioso porque se impõe por meio da diplomacia (polícia do mundo) ou pela violência: anexação territorial definitiva ou temporária (Somália40, Iraque, Afeganistão, Síria).

A soberania de conquista no século XXI

Desde 1914 vem se forjando a convicção ideológica de que o adversário é um inimigo bárbaro e deve ser abatido a todo custo. Na base desse realismo político, o Outro murchou como “outrem” – assim reduzido, relativizado, comprimido. “Isso significa que tanto os Estados quanto os insurgentes sentem ter uma justificativa moral para o barbarismo” (Hobsbawm, 2007, p. 127). A desnaturalização do indivíduo e a banalização do Mal implicam na substituição dos conceitos morais por imperativos superiores (“raça pura”, força). Por sua vez, como fluxo regular desse tipo de oposição política, fortaleceu-se o terrorismo individual e os assassinatos políticos. Talvez o maior objetivo fosse ganhar notoriedade e exposição midiática. Nesse fluxo histórico, a Al-Qaeda, em caso concreto, apenas é uma sucessora de grupos de insurgência política, étnica ou religiosa e que desembocou na transnacionalização do terror. O contraterror mobilizado pelo Estado, muitas vezes como “esquadrões da morte” (inspirados na SS nazista), não tem como objetivo a prevenção ou a contenção política; mas sim, a eliminação física de “outrem” (inimigo-combatente). Isso ainda revela uma “crise de civilização”, aguçada pelo desequilíbrio social, fracasso na descolonização, implosão do sistema internacional e crise nos sistemas peritos de autoridade, hegemonia e legitimidade. O mesmo efeito que se vê com empresas de guerra como a Blackwater nota-se nos mercenários recrutados para lutar contra e a favor dos ditadores, ou seja, são altamente profissionais e letais. São vários grupos envolvidos, mas para ficar em poucas referências, basta lembrar que essa empresa patrocinou os atos de maior violência conhecidos na Guerra do Iraque. A Blackwater ainda recrutou mercenários no Chile, soldados treinados pela ditadura de Pinochet, a mais mortífera da América Latina.

A mesma empresa que serviu à ocupação do Iraque sob o governo de Bush, atendeu ao presidente Obama. A Blackwater conseguiu o que ninguém imaginaria ser possível, uma autorização especial para matar sem responder judicialmente. Seus atos de terrorismo não podem ser julgados como crimes de guerra, graças ao salvo conduto ganho do governo dos EUA – que também não respeitam o direito internacional. O exército de mercenários a serviço do Estado Penal Internacional (jus puniendi global), portanto, serve diretamente à Razão de Estado. “Diferentemente de muitas empresas privadas trabalhando para a ocupação no Iraque, a Blackwater respondia diretamente à Casa Branca, e não ao Exército” (Schill, 2008, p.27). A privatização da guerra ou da função de polícia é a última ratio do capital que se move pelo Império, é a mão de ferro do capital que se move globalmente. Como tal, com licença para matar, instala-se um status legal acima do Estado de Direito.

Enquanto esse inaudito exército privado se expandia no Iraque, o último ato de Bremer antes de se esgueirar para longe de Bagdá, no dia 28 de junho de 2004, foi um decreto conhecido como Ordem 17, isentando de eventuais processos penais os prestadores de serviços no país [...] Enquanto soldados dos Estados Unidos têm sido processados por matanças e torturas no Iraque, o Pentágono não impôs as mesmas regras às vastas forças privadas (Schill, 2008, pp. 66-67 – grifo nosso).

Seu objetivo, enquanto exército mercenário a serviço do Império é brutalizar a guerra e seus alvos humanos41. Na guerra digital pós-moderna, dezenas ou centenas de países – Estados soberanos – são invadidos ou espionados pelos EUA42. Em comum nesse passado-presente da Modernidade Tardia, há o uso de meios, técnicas e táticas consideradas de exceção no interior das próprias ações militares regulares. A combinação, entretanto, entre Soberania de Conquista e Razão de Estado ainda entrelaça-se com a negação do Político.

Aneu logou

O Homem moderno não reconhece mais o espaço público tradicional, como Ágora43; a própria Internet, apelidada de nova praça pública, é cada vez mais regulada, controlada. Nesse quadro, o zoon politikón – o homem que em sua natureza é político – sofre achaques e ataques contra a sua humanidade e que é determinada pelo “fazer política”. O homem só é um animal social porque é capaz de fazer política. Ao se empenhar no debate político, essencialmente público, o “ser-político” opina e age em consonância sobre a formação social que considera adequada a sua vida. Negar a política a alguém equivale a negar-lhe a capacidade de humanidade. Excluídos do Político, além desses indivíduos serem homo sacer (Agamben, 2004) – como um “não-ser”, um sujeito sem importância –, para a exceção que controla o Poder Político, nessa fase de judicialismo ou justiciamento a qualquer custo, estão todos condenados como aneu logou: “Quando os gregos diziam que escravos e bárbaros eram aneu logou, não dominavam a palavra, queriam dizer que eles se encontravam numa situação na qual era impossível a conversa livre” (Arendt, 1998, p. 49). E quem não dominava a palavra (isegoria) era exatamente aquele sujeito excluído da relação política: isonomia. Quem está, por alguma razão, excluído da política está, obviamente, impossibilitado de se referir livremente ao poder; especialmente incapacitado de opinar e de se empenhar sobre a condução do poder.

Assim, quem não se manifesta sobre o poder é utilizado por ele, manipulado por quem detém as principais instituições de poder. Logo, com a negativa de participar politicamente da vida pública, o sujeito amorfo – sem identidade com o espaço público – perde a instância do direito. Sem que o âmbito do direito lhe seja consagrado, o indivíduo é um nada, uma vítima inerte do Poder Político. Em resumo, sem acessar o Político – como condição humana – o “não-ser” está fora do poder, mas sujeitado pelo poder e nessa situação não tem direito a nada. Portanto, o impedimento da livre manifestação no Político transforma os indivíduos que não são por natureza: “não-ser”. Negar o direito ao Político é negar o que há de mais essencial, sublime; equivale a negar a humanidade que há em cada ser humano. A vita activa, a vida cheia de significados públicos e privados, ao contrário, é formada de trabalho, capacidade criativa e política44. No bojo da atual Ditadura Inconstitucional, e sob essa condicionante do Estado de Exceção, o Judiciário nacional age em meio a prisões preventivas ou pratica condenações sumárias. Assim, qual a simetria entre a caça aos terroristas e a decisão judicial que proíbe a "Sininho" (Black Bloc) e a professora Camila Rodrigues (UFRJ) de exercerem qualquer atividade política? Restrição de direitos, como o impedimento de sair da comarca, em prisão domiciliar, é uma coisa; porém, que se saiba, somente regimes ditatoriais em plena condição de exceção são capazes de proibir o livre acesso e a manifestação no Político. Sininho, Camila Rodrigues e tantos outros – submetidos à mesma pena de banimento do Político – perdem sua condição humana e, uma vez que não são mais sujeitos de direito, reduzem-se como “não-ser”: aneu logou.

É evidente que a Lei Antiterror vai expandir a concomitância entre "ativismo político" e terrorismo. Sem contar o fato de que os "terroristas" e os "ativistas" estão presos porque há fortes indícios. Só o Estado de Exceção subtrai o Político baseado na suposição da culpa. "Sem provas", a exceção suspende o Político para atender ao interesse em vigor45. Nesse sentido, tanto o ativista quanto o terrorista são reduzidos à condição do aneu logou, do “não-ser”, à condição de “não-ser humano”. E toda lei que reze tal pena ou assim seja interpretada é uma lei de exceção, bem como seu intérprete comete um crime contra a humanidade do sujeito atacado legalmente (e injustamente). Por isso, ainda que muitos resultados almejados e, de fato, perpetrados sejam equivalentes na negação da liberdade, e muitas vezes da igualdade formal, o Estado de Exceção tem nuances que precisam ser revistas para que se possa entender algumas mudanças entre passado e presente, e do passado que se faz presente e que prospecta o futuro.


PARTE II

ESTADO DE EXCEÇÃO

Tipologia clássica atualizada

Uma das teses centrais do termo Ditadura Inconstitucional repousa na assertiva de que, além de forma típica de Estado de Exceção, o conceito reúne características e condições próprias do fascismo: uma forma autocrática do poder e fruto do século XX, embora, mesmo que seja ditatorial, não é um nome novo ou redundância de ditadura. Mesmo porque, contornando crises políticas com aparatos militares, não será necessariamente uma ditadura militar. As ditaduras, por sua vez, podem ser civis ou militares. Já o fascismo clássico – como tipo de Estado de Exceção – tem origem na Itália e na Alemanha. O Fascismo é uma forma típica ou especial de se contornar crises políticas agudas e “... com efeito, o Estado fascista é uma forma específica do Estado de exceção, que em nenhum caso se poderá confundir com as outras formas de Estado capitalista. O Estado fascista constitui uma forma crítica de Estado e de regime, que corresponde a uma crise política” (Poulantzas, 1972, p. 09 – grifo nosso). O fascismo, no entanto, revela-se como forte crise político-institucional e a solução apresentada é a forma-Estado de Exceção. O que, de certo modo, revela a própria natureza do Estado Capitalista: o Estado Capitalista de Exceção (quase uma redundância) protege-se com regimes de exceção. Mais especificamente, o fascismo situa-se no estágio imperialista do capitalismo. Sem esquecer que, as mais profundas modificações do capitalismo nos últimos séculos exigiram mudanças acentuadas na ideologia e na forma Estado. O bonapartismo, por exemplo, responde muito bem à ideologia da Segurança Nacional e ainda se adapta perfeitamente ao sistema político implementado – à conservação da Razão de Estado – porque preside exatamente o trauma social gerado pelo Golpe de Estado (ou institucional) perpetrado.

Desde meados do século XX o Capitalismo Monopolista de Estado fomentava o germe da exceção e o uso do Poder Político para assegurar controle sobre as graves crises econômicas e funcionais do capital, mas que já era bem menos concorrencial, pois já vinha abalado pela globalização46. Na atualidade esse papel é desempenhado pelo bonapartismo internamente e pelo Estado de Polícia Mundial (jus puniendi global) externamente. Sob a ação globalizada do capital, o Estado Gendarme do século das luzes do liberalismo rompeu as fronteiras do tempo e do espaço. Hoje, facilmente, provoca-se o antidireito colocando-se em choque dois princípios: segurança x liberdade. Nessa falsa colisão de conflitos, a exceção age em desfavor da liberdade.

A legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau, Direito e Antidireito: isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido (Filho, 2002, p. 08).

No passado e presente o fascismo; no presente cotidiano o bonapartismo. Na prática, a ideologia imperialista organiza guerras de conquista para saciar o capital e justificar a ideologia da Segurança Nacional. Como húmus do Imperialismo, a rivalidade de grandes potências – atinentes à guerra de conquista de territórios – fortalece o capital, mas mina a hegemonia dos Estados beligerantes. E essa seria a tônica, a senha para que entrassem em funcionamento as medidas de exceção. Sob a ideologia da Segurança Nacional, toma lugar e passa a operar a forma hegemônica do poder global. Aliás, nunca se viu um ritmo de concentração de capital como agora: até 2016/2017, o equivalente a um por cento mais rico do planeta deverá possuir mais de 51% da riqueza global47. A segurança jurídica de exceção garante esse fluxo de capitais.

A Revolução Burguesa, na fase hodierna, transformou todo Estado de Direito em Estado de Exceção (permanente, global, exemplar e hegemônico) e instituiu-se uma revolução jurídica regressiva em direitos fundamentais e permissiva ao capital pelo alto falante – como fizera Bismarck na unificação alemã. Na revolução pelo alto, a burguesia tributária do Estado forçou a imposição da unidade nacional. Hoje, o esforço é para que haja uma só hegemonia de mercado. Na Itália, a presença do Partido da Ação ressaltou a Revolução Passiva de Gramsci, assemelhada à revolução de cima de Bismarck. Havia em comum a inacabada formação da unidade nacional. Na Itália, o fascismo cresceu a partir de um Estado altamente centralizado e burocrático. Pois bem, desse passado aprendeu-se que é dos países de democracia burguesa clássica que surge e se fortalece o Estado de Exceção (Poulantzas, 1972).

O fascismo leva ao autismo social

A ideia de que os tempos são de uma modernidade líquida é pós-moderna, sem entender, no entanto, porque “tudo que é sólido desmancha no ar” (Marx & Engels, 1993). Assim, seria preferível se pensar na Modernidade Tardia (Giddens, 1991), tendo-se a catedral catalã da Sagrada Família como referência; pois, além de que “todo sagrado será profanado”, tal obra interminável incomoda com um passado sem fim. Na Modernidade Tardia, recorta-se a perspectiva de que o passado revive em cada cidadão e, por muitas vezes, assombra-os. Na modernidade Tardia, o passado não apenas direciona o presente (se é possível pensar no devir que se aponta para o “hoje”) como, sobretudo, limita-os. E esse é o caso de se pensar a presença do Estado de Exceção como sombra do absolutismo ou, antes disso, como rebotalho mal-disfarçado do instituto golpista que teve emprego certeiro com o general romano Caio Júlio Cesar – e, por isso, resultando no apelido de cesarismo (Gramsci, 2000). Todavia, diferentemente do passado, no embalo fascista da Ditadura Inconstitucional, o direito-fim (justiça) é revertido como exceção e recurso do direito-meio (poder); a Razão de Estado toma o primeiro plano: a ultima ratio se torna, enfim, a prima ratio.

Se bem que, no caso romano, o uso da exceção era direto, uma ação clara e objetiva do poder absoluto e não se interpunha como mentira pública em nome da democracia; o oposto do que se acostuma ver, exatamente, na modernidade. O que daria a pensar que se impõe como farsa, e ainda que bem planejada e executada com sucesso nos dias atuais. Porém, em tempos de fascismo líquido (pegajoso, esponjoso, doentio), sente-se a força do autismo social. Sem dúvida, a regularização cultural do fascismo de cada dia provoca ira coletiva e autismo social: o medo está atrás de cada porta, na virada de esquina, no olhar furioso que não tem um porquê. Nesse sentido, o autismo social não equivale à simples fuga da realidade, não é um tormento psicológico (ou não só). Antes disso – ou, além disso – é a mais plena expulsão da Ágora, resultante do mais completo estranhamento do Político, e mutilação da condição humana; seguindo-se o ensinamento da Filosofia Política da Grécia clássica de Aristóteles. Daí vivenciar e até aprovar a agorafobia, repartindo um tremendo medo generalizado e que provém da insegurança e das represálias sociais: o que você curte no Facebock é monitorado por “amigos” e inimigos (e empresas de marketing).

Na Modernidade Tardia, portanto, pode-se dizer que há um cerne e um epifenômeno: a aparência. O cerne da mundialidade está no controle hegemônico do capital financeiro e no uso renitente da forma – Estado de Exceção; aprisionando-se o Político longe do espaço público e a serviço dos grupos de poder igualmente hegemônicos. O epifenômeno dessa condição existencial é, precisamente, o que se pode denominar de autismo social: insegurança x mecanismos controlativos. Parece lógico, natural, ético, que a vida privada (e pública) seja devassada a cada instante e que o Político seja expulso da vida comum do homem médio. Nesse amplo miolo ocupado pela exceção, naturalizando o autismo social, o direito parece suportar bem a deslegitimação da condição humana. Os direitos fundamentais são cozidos na banheira da mesmice e da falta de conteúdo analítico do realismo político. E sem que o Político faça parte da condição humana, para que exercitar a isonomia, a isegoria, a autonomia, a autarquia, a auditoria? Afinal, a sociedade do controle (sob os moldes fascistas e de exceção) não tem na liberdade um fundamento da socialização humana.

Talvez, para se diferenciar, poder-se-ia dizer que há autômatos, aqueles que nem se deram conta da manipulação orquestrada de sua vida: o senso comum. E, em complemento, há os autistas sociais, seres políticos que sofrem desesperadamente da despolitização, com sua saída forçada da arena política. Seres políticos e politizados que sofreram da colonização provocada pela asfixia das relações humanas não objetivadas, quer dizer, as que não são dominadas pelo dinheiro e pela mercadoria. A ética presente nessas condições humanas objetivadas e controladas, sobretudo pela exceção invisível e sorrateira, como é próprio do fascismo, é a pior possível. Mas, torna-se quase natural, com tanta pressão e bombardeio diário indicando o caminho de “mão única”: o ser pensante de modo crítico sofre Bullying. Porém, não é somente uma questão de mesmice, de pasmaceira consumista (é claro que há imbecilização), pois, ainda mais grave, é a expulsão/exclusão do Político da alça de mira das preocupações cotidianas.

O autismo social refere-se à falta de subsídios, de insumos propriamente políticos (para além do partidarismo) para se entender, analisar a condução da coisa pública. Não se pensa, sequer, que a vida pública esteja bem além dos partidos de ocasião. No fundo, não se sabe mais o que é política – e por mais que tenha sido ínfimo o conhecimento acerca das forças políticas em jogo, no passado, ainda havia espaço público. De um modo ou de outro se aprendia como “fazer política” – se não na teoria e na análise aprofundada, ao menos na prática se apreendia um certo “o que fazer”. A questão maior e que se encobre na hegemonia atual do sistema produtivo, é como desnaturalizar a ética da exceção e como trazer de volta o Político para dentro da condição humana. Saber, conhecer esse caminho de liberdade resolveria o problema da robotização política (senso comum, despolitização) e do autismo social. Não resolveria as contradições do capitalismo excludente do século XXI, mas traria a chance de se pensar alternativas não-fascistas para os males gerados pelo Político aprisionado pelo capital, especialmente em sua face excludente da consciência e da prática política dos rebelados de outrora e dos quais se é herdeiro. Desse modo, “autismo social é a recusa permanente em conviver com toda e qualquer forma de manifestação fascista”.

Em outro extremo, trata-se de sentimento (ou de sua exclusão), como sentimento de afastamento de relações humanas de modo proposital, baseado na consciência individual decorrente de contatos sociais com outros indivíduos que se destacam pelo cinismo (indiferença social), passividade, individualismo exacerbado, alienação (aversão aos interesses sociais), ou que se expressem em práticas sociais antipopulares, antissocialistas, fascistas. Em suma, é a rejeição à convivência com outros "seres sociais" de comportamento antissocial, especialmente quando se comportam como pequenos tiranos.

É um sentimento de afastamento, como não-pertencimento a um meio que ascende por meio do anti-Iluminismo, racismo, elitismo baseado na exclusão (fascismo), em que a regra é a exceção dirigida aos considerados como não-amigos; quando a cordialidade é um mero expediente para contornar a formalidade que deve reger o espaço público.

É uma reação de auto exclusão, de não poder compartilhar com um meio que se alimenta de ações sociais excludentes. Nesse ponto da curva política, o autismo social, portanto, não é o oposto da interação e nem sinônimo de egoísmo/egocentrismo. Ao contrário, é uma reação consciente, crítica do meio gerador de egoísmo/egocentrismo e impeditivo da interação social48.

Por fim, o Político ainda é o melhor remédio (jurídico e moral) contra o Estado de Exceção. Tanto quanto o Estado de Exceção se alimenta do fascismo e do autismo social derivado.

O Estado de Exceção do tipo fascista

Como já adiantado, o Estado de Exceção, basicamente, pode ter os seguintes formatos: fascismo, ditadura, bonapartismo. Terrorismo de Estado, Golpe de Estado, Estado de Sítio, quarteladas, amotinamentos civis e militares, invasões militares, Golpes Constitucionais ou institucionais são instrumentos mais presentes em um ou outro dos três tipos impuros de Estado de Direito. Por ser o mais presente – haja vista que o fascismo é a adoração pelo dinheiro fácil (capital) e pelo poder sem controle (Estado de Exceção) – no cotidiano o fascismo deve receber atenção redobrada.

Mas, o que mais é o fascismo?

O fascismo é o poder autoritário e sectário que se sobrepõe aos interesses comuns e que atua em desfavor do cidadão mediano, do reles mortal desprovido de poder de barganha. É uma forma de poder que atende – e muito bem – aos que já detém alguma forma de poder; seja ele econômico, político, cultural, ideológico ou militar. Fascismo equivale a ter o Estado tomado de assalto por forças golpistas (militares e/ou civis), antipopulares, reacionárias (para além de conservadoras), que defendem interesses econômicos predominantes (como o capital financeiro) e incutem, na política e na cultura, valores autoritários, repressivos e de mero controle social hierarquizado. Pratica-se – sem desculpas – o monismo político-jurídico, com total soberania (heteronomia que despreza o pluralismo) e capacidade de impor a vontade dos grupos de poder reinantes sem direito de contestação. No fascismo, não há oposição. Há hegemonia de interesses econômicos dos grupos de poder dominantes. E ampla manipulação da opinião pública para que não se percebam os reais interesses em disputa e nem se tenha clareza da agenda econômica, política, ideológica e cultural. Vigora um “pensamento único”, sem nenhuma possibilidade de detração. O fascismo pode chegar ao poder pela via legislativa (partidos de ultradireita, por exemplo) ou por meio de Golpes de Estado; ou alternadamente, repetindo-se os dois. O dicionário especializado apresenta a seguinte definição.

Em geral, se entende por fascismo um sistema autoritário de dominação que é caracterizado: pela mobilização da representação política por parte de um partido único de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia fundada no culto do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo; por objetivos de opressão imperialista, a alcançar em nome da luta das nações pobres contra as potências plutocráticas; pela mobilização das massas e pelo seu enquadramento em organizações tendentes, a uma socialização política planificada, funcional ao regime; pelo aniquilamento das oposições, mediante o uso da violência e do terror; por um aparelho de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de comunicação de massa; por um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado; pela tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais (Bobbio, 1993, p. 466).

Ou seja, o principal fator do fascismo é embaralhar todas as cartas do jogo político e trapacear, porém guardando o coringa para o xeque-mate na democracia republicana. Já, o principal vetor dos regimes fascistas é o povo domesticado ou comprado: lumpemproletariado, decembristas, falangistas, camisas-pretas, facas longas. Não importa o nome que se dê, são variações de um imenso corpus social sempre manipulado e consumido pela máquina de moer carne humana da política fascista. Outro aspecto a ser incorporado implica que se deve entender, historicamente, que o uso dos meios de exceção política e jurídica tem sua marca nos séculos XVIII-XIX – sob a esfera da forma Estado Bonapartista – então, o fascismo (fruto do século XX) é uma das inúmeras variações do tipo principal do Estado de Exceção. Em suma, nessa primeira parte das alegações, pode-se verificar que o fascismo é uma das formas de autoritarismo (autocracia), assim como o Estado de Exceção e o jus puniendi global: forma globalizada do Estado Penal sob o Imperialismo monocrático dos EUA. Por isso, faz-se necessário um método que vasculhe pelos escaninhos e descaminhos da exceção.

Povo: categoria política e jurídica do fascismo

Como observado, além da totalização no controle político, o fascismo manipula as concepções populares acerca da política. Realmente, é muito difícil definir o que é povo. É mais fácil quando se trata da definição jurídica, em regra, bem aceita sob a ideia de se tratar do “conjunto dos eleitores”. Isso porque, na democracia representativa, é o eleitor – membro do “povo”– quem define as principais posições políticas por meio do seu voto. Porém, além desse enfoque, a mesma definição de povo não serve para determinadas práticas, pois não explica o que é, em essência, um determinado povo e nem sob quais forças políticas está subsumido. Fala-se que um Estado é formado de povo, território e soberania. Do mesmo modo, essa fórmula também não avança sem uma análise pontuada, visto que pode ser útil na primeira aula, mas na segunda já se fazem necessários muitos outros elementos analíticos.

Assim sendo, neste texto, tratar-se-á, diretamente, com o nomeado povo entorpecido pelo imediatismo político; aquele que está (ou só está) interessado no seu dia a dia e não procura pelo ineditismo na política: o alvo predileto do fascismo. E exatamente aí reside o problema, uma vez que, se o povo só tem olhos para si (sua família), sem perceber como facilmente é envolvido pelo chamado clamor público, é também consumista de uma Ditadura Inconstitucional. Quem é e o que ocorre quando se tem uma gritaria imensa (boataria) pelo país afora, sem saber o caminho certo a tomar; quem direciona e a que fins estão destinados; ou seja, sem nada saber, precisamente, sobre o futuro coletivo desse mesmo povo. Nessa perspectiva, o povo dócil é incomunicável pela reflexão crítica, dado o próprio controle dos meios de comunicação pelos grupos detentores do poder. Não foi por acaso que a propaganda moderna nasceu sob os holofotes do nacional socialismo, na Alemanha nazista. Nesse caso, é preferível chamar de massas, pessoas massificadas, coisificadas ou objetivadas: tornadas objetos para uso e desuso do poder. Porque, tal qual a massa do pão, cada um puxa para um lado até que tudo se arrebente. Nesse aspecto, uma das características do fascismo é, sorrateiramente, misturar toda a agenda política e social para que as crises sistêmicas e globais (econômicas) sejam pervertidas no tratamento jurídico e criminal. Provoca-se o clamor público (senso comum) para que adira à fabricação de tipos penais (crimes novos). Chegando ao ponto de as pessoas serem perseguidas, julgadas e punidas pelo Estado, não pelo que fizeram, mas sim por aquilo que representam. São punidas antecipadamente por aquilo que poderiam fazer.

Subversivos, comunistas, jihadistas, guerrilheiros, terroristas, criminosos (políticos e comuns, organizados ou não) são tratados no mesmo balaio legal: “associação criminosa”. É o que se chama de “crime de pessoa”, ou seja, na incapacidade ou desnecessidade de avaliar o suposto ato criminoso em si, o cidadão crítico é aniquilado pelo simples fato de ser quem é. E, repita-se, sem que tenha realizado nenhuma ação específica. O resultado é que milhares (hoje seriam milhões) de indivíduos vivem no clandestino Político. Sofrem de punição exemplar, preventiva. No regime político fascista, as penas, por exemplo, passam em muito da pessoa responsabilizada visto, pois, que atingem sua família, o grupo social – enfim, toda a sociedade. Do que também se depreende que, em função do imediatismo político, advém um sentimento atávico, um fatalismo como antessala para acalmar a expectativa de que nada mude e que tudo se mantenha como antes. É o fatalismo da acomodação, da indiferença, da descrença e da incapacidade de se (re)voltar para os outros lados da política. Portanto, também há um fatalismo no fascismo: a adoração (consciente ou manipulada) pelo poder sem controle do Estado de Exceção.

Há uma destinação, obrigatoriedade de ser assim, como o próprio destino que se refere ao fatum (“o dito”, derivado de fari: “dizer”), a “todas as coisas que vêm a ser pelo dizer” (pelo dito). Ou seja, entende-se como todas as coisas que já foram ditas (ou pré-ditas) porque “já se predisse tudo o que vai ocorrer”: “O fatum expressa, ao mesmo tempo, necessidade e determinação ou, melhor, predeterminação” (Mora, 2001, p. 999). Em suma, o fatalismo político propício ao fascismo toma a essência do realismo político a partir do imediatismo daquilo que se quer que ocorra (como determinismo), explicitamente, em favor dos grupos de poder e em claro desfavor do povo.

A agenda fascista no Brasil de 2016

Do conjunto da obra fascista, a Ditadura Inconstitucional, a partir de 2016, traz verbos fortes e ávidos de ação repressiva, com características específicas de uma agenda política não essencial, isto é, dominada por temas aparentes e apenas consequentes. A legalização da ditadura:

  1. Partidariza as relações políticas sem, contudo, analisar os grupos de poder;

  2. Transforma o debate público em ódio racial/social;

  3. Reinventa o lema da Democracia Racial (Gilberto Freyre) como forma impositiva do Pensamento Único;

  4. Investe milhões em debates sectários e salvacionistas pela fé e pela reza: anulando-se os princípios básicos do Estado Laico;

  5. Impõe a força no lugar da razão;

  6. Bate panelas cívicas (ou cínicas) contra o poder central, mas dorme e acorda abraçado ao poder local (muitas vezes mais perverso);

  7. Decreta o impeachment como Golpe de Estado;

  8. Procura exterminar a esquerda da política brasileira (entenda-se: “mandar os pobres de volta ao lugar da pobreza”);

  9. Anula o Princípio do Contraditório49;

  10. Clama e permite uma intervenção militar a propósito da oposição (eufemismo para Golpe de Estado com Ditadura Militar) – ou, ao contrário, decreta o Estado de Sítio (a serviço da situação);

  11. Enjaula os inimigos públicos;

  12. Privatiza-se o Poder Público (e todas as principais estatais);

  13. Permite o controle da economia nacional pelo capital internacional;

  14. Proíbe novelas com beijo gay (estimula a homofobia);

  15. Adota simplismos jurídicos/judiciais como se fossem grandes sábios do direito (conhece-se o direito à propriedade, mas desregulamenta-se o trabalho análogo à escravidão);

  16. Prega aceleradamente e como celerados (sicários da razão) a lei de talião;

  17. Substitui a vingança privada pela vingança pública;

  18. Criminaliza as relações sociais (mais tipos na fábrica do Direito Penal: manifestações políticas são tratadas como atos de “associação criminosa”);

  19. Cria incessantemente “novos” crimes hediondos (quem sabe com a pena de morte);

  20. Legaliza a castração química (ou de fato) dos criminosos sexuais;

  21. Rebaixa a maioridade penal;

  22. Ultrapassa, em poucos anos, a barreira de um milhão de presos;

  23. Privatiza os presídios;

  24. Treina a polícia com técnicas altamente sofisticadas (Comandos e Forças Especiais) para um combate de guerra civil;

  25. Forma agrupamentos evangélicos paramilitares;

  26. Estimula ou pratica estupros de universitárias e se vestem como a K.K.K em trotes de humilhação e bebida forçada (e que já resultou em várias mortes).

Os itens acima expostos são apenas alguns exemplos da agenda fascista global.

Outros elementos do fascismo

Como se sabe, a história do fascismo é muito longa, sinuosa e cheia de armadilhas. Por isso, toma-se o exemplo do período compreendido pela Segunda Grande Guerra (de 1905 a 1945): o nazifascismo, não tanto como surgiu, mas o que de mais grave se fez. Primeiro: o fascismo ocupou o poder sem golpe. Hitler foi eleito, tornou-se Chanceler e, em seguida, destituiu o Parlamento. Segundo: o fascismo governou com leis de exceção. Hitler governou tanto o sistema político quanto a máquina militar por meio de leis que ele mesmo criava ou ditava: literalmente, a vontade do Füher era lei (Fest, 1976). Depois, o fascismo decretou o Estado de Sítio. Na Alemanha de Hitler, o Estado de Sítio durou 12 anos; portanto, são se resume aos dois meses prometidos pelos saudosistas da intervenção militar. Terceiro: o fascismo elegeu bodes expiatórios: judeus, comunistas, ciganos, alemães rebelados, cidadãos honestos, democratas e republicanos foram liquidados. Quarto: o fascismo legalizou a discriminação: doentes mentais, gays, deficientes físicos (ou incapacitados para o trabalho e para a guerra) foram dizimados. Quinto: o fascismo elegeu vítimas e o povo entrou massificado na agenda doentia do capital avassalador que disputava mercados e pagava com a alma de mais de 30 milhões de mortos. Pois bem, essas pobres almas não se acalmaram, agora estão em leitos, nas camas; não dormem, apenas atormentam e, insones, não se encontram retiros para fora/longe do fascismo. O fascismo impõe uma Antropologia do Sonambulismo, pois na cama, se reproduz todo o Mal50. Sexto: o fascismo é conduzido por psicopatas: em 1964, presos políticos tinham membros decepados e, às vezes, eram obrigados a comer pedaços do próprio corpo. Sétimo: o fascismo nunca vem pronto e acabado, é um longo processo de gestação do Mal, como nesta descrição jurídico-excepcional:

1905 – Fundação da Sociedade para a Higiene Racial pelo Dr. Ploetz. 1908 – Na colônia alemã da África do Sudoeste são proibidos, e também declarados nulos, todos os casamentos mistos [...] O Dr. E. Fischer, docente de Anatomia da Universidade de Freiburg, pesquisa no país os “bastardos de Rehoboth”, mestiços de brancos e hotentotes. 1913 – É publicado o livro de E. Fischer {“Os bastardos de Rehoboth e o problema do abastardamento do ser humano”}. “Portanto, nós lhes concederemos um mínimo de proteção, que eles precisam como raça inferior em relação a nós, e só o faremos enquanto nos servirem – caso passem a concorrer conosco, terão que ser exterminados” [...] 1920 – É publicado o livro do jurista Prof. Binding e do psiquiatra Prof. Dr. Hoche {“A permissão para o extermínio de vidas indignas de viver”}. 1923 – Hitler lê, durante sua prisão militar em Landsberg, a segunda edição do manual de Baur-Fischer-Lens {“A ciência da hereditariedade humana e higiene racial}, e elabora o conceito de raça no seu livro Mein Kempf {“Minha Luta”} [...] 1931 – O Prof. Lenz escreve na terceira edição do livro de Baur-Fischer-Lenz [...] “Não se deve duvidar que o nacional-socialismo almeja, com honestidade, um saneamento da raça” [...] 31 de dezembro de 1931 – Himmler determina que os homens da SS têm que pedir autorização para casamento51 no recém-criado departamento racial da milícia negra [...] 2 de julho de 1932 – Uma comissão da Secretaria de Saúde do Estado da Prússia decreta e recomenda uma lei52 de esterilização com o lema: “A eugenia a serviço do bem-estar do povo” [...] 30 de janeiro de 1933 – Hitler torna-se chanceler da Alemanha (Müller-Hill, 1993, pp. 19-20 grifo nosso).

Oitavo: o nazifascismo desumanizava seus inimigos para persegui-los com a morte. Judeus, comunistas, ciganos, deficientes físicos e outros eram “legalmente” considerados como inimigos de Estado e prontos para o abate. Também serviam para pesquisas, como se faz com ratos. Mulheres grávidas tinham as pernas amarradas, juntas, para saber quanto tempo sobreviveriam sem passar pelo parto (Müller-Hill, 1993). Além do que, seus bens eram roubados. Nono: o nazismo é uma forma particular do fascismo. Portanto, todo nazista é fascista, assim como todo racista é nazista. Os fascistas têm um substrato comum com as formas autoritárias, autocráticas (ou monocráticas), imperialistas e manipuladoras das mais variadas formas do poder de exceção. Décimo: o fascismo não traz novidades ou alternativas; pois, ou se está com ele, ou se é declarado inimigo público: o adversário político é verticalizado em criminoso de guerra, “inimigo combatente”. Décimo primeiro: o fascismo é racista, classista (elege grupos, classes ou etnias para os privilégios), sexista, elitista, xenófobo. Não suporta e não admite o diferente, o contraditório, uma vez que deve vigorar o Princípio do Terceiro Excluído; sem direito à oposição, sem mudanças no status quo.

Décimo segundo: o fascismo é legalista. Subverte absurdamente a democracia para formar um Estado de Direito conduzido/gerido exclusivamente por leis de exceção. Em busca de legitimidade, para covardemente fugir da acusação de crimes de guerra, cria uma máquina legislativa descomunal, incomparável. Tenta legalizar (legitimar) os crimes mais abomináveis. Décimo terceiro: o regime político fascista asfixia toda forma de representação e de apresentação das demandas sociais, coletivas, difusas, trabalhistas. Também por essa razão vigora um sistema tripartite, em que o Estado interventor reprime as vontades políticas legítimas impondo uma só representação sindical e outra patronal. Com dois interventores controla tanto o proletariado quando o empresariado: contornando a luta de poder que possa haver entre as frações de classe. Esse foi o modelo italiano de Mussolini. Décimo quarto: como forma específica de Estado de Exceção, o fascismo pode ser resumido na fórmula do Estado Bonapartista. Nessa arrumação do Poder Político, os grupos de poder lutam pela hegemonia do controle político e do capital (representado por frações de classe: industriais, banqueiros, latifundiários, ruralistas) e, para isso, utilizam-se de todas as formas de manipulação das “massas amorfas”. O povo é conduzido como sem-noção.

Por fim, mas não menos importante, o fascismo se institui em verdadeiro Estado de não Direito: em que o direito é utilizado, como produto(r) de leis injustas para se aplicar toda forma de injustiça institucional que o Poder Político requeira. O fato de não haver direito de ampla defesa é somente uma amostra (Martinez, 2014). Não só o direito de oposição é cancelado, como toda resistência é punida com o desterro ou a morte. No Estado de Direito Democrático, sabe-se, o cidadão nacional não pode ser extraditado para fora de seu país. Enfim, o fascismo é uma sombra rancorosa que atormenta a condição humana – muito além de uma mancha na história. E é esse o risco que se corre, e ainda que com cores, dores e doses diferentes daquelas de Hitler/Mussolini. Frise-se, a sombra é a mesma. No Brasil de 2016, quase metade da população (entrevistada53) apresenta-se favorável a algum tipo de regime militar. O fascismo cresce quando a cultura é abjeta e o povo objeto do poder de exceção. Pois bem, decorre desse conjunto da obra fascista a indiferença às condições impostas pela Ditadura Inconstitucional.

Variações ditatoriais

A ditadura, por seu turno, também expressa uma forma autocrática de gestão do Poder Político. Todavia, ainda que se alimente o Princípio Fascista na modernidade, nem toda ditadura será fascista em espécie. Não é difícil encontrar uma forma de ditadura civil, outra oligárquica – baseada em tradições, mitos e na repressão – mas, sem uso constante de forças militares, como se deu em vários períodos da Roma antiga. Ainda que em outros momentos estivesse presente a opulência militar e a direção autocrática do poder com Caio Júlio Cesar à frente, o exercício do domínio ditatorial dar-se-ia de acordo com o Princípio da Unidade de vontade mantido pela oligarquia de origem e beneficiária do poder acumulado. O ditador, nesse caso, era um servidor público: o cargo político de dictator fora criado em 501 a.C.

A forma Estado Bonapartista se apresenta quando há controle estatal hegemônico por grupos de poder associados ao capital. Contudo, em que pese à forma Estado Bonapartista ser a matriz do Estado de Exceção, com origem na Franca de 184854, de trás para frente, há algumas variações que foram agregadas ao modelo germinal. Assim chamado modelo Bonapartista, a forma Estado condensa uma maneira política de gerir o Estado com o uso/abusivo de forças ideológicas e repressoras, como também se alimenta da fragilidade cultural e política de determinadas classes sociais subordinadas. Arvora-se como República ou democracia representativa, mas manobra grupos sociais para desorientar opositores (utiliza-se de mercenários), bem como desconhece na prática a separação republicana dos poderes constitucionais. Em determinados casos, a separação de poderes até existe como definição constitucional; porém, pode ser revogada assim que o superpresidencialismo requisitar forças auxiliares para a contenção ou regulação do sistema, como se destacou na Constituição de Weimar, em seu art. 4855 – a manipulação do poder constitucional conferiu poderes de Kaiserpresident ao Füher. Os mercenários utilizados como força de contenção/repressão popular podem advir do lumpemproletariado (decembristas), de exércitos regulares ou de forças especiais.

O 18 Brumário (Marx, 1978) – em que pese à análise e a configuração do Estado bonapartista como Estado de classes – não estabeleceu um modelo teórico, como os tipos ideais weberianos. O Estado bonapartista, mais precisamente, é fruto da força insuficiente do capital industrial e indica uma distorção no desenvolvimento e no aprofundamento do sistema capitalista francês, também em virtude do predomínio da aristocracia francesa. Para se olhar a Alemanha, por exemplo, seria preciso diferenciar o Estado Bonapartista do Estado Militar (a não ser que se tomasse este – no pós-golpe militar – como espécie daquele). O Estado Militar, portanto, poderia ser interpretado como interseção direta do Poder Político a fim de estabelecer melhores condições à acumulação primitiva, com destaque para certa autonomia estatal e temporalidade: de acordo com a regularidade das crises políticas. De certo modo, também decorre disso a imprecisa noção e sensação de predomínio do monismo jurídico56; uma maneira igualmente imprecisa de como se relacionam com o capital hegemônico os países subdesenvolvidos (com retorno do Estado Militar) e que revela o período de transição porque passa o Estado brasileiro em suas sucessivas crises de legitimação (Sader, 2014).

Na modalidade Estado de Sítio clássico é possível agrupar alguns subtipos: golpe institucional; Golpe de Estado; contra-Golpe de Estado; o próprio Estado de Sítio. No primeiro subtipo, golpe institucional, pode haver uma série também diferenciada, empregando-se apenas mudanças legais e político-institucionais que garantem tanto a permanência no poder quanto sua retirada, como foi em Honduras (2009) e no Paraguai, em 2012 ou, então, a combinação do exceptio legal com o uso da força física57 (e sendo violência institucional ou paramilitar). O AI-5, de 1968, daria bases legais ao uso da violência – aprovada esta, que fora, pela exclusão dos direitos fundamentais individuais e políticos58. A Ditadura Inconstitucional alavancada em 2016 é uma forma expandida e sofisticada; todavia, difere totalmente do AI-5 no pós-Golpe de Estado de 1964. O Golpe de Estado, normalmente, é garantido pelo uso da violência e pode ou não resultar em regimes militares: o golpe de Mussolini colocou-o no poder, instaurando-se o fascismo e uma ditadura civil militar. No contra-Golpe de Estado, as forças defenestradas reinvestiram na retomada do poder e anularam ou aniquilaram os grupos de poder golpistas. Foi exemplar a iniciativa de Salvador Allende, em 1973, que investiu com tecnologia ao saber das possibilidades reais de golpe militar59.

O Golpe de Estado costuma ter um caráter militar estrito senso – ainda que conte com ampla burocracia e intelligentsia civil – sendo estopim de pressões civis nacionais ou internacionais como foi a Ditadura Militar brasileira, no pós-1964. A insistência em se aplicar o recurso do golpe militar de Estado a fim de contornar crises políticas e econômicas, como demonstra a história da América Latina, remete à configuração de um verdadeiro Estado Militar – como outra derivação do Golpe de Estado. Posto que os governos civis, historicamente, foram interregnos militares e não há regra em que vigem as disposições da política da distensão. Assim, é possível indicar que o Estado de Direito na América Latina é, realmente, uma mera expectativa de direitos. Equivale a dizer, antecipadamente, que o Estado não tem tido complacência com a sociedade. Pode-se dizer que essa seja uma constatação que remonta ao início da formulação do Estado-nação, como ensinou Darcy Ribeiro (2007).

Na Colômbia este se estrutura como um regime republicano, mas anti-popular, ‘democrático’, mas oligárquico, ‘livre’, mas escravocrata e regido por um sistema de eleições indiretas [...] com pena de morte por delitos políticos [...] Na Venezuela se implantou governos autocráticos que regem a vida nacional ao longo de 150 anos (p. 278 – grifo nosso).

As forças armadas metamorfoseiam-se em guardiões policiais e a política se reduz a um cano de escape de práticas policialescas. Como base de todo Estado com manu militari, as forças armadas ganham o status de estrutura social – como estratocracia (stratus = exército). Na América Latina, em épocas de repressão social e política mais acirradas e embrutecidas, as forças armadas tinham como inimigos alguns setores sociais, o que ainda se configuraria como democídio (extermínio político), especialmente nas grandes periferias. Como recurso institucional houve preparo especial e amplo emprego das polícias e dos grupos de extermínio, como os “Esquadrões da Morte”. De modo amplo, o manu militari acabou se revelando um recurso complementar à moral ditada pela corrupção que assegura a fidelidade política. “Com base nesse aparelho militar é que os governos podiam manter-se apesar do estado de guerra civil intermitente que faz espocar 38 revoluções na Venezuela no decorrer do século passado” – Leia-se o século XIX – (Ribeiro, 2007, p. 279 – grifo nosso). Tal afirmativa constata-se no romance O General em seu Labirinto – retrato melancólico de alguém açodado pelo desterro – em que G. G. Márquez (2007) traça os últimos tempos de Simón Bolívar.

O Estado de Sítio, propriamente dito, pode ser interno ou externo, agindo-se de dentro pra fora ou, ao contrário, de fora para dentro. Como força externa que subjuga o Estado rendido, Troia e o Cerco da Numancia são exemplos clássicos. Como força interna que anula resistências e investe contra uma parcela política (democídio) ou étnica do povo (genocídio), o Nazismo é igualmente tradicional. E, por vezes, há uma combinação ou sequenciamento de fatos que envolvem golpes e contra-Golpes.

O Estado de não-Direito tem a marca indelével de constituir o mais típico Estado de Direito formal sob a comenda de leis injustas, criando-se privilégios com foro de legalidade (Canotilho, 1999). Numa forma tênue, em exemplo inicial, cria-se uma legislação benéfica aos apaniguados do Poder Público, como promoções funcionais, proteções de foro privilegiado e aposentadorias que, mesmo compulsórias, são extremamente recompensadoras. Em situações ainda mais efetivas, o Judiciário é quem atenta contra a segurança jurídica dos direitos fundamentais, atuando em favor de um Estado Policial 60. Quem lê O Processo (Kafka, 1997) não pode não pensar no Estado de Exceção como aplicação direta do antidireito inerente ao Estado de não-Direito capitalista (Martinez, 2014). Kafka escreveu uma Narrativa do Espólio (2002), na verdade um conjunto de fragmentos, contos e ensaios considerados menores – às vezes apenas um pensamento, como na sua versão sobre o Mito do Fausto –; porém, mesmo aí está presente sua particular forma de ver o mundo e de nos avisar dos perigos que rondam a vida moderna, a começar pelo pensamento imbuído de pequenas exceções, como justificativas para as escapadas da legitimidade. A ironia da vida está na morte certa; além de que, normalmente, o menos é o mais. Veja-se o tamanho dessa narrativa e a força que revela a crueldade que há em toda verdade posta. Em Kafka não há como escapar dessa tríade soberana: a morte é dona da vida; o menos vale mais; a verdade é cruel. O resultado é que se procura a justiça com menos direitos. Pois bem, a seguir nas interpretações – a luta pelo reconhecimento só é visível a partir do mal –, o Mal é tido como passagem progressiva e necessária à superação. Também é mais ou menos essa a alegação do Estado de Exceção, o mal como depuração, como purgatório para a história redentora de uma nova história que far-se-á épica – porque será a história da sobrevivência e da superação dos mais fortes, antes imersos na exceção que agirão como Fênix, pois das cinzas do Mal virá o Deus redivivo. É essa a força redentora que há no “mito da exceção”.

No bojo do Estado Penal (Martinez, 2012), o mito do encarceramento replica a exceção (que deriva a aplicação do direito penal e do sistema carcerário) transformada em regra. “Será que eu ainda poderia fruir outro ar que não fosse o da prisão? Essa é a grande pergunta, ou antes: seria, se eu ainda tivesse qualquer perspectiva de ser libertado” (Kafka, 2002, p. 93). Seu alerta diz que o encarceramento social – como são os regimes políticos baseados no controle social – provoca em todos certo sentido de aprisionamento, de institucionalização do medo de transgredir. Por isso, “estava acima de qualquer dúvida, porém, que com isso ele não se referia ao meu estado atual e sim àquilo que iria acontecer comigo. A sala era mais parecida com uma cela de prisão do que com um salão de hóspedes de camponeses” (Kafka, 2002, p. 93-94). O Estado Capitalista é totalmente sem-devir e, é contra esses status que os átomos, o cidadão deve se insurgir, revolucionando-os como seres livres, como foco e motor contínuo do poder constituinte universal (Negri, 2002). Como direito que se perfila na sociedade aberta, aí atua o cidadão intérprete da política na sociedade aberta (Haberle, 2008). Portanto, o cidadão é o intérprete da Constituição. Para o Estado de Exceção, ao revés disso, vigora o paradoxo jurídico de que o Poder Constituído – o próprio direito positivado pela condição de exceção prevista no “regime democrático” – maneja e determina o Poder Constituinte Originário. Desse modo, na realidade, o cidadão apenas “deveria ser” o intérprete do Político e da Constituição; posto que, alijado (in)conscientemente de uma participação efetiva – e que requer informação estruturada e conhecimento – reduz-se a espectador do processo político. Ressalta-se que o telespectador é produzido pelo marketing político (Debray, 1993) e que as contradições do capitalismo moderno são enormes e uma delas opõe Iluminismo e Estado de Emergência61.

O Jus Puniendi Global tem natureza punitiva (primitivista62), altamente criminalizadora, segregacionista e seletiva. Atua como verdadeira forma de Estado de Direito regressivo e punitivo (cesarismo), pois em outro caso, basta lembrar que o Tribunal Penal Internacional não incomoda os EUA e seus satélites, ainda que sob a confissão de cometimento de crimes contra a Humanidade63. Na mesma toada, contabilize-se o Estado Penal (Wacquant, 2003) como subtipo desta modalidade de jus puniendi global em que os Estados nacionais adotam critérios e ações particulares, mas, com o mesmo mérito de investir no controle social por meio da criminalização das relações sociais e políticas. Outro aspecto em comum é o uso/extensivo de recursos excepcionais de força no treinamento e na ação tática das Polícias Militares. Na vigência desse subtipo do Estado Penal, as polícias do mundo todo empregam treinamentos beligerantes altamente sofisticados e que – sob a formação de Comandos (Young, 1975) e de Forças Especiais (Haney, 2003) também atuam como exceção dentro dos exércitos regulares, de modo que acabam imprimindo alta carga de letalidade na ação de contenção policial. Fato que engendra uma discussão para além da militarização das polícias, pois mesmo a Polícia Civil tem grupamentos treinados com técnicas e táticas de guerra de Comandos64. Trata-se de fenômeno mundial, em que o inimigo das elites é uma parcela do seu povo e, por isso, cresce o emprego de recursos paramilitares: algumas forças policiais, inclusive, estiveram engajadas em exércitos regulares. Excessos que, como ações de exceção, minam os preceitos democráticos65. No modo difícil de entender a lógica do poder, primeiro vem a “lei”, depois a “ordem”; pois, como consequência, tem-se que “o cidadão é inimigo” e que só o confronto ao estabelecido traz mudanças significativas66.

O Terrorismo de Estado se apresenta como golpe contundente de força manu militari que descortina a hegemonia do capital controlativo na fase atual do capitalismo, mas que mantém técnicas e estruturas do século XX – especialmente se a organização econômica impõe miséria e culpabilidade penal ao próprio povo67. Sua historiografia, no entanto, remete ao epicentro da Guerra-Fria (Pankov, 1983). No geral, confunde-se propositalmente Razão de Estado com guerra, soberania de conquista e Estado de Exceção. Afinal, o Estado de Direito traz a natureza jurídica do Estado Policial (Branco, 2013). Nesse sentido, muitas vezes o Poder Político limita-se ao controle social e político, configurando-se no subtipo aqui denominado de Estado Controlativo e a serviço do próprio capital disruptivo e especulativo: “A terceira fase, potencialmente a mais mortal do imperialismo hegemônico global, que corresponde à profunda crise estrutural do sistema do capital no plano militar e político, não nos deixa espaço para tranquilidade ou certeza” (Mészáros, 2003, p. 109).

Por sua vez, o Estado Controlativo poderia ser uma manifestação do Estado Penal, mas sua principal característica é investir maciçamente no controle social, político e na vida privada. O que acentua as características de outro subtipo, o Estado de Justiça (Silva, 2003), como cópia ou réplica do Estado Ético hegeliano: suprassumo, absolutamente incontestável. A inteligência política dessa argumentação está no fato, razoável, de que não se discute a razão como corolário da evolução humana e, sendo o Estado a expressão máxima dessa razão, é evidente que se coloca o Poder Político no ápice da fabricação humana. Do passado mais longínquo (controlar a vida porque esta se tornou lucrativa) ao momento presente, em que o controle quase absoluto sobre a vida é muito mais rentável, o Estado se coloca como indutor de insegurança social para vaticinar um controle social abusivo. Momentos clássicos foram os regimes totalitários, mas são os Estados neoliberais e excludentes que vigiam todo seu espaço público. São Paulo, por exemplo, concentra 78% dos mais de 1,5 milhão de equipamentos de vigilância do país. Expostas no espaço público da região metropolitana, as câmeras podem filmar uma pessoa 28 vezes num único dia. Em Londres, que já passou a marca de 1,5 milhão de equipamentos, a mesma pessoa seria filmada 300 vezes. O principal motivo é que em São Paulo somente 15% das câmeras são externas e, em Londres, mais de 50% delas são públicas e interligadas68. Alguns ainda poderiam qualificar como uma atualização do modelo definido na filosofia política do século XIX como Estado Ético – ou Estado Judicial, controlativo da vida privada. Nesse cenário vige, então, um panóptico virtual (Bauman, 2013), uma confluência de sistemas panópticos tradicionais (disciplina e adestramento) com a realidade virtual/real (Levy, 1996) que coloniza em forma de rizoma. Controle interno e externo, real/tradicional (Foucault, 1977) e virtual/pós-moderno (Deleuze, 1995). O que amplia, sobremaneira, o potencial de dano às liberdades, garantias e direitos fundamentais. Na recente história brasileira, esse movimento vai do militarismo ao Estado Democrático de Direito e daí em regresso ao Estado de Direito Repressivo: Ditadura Inconstitucional. Nesse caso, exemplo claro é o mapa da violência nacional que revela a exclusão, a repressão, o extermínio de pobres e a enormidade de vítimas negras69.

O Estado de Direito Repressivo e Regressivo surge como subtipo do Estado Bonapartista, em meio ao Estado de não-Direito, com fulgurante inconstitucionalidade. Em diversos/todos países, assim como no Brasil, há um regresso ilegítimo na defesa das garantias e dos direitos fundamentais. Esse é um quadro que se agrava, no mundo, em razão dos refugiados que procuram os grandes centros70 e, no Brasil, pela miséria social que alimenta a violência urbana e rural. O sistema econômico produz o lumpemproletariado, alimento da criminalidade organizada ou não, e assim se justifica o Estado Penal. Portanto, há aí o alimento imoral do Estado de Direito Repressivo e Regressivo, ou seja, um sistema econômico-jurídico que reproduz a miséria humana para referendar o uso/abusivo das formas de exceção no controle/coerção social. Assim sendo, produz-se mais miséria humana, geradora de pânico e da repressão social, renova-se a necessária coerção. Para tanto, as polícias treinam com manuais de Comandos e Forças Especiais, são preparadas como mercenárias para conter sublevações urbanas (Frattini, 2014). Leva-se ao pé da letra e para dentro de casa e da alma a ideia que a segurança pública é tarefa do cidadão, que se torna policial em tempo integral, com medo da sombra. Mimetiza-se o policial. As forças policiais agem com obscuridade, como se andassem em eterno secretismo de ações e aspirações; os cidadãos fazem o mesmo: as pessoas não permitem que o fiscal sanitário entre em suas casas para combater o mosquito da dengue porque têm medo que seja pretexto de assalto. Preferem morrer de dengue hemorrágica, ante um possível abuso estatal.

Concomitância de recursos abusivos na tipologia

A análise, quando não se apresenta como tipos ideais, reforça o vislumbre da demarcação política, ideológica, jurídica e econômica; é uma análise concreta, histórica, ontológica (nomológica) e a configuração das formas de Estado de Exceção podem ser privilegiadas. Por outro lado, isso não impede a observação concomitante da forma Estado em um mesmo lapso espaço-temporal. Em todo caso, uma das diferenças entre o passado – pós-Revolução Francesa – e o presente se traduz pela incessante realização da legalidade das ações de força e, de forma derivada, da pretensa legitimidade do Poder Político. Ainda que se carreguem de moralidade e reconhecimento (populismo jurídico) os atos de potência sempre serão ações de força física. Pode-se dizer que, desde a Segunda Guerra Mundial, e a partir do legalismo nazista, o Estado de Exceção se bate pela legalização do uso (abusivo) da força física e da coerção moral. Sendo assim, após a pressão econômica típica (embargos econômicos) destaca-se a repressão – sobretudo, penal ou criminal. Nessa fase ou tipo especial de Estado de Exceção é que se revela o denominado jus puniendi global. Ou seja, a repressão e a criminalização (dos movimentos políticos e das relações sociais) são duas de suas facetas – além do próprio Terrorismo de Estado que constrói e impõe força econômica em bases militares.

O Estado Militar suprime direitos, garantias e liberdades, mas o Estado de Sítio – a observar a Constituição Federal de 1988 – pode apenas congelá-los em sua vigência. Do mesmo modo, há convergências que supõem a existência de fatores comuns ou a aplicação concomitante de vários tipos: o Fascismo se utiliza das massas de manobra tal qual o Bonapartismo. O Estado de não-Direito e o jus puniendi global configuram-se pela legalização de atos ilegítimos – e o Terrorismo de Estado, em comum à ditadura (notadamente militar), impõe-se pela força física – mesmo retornando à tentativa de legalizar seus atos de força bruta. Em que pesem essas tentativas, tanto o Golpe de Estado (ou golpe constitucional) – que pode degenerar em guerra civil ou em Estado de Sítio – quanto o Estado de não-Direito, que mantém privilégios de classe à cúpula da Polícia Militar, notabilizam-se pelo manejo do Poder Nu (Einstein, 1994). Nesse aspecto, no que se diferenciam o Bonapartismo e o Estado de não-Direito? No primeiro, as massas insondáveis de lumpemproletariado têm função profícua na manutenção dos interesses dos grupos de poder; já, no segundo, o exército social de reserva que entre outras missões, alimenta o crime organizado, é resultado direto da convergência do Estado às políticas econômicas hegemônicas. Ou seja, o lumpemproletariado – como exército social de reserva – é produzido em larga escala pelo segundo e amplamente utilizado (politicamente) pelo primeiro. Ao criar e manter privilégios de classes, estratos, grupos e camadas sociais – em prejuízo do próprio Princípio da Dignidade Humana – não estará o Estado de não-Direito refugando, inviabilizando, mitigando a plenitude dos direitos fundamentais? Se sim, qual a diferença real entre esse tipo e a ditadura civil, por exemplo? Se o Estado de não-Direito tem as polícias militares como reserva das forças militares engajadas71, é obvio que guarda similitude com a Ditadura Militar – sendo esse um rebotalho de 1964. Em todos os tipos, entretanto, há uma crescente racionalidade que aproxima direito e força (Benjamin, 2013).

O Estado de Exceção potencializa a racionalidade weberiana

As últimas consequências do desencantamento do mundo (Weber, 1979) trouxeram a desesperança em vislumbrar o presente/futuro livre das armadilhas da exceção. O Estado de Exceção decorre do “monopólio do uso legítimo da força física”, bem como a dominação racional legal abdica dos direitos fundamentais. A natureza jurídica das regras de exceção é a injustiça e uma vez que o poder torna-se juiz dos próprios atos, cria privilégios aos que detêm esse mesmo poder – e o principal deles é ser julgado pelas regras criadas pelos seus pares –, além de discriminar como “governo dos homens” (Bobbio, 1986) os que devem sofrer a desigualdade de serem tratados por leis especiais. Torna-se, ao final, um regime de absoluta intolerância para aqueles que não toleram o governo de leis excepcionais. A derivação do Estado, a análise concreta e histórico-crítica da sua tipologia – além de permitir que se investigue a relação entre poder, sociedade e capital – valoriza o entendimento de que a autonomia relativa da esfera estatal indique as relações sociais e de classe. Juridicamente, como analisado intrinsecamente à Ditadura Inconstitucional, a autonomia degenera em autocracia porque não se aplica a auditoria a quem caberia o resguardo da Constituição; do mesmo modo, o poder monocrático de julgar torna-se autocrático (próprio do regime de castas) porque se decide fora dos parâmetros da discricionariedade democrática. Em outros termos, pode-se avaliar que tipo de sociedade aceita complacentemente o Estado de Exceção (como traço do fascismo); fator que ainda relaciona e nivela o senso comum à intelligentsia do poder (Hirsch, p. 30-31). Por isso, também se pode dizer que o Estado de Exceção é a formação política mais desenvolvida da dominação racional-legal sob o capitalismo. Numa confluência de Hegel72 (1997) e Weber (1979):

Relações capitalistas apenas podem se formar inteiramente quando a força de coerção física se separa de todas as classes sociais, inclusive das classes economicamente dominantes: isso ocorre precisamente sob a forma do Estado. Aqui fica claro por que Max Weber podia falar do “monopólio da força física legitimada” como a característica decisiva do Estado capitalista [...] Com isso, a violência não desaparece da sociedade. Ela continua a operar sobretudo “silenciosamente”, na medida em que obriga os indivíduos a venderem a sua força de trabalho [...] Ela se tornou, até certo ponto, racional e calculável e, em certo sentido, também “civilizada” (Hirsch, p. 29 – grifo nosso).

Os recursos de exceção – assim como o próprio Estado de Direito que os alberga – são componentes vitais da dominação racional-legal, da legitimação e da manutenção do poder. Atuam como “recursos extraordinários” de força sem rivalizarem com a ordem legal. E nisso ainda se diferencia o Estado de Exceção, especificamente sob a forma do Estado de não-Direito (Martinez, 2014) do mais ardiloso Golpe de Estado. Pois, sob a legalidade do Estado de Direito não pode haver ilegalidade no uso da violência, posto que a regra de exceção praticada fora incluída em texto constitucional e porque é justificada pelo Estado que tem o monopólio legítimo do uso da força física (Weber, 1979). Isso é decorrente da máxima sociológica weberiana, assim sendo, pode-se concluir que o Estado de Exceção é a racionalização máxima, extremada da esfera da política no capitalismo. A expertise da exceção racionalizou a política ao extremo, a fim de que o “governo das leis” (império da lei) fosse/seja manuseado por grupos que dominam o governo altamente discricionário, e para que se possa agir como “governo dos homens”: mais ainda quando se fundem em vontade política o Executivo e o Legislativo. Desse modo, o governo dos homens atua em liberdade e sob o manto protetor da legalidade. Essa descrição vale para o passado e o presente, e quiçá para o futuro.

Os novos (velhos) tipos de exceção

No Brasil ainda se considera a opressão institucional (político-jurídica) e a exclusão social como "ideias fora do lugar", porque seriam incompatíveis ao capitalismo liberal e em desacordo às prerrogativas do seu Estado de Direito. Quando, em verdade, são ideias muito bem justapostas ao tipo especial de colonização ao qual os cidadão foram submetidos. Internamente, o capitalismo escravista gerou um sistema político regulado pela “exploração capitalista do trabalho escravo”, com natureza semelhante à servidão. O mercado de consumo era europeu e, por isso, não havia necessidade de trabalho livre, uma vez que não haveria consumo interno. Institucionalmente, os laços daquele coronelismo retrógrado ainda prendem a laivos de coronelismo aburguesado e de cunho fascista: coronéis de paletó e gravata conhecem a física quântica, ao passo em que se aprimoram na política do bico de pena. Desse modo, ainda hoje, o modelo resulta num tipo de "capitalismo patrimonialista", em que o Estado serve ao capital (em meio às lutas contra-hegemônicas) e também reproduz interesses inerentes aos seus quadros (estatismo, regime de castas) e desvinculados dos "interesses nacionais". Sob esse contexto, é interessante pensar a “autocracia política” como categoria conceitual porque permite acomodar os interesses dos grupos de poder (do capital) às demandas de elites políticas e institucionalizadas (Judiciário à frente) que se alojam no interior do Estado.

Trata-se de elites políticas (ou jurídicas) que atuam feito elos funcionais e sistêmicos – no sentido de (re)ligadas ao sistema político-jurídico – mas que nutrem interesses específicos; aparentando, portanto, que há certa "autonomia" para agir em proveito próprio. Desde a origem, o Judiciário togado por privilégios de carreira é exemplo secular; são “doutos” pelo direito concedido por D. Pedro I, ao revés dos doutores acadêmicos e com tratamento pecuniário absolutamente distinto. Vive-se, no final das contas, uma contradição do sistema político-econômico de difícil solução: autocracia societal x autonomia relativa dos aparatos de poder político-jurídico. Uma sombra do passado, na Modernidade Tardia, que talvez enseje a natureza jurídica do Estado de Direito (regressivo) brasileiro. Fato que também fica mais claro ao se observar que a burocracia não é classe social (no sentido de que não mantém uma relação fundadora com o capital), mas atua como tal, num estado de ânimo político que se desvincula “temporariamente” e, assim, se identifica a um estrato de capital capaz de reivindicar “autonomia política relativa” frente aos interesses mais hegemônicos da esfera econômica. Esse é o sentido que se emprega ao regime de castas atribuído, de modo peculiar e notório, ao Poder Judiciário.

A burocracia político-jurídica (regime de castas) também pode servir ao capital, servir-se do Estado e do capital, ao mesmo tempo em que se autoproclama prestadora de serviço público; imbuindo-se no art. 37 da CF/88 de legalidade, impessoalidade, eficiência (ou economicidade), publicidade e moralidade (ou probidade). Porém, no fundo, reveste-se de “esprit de corps”. Um espírito de corpo que se ajusta à democracia ou ao fascismo: Estado de Exceção. Ou seja, aqui, as ideias sempre estiveram no lugar certo e foram (e são) afetas à exceção, exclusão, opressão popular; bem como atuam na defesa “do andar de cima”. Neste país, portanto, contabilizando-se a herança da escravidão, a colonização no formato do Patriarcalismo (Faoro, 1984) e que impera sobre todas as relações societais (a exemplo da forte atuação do Poder Local), ainda se defronta com “novas” modalidades e investidas excepcionais do Poder Político. Vive-se uma modernidade aliançada ao passado, e o passado/presente é recheado de fases agudas de exceção e discordância à própria noção de modernização das condições políticas, sociais e jurídicas (Ianni, 1994). Em muitos aspectos, pode-se dizer que vige um Estado de Direito de Exceção – com laivos moralistas ou elementos mais ou menos legalizados – entretanto, sem nenhuma pretensão de legitimidade. Assim, combinam-se alternada ou concomitantemente na Ditadura Inconstitucional que governa na política e no senso comum:

  • O império de leis injustas (prisão em decorrência de crime famélico).

  • Um vigoroso processo de invasão e descredenciamento de culturas tradicionais reforça a “aculturação” que alimenta o racismo contra povos da floresta, indígenas e quilombolas; sob a tutela que incute instituições artificiais e práticas ocidentais, as mesmas culturas costumam ser violadas e, quando negadas, procuram corrigir os erros de rota colonizadora “dando um jeito próprio depois”, ou seja, produzindo justiça de fato73.

  • A subserviência ao capital financeiro nacional e internacional e uma incapacidade geral de adaptação jurídica/judicial das ações públicas no trato e no controle do Poder Econômico74.

  • O acatamento ao Terrorismo de Estado (com poder de Império75).

  • A ditadura econômica na apropriação dos principais meios de comunicação de massas76.

  • O protofascismo alimentado de senso comum (os linchamentos públicos) e repleto de ódio e de violência77.

  • A manipulação política do lumpemproletariado (esteja ou não imerso no exército social de reserva mantido pelo crime organizado).

  • A crescente criminalização das relações sociais (a partir dos guetos vividos dentro e fora dos presídios).

  • Produção e manutenção de um Direito Penal patriarcal, machista, racista e classista78.

  • Aceitação crescente da violência institucional/policial, como se a morte perpetrada pelos aparatos policiais em comunidades pobres fosse esperada (“normalidade da exceção/morte tornou-se regra”).

  • Crescimento exasperado da tipologia penal como único recurso capaz de conter a enorme crise social79.

  • Os aparatos do Estado de Direito repressivo (movimentos sociais enquadrados como “organizações criminosas”) e a regressividade autocrática (primitivismo penal), com destaque para a imposição pública da Lei de Talião (a indústria do crime hediondo, a redução da maioridade penal, a privatização do sistema penal).

  • Forte expressão do patrimonialismo no Poder Judiciário tutelado pelas condições do regime de castas80.

Como visto, despreza-se o social em benefício do “meramente institucional” e se aplica, no melhor estilo, um Direito Penal do inimigo social e político (Jakobs & Meliá, 2005). No quadro clínico geral dos Estados modernos, o direito é instrumental na relação de forças combinadas de exceção, esta que talvez seja uma das piores facetas do fascismo no século XXI.


PARTE III

ESTADO DE EXCEÇÃO

Permanente, instrumental, global, exemplar, hegemônico, imoral

O Estado de Exceção tem uma regra essencial: transformar a exceção em regra. Inclui-se a regra jurídica (sob a vigência do Estado de Direito Moderno) que permite a exclusão social (Estado Penal) e a política (Estado de Sítio). O Estado de Sítio é seu ícone e ápice. Todavia, antes do máximo de contenção política há outras regras de efeito expandido e previamente incluídas como suporte da segurança jurídica do poder absoluto; no entanto, devidamente encobertas pela ideologia da exclusão e que asseguram, cotidianamente, o controle social. No caso, a previsão de crimes hediondos e a violação dos direitos fundamentais em proveito do capital dominante. A Lei Antiterror é exemplar na perspicácia do uso de “normas penais em branco”: terroristas e inimigos políticos têm o mesmo selo no tipo penal. Além de todo o efeito militarizado e instrumental da segregação posto a serviço do Estado Penal, há a “desumanização” do preso no regime do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e a negação da tutela do amplo direito de defesa a supostos terroristas amadores. Na Modernidade Tardia (do passado que assombra o presente) o Estado de Exceção tem características insolvíveis e exponenciais: permanência (em latência jurídica ou em manifesta coerção); instrumentalidade (o Estado Penal é seu principal instrumento de legalidade); globalidade (espraia-se no mundo globalizado como verdadeiro jus puniendi global); exemplaridade: a Razão de Estado na pax americana destrói a soberania de Estados amigos e inimigos, criando exemplos do seu poderio. Seja por convencimento estratégico, seja por ação direta do Terrorismo de Estado, o Império expôs e impôs a forma de Estado Bonapartista já enunciada pelo grupo Federalista: hegemonia. Mas, ainda há a imoralidade, porque não vigem os Princípios Éticos basilares. Desde então, e para o todo sempre, confundiu-se a “nova” Razão de Estado havida na Revolução Americana – sob a necessidade de conservação das colônias recém libertas do jugo britânico – com o status da soberania e que, de posse da soberania jurídica Bonapartista e de exceção, vieram metamorfoseando o adversário externo (ou inimigo político interno) gradativamente, em “inimigos combatentes”. A Razão de Estado de 1776 foi manipulada para que todos os outros Estados não subservientes pudessem ser considerados – juridicamente, pela Suprema Corte – como ameaças declaradas à soberania nacional (e dos negócios) dos EUA. Com isso justificou-se o Patrioct Act, no pós 11/09/2001, as guerras do Iraque e do Afeganistão. Estados que, supostamente, deem asilo aos inimigos de Estado da América ameaçam a soberania e, por isso, legitima-se a ação invasiva e conquistadora de outros Estados soberanos. Por fim, também se visualiza a exterioridade presente nos fatos sociais (Durkheim, 1999) do fato/fator político superior. Combinam-se, portanto, guerra total e Estado de Exceção, ou melhor, este faz uso reiterado/prolongado da guerra total. O Estado de Exceção, não poucas vezes, adota técnicas de guerrilha política e militar de modo que tal categorização, por sua vez, parece não ter fim, assim como sua caracterização.

Características precípuas do estado de exceção

Apresentar-se-ão, neste item, as principais características do Estado de Exceção como parte da tipologia consagrada pela Teoria Geral do Estado de Exceção,com destaque para o advento do Estado Moderno.

1- Estado de Exceção Permanente

O mundo ocidental conhece os meios de exceção desde o período Jacobino – no pós Revolução Francesa, de 1789, bem como encontra espaços na Constituição Francesa de 1793. Por sua vez, a entrada no século XX se deu com a manipulação autocrática e oportunista da Constituição de Weimar, pelo Reich alemão. E, em resposta, muitos documentos internacionais, declarações e convenções de direitos humanos procuraram inibir o uso/abusivo e arbitrário do Poder Político. Dois marcos são substanciais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1946 e a Constituição de Bonn, de 1949, também na Alemanha. A primeira procurava ser a antítese jurídica universal dos horrores da Segunda Grande Guerra; a segunda queria positivar (na forma do direito constitucional) que a decretação do Estado de Sítio – como fora a Alemanha nazista por 12 anos – não viesse a ocorrer em desnutrição da mesma democracia que lhe dera suporte. Em ambas, o direito procurava ocupar todos os espaços da violência. Na contramão sempre o realismo político que, como se sabe, não se curva às dificuldades alçadas pelo direito. E, sob essa condição política, o instrumento legal do Estado de Sítio acabou por se tornar uma referência constitucional pelo mundo todo. Há de se ressaltar, entretanto, que existem dificuldades institucionais, e o próprio rito constitucional, que procuram elevar o grau de resistência a tal tomada do poder, bem como minimizar as possibilidades de que as constituições sejam manipuladas como foi a Constituição de Weimar pelo nazismo. A não ser que se esteja tratando da mutação exegética da Constituição a fim de se retirar os “obstáculos” oferecidos pelos direitos fundamentais ao capital – e que é pré-configuração da Ditadura Inconstitucional.

Com uma ou outra diferença quanto ao modus operandi (no bojo do Estado de Direito) entre uma ou outra Constituição e que não vem ao caso neste debate, o Estado de Sítio é a garantia máxima ofertada pela Razão de Estado. Outra diferenciação que se deve fazer, em momento oportuno, é entre soberania e Razão de Estado. Portanto, pelo fato de o Estado de Sítio ser a pura expressão do Estado de Exceção, este se inclina a manipular a luta por conservação (Razão de Estado) e convertê-la em reconhecimento político-militar: soberania. Outra característica, apontada histórica e conceitualmente, refere-se ao Estado de Sítio de natureza jurídica – interno – e de natureza conquistadora – externo. A natureza jurídica do primeiro tipo é política: de contenção política, com forte retraimento das forças políticas ameaçadas internamente em sua hegemonia (força centrípeta); já, a natureza jurídica do segundo modelo é militar: anexação de povos, territórios e riquezas, como se viu em todo o Período da Colonização (força centrífuga). No primeiro caso, a ação se desenrola de modo a que o Estado oprima as resistências internas ao poder central: o direito de sedição, de que tratou o Renascimento. O segundo tipo é imposto por outra potência, procurando isolar as vias de comunicação política do sitiado com o restante do mundo político. O primeiro modelo é o mais comum na atualidade. A conquista do direito de autodeterminação dos povos (art. 4º, III da CF/88) é essencial à contenção do Estado de Exceção. O segundo remete à história das conquistas dos povos colonizados e seus estandartes são narrados por Homero (2007) na Ilíada, e por Cervantes (1999) em Cerco a Numancia. Homero remete à “reputação dos antigos jurisconsultos” (cavere: acautelar-se para provar em juízo a própria razão; de iure respondere: “encontrar cautelas relativas aos contratos)”. Para Homero, os heróis eram homens livres; afinal, só o homem livre pode retrucar (dizer não) e instigar à construção de uma polis onde possa exercer essa sua liberdade (Arendt, 1998). E, no cerco ao espaço público – com aniquilação do Político – não há liberdade, evidentemente. Sob esse prisma, na Ditadura Inconstitucional, quais seriam as cautelas relativas aos contratos?

Descontando-se o clássico grego Ilíada, de Homero, como a primeira narrativa de um Estado de Sítio, ainda há Cervantes – e bem ao gosto da Santa Inquisição. Miguel de Cervantes (1547-1616) teve uma relação interessante com essa visão da política de conquista inerente ao Estado da Exceção (prudência versus exceção), porque além de produzir exatamente na época em que se engendravam as mais fortes teorias sobre a Razão de Estado, ele mesmo foi sequestrado, esteve preso e encarcerado. Entrou para o Exército e lutou na Batalha de Lepanto, quando foi ferido e quase perdeu uma das mãos. A obra mais conhecida é Don Quixote, mas a única peça teatral trágica de Cervantes (1999) que sobreviveu é O Cerco de Numancia, em que encena a resistência desesperada da população contra as forças romanas que queriam conquistá-la. Ambos são militarizados, uma vez que se emprega a força física como contenção da política. Ótimo exemplo do primeiro é tratado na forma de Estado Bonapartista por Karl Marx (1978), no livro o 18 Brumário, de Luís Bonaparte. Exemplo atual do segundo foi reportado pela Comuna de Paris (1871), pois sofreu um sítio internacional das potências europeias que se viam ameaçadas pela insurreição e levante populares. Ou da China controlada pela Grã-Bretanha, na vigência da Guerra do Ópio. Além da Guerra da Argélia, com o Estado de Sítio imposto pela França. O primeiro tipo é um clássico político do presente; o segundo, um clássico do passado. Nesse amplo espectro da história da contenção política, pode-se dizer que o Estado de Exceção é permanente, e por dois motivos básicos: (1) é uma recorrência histórica que, (2) no século XX, ocupou-se da imensa maioria dos textos constitucionais dos Estados que adotam o modelo jurídico ocidental. Pode-se dizer que essa é uma condição permanente do Estado Moderno, desde o Renascimento, a fim de impedir o direito de revolução, de que trataram os clássicos do Iluminismo.

No passado de Hitler, o Golpe de Estado antecedeu o Estado de Sítio; no presente do século XXI, por outro lado, o Estado de Sítio é a antessala do Golpe de Estado – se o primeiro, apesar de tudo, falhar. Também pode ocorrer a decretação do Estado de Sítio a fim de se evitar um Golpe de Estado. Além de outras variantes políticas, como na Bolívia – que conheceu 12 presidentes em 10 anos –, em Honduras (2009), com golpes e contragolpes, e no Egito e no Paraguai, ambos em 2012. Neste último, o formato ficou conhecido por Golpe Constitucional. É uma realidade permanente porque está em atividade constante, seja na forma da potência (aviso prévio, ameaça da coerção política) seja porque o exercício dos meios de exceção é uma realidade mundial. E da qual, obviamente, não está ausente do contexto de 2016: na forma prevista na CF/88 (ou não). O Estado de Exceção, assim permanente, manifesta-se por meio de dois tipos de guerra ou de guerrilha: guerra de conquista ou guerra total: estando esta em pleno vigor como visto nos Balcãs e depois na Ucrânia81.

Na linguagem moderna, o Estado de Exceção tem um efeito viral, internamente porque encapsula os cidadãos na normalidade de se supor que a política é um atributo excepcional, destinada aos escolhidos (antigamente sob o nome de Plutocracia, hoje de Meritocracia); externamente porque se tornou referência obrigatória e porque é um modelo sedutor à autocracia constitucional presente no Estado Penal. Contaminam os Estados – que servem de referência uns aos outros – bem como se desdobra na ação de conquista das ideologias e da mentalidade política dos homens, que aceitam a exceção como a própria regra da vida pública. O que explicaria a natureza político-jurídica de se transformar/imiscuir a segurança pública em segurança nacional. E tudo sob o aval da segurança jurídica.

2- Estado de Exceção Permanente e Instrumental

Implicado diretamente ao fato de que o Estado de Exceção não é episódico, a exemplo da decretação do Estado de Sítio, a permanência de regras e de práticas indiscriminadas de poder excessivo é facilmente verificável. A geração espontânea de crimes hediondos (feminicídio) revela o uso instrumental (não mediador) que o Estado Penal faz na própria lei penal, uma vez que é muito mais fácil tipificar e decuplicar leis penais do que enfrentar a realidade de uma luta perdida na manutenção da soberania do capital segregador e excludente. Fato que levanta a questão de se averiguar se o uso cada vez mais recorrente dos meios de exceção não indica uma profunda crise da soberania, colocando-se em cheque a sobrevida do Estado Moderno como guardião do interesse de classe e de castas. As mais austeras investidas do capital e dos grupos de poder – internacionais e globalizados – colocaram o Estado em condição de solvência desde meados do século XX. Ocorre, entretanto, que o século XXI potencializou esse efeito de corrupção/erupção do Poder Político, então, ficou conhecido como o efeito mais evidente do processo de globalização de capitais. Isto é, o capital não tem fronteiras e o Estado lhe é útil enquanto não coloca obstáculos. Diante da soberania que está seriamente vitimada, a forma-Estado Bonapartista segue seu curso fazendo uso cada vez mais recorrente dos meios de exceção, interna e externamente. O Estado Pós-Moderno, assim apelidado por Chevallier (2009), pode identificar essa fase do Estado Moderno sem soberania. Trata-se de fato disforme e inusitado na longa lista de modificações porque passou nos últimos cinco séculos. Mas, tão assintomático que lhe retirou a base de sustentação – explicitamente a soberania em todas as suas dimensões materiais e humanas. Portanto, o Estado de Exceção revela uma crise do Estado Moderno; para alguns, a falência múltipla da forma de Estado. Por isso, no estertor da grande política, o Estado de Exceção aprimora os meios de controle político-jurídicos e tenta uma sobrevida com a ideologia redentora do Estado Penal; não é à toa que o direito penal do inimigo (Jakobs, 2005) foi buscar em Hobbes a Razão de Estado, encantadora e insípida. Evidentemente, é insípida porque a soberania já é trôpega e o discurso salvador apenas adia a angústia maior da sociedade cindida e do Estado famélico.

No caso específico da soberania nacional, pode-se dizer que está perdida para o crime organizado (armado ou de colarinho branco). Se os aparatos policiais são incapazes de conquistar ou de manter o domínio sobre um território que sempre fora relegado aos párias sociais – depois, ocupado hegemonicamente pelo crime organizado – e apela às Forças Armadas, o fato apenas ilustra como segurança nacional e segurança pública fazem parte do mesmo rol de militarização do Poder Político: a vigência da Lei de Segurança Nacional, a atribuição do crime de “associação criminosa” para ativistas políticos são notáveis na revelação do exceptio. Essas áreas perdidas – territórios apossados por excluídos sociais vertidos em inimigos de Estado – nunca foram objeto de atenção de políticas públicas, nem mesmo de caráter policial. Apenas quando essa soberania intra corporis ameaça áreas seguras do capital e dos grupos de poder é que se convertem, imediatamente, em segurança nacional. A polícia nunca foi a essas regiões em socorro dos cidadãos residentes, mas o Exército sim. E, nesse caso, vale retomar a antiga questão: se não se está em estado de guerra civil, por que o emprego sistemático de Forças Especiais e de Comandos no combate ao crime organizado? Do que também se depreende a consequência: essa fusão/confusão entre segurança nacional e segurança pública age para conter vazamentos na soberania já perdida. Pois, como ensinam os clássicos da Teoria Geral do Estado, a soberania é suprema (não admite superlativo) ou não é. Ou seja, o emprego de Forças Especiais/Comandos na retomada (sic) de territórios perdidos (abandonados pela exclusão do capital disruptivo) confirma a inexistência de soberania estatal. O realismo político, neste momento notifica, talvez, a maior das crises agudas verificadas na história política do Estado Moderno.

3- Estado de Exceção Permanente, Instrumental e Global

O que melhor define a Modernidade Tardia é a igreja A Sagrada Família, do catalão Gaudí. É um claro/escuro no tempo. O projeto político é tão surreal que se choca com o pós-moderno; consegue ser mais inusitado. É ao passado vivo, atuante, desafiante que recorre no presente. Iniciada no século XIX, a igreja só deverá ser concluída na terceira década do século XXI: a construção praticamente não parou desde o início, mas as reformas foram iniciadas antes de sua conclusão. Essa lógica de reformar, antes de concluir, serve para investigar a atual crise política do Estado Moderno. O que melhor define a globalização política é a expectativa colocada em torno de um possível Estado Pós-Moderno, alternando a fortaleza do Estado Moderno e a fragmentação e o descontínuo do “fim do Estado”. É possível conviverem tais contradições em um único termo?

Durante as muitas fases e faces do Estado Moderno, as crises foram constantes. Se couber uma separação entre os tipos de Estado, para efeito didático, pode-se dizer que o Estado-Nação não está em crise, mas sim o Poder Político, uma vez que o nacionalismo é tão animador quanto fora na formulação da Razão de Estado que viria formar, exatamente, o Estado Moderno – a guerra de sedição, sem fim, na Chechênia, evidencia a luta por mais um Estado-Nação; assim como fora quente a luta separatista Basca: na luta pela conservação/afirmação da “densidade cultural”. O Estado Laico, em momento posterior ao Estado-Nação, afirmou-se diante da intolerância religiosa; todavia, hoje, um dos grandes desafios do Estado Moderno é conter a mesma intolerância religiosa: o movimento neopentecostal e o nome Estado Islâmico confirmam que não há Estado Laico. O Estado Constitucional, ainda mais à frente na história dos tipos de Estado, alertou para a necessidade de se formularem freios e contrapesos aos atos de governo. Separou-se bem Estado e Governo, desde o constitucionalismo britânico imposto ao Rei João Sem Terra, em 1215. A França de Saint-Just (1989) e da Constituição de 1791 tiveram de lidar com a totalização do poder, sem fazer soçobrar a teleologia política. Afinal, o francês se perguntava para que nascera o novo Estado. Logo apelidado de Estado Legal (o legal tinha de ser legítimo), em pouco tempo viria a conhecer as primeiras medidas de exceção. E assim a exceção nasceu na França como fruto da modernidade capitalista e não do absolutismo e também assim se observa que as contradições políticas fazem da modernidade um celeiro de retenção política (e de descontrole do poder central) que as próprias formas absolutistas desconheciam. Ou seja, as profundas contradições políticas não são criações da globalização ou da pós-modernidade. Por sua vez, a globalização difere totalmente da colonização, basta atentar para o fato de que a colonização representou um capital expansivo em busca de recursos, mão de obra e mercados. Ao passo que a globalização, em que pese a financeirização do capital, exclui mercados e continentes (como é o caso da África).

A resposta do Estado Moderno, frente ao desmantelamento da ideia de Estado Força, está na combinação de ideologia e de coerção. O Estado de Exceção responde a isso prontamente, interna e externamente, como se fora um Estado Moderno que se viu obrigado a sair da zona de conforto. Na era da Modernidade Tardia, o passado é invocado pelo Estado Moderno altamente questionado (a Razão de Estado está na ordem do dia da segurança nacional), mas isso ainda revela que o Estado Moderno não pode mais ser monotemático e monocromático. Porque não há mais soberania. Se a crise é do Estado Moderno, logo, é uma crise política do Ocidente e de todos os que copiaram suas bases organizacionais de poder. A resposta padrão, até o momento, é o Estado de Exceção que se globaliza, frente aos mais variados desafios/inimigos: capitalismo globalizado, guerra digital, esgotamento de recursos naturais, nacionalismos e terrorismo, infiltração (para obter legalização) do crime organizado internacional, corrupção institucional, falta de recursos para atender as demandas sociais, desconfiança e descrédito do cidadão comum. Esses ataques e achaques ao Estado são constantes e múltiplos, daí a resposta ser de um Estado de Exceção cada vez mais global.

Em movimento de guerra total, coordenado pelos EUA, dez Estados árabes estão em plena atividade militar ou estratégica contra o Estado Islâmico (EI). O Egito é um dos que está de olho na região conturbada. Depois da derrocada do poder central na Líbia, em 2011, nenhum governo ou grupo de poder conseguiu se sustentar. A guerra civil derrubou Muamar Kadafi do poder, mas a violência pulverizou seu raio de ação depois disso. Em 2015, o Egito, em represália à morte de 21 cristãos pelo Estado Islâmico, bombardeou cidades em que o EI mantém forças militares. O recado, no entanto, refere-se internamente à Comunidade Mulçumana e também para demarcar interesses geopolíticos na região – não assusta ver mais um estado colocando sua soberania expansiva em movimento. Em outro exemplo, numa busca rápida, observam-se 22 Forças Especiais e de Comandos82 prontas para esse tipo de intervenção contra os rebelados jihadistas: forças às quais se junta o BOPE brasileiro pelo tipo de treinamento oferecido. Outra fácil dedução indica que a mistura explosiva de segurança pública e segurança nacional tornam o Estado de Exceção cada vez mais global e letal. Sem contar que, além das Forças Especiais ou regulares, ainda se assiste ao crescimento de aparatos político-religiosos em toda parte do mundo ocidental, com a criação de um exército evangélico: Gladiadores do Altar83. Será o próprio Estado Islâmico Macunaímico? A resposta tem sido a islamofobia crescente e ainda mais desagregadora, devastadora, posto que é fascista.

4- Estado de Exceção Permanente, Instrumental, Global e Exemplar

Podemos entender o protofascismo ou Ur-fascismo (Eco, 1998) como referencia a história do Urstaat (Deleuze, 1992)? Não e por um critério bem objetivo: o fascismo é um tipo na história política do Estado, uma forma específica de relação entre o Poder Político e o capital, não uma condenação ad perpetuam rei memoriam. O Fascismo foi e é uma relação com o capital, um tropo da violência desmedida e da desumanização política. Nem o fascismo, nem a Razão de Estado (RE) são elementos constitutivos do Poder Político. Assim sendo, a RE é a fundamentação e a justificativa para a fabricação ou requerimento do Estado; vide o Estado da Palestina que requer à ONU seu reconhecimento. Portanto, é um objetivo que atende ao próprio Estado. Está na origem, na lenda de Rômulo e Remo das antigas e nobres famílias patrícias de Roma. Está na formação do Poder Político, assim como a soberania (um dos elementos do Estado) se encontra na luta por conservação do Poder Político (Honneth, 2003). Desse modo a RE até pode justificar a conquista de mais poder, mas a soberania sempre será subsequente: os Homens de Virtù são fundadores ou mantenedores de Estados, como dito por Maquiavel (1979). Nesse sentido, só a majestas se configura como soberana – ora em opressão, ora expansionista. O que ocorreu com certa recorrência foi o estabelecimento de uma confusão proposital entre RE e mitologia do poder, especialmente para se justificar a soberania expansiva: pode-se ver o mito de Arminius ou Hermann, na Alemanha nazista, ou de Il Duce no fascismo italiano. Nesse caso – e é fácil constatar esse mote no avanço territorial nazista na 2ª Grande Guerra - a própria luta por conservação se apresenta como necessidade da soberania expansiva. O mito da sobrevivência exposto por Bacon (do Rio Estige e da participação no Banquete dos Deuses) torna-se a matriz ideológica e política que justificaria a conquista de território, de poder e de capital: Vita mea, mors tua. Veja-se que já se metamorfoseou totalmente a ideia da luta por conservação em clara perspectiva de guerra de conquista. Ou seja, a RE é invocada para debelar a suposta “ameaça” à soberania. O mito fala ao coração das massas. Os grupos de poder (ou as frações de classe) – na ânsia de mais poder e hegemonia – utilizam-se ora do mito massacrado (complexo de inferioridade alemão, já contado por Weber) ora do mito salvador (EUA) para impor e garantir seus interesses. Esse é um jogo de poder meticuloso, calculado e, é óbvio, só pode funcionar com uma indústria bélica muito forte: com grande inversão de capitais e outro tanto a ser conquistado, pilhado. Sem dúvida, é uma regra de poder a conquista de mais poder. Contudo, é o sitiado quem paga o butim da guerra. O problema surge quando premeditadamente não se colocam os meios de controle (freios e contrapesos) sobre as normas gerais e que, incluindo o excipio, arvoram-se em novas regras/guerras de conquista: o México perdedor de imenso território para os EUA, é um exemplo típico. Sem limites à soberania de conquista e com forte motor na indústria bélica de conquista, o mito salvador pode facilmente ser invocado – inclusive criando-se inimigos combatentes, como foi o 11/09/2001 – para dar vazão à expansão do capital e do poder estabelecido. Esse será um dos caminhos da hegemonia.

A antiga luta por conservação – agora plenamente reformulada como soberania de conquista – pode ser mais ou menos sofisticada. Pode-se, por exemplo, ignorar solenemente o Direito Internacional – não reconhecer legitimidade ao Tribunal Penal Internacional – e se arvorar em jus puniendi global; pode-se violar a soberania e massacrar direitos fundamentais, alegando-se que se age em defesa dos direitos humanos. O recado é evidente: ninguém está a salvo – ou longe o suficiente – todos (ideologicamente), ou qualquer um, podem ser alcançados. Nessa mitologia de poder de exceção – aí sim, plenamente fascista – o anti-herói é realmente um criminoso de guerra. É uma falsificação como figura de expansão militar. Bin Laden foi morto, junto com mulheres e crianças, em ação violenta que vilipendiou a soberania do Paquistão, em 2011. Porém, antes disso, foi treinado pela CIA para combater Saddam Hussein, no mesmo Iraque que teria armas biológicas de efeito massivo e que nunca foram encontradas. Mas, aí o jus puniendi global já havia agido em nome da justiça racional e do poderio militar. Em outro momento, bem antes disso, a pequena ilha de Granada fora desmantelada em ação conjunta de Forças Especiais e de Comandos, sob o condão da guerra total, em 1983.

5- Estado de Exceção Permanente, Instrumental, Global, Exemplar e Hegemônico

A conquista da hegemonia se dá nas mentes e nos corpos. O Estado de Exceção Hegemônico age para dentro e para fora do território. Para fora, aplica-se com a desenvoltura de quem já se posicionou como jus puniendi global; impingindo-se o Estado de Sítio clássico, de natureza militar (mas, no formato da guerra total), ou o cerco econômico, no melhor exemplo da crise de petróleo provocada na Rússia, em 2015. Conseguimos ver proposições de um Direito Internacional forte e a lógica de um Estado dos Estados, no jurista Hans Kelsen (1986); no entanto, no plano externo, ao invés disso ou em consequência desse tipo de projeto político-jurídico, surge um Estado Punitivo Globalizado (Império) para organizar/tutelar os demais Estados satélites sem soberania: estes guardam reservas humanas e materiais e nem há necessidade de servirem como “reservas de mercado”. Pois, se um por cento da população detém 99% da riqueza mundial, é certo que o mercado de consumo seja apenas uma bolha para afortunados. Internamente, cerca-se o cidadão de incapacidade de resistência política. Aliás, como resistir se nem se sabe que algo estranho acontece? “Vende-se” a necessidade da segurança cada vez mais privatizada, criando-se ou nada fazendo para conter o pânico social e o terror existencial: o medo frente à morte violenta, destacada por Hobbes. Cada vez mais os Estados treinam as elites das polícias militarizadas como se fossem esquadrões de Forças Especiais e de Comandos das Forças Armadas. A intervenção cirúrgica, dentro e fora do Império, aniquila “inimigos combatentes” sempre que ameaçarem as ilhas de capital e de consumo. As polícias são treinadas para “não fazerem reféns”. Equiparam-se e foram equiparados “terroristas”, criminosos comuns, ativistas políticos e militantes pelo fim do Estado de Exceção.

O sitiado pelo cerco militar, no Estado de Sítio, ou resiste ou capitula, às vezes com a traição da Quinta Coluna, como vemos com Hemingway (2007). O sitiado pelo Estado de Exceção – com raras exceções de consciência política de resistência – introjeta e normaliza (a previamente normatizada) exclusão social e política. É um estrangeiro que sobrevive e perambula em meio ao caos provocado pela Peste (Camus, 1984). A mesma exceção, sobretudo quando em curso a soberania expansiva (na ordem da mutação política da RE em mito de conquista), cuida de naturalizar a necessidade, reinventando-a como política pública do Estado de necessidade. Simplesmente, a necessidade se converte em Estado de Necessidade; e o homem médio em sua vida comum passa indiferente ao ocorrido, incapaz de ver a égide e os suplícios da exceção. A exceção já está em sua alma e um desses recursos é o uso sistemático da Treva Branca de que fala Saramago84. No auge desse processo, com a crescente militarização das ações políticas, generaliza-se o sentimento de ser colonizado; mas, inadaptado, vê-se como apátrida que não pode fugir – e sem que outros possam entrar. Um Estado de Sítio modorrento, burocrático que aprisiona e repele o que não é espelho. O Estado de Exceção revive com o encastelamento das pessoas como diz Kafka em seu Castelo.

6- Estado de Exceção Permanente, Instrumental, Global, Exemplar, Hegemônico e Imoral

Sem entrar no mérito do governo Collor ter sido ou não republicano, seu processo de impeachment, em 1992, não foi moral (dado que não houve novas eleições presidenciais) e nem jurídico: uma vez que não sofreu nenhuma condenação criminal ou cível. Foi ocasional, episódico? Não. E o que o comprova é a Ditadura Inconstitucional de 2016. Somente revela que o Estado de Exceção é imoral, no sentido de não ser ético. Sua regra de exclusão isenta o poder de responsabilidade e de culpabilidade. Exime-se o Poder Público de investigar com profundidade. Exclui-se exatamente a noção de liberdade (obedecer a regras em que se tenha depositado inequívoca adesão, aceitação) e igualdade: os beneficiários do poder são isentos de seguir regras criadas para a restrição de direitos dos outros. Assim, o Estado de Exceção é antijurídico, revigorando-se com o antidireito. Notificação simples e direta é a abstenção garantida ao Princípio Universal kantiano e, juridicamente, a recusa em se submeter à Regra da Bilateralidade da Norma Jurídica como protagonizado por Malberg (2001). O Estado de Exceção é irresponsável, mas não por ser inimputável; ao contrário, por ser onipotente. O que não se viu nem no absolutismo ou nas fases dos principados sob efeito do pluralismo jurídico feudal. Ao Estado de Exceção não cabe a mais simples norma constitucional dos formadores do Estado de Direito: “suportas a lei que criastes”. Por esse caminho também se assegura que nem todo Poder Político se configura como exceção e que nem toda Razão de Estado, como norma obrigatória da ontologia do poder, converte-se forçosamente em soberania expansiva. O Estado de Exceção é um tropo, uma metáfora para a mais ampla negativa de direitos que não sejam de interesse do capital e dos Grupos de Poder Hegemônico. Outrossim, a caracterização das caricaturas legais – imorais, entiéticas, antipopulares, antidemocráticas e inconstitucionais – avançou bastante no raio da Ditadura Inconstitucional.


PARTE IV

DITADURA INCONSTITUCIONAL

Um conceito inicial

No país, atualmente, vive-se sob a marca de uma sofisticada Ditadura Inconstitucional e que supera em refinamento e complexidade o(s) modelo(s) mais celebrado(s) de ditadura convencional ou de ditadura constitucional (Schmitt, 2006) que antecederam ao nazismo alemão. Assim, primeiramente, retome-se à origem do problema e da terminologia. Ditadura deriva do latim dictatura – como sinal de dignidade e cargo do ditador – conferindo-lhe poderes supremos, mas somente como “governo de emergência”. A ditadura constitucional – que nutriu o Reich alemão – por seu turno, é bastante distante do sentido romano e busca amparo legal.

Situação que se produz quando a Constituição autoriza a suspensão do funcionamento normal de instituições políticas e direitos dos cidadãos por encontrar-se a população diante de uma situação de exceção e o Poder Executivo assume poderes extraordinários (Rojas, 2001, p. 352 – tradução livre).

A ditadura convencional, na prescrição de Norberto Bobbio – além da herança grega clássica, em suas várias formulações antinômicas: autocracia/democracia – também pode ser sintetizada na forma do instituto romano do dictator – um magistrado de poderes extraordinários, mas com missão específica e dias contados. As características dessa Ditadura Comissária (dentro dos limites da “comissão”) eram pontuais e distintas das atuais formas (in)constitucionais. A missão recebida era clara: “a) estado de necessidade com respeito à legitimação; b) plenos poderes com respeito à extensão do comando; c) unicidade do sujeito investido do comando; d) temporariedade do cargo” (Bobbio, 2014, p. 159-160). A ditadura moderna, ao contrário, tem eficácia duradoura e poderes auto-atribuídos.

Isso significa que se pode estabelecer certa hierarquização entre os regimes de força, segundo o grau de centralização do poder e do desrespeito demonstrado aos direitos humanos. Em ordem descendente, esta hierarquização é: → tirania → despotismo → autoritarismo, ditadura → governo de fato (Borja, 1998, p. 298).

Comparativamente, a ditadura moderna está mais para a autocracia85 ou tirania (grega) do que para o dictator romano. Se, no sentido antigo, a autarquia poderia ser definida como realização da felicidade (Mora, 2001, p. 232), na Modernidade Tardia (Giddens, 1991) geradora da Ditadura Inconstitucional pode-se, reunindo os significados, dizer que a autocracia equivale a retirar a autarquia de seu espírito democrático. Na tradição da Ciência Política ainda subsistem diferenças técnicas, instrumentais, normativas e propriamente políticas, entre o que se poderia denominar de ditadura constitucional – com previsão constitucional, que mais se assemelharia ao Estado de Emergência, Lei Marcial ou Estado de Sítio – e do que se poderá entender por Ditadura Inconstitucional.

E mesmo essa tradição analítica não comporta o fenômeno que ora se assiste, pois, costumeiramente, a anterior ditadura inconstitucional era (ou é) uma forma de governo que tendia a se prolongar no tempo, desconstruindo-se a base legal. A "ditadura constitucional" requer o emprego de meios excepcionais derivados dessa forma de governo. O que remete a entender que se clarifica como quebra institucional ou Golpe de Estado – a democracia liberal seria um exemplo. Desse modo, essa antiga nomenclatura de ditadura inconstitucional a referencia(va) como um tipo classificatório dos sistemas políticos. Já, o segundo tipo, como ditadura legal – o mais correto seria legalizada, pois a Constituição não prevê “ditaduras esclarecidas”– enquadra-se “na fenomenologia dos meios extraordinários” empregados por regimes políticos que enfrentam situações de grave crise (Bobbio, 2000).

A clássica Ditadura Constitucional ou Soberana, a referendada no passado como inconstitucional por Bobbio (2014) – e de amplo poder monocrático, como a desenhou o jurista alemão Carl Schmitt (2006) – apresenta-se na forma de legitimação de leis injustas que servem, exclusivamente, à Razão de Estado86. Em nome do Estado, o antidireito pode ser coroado. Para salvaguardar a República, acaba-se com a democracia. A justiça se minimiza diante da relação amigo/inimigo. Na Alemanha nazista, exemplo maior do vigor da precursora Ditadura Constitucional, empregou-se a própria lei constitucional contra a mesma matriz que outrora fora a segurança jurídica da democracia. Interpretou-se que a Constituição em seu art. 4887 (Miranda, 1990) abriria brecha jurídica para a constituição da figura do kaiserpresident: um dictator moderno e sem limites de ação. E assim pôs-se fim, formalmente e materialmente, à democracia de Weimar.

A diferença entre o kaiserpresident (Hitler) e o dictator romano – como celebrado por Caio Júlio César (1999) – refere-se à circunstância determinante de que o Kaiser, do III Reich, era o intérprete supremo da legalidade e o autor/fautor do Poder Político. Daí se valer da outorga de uma Lei de Plenos Poderes (Fest, 1976). No entanto, não é somente isso; pois, o kaiserpresident seria mais audaz e afortunado de muitos outros poderes, sem os entraves burocráticos que – por exemplo – colocavam “objeto determinado” e datação prévia para o fim do mandato de exceção romano.

Nesse quesito da tomada de poder implica entender que a Constituição autorizaria a entronização do kaiserpresident como déspota, a fim de salvaguardar a República (desculpa para a Razão de Estado) na exata proporção em que se destruía a democracia. Daí a presença marcante, como se viu sob o nazismo alemão, do Golpe de Estado seguido de um Estado de Sítio. Como no Brasil, em 2016, não se viu um tradicional Golpe de Estado em que os poderes são amordaçados por grupos de poder civis/militares, recusa-se a nomenclatura mais direta e objetiva de que vige um regime ditatorial a partir de 2016.

Uma diferença crucial ante esse modelo brasileiro de Ditadura Inconstitucional está na configuração permissiva de que os atuais procedimentos anticonstitucionais, violadores da Constituição Federal de 1988, possam ser utilizados contra a ordem jurídica democrática até então determinante. Por sua vez, as denúncias da assim chamada “ruptura institucional” são questionadas judicialmente porque não se admite, pelo desconforto da ilegalidade perpetrada, a expressão “golpe”. Ou seja, nem mesmo a Ciência Política inaugurada por Carl Schmitt pode ser admitida nesse modelo inaugural e refinado de ditadura. Com essa ousadia, o Judiciário nacional passa a ocupar o polo ativo na censura judicial; espaço onde a liberdade de expressão e a publicidade não têm foro democrático88. Na Ditadura Inconstitucional ainda se faz uso/abusivo de ações e de interpretações ilegítimas, ilegais e injustas: são atividades antijurídicas que se voltam contra o Princípio Democrático. Sobretudo se observar que a CF/88 – se é que ainda está em vigor – não pode comportar medidas que a afrontem diretamente em seu âmago. Num caso concreto, sob o império do Princípio Democrático, não se pode aniquilar o Estado Laico; nem demitir ou aprisionar professores por opiniões ou desenvolvimento de análise crítica sobre o real.

É sabido que a lei não pode ser dúbia e ainda mais a lei penal, por ser restritiva da liberdade. Portanto, em razão da segurança, não se pode abrir mão da liberdade; em nome do direito não se pode ignorar a Justiça, sob pena da prática de injustiças incorrigíveis. Enfim, não há choque de princípios norteadores, não se escolhe um valor em desfavor de outro (desvalorizado). Não há segurança fora da liberdade (somente opressão) e a liberdade requer a proteção e a inviolabilidade da intimidade e da privacidade. Não se tem liberdade no “mundo da vida” com servidão voluntária (La Boetie, 1986). Em suma, não há contradição entre direitos fundamentais. Quando se tem de escolher um, é porque nunca foram fundamentais. Por esse prisma, destaca-se ainda a reversão do direito em antidireito: controle do Legislativo por Grupos Hegemônicos de Poder promulgando leis injustas. Literariamente falando – e parodiando Albert Camus (s/d), escritor franco-argelino – o cidadão está colocado entre a versão (hermenêutica, interpretação) e a aversão ao direito imposto e atravessado pela deslegitimação moral e social89.

No entanto, ainda que muitas outras nomenclaturas pudessem ser agregadas, como fascismo (Poulantzas, 1972), bonapartismo (Marx, 1978), cesarismo (Gramsci, 2000), Soberania de Conquista90, governo forte ou bonapartismo soft (Losurdo, 2004), Estado de Exceção (Agamben, 2004) e a própria Ditadura Inconstitucional, esse tipo de categorização nunca deve ser exaustiva.

Perfilamento do conceito

Então, o que é ou o que se pode entender por Ditadura Inconstitucional? Em linhas gerais, trata-se de uma complexa articulação entre os três poderes constituídos minimizando a própria separação dos poderes, uma hábil e ardilosa hermenêutica constitucional regressiva do Estado de Direito e amplamente seletiva diante da relação amigo-inimigo e que se posta no atual realismo político nacional. Some-se a isso a imposição da legalidade que atende aos interesses predominantes do capital especulativo (rentista, disruptivo) e que se expressa na pronta adesão personificada pelos Grupos de Poder Hegemônico: além do fenômeno do estatismo, há de se recuperar os interesses corporativos assegurados pelo regime de castas ao Judiciário. Seguindo-se a isso, uma das principais características da Ditadura Inconstitucional é a apresentação de uma estética do Judiciário91 penalizador que, apenas, pode parecer revigorante. Pois, se essa estética tem dia e hora determinada para a reverberação final de seus atos judiciais, implica, no mais, que a seletividade é somente agressora do Estado de Direito e da justiça. Tem-se a impressão de que as avaliações judiciais tinham ou têm objetivo(s) específico(s). Outra consequência residual apresenta-se na confusão, revogação de competências. Nunca se saberá ao certo, sem auditoria e accountability, se há preocupação com abuso de poder de autoridade investigativa ou, se ao contrário, reflete-se apenas a possessão do Judiciário pelo realismo político de acordo com a relação amigo/inimigo92. Por seu turno, procuram-se meios judiciais – ainda que inócuos – como meio de atemorização dessa mesma confusão de competências e que também revelam outros supostos abusos de autoridade93.

Em perfeito paralelo a esse estado de coisas, como esforço cristalino de controle social para que vigorem privilégios de castas incrustadas no Poder Público, também a geopolítica da barbárie global acaba por trazer ainda mais combustível repressor às autoridades já abusivas. A suposta presença do Estado Islâmico94 no país seria a senha autoritária para que entrasse em vigor um poderoso receituário jurídico-policial, assoprado há tempos. A aprovação em caráter específico da Lei Antiterror, por sua vez, seria apenas um degrau na escada da contenção dos direitos, das liberdades e das garantias. Ou seja, há um sentido próximo que se denominou de Estado de exceção interpretativo, quando se possibilita a ponderação de recebimento ou de exclusão dos direitos fundamentais nas decisões judiciais; próximo de uma versão do Estado de Exceção manietado pelo Poder Judiciário95.

A Ditadura Inconstitucional, todavia, não se limita a uma interpretação restritiva dos direitos fundamentais; pois, trata-se de forma de governo autocrática, fascista e com amplo amparo no regime de castas. De acordo com o modelo nacional ainda é patrimonialista (Faoro, 1984): o Poder Público é patrimônio dos Grupos Hegemônicos de Poder e o Judiciário, na hierarquia societal, nivela-se como casta social dotada de privilégios pré-capitalistas. A partir de 2016, de certo modo, se reencontram esses dois caminhos, unificando-os, mas superando-os em delimitação conceitual. Posto que, tanto se nota a “quebra institucional” (o impeachment, em si, já seria isso) quanto há o surgimento de uma forma de governo que se prolongará por muito tempo – na contramão do acirramento do Princípio Democrático. Entretanto, como tudo se recria, o modelo nacional é herdeiro de muitas outras facetas e que, como visto, refina-se em racionalidade e não se limita mais à violência física; sem dúvida, um degrau acima de Weber (1979). Para tanto, é preciso recorrer ao “método a contrapelo” (Benjamin, 1987, p. 225-6).

O direito-poder em Benjamin

Em tempos de terrorismo avançado, de Estados ou de “lobos solitários”, é preciso pensar o poder, o direito, a política, o Político fora além dos paralelos do domínio político-jurídico (potestas) ou da dominação racional: lógica, “processo civilizatório”, ética, teleologia. Em tempos de profunda recessão dos padrões civilizatórios, especialmente a orquestra badalada pela Bancada BBB (boi, bala, bíblia + bancos), é urgente se pensar o direito que cerca o cidadão e que advirá. Nesse exato momento, até mesmo a rotina do Congresso Nacional é regulado por uma mentalidade fascista. Portanto, a formulação política de Benjamin (2013) volta-se contra o capital e o Estado repressor, especialmente os movimentos retrógrados que se sentiam sob o avanço do nazismo. O fato é que se movimenta largamente uma cultura da exceção.

As ações só se transformam em violência quando interferem em relações éticas, ou seja, quando são designadas como Direito e Justiça. A etimologia germânica para o conceito de Direito é expressiva: KRITIK – "delimitação de limites". Sendo ainda derivada do verbo KRINEIN (grego) para expressar os sentidos de "critério" e de "crise". O poder-direito (GEWALT) com origem na violência (fonte privilegiada do direito) e no bojo da luta política pelo direito transparece na oposição entre Estado e lutas sociais (na requisição de direitos políticos); na contradição inaugural do Estado de Direito, entre o "poder-como-violência" – do Estado ("monopólio jurídico do uso legítimo da força física") e do Direito (Poder Extroverso: gestão dos aparatos administrativos, ideológicos e coercitivos do Estado) – e a "violência-como-poder": Poder Constituinte; greve geral. Neste último sentido, GEWALT personifica o verbo-conceito arcaico WALTEN (imperar, reinar, "ter poder sobre"): no processo civilizatório equivale à passagem da dominação patriarcal à dominação racional-legal. Na forma de potestas (GEWALT), refere-se à dominação pelo Poder Político, também perceptível no substantivo composto STAATSGEWALT (autoridade ou poder do Estado); como vis, implica no uso/abusivo da força/violência.

Desse modo, trata-se da crítica do poder como violência, retratando-se a crítica do Estado (KRITIK, GEWALT) e do Direito (a coerção como VIS). É uma crítica que recupera a tradição clássica de que "direito é poder"; pois, referencia-se no poder fundamental e instaurador. Sob o Poder Constituinte - poder instituinte da "violência organizada" (Poder Político) - deriva o Direito como ordenamento jurídico que corresponde ao Estado (POTESTAS). Portanto, a origem do poder (GEWALT) e do Direito (VIS) é a violência inaugural: URSTAAT ou Estado Primordial de que fala Deleuze (1992)96. Diz-se que o Estado de Direito deve regular a violência: controle social, império da lei. Contudo, se o Estado de Exceção é parte integrante do Estado de Direito (pois, a exceção figura como regra de direito) – e se a exceção é a pura violência (GEWALT) – não se apresenta aí uma contradição nos termos?

Afinal, se o direito é a violência (“direito sem coerção é como arma sem munição”) e se o Estado de Direito está inoculado de meios de exceção, é de se concluir que o direito não é o meio mais adequado para conter a violência (dada sua origem: KRITIK). Diante dos pressupostos anunciados nas questões, como definir (juridicamente) um sentido para o Estado de Direito que esteja livre dos meios de repressão/coerção, especialmente quando embalado pela Ditadura Inconstitucional? Se de fato houver um conceito válido juridicamente de Estado de Direito – submerso na exceção – por outro lado, não será a contraprova de que o direito é capturado pelo realismo político designado pelo próprio Estado de Exceção que lhe assegurou a origem ou a sobrevida? E, neste caso, não será concludente o fato de que não haverá direito de exceção (ainda que sob a marca legalista do Estado de Direito) que possa ser legitimado? Em conclusão parcial, pode-se admitir que toda exceção serve ao poder (realismo político) e que, por definição, é ilegítimo e injusto – posto que serve tão-somente aos Grupos Hegemônicos de Poder.

O Estado de Direito guarda as ferramentas do poder adicional requerido pelo Estado de Exceção e, após sua decretação (Lei Marcial), instaura-se outro tipo de Estado de Direito – tutelado, juridicamente, é claramente regressivo quanto às garantias dos direitos fundamentais – assim, submerso em regras típicas e precisas do Poder Político se torna absoluto no manejo do direito – retraindo-se, portanto, a ação do Legislativo e do Judiciário, suspende-se a autolimitação do poder – o Estado de Direito define-se como repressivo (política e juridicamente). Validado como Estado de Direito de Exceção (para além do Estado de não-Direito: lastreado por leis injustas), o medium que daí decorre comprova o fato de que o direito responde à violência dominada pelos Grupos Hegemônicos de Poder; o direito exarado corresponde ao embate sob o manto do realismo político. Por fim, estabelece-se a natureza da lógica jurídica do Estado de Direito: submerso em regras constitucionais (anteriores) e em leis de exceção (positivadas posteriores). Ou, dito de outro modo: a natureza jurídica do Estado de Direito responde ao comando do soberano que edita leis de exceção (Schmitt, 2007). Essa é a precisão de uma lógica jurídica exarada da lógica política de conquista ou de manutenção do poder absoluto. Sob o (co)mando da exceção, o Estado de Direito é absolutista – e talvez esta tenha sido a maior engenhosidade do liberalismo político: conter os reclamos populares por participação política com a recuperação e o manuseio dos meios de controle social editados pelo Absolutismo (ou cesarismo).

De toda forma, resta convicta a conclusão de que o Estado de Direito não é uma fórmula vazia, pois, preenchida de poder de exceção, não interroga ao poder que lhe deu vida e manifestação pela via forma absolutista. A única regra absoluta no Estado de Direito de Exceção é, (in)justamente, a obrigação de o Estado de Direito não admoestar o Poder Político (STAATGEWALT). O modelo em tese da ditadura brasileira responde, então, à ontologia e por isso é preciso revistar a história e seus “recolhos” (Benjamin, 1987).

Semelhanças na Modernidade Tardia

No contexto da Modernidade Tardia (Giddens, 1991), a Guerra da Argélia – como tantas outras medidas de intervenção excepcional – pode ser compreendida como um misto de colonialismo, apartheid, Estado de Exceção e Estado Penal (Wacquant, 2003). A Ditadura Inconstitucional, por sua vez, pode nutrir de objetivos comuns – por exemplo, seletividade na vida e na morte de jovens negros e pobres – entretanto, terá sutilezas além do próprio Estado de Emergência decretado na França em combate ao terrorismo. Em comum, há o lema de que a legalidade pode ser inconveniente97 e esse modelo de governo se projetou no tempo. Além do processo político institucional de naturalização do Estado de Emergência e da extensão dos efeitos por meses seguidos, a partir de 2016, o governo francês quis aprovar sua total inclusão na Constituição. Uma vez previsto, não necessitaria mais do Parlamento para sua renovação, seria um moto-contínuo de poder de exceção. Seria como nivelar por baixo, em termos de controle jurídico, estado de calamidade com Estado de Emergência. O que, em tese, tornaria desnecessário acionar o Estado de Sítio, para situações talvez mais graves, uma vez que a exceção seria uma condição regular da cena social e da vida pública. Como complemento, quer ainda retirar a cidadania francesa dos que forem condenados por terrorismo98. As denúncias de abusos e de graves violações de direitos civis – depois que uma emenda à Constituição permitiu vigor maior ao instituto do Estado de Emergência – são cada vez mais manifestas: das 3.336 buscas, apenas 28 tinham motivação de suspeita esclarecida de envolvimento com o terrorismo99 e os demais podem até ser considerados atos de invasão ao espaço político da cidadania. Dessa maneira, o caminho para o Bonapartismo não estaria distante.

... o “estado de emergência”, ainda que temporário, na verdade cria precedente para uma intensificação do estado de segurança. As questões debatidas na televisão incluem a militarização da polícia (de que modo “completar” esse processo), o espaço da liberdade, e a luta contra o “islã”, este último entendido como uma entidade amorfa. Hollande, ao nomear isso como “guerra”, tentou parecer másculo [...] E no entanto, é esse agora o bufão que assume o papel de cabeça do exército [...] A distinção entre estado e exército se dissolve em um estado de emergência [...] Não há toque de recolher instaurado, mas os serviços públicos foram reduzidos e as manifestações, proibidas – inclusive os “rassemblements” (encontros) para lamentar os mortos foram considerados ilegais [...] o inimigo precisa ser total e uno para ser aniquilado, e as diferenças entre muçulmanos, jihadistas e o Estado Islâmico vão ficando mais difíceis de discernir nos discursos públicos [...] Sarkozy agora está propondo campos de detenção, afirmando ser necessário prender qualquer um suspeito de ter ligações com jihadistas. E Le Pen advoga pela “expulsão”, ela que há pouco chamou de “bactérias” os novos imigrantes [...] Parece que o medo e a raiva poderão se transformar em um feroz apoio ao estado policial (grifo nosso)[100].

Além de imiscuírem segurança nacional com segurança pública – inclusive porque o objetivo de um (eliminação do inimigo) é o oposto do outro (prevenção do conflito) – outro fato gravoso está entre a legalidade e a ilicitude. Não há toque de recolher, mas os encontros e as reuniões públicas estão proibidos, por exemplo. Cresce o racismo e a islamofobia. O passado e o arcaico assombram a modernidade, o Estado hobbesiano se faz atuante. Se há naturalização do Estado de Emergência, é óbvio, não há mais questionamento acerca do uso continuado e desmedido da força física. Desse modo, a revolta de milhares de pessoas contra o Estado de Emergência francês é a exceção que confirma a regra, pois a tendência geral é de todos(as) requerendo o uso da força excessiva – com evidente mitigação de direitos – para que se consolide como regra impositiva e determinante. Em termos exatos, a extensão do Estado de Necessidade equivale a banir o Político da vida comum do homem médio, desumanizando-o, pois o Político, a luta pelo direito, a ocupação popular do espaço público são a origem do longo processo civilizatório e de humanização. (A necessidade deve estimular a criatividade e não a repressão). A exceção provoca, em síntese, o desejo (inconsciente) do fim de si mesmo, posto que se requeira o fim da atividade política e humanizadora. Há de se reportar, ainda, que é da política que surge a normalidade e a legalidade: legitimidade.

Por seu turno, no Brasil, não há recipiente constitucional para o Estado de Emergência nos moldes do instituto jurídico francês. Contudo, se o Judiciário e o Ministério Público não são ativos na investigação e no combate à violência institucional – do Executivo – ou de suas polícias, em um exemplo concreto, é porque já está mergulhado na exceção. As leis para crimes hediondos e que aditivam as penas de restrição de liberdade, bem como anulam outras garantias fundamentais – são imprescritíveis e inafiançáveis – são, claramente, leis de exceção. Basta-nos pensar que estão em sentido reverso à humanização da pena prevista na CF/88. Também não se necessita do instituto perfeito do Estado de Emergência (há o Estado de Defesa, no art. 136 da CF/88) porque existem, de fato, dois tipos de “cesarismos” em andamento, ou seja, conta-se com a aplicação de medidas de exceção (coerção adicional) que se baseiem em regimes não-democráticos e até pré-capitalistas: cesarismo constitucional (latente), cesarismo institucional (manifesto). No plano estritamente jurídico, observa-se que, além da ineficaz divisão de poderes – como forma de bonapartismo soft (Losurdo, 2004) – a estrutura interna de funcionamento do Judiciário o força à conjuração de outras forças. Não ter um poder isento ou ter um Judiciário desconexo à democracia, implica em exceção – inclusive pela regra republicana básica da necessária divisão de poderes – freios e contrapesos que impeçam o uso/abusivo do poder.

Não há Poder Judiciário

O subtítulo é uma sentença! E tal sentença foi proferida pelo cientista político e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luciano Da Ros ao El País, em 19-06-2016: não há Poder Judiciário. O país tem 17.000 magistrados, mas não a organicidade necessária a um poder de fato. “Um dos efeitos dessa enorme autonomia individual dos magistrados é que cada juiz decide da forma que entende e, desse modo, é impossível ter posições claras de como o Judiciário, institucionalmente, decide”. O Supremo Tribunal Federal (STF) também não é uma corte, mas um apanhado de 11 juízes – na expressão do professor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo[101]. Por sua vez, feitos políticos incógnitos, na atualidade, lembram as “forças ocultas” de outrora. O chamado “temor reverencial” é só o terror do poder? Se ministros do STF antecipam votos – na corte maior da judicialização da política – e depois atenuam a ocorrência de crime de responsabilidade, isso não comprova a ilegitimidade do Golpe de Estado[102]? Se mudam o voto reconvertendo a consciência do julgamento, isso não esclarece a politização do Judiciário?

Além disso, o Judiciário brasileiro é o mais caro do mundo: com custos fixos e distribuição de privilégios chega a 1.3% do PIB. E quando se observa mais atentamente o processo de institucionalização de uma Ditadura Inconstitucional – que se projeta no impeachment, mas que decola na casta do Judiciário – aí, então, a questão ganha contornos inauditos à legalidade democrática aposta à CF/88. Exemplo contundente está no fato de o jornal Gazeta do Povo/PR já ter sofrido mais de 45 ações de magistrados incomodados com a divulgação de seus supersalários. Vencimentos muito acima do teto constitucional indicam privilégios que têm efeito de casta social. Sobretudo, se na luta por manter os privilégios, o Judiciário se voltar contra a liberdade de imprensa. Como se sabe – e como acentua Da Ros – sem liberdade de imprensa e Judiciário independente, não há democracia, não há coisa pública. Sem esse conjunto articulado, entre Princípio Democrático[103] e República, o Estado de Direito[104] não passa de um nódulo vazio e autocrático. O Direito Democrático deveria seguir as bases dos princípios democráticos, deveria ser dirigente e não se confundir com a capacidade controlativa do Estado, bem como está muito além do direito de voto – é mais cultural do que opressor/repressor.

Em tal caso, há de se remontar a atual Ditadura Inconstitucional à condição de casta social, com privilégios (privi legem: privilegiem as leis privadas) que não condizem com o próprio capitalismo. O que resulta em efeitos históricos e pernósticos da autocracia como forma de governo, poder e sistema político. No país, sob os privilégios da casta, a autonomia (“dar normas a si”, participando de sua elaboração) se converteu em autocracia. Por isso, o Judiciário não admite auditoria: de audire, ouvir, transformou-se em perscrutar, investigar. A conversão da autonomia em autocracia, como forma insólita de “governo de si” – ou “por si próprio” (autos) e tão ao gosto de “déspotas esclarecidos” – é possível quando um grupo, casta ou classe social não se submete às mesmas regras de controle do poder abusivo. Nessa conjunção fatal – autonomia transmutada em autocracia e imune à auditoria do poder – têm-se, simplesmente, que o poder de promulgar normas reguladoras (soberania democrática) é aprisionado por privilégios de casta social. Nisso que, talvez, esteja o âmago da Ditadura Inconstitucional, ao passo que ainda inspira a criação de mais um subtipo de Estado de Exceção. Portanto, sem que o Judiciário receba o mesmo tratamento republicano que os demais poderes, Executivo e Legislativo, sem que suas contas, cotas e abusos sejam auditorados e submetidos em accountability para apreciação pública, de fato, não será um poder genuíno, mas sim uma casta social com muito poder e capaz de atentar contra a soberania popular e a democracia. De modo amplo, não há Poder Judiciário autônomo porque vigora uma Ditadura Inconstitucional. Os efeitos residuais (ideológicos) perduram em outras dimensões, como prática e exegese de um direito que não se inclina a ter no povo o hermeneuta da Constituição. Por isso, as práticas judiciais são resilientes (pragmáticas, instrumentais) ao capital e ao poder de comando.

A Ditadura Inconstitucional e a revolução burguesa

No modelo iniciado em Honduras (2009), passando pelo Paraguai (2012), no Brasil instituiu-se a partir de 2016 um nível de refino jamais visto. Pode-se alegar que se chegou ao quarto patamar da definição de ditadura: 1) distorcendo-se um pouco a autocracia da Grécia clássica; 2) o dictator romano; 3) a Ditadura Comissária (de Carl Schmitt e do nazismo); 4) a Ditadura Inconstitucional do século XXI. Por fim, pode-se dizer que o prognóstico nacional para o aprofundamento da Revolução Burguesa – notadamente República e democracia – não é salutar. Ao se observar com mais de atenção o Pragmatismo Jurídico – eivado de ativismo judicial – ver-se-á que o processo civilizatório nacional, em que pesem os discursos pro societas, é involutivo.

O que é Pragmatismo Jurídico?

Herdeiro do chamado Realismo Jurídico, nos EUA das décadas 1910-1920, tem ou tinha três eixos: contextualismo, consequencialismo e antifundacionalismo. Em nosso caso, orienta-se pelo viés instrumental do direito. Ou seja, o direito deixa de ser um fim norteador (como princípios fundamentais) em seguimento a um rito instrumental. Sob a ditadura legal, faz-se (in)justiça com menos direitos. Portanto, sob o Pragmatismo Jurídico, o Judiciário metamorfoseia a autonomia em autocracia e fica imune à auditoria do poder, o Estado de Direito é indiferente à justiça e, assim, atua como grave ameaça à democracia e ao direito justo. Nesse sentido sistêmico e global, afirma-se uma Ditadura Inconstitucional, com ação voltada à autopreservação e à manutenção do establishment e do status quo.

O que é Ativismo Judicial?

De origem estadunidense, sumariamente, a expressão significa uma tendência para agir (sentenciar) fora e além dos limites legais e institucionais previstos como limitadores da própria competência judicial. Por exemplo, seria a decisão do magistrado em confronto com a jurisprudência firmada, ou mais especificamente, em desacordo com a hermenêutica democrática. Dessa somatória enviesada – ainda que em sua origem tenham sido propostas como alianças éticas para uma Sociologia Jurisprudencial – com o jurídico subsumido ao realismo político (poder + capital) decorrem os epítetos da Ditadura Inconstitucional. No país, há um legado político autoritário que conforma o jurídico: patrimonialismo. O público é aninhado pelo privado; os privilégios (leis privadas: privi legem) submetem o direito e subsumem a justiça; o direito é fruto direto da origem dos pecados políticos. Se fosse aplicada a “teoria da árvore do fruto podre”, pouco do ordenamento jurídico seria salvo; sobretudo, se pensar que a árvore está podre e não apenas seus frutos. Com raízes profundas, o patrimonialismo coloniza todo o realismo jurídico. O quadro de formação de casta social, do Judiciário, remete ao passado/presente do Estado Patrimonial em que a Oligarquia é uma forma de poder e de governo. O passado não é apenas presente, como determinante. A Semana de Arte Moderna (1922) e a Revolução de 1930, industrializante, não foram eficientes. Os egos e as psicopatias também derivam disso, mas – como golpe de Estado que (re)cria um direito antiético – o processo é mais complexo. Ativismo e pragmatismo resultam em oportunismo instrumental do direito.

O conjunto desvela um poder do direito-meio, um medium da exceção, como caixa de ressonância do Oportunismo Jurídico.

Ante a avassaladora crise intestina do poder, com toda sorte de artifícios (i)legais, (i)morais dos que brigam pelo poder – no que se inclui a derrocada da luta pelo direito – reafirma-se a máxima política de que “os fins justificam os meios”. De contrabando, vigora um Oportunismo Jurídico: o Judiciário deve regular o Político (alargando os limites da própria judicialização da política), responder de imediato, substituir a qualidade pela quantidade, prontamente mergulhar nas fissuras do poder, abandonar a defesa da Constituição para ter suas ações voltadas à Razão de Estado. Como não poderia ser diferente, nesse ambiente em que se imiscuem o direito-meio (poder) com o direito-fim (justiça), prevalece a regra antijurídica do “poder a todo custo”. No Oportunismo Jurídico instrumental não se professa o interesse pelos fins: como se o direito-meio (medium de poder) fosse a única verdade possível e uma mensagem que se devesse levar a todos, especialmente, ao custo da própria justiça. No vínculo do direito-meio, como medium de poder, não há uma ética da responsabilidade. Afinal, em meio à exceção, quem é responsabilizado pelo uso excessivo do poder?

Pelo mesmo lado da questão, alegando-se a segurança jurídica, uma pretensão de justiça pode se arrastar por décadas, quase indefinidamente. E todo atraso desmesurado, logicamente, afasta a definição do justo e assim se traduz como injustiça. Por isso, o direito precisa ser retido como dinâmica social, não como equilíbrio indefinido, mas equilibrando-se diante das necessidades e das demandas sociais. Não reduzido ao meio, mas atuante para o fim, o direito leva a pensar nos objetivos, no que se quer para si e para os outros com a imposição do próprio direito-fim. Como meio, historicamente, o direito se vê como refém do poder dominante. Como fim, como alegação das conquistas que se unificam na consciência humana (condição humana), o direito é um instrumento de afirmação de classe, de grupos oprimidos. Como justiça, o direito é um instrumento da Teleologia: direito-fim. Como composto, o direito se presta à libertação de todos que se sentem oprimidos. Como componente, o direito é um poder político da opressão; como composto, é um poder social da emancipação. Como equilíbrio do poder estabelecido, o direito é um componente ideológico, pois no fundo somente se equilibram o status quo e a durabilidade das injustiças presentes. Como desequilíbrio social no meio social injusto, por exemplo, o direito pode ser precisamente um meio de justiça, porque desequilibraria a fonte geradora da injustiça.

Entretanto, a (in)justiça não é um objeto de retórica da ciência jurídica ou da sociologia do direito, mas sim um dado da realidade, um fato insofismável e produzido/regulado pela luta das classes sociais fundamentais. Assim, a legitimidade está na fabricação, no momento inaugural da dominação (escolha dos fins) e na delimitação dos meios: descrição do médio-direito (meio) a ser utilizado como instrumento de dominação de alguns/muitos sobre todos. Quando há somente alguns na origem do direito, opera-se sob o manto da exceção de poder; quando se nutre o direito do fazer de muitos (do máximo possível) recorre-se à socialização do direito. Em síntese, o direito-meio (mais ainda se dotado apenas de força) implementa a violência como fim e instrumentaliza o direito: servil ao poder. Do contrário, a violência como meio de legitimação (a vontade não manipulada) substitui a violência-fim (direito = força, coerção): quando prevalece o direito da maioria sobre os mais fortes. De certo modo, essa utopia pode ser compartilhada por democratas, liberais lúcidos, socialistas e comunistas; sobretudo, se o cidadão entender que não há sociedade, por mais perfeita que seja, sem uma intrincada relação entre direito-meio (instrumento) e direito-fim (justiça).

A dialética direito/poder permanece atinente ao processo civilizatório, ora prolongando-o – como direito-fim da justiça – ora retraindo-se diante da instrumentalização do direito-meio: atuando como longa manus do poder mandatário. Portanto, para a solução da Ditadura Inconstitucional que assola o país, o direito-fim (legitimação) deveria ser imposto ao direito-meio (força). Pois, só assim poderá renascer o direito-fim de fato, como direito praticado pela Humanidade e como segurança jurídica contra o direito-meio de todas as formas de exceção. Especialmente porque, outra característica do Estado de Exceção, sobretudo no século XXI, é criar carapaças de “normalidade administrativa do poder”, sobretudo para que o cidadão mediano não reconheça a submissão do direito-fim aos usos/abusivos ditados pelos operadores do direito-meio. Mas, como se vê no cenário político nacional, é o exato contrário do que ocorre na relação tripartite do poder – e que, um pouco mais, poderá se apresentar como um só soberano. O resultado é um Decisionismo Jurídico, em que há metas a serem cumpridas, independentemente da (in)justiça alcançada.

O que ainda confirma a tese do Decisionismo Jurídico

A partir de 2016 há uma inteligência política negativa que associa ordem ao militarismo (progresso). Em casos de grave crise política – e que se resolveriam pelo aprofundamento dos mecanismos democráticos e populares, fazendo atrofiar o fascismo constitucional – as Forças Armadas são lembradas e invocadas em primeira instância. A ultima ratio se torna a prima ratio. Como se trata de processo ideológico continuado, em determinados momentos há uma pregação clara de golpe militar (tanto hoje, quanto em 1964); em outros ensaios, quando a opinião pública ou as forças políticas internacionais são desfavoráveis, fala-se de uma suposta “intervenção militar constitucional”. Não há nenhuma inserção constitucional que possa legitimar tal pensamento e, por isso, trata-se de pregação de golpe constitucional sem disfarce jurídico. Esse pensamento antidemocrático e inconstitucional, no fundo, não passa de um arremedo histórico que remete ao cesarismo, qual seja, invocar-se a figura jurídica do dictator – poder judicial de exceção – atribuindo-se condições de excepcionalidade política a um magistrado. César no passado e, no caso atual, poderia ser qualquer general com conhecimento sistemático da Lei Marcial.

A tese decisional do poder é simples de se entender, pois tem poder quem decide sobre todas as outras formas de poder. Trata-se, especialmente, de quem decide sobre o poder de exceção, quem tem soberania (poder absoluto) para legislar sobre novas formas de poder e de contenção de outros poderes (democráticos e) não atinentes aos Grupos Hegemônicos de Poder. Poder decisional implica na dominação hegemônica sobre a legislatura dos poderes de exceção e, é obvio, acerca do seu manuseio. A dominação hegemônica coincide, portanto, com a homogeneidade entre poder e direito de exceção. Trata-se da expansão do “monopólio legítimo do uso da força física” (Estado) para uma sequência de força política que se baseia no uso/abusivo dos poderes excepcionais de controle social e de dominação integral da ideologia, da política, da capacidade legislativa.

Assim, combinam-se adequadamente poder autocrático e direito de exceção – sob o olhar do soberano – no exercício do monopólio legislativo da força física: violência institucional. Nessa fase, já com o apoio das ruas, o processo legislativo – populismo jurídico – não precisa mais das fontes legítimas da justiça. Trocam-se rapidamente – uma vez legitimado o poder de exceção – a equidade, a liberdade e a igualdade pelo justiciamento que as ruas requerem e que a Constituição de Exceção já autorizaria. A Constituição brasileira de 1937 – apelidada de Polaca, instituindo o Estado Novo sob o comando de Getúlio Vargas – e o AI-5, de 1968, após o golpe militar, são exemplos claros do passado que ainda atormentam. A Constituição Federal de 1988 guarda instrumentos que ilustram a ação explosiva do poder, como a previsão de pena de morte em caso de guerra (Artigo 5, XLVII). Diferentemente desse passado/presente, o Estado de Direito atual se curva ou é amoldado de acordo com a decisão dos grupos de poder (dictator) que se hegemonizam com os recursos da exceção. Em certos casos, ainda que não se instaure uma ditadura tradicional – golpe civil/militar, fechamento das instâncias legislativas superiores, intervenção político-administrativa nos Estados-membros – há evidente concentração de Poder Político e esse é tendente ao absoluto.

Como quer a summa potestas, o Estado de Direito de Exceção não reconhece, efetivamente, os sistemas de freios e de contrapesos às manifestações de poder. Diante de toda a mitigação dos direitos fundamentais, o poder decisional torna-se autocrático. Essa é, sucintamente, a ocupação que se deu, sobretudo no século XXI, à fórmula weberiana do Estado Racional. O Poder Político conta com um corpo técnico-administrativo estável (burocracia, sistemas peritos), controle social legitimado e impessoal (direito), mas que estão a serviço dos grupos de poder que anulam a heteronomia desconfortável à “melhor” racionalidade produtiva. A meritocracia empresta sua inteligência técnica para que o poder não sofra com os avanços da autonomia requerida por outros setores políticos. O César, na Ditadura Inconstitucional, está imantado num poder específico.

Há, então, um Cesarismo Inconstitucional

Sob esse cesarismo inconstitucional, os laivos democráticos perduram; o sistema produtivo e político do capital globalizado precisa de oxigênio, além de que a mínima participação inibe o requerimento da liberdade e do direito de revolução: este que sempre fora preservado como a fonte de todos os poderes, como Poder Constituinte Originário. Nesse caso, contudo, ocorre que o astuto sistema tratou anteriormente/preventivamente de aprimorar suas fórmulas secretas (arcana imperii), a fim de assimilar o próprio ideário democrático e participativo. Sociologicamente, o sistema faz uma fagocitose societal – mediante a capacidade de promover a “mudança esperada” – das proposituras globais de poder elaboradas por seus desafetos. A contracultura do movimento hippie, com a proposta anticapitalista do trabalho artesanal, por exemplo, foi capturada (como trabalho vivo, criativo) e se converteu na mais lucrativa indústria dos acessórios e das bijuterias. Por fim, nesse exato momento, a assim chamada dominação racional-legal (racionalidade + impessoalidade) e agora manipulada pelos Grupos Hegemônicos de Poder, transfigura-se como dominação hegemônica de exceção. Por tudo isso, a expressão bíblica, como chamamento à razão da prudência política, nunca foi tão perfeitamente profética, na potência máxima, e contraditoriamente negada em sua lição original: “Daí a César, o que é de César”.

Pois bem, para melhor confrontar a dimensão do regime ditatorial instaurado em 2016, vale retomar três acepções fundamentais, decorrentes da ética norteadora dos direitos fundamentais: 1) o processo civilizatório é dependente da Ética, muito mais do que do direito positivo; 2) “não se faz justiça com menos direitos”; 3) a Razão de Estado não é superior, em grandeza jurídica e ética, ao Princípio Democrático. Expressões que não estão distantes dos proclamados Princípios Gerais do Direito: honeste vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar ao próximo), suum cuique tribuere (dar a cada um o que lhe pertence). Por sua vez, esse conjunto da obra opera um instrumental privatismo jurídico.

O Privatismo Jurídico trata com o binômio direita e esquerda

Em tal forma e fase de operacionalização do Político, os direitos sociais/socialistas relacionados com a esquerda do pensamento societal são combatidos com todos os meios regulares (de exceção) disponíveis pelo Judiciário. Sob a ação da impactante ditadura legal, o Estado de Direito que prometia a liberdade e a segurança (CF/88), acabou inerte e liquidada diante do intransigente direito à propriedade. A sociedade moderna dormiu iluminista e acordou com os donos de um Estado de Direito injusto.

Entretanto, nem todo direito é de direita. Nem todo direito é patrimonialista ou se presta à manutenção dos interesses dos grupos hegemônicos. Observa-se isso em inúmeros vetores: da criminalização do assédio sexual à ação revolucionária direta. Está no Poder Constituinte ou na resistência à mitigação do próprio direito: desobediência civil, sedição, direito à revolução. Tanto se aplica à crescente racionalidade das relações humanas, quanto surge na fala da democracia em meio à ditadura. Entende-se melhor essa adjetivação política do direito quando se olha pela história, posto que há um miolo que eleva o padrão civilizatório. No cotidiano, ao contrário, vigora uma confluência degenerativa dos direitos conquistados. Nesse momento, tanto os poderes aparecem articulados para esse fim (remoção de direitos civis, trabalhistas, sociais) quanto o homem médio em sua vida comum clama por medidas autocráticas e de antidireito: exceção climatizada no cotidiano. Assim, pelo que já se perdeu em termos de direitos ou dos que estão sob fortes ameaças, pode-se ver que o direito ameaçado (e que antes era parte do direito posto) é um bem jurídico inolvidável. Veja-se o caso de se criminalizar a ironia contra políticos profissionais, fato que se alinha à contenção/negação de direitos políticos. A simples defesa desses direitos, em meio à cultura fascista de exceção, é em si revolucionária.

A luta pelo status quo ante dos direitos humanos fundamentais, neste sentido, já é uma postura política de enfrentamento à cultura popular (legislativa) de exceção. A mudança também pode se apresentar na “restauração do direito”, se o direito a ser reposto for legítimo, democrático, popular e socialista no alcance de seus benefícios. Ou seja, a militância pelo reconhecimento, defesa e promoção dos direitos humanos fundamentais tanto se dá na garantia do que se assegurou quanto na luta por conquista e efetivação de novos direitos. De todo modo, sob o escopo do processo civilizatório, a luta pelo direito é revolucionária: “As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente” (Rousseau, 1987, p. 29). A luta pelo direito é revolucionária porque convulsiona o status quo ambientado na manutenção de privilégios e de injustiças. Se praticamente o mundo todo enfrenta retrocessos no plano moral, econômico, político-jurídico, isso indica que se trata de uma exceção: um passo atrás. A regra histórica indica sempre dois passos à frente. O certo é o fato de que “não há justiça com menos direitos”. No momento retroativo (exceção institucional e legislativa) há dois caminhos na luta pelo direito: positivo, resistir a fim de se assegurar o que foi conquistado; propositivo, fazer avançar o padrão civilizatório com mais direitos.

Tem-se como exemplo mundial e angular que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, foi o último instituto jurídico global a garantir o direito à propriedade. O que se entende, de certo modo, analisando-se a espoliação comandada pelos nazistas de todos aqueles em que puderam colocar a mão. De lá para cá, os direitos civis/individuais – já libertos da condição restritiva da propriedade, opondo-se proprietários e não-proprietários – transmutaram-se, (onto/nomologicamente), em “direitos individuais homogêneos”. Isso é, o direito individual que antes fora aprisionado por um/alguns (proprietário/s) foi, historicamente, elevado a uma potência superior, com mudanças profundas na sua natureza jurídica. Hoje, juridicamente, a propriedade atende a fins sociais. O direito civil/individual, em nova potência, permite agora que muitos/diversos (deficientes, idosos, gestantes, crianças) sejam agasalhados pelo “direito individual homogêneo”. Esses e outros grupos são diferentes entre si, com especificidades e necessidades próprias, mas são homogêneos em necessidades especiais de cuidados no espaço físico e nas relações humanas, como ocorre diante da acessibilidade e da permanência com conforto: sentados, seria o caso. Ou no atendimento prioritário. Isso tanto esclarece como o direito é revolucionário na ação (libertação dos escravos) quanto no avanço sistemático da racionalidade humana: o direito como mediação de conflitos. Pois bem, é disto que se trata neste país hoje: assegurar o que se conseguiu a duras penas, com sangue, suor e lágrimas. Como se sabe, “o direito não socorre a quem dorme” e muito menos cai do céu. Ao revés da garantia dos direitos humanos, a racionalidade política mudou, evoluiu, enfim, para se reposicionar de acordo com a máxima racionalização do poder e do direito; todavia, sob o mando de uma gestão técnica da forma-Estado de Exceção, o direito não reconhece a legitimidade que não advenha do poder controlado. E, novamente, o Poder Judiciário está no ápice da exceção institucional.

A Ditadura Inconstitucional nega os princípios do direito ocidental

A própria Lei Maior deve ser adaptada ao suposto realismo dos fatos, no que se inclui a deslegitimação de direitos fundamentais, como o direito de ir e vir e a negação de habeas corpus patrocinado em situação de prisão preventiva e que é uma ação cautelar, isso é, de per si, uma exceção ao procedimento ordinário. No entanto, o pior é que, mesmo antes da revisão legal/jurisprudencial, as normas em vigência deverão ceder à interpretação restritiva de direitos – e ainda que se saiba que as reformas jurídicas (ou meramente interpretativas) não podem ser in pejus, apenas in mellius, ou seja, para desagravar a condição do acusado/detido. Em caso concreto:

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou pedido de Habeas Corpus e manteve a prisão preventiva do empresário Marcelo Odebrecht [...] Em seu voto, o relator afirmou ainda que, devido às dimensões da "lava jato", é necessária uma releitura da jurisprudência, sendo necessário estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão preventiva [...] "A singularidade do presente caso está a exigir que se estabeleça um novo standard quanto à aplicação do instituto da prisão preventiva e das demais medidas cautelares [...] A originalidade e dimensão do caso impõem que todos os operadores do Direito — e de um modo especial os julgadorespassem para uma compreensão singular, sem olvidar dos direitos fundamentais", afirma o relator (in verbis – grifo nosso)[105].

Negar provimento de habeas corpus, contra uma medida excepcional (prisão preventiva), alegando-se uma mudança necessária no foco judicial, portanto, implica em aplicar uma interpretação de exceção (e que viola a jurisprudência) a uma restrição de direitos que é de exceção em sua natureza (prisão preventiva). Acontece, na prática, que negando a soltura, sob uma “necessária” reinterpretação da jurisprudência, há evidente cerceamento de direito fundamental e, nesse caso, decide-se judicialmente com o manejo de uma exegese de exceção: a lei infraconstitucional é reinterpretada para obstruir preceitos constitucionais: presunção de inocência e ampla defesa. É notória a adoção de perspectiva judicial que invalida direitos fundamentais, com violação da Carta Política, e isso é uma das medidas excludentes do Estado de Exceção. Contra qualquer punitivismo, e em favor da Justiça, não se pode aplicar o antidireito: primitivismo judicial. Pela lógica da Ditadura Inconstitucional, primeiro se muda a jurisprudência que segue a CF/88 – ao sabor do nosso senso de oportunismo/populismo jurídico – para depois, como efeito consagrador da política que inoculou a exceção no direito, mudar, definitivamente, a Constituição já violada pelos atos de reinterpretação judicial autocráticos. Não é possível usar o direito para mitigar os Princípios Gerais do Direito; não há lógica jurídica – a não ser a da exceção –, na alegação da defesa da liberdade futura, negar-se a liberdade presente. Marx (1978) retratou essa manobra já no século XIX e que salta aos olhos presentes.

O inevitável estado-maior das liberdades de 1848 [...] as liberdades [...] receberam um uniforme constitucional que as fez invulneráveis. Com efeito, cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto do cidadão francês, mas sempre acompanhada da restrição à margem [...] Como resultado, ambos os lados invocam devidamente, e com pleno direito, a Constituição: os amigos da ordem, que ab-rogam todas essas liberdades, e os democratas, que as reivindicam [...] isto é, liberdade na frase geral, ab-rogação da liberdade na nota à margem (p. 30 – grifo nosso).

Na decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal, da 4ª Região, a liberdade não só está negada por “restrições à margem da lei” e por aqueles que seguem a disciplina do direito patrimonial, como também atuam em seu socorro – como excesso de “Força da Lei” – as interpretações judiciais/inconstitucionais produzidas pela visão de mundo prenhe de antidireito. Uma vez que se nega a consagrada jurisprudência (a prudência com foro de lei), a fim de se atender ao interesse estacionado na mentalidade de quem não pode interpretar os direitos fundamentais para menos. Nesse processo de exceção, no passado e no presente, o Poder Constituinte Derivado deve ser interpretado à luz de um futuro processo constituinte. Numa espécie de teleologia ao contrário, do futuro para o presente, a lei deve ser reavaliada sob uma exegese de poder que quer desesperadamente se legalizar. No caso em tela seria buscar as regras do recall político ou judicial – inexistente no Brasil – para obter os efeitos do impeachment. Certamente, os efeitos dessas manobras sacramentariam uma fantasmagoria político-jurídica. Por isso, essa é a fase em que, de fato, a exceção está em vias de se tornar regra definitiva, com natureza jurídica de Poder Político, legitimando-se diante do poder soberano em atos de constrição da legitimidade democrática que supostamente foi alardeada em sua origem. O fato de estar em “vias de se legitimar”, no entanto, é suficiente para que o “cesarismo regressivo” (Gramsci, 2000, p. 76-77) declare o fim das instituições democráticas e republicanas. Como exceção, esse “novo” pensamento (anti)jurídico já presente nos tribunais muito em breve será regra constitucional, haja vista que segue a Lei de César será para todos.

Um conceito à parte

Quanto à Ditadura Inconstitucional strito sensu que aqui procura o melhor entendimento – anuladora dos Princípios Gerais do Direito, com lastro no fascismo evangelizador e no abate do Estado Laico, e ainda mais distante da nomenclatura romana clássica – pode-se dizer que deriva de uma interpretação oportunista[106], absolutista[107], pragmática[108], antiética[109], antipopular[110], antidemocrática[111] do ordenamento jurídico e da hermenêutica constitucional com intuito claro de violar o Princípio Democrático que dava contorno e forma à Constituição Federal de 1988. Com o glamour gerado em torno da caçada aos “corruptos”, o povo celebra toda ação midiática sem considerar a herança do Direito Ocidental que carregamos na CF/88. Diviniza-se a autoridade estatal sem questionar – ou se aceita complacentemente – os recursos empregados. Como linha mestra do fascismo, há uma divinização do Estado repressor: “elogios desmedidos da instituição estatal, considerando-a como algo sobrenatural, à qual se atribui veneração e submissão indiscutível” (Rojas, 2001, p. 373 – tradução livre). Tal processo instaurador da Ditadura Inconstitucional não se inicia com o impeachment de 2016, mas se fortalece substancialmente, materialmente, com o uso/abusivo do instituto político-jurídico. Na ofensiva de resistência ao Golpe de Estado, que sacramenta os meios de exceção, movem-se indivíduos e instituições. É o caso do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), motivando-se contra os atos de exceção que violam o artigo 85 da CF/88 e o artigo 4º a Lei 1.079/1950.

“O parecer foi elaborado sem quaisquer defesas ideológicas ou político-partidárias, se limitando ao exame da constitucionalidade e da legalidade do processo de impedimento, com o propósito de contribuir para o fortalecimento do estado democrático de direito e dos princípios republicanos” [...] “As chamadas pedaladas fiscais e a utilização de decretos não autorizados para abertura de créditos suplementares podem ser decisões administrativas reprováveis, por conta do objetivo de maquiar as contas públicas e majorar o déficit primário, mas não constituem crime de responsabilidade”, afirmou. Para Manoel Peixinho, “as razões deduzidas pelo Tribunal de Contas da União, pela Câmara e o Senado são desprovidas de fundamentação jurídica, porque as pedaladas e os decretos não violam as leis orçamentárias nem a Lei de Responsabilidade Fiscal[112]”.

Do mesmo modo, juízes de tribunais na ONU (Organização das Nações Unidas)[113] manifestam-se apreensivos quanto aos episódios judiciais mais recentes da quebra institucional e esperam que o organismo internacional manifeste-se contrariamente aos atos de exceção. Porque, em suma, é o Princípio Democrático – motor do processo civilizatório – que está ameaçado e, consequentemente, toda a estrutura do Direito Ocidental. Viola-se a Convenção de Montevidéu (1933), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos – ou Pacto de San José da Costa Rica (1969) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1976)[114]. Em plano mais amplo, a “versão”[115] da Ditadura Inconstitucional alinha-se ao contexto repressivo fascista internacional[116] – regressivo quanto ao uso dos meios político-institucionais excessivos (Gramsci, 2000). O clima de terror, ora gerado internamente ora com justificativas internacionalizadas[117], anima o exceptio[118]. O animus dessa fase do Estado de Exceção é a tomada institucional (por dentro) do poder; faz-se uso de forças repressivas, inclusive militares, mas não com forças militares convencionais. No caso, além do emprego das polícias – atuando como aparelhos repressivos de Estado – ilegalidades, inconstitucionalidades e arbitrariedades são apresentadas e conduzidas pelo Estado, que atua como propulsor ideológico (nomológico: editor de leis injustas) e institucional dessa forma sofisticada de ditadura legal. Para um sistema político-jurídico em que vige um regime de castas para um dos poderes, é perfeitamente legal que se apresentem condições absolutamente distintas nos atos judiciais finais, partindo-se de casos absolutamente semelhantes.

A nomologia da Ditadura Inconstitucional

Por que, para um empreiteiro são oferecidas as benesses da delação premiada – leia-se, liberdade – e para outro resta a masmorra? Ambos cometeram o mesmo crime. Nessa condução dos meios para os fins que se projetam distantes da justiça – em que, efetivamente, direito e justiça não comungam a mesma cartilha – “a coerção é o método de ação”. Com base, por exemplo, na delação premiada, quem confessa primeiro – ou é escolhido pelo julgador – tem a vantagem do direito premial e, nesse caso, significa a liberdade. Ao(s) outro(s) restará a prisão. Não há como não ver que aí se aplica a lógica da relação amigo/inimigo; não há como não ver que também os “fins não estão para os meios”, como requer o direito. Posto que, ao contrário disso, “os fins (nem sempre justificáveis) justificam os meios”. Afinal, do contrário, o tratamento seria paritário, equânime, com isonomia e imparcialidade. Vê-se, em consequência, que a neutralidade/imparcialidade não é um método, que esta é uma exigência super-humana na exata relação de valores que se apoderam de cada agente público aplicador da lei. Vê-se que ao positivismo jurídico cabe a hermenêutica provinda do realismo/dualismo político: amigo/inimigo. Os interesses e as pressões externas são superiores, em grandeza de direito, às convicções pessoais ou nomológicas da justiça.

Realmente, direito e ética nunca estiveram tão distantes, incomunicáveis por decisões políticas que – a não ser que se convença, em razão de argumentação muito mais convincente – escapam à lógica da razão jurídica, quando esta era presumida pela ética dos negócios públicos, mais especificamente, pelas ações das transações judiciais. Por esses feitos, pode-se aplicar a coerção como método. A uns implica em direito premial, liberdade, a outros, no entanto, as piores penas possíveis[119]. Fora do discrímen desejado e necessário (discriminação positiva), quando, diante do procedimento judicial, os iguais são diferentes, entretanto eles não são diferentes, mas sim desiguais. Prender um e soltar outro, pelo mesmo crime cometido, não há de ser um avanço conceitual que aprimore o direito. Criar um exemplo, do que permanecerá preso, não está longe do senso comum do homem médio em sua vida igualmente comum, quando sentencia que se trata do “boi de piranha”. Desse modo, se a questão ética (legitimidade) nem é presumida, porque passa longe do direito aplicado, restaria que se discutisse sua legalidade. Mas, como se sabe, inclusive pelos olhos brandos das cortes superiores, a hermenêutica da Ditadura Inconstitucional é direcionada contra a Constituição. Temos, na confissão das provas improváveis dessa nomologia ditatorial e inconstitucional, condenações presumidas e delações não confiáveis. Essa é a Ciência do Direito que se projeta em distopia contrária à teleologia como contribuição ao processo (in)civilizatório. Ainda que a nomologia seja Ciência apenas no sentido de que revela uma ciência, um conhecimento agregado à conveniência, substituição das normas jurídicas, os esforços têm graves erros de origem: vícios redibitórios insolúveis. Ou simples erro crasso na premissa maior. No caso específico das normas aplicadas à Ditadura Inconstitucional, ou de suas interpretações draconianas, vê-se que a nomologia resulta da subsunção da ética, em desfavor da justiça, para foros que empobrecem o senso mínimo da Humanidade.

Ditadura Inconstitucional: condições propícias

Também do ponto de vista jurídico, observou-se o fim do Estado Democrático de Direito. Em suposta alegação de que se quer resguardar a República, aviltam-se os Princípios Gerais do Direito. O próprio Direito Ocidental, em suas condições estruturais, está em fase de negação. Quem tem por volta de 50 anos e viu a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, sente-se no olho do furacão da história novamente. Porém, os efeitos são contrários: lá, sabia-se das dificuldades, mas era tempo de se construir o direito; hoje, todos os esforços empenhados sofrem ataques regressivos. Se houve uma Constituição Cidadã – em que pese a existência de exceções provindas do militarismo de 1964 –, atualmente assiste-se à degradação sistemática dos direitos fundamentais. Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aplica um drible no Princípio da Ampla Defesa, acelera ou empaca julgamentos – na cola do realismo político – é sinal de que já colou o direito de exceção[120]. Se magistrados são atemorizados, repreendidos, afastados de suas funções por assumirem posições contramajoritárias às suas cortes – sobretudo em defesa dos direitos humanos fundamentais – é porque o tempo do Princípio Democrático está findo[121]. Quando o mesmo STF ameaça coibir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), retirando-lhe as funções de analista e de julgador dos membros do Judiciário é porque, além do coronelismo renitente ao Estado Patrimonial, está adotando meios de exceção[122].

O probo não pode se impor pela via da seletividade, porque a República não pode ser refém do direito de ocasião[123]. E porque todo embate em defesa do juiz honesto, defensor da justiça com moralidade pública, é uma luta pela democracia. Quando se tem a prisão decretada de um senador da República – por obstrução da justiça – diferentemente de outras autoridades, e igualmente carimbadas em gravações de réu confesso, é sinal (para além dos indícios) de que “forças ocultas” vaticinam o Estado de Exceção sob a bandeira da Ditadura Inconstitucional: é sua prova robusta[124]. A tese jurídica segue sendo a mesma, uma vez que, ainda com respaldo na Constituição Federal de 1988, as desventuras do STF – e de quebra do Judiciário, salvo honrosas exceções – reportam-se à Ditadura Inconstitucional. Contudo, ao rigor da interpretação mais positivista, é apenas inconstitucional, pois que a CF/88 assegura direitos fundamentais e proíbe, terminantemente, tratamentos desiguais para casos equivalentes nas ações danosas de sujeitos igualmente equiparados em juízos e em condições reais (e similares) de sua existência política.

Dura lex, sed lex

Para nunca se esquecer: quando o Supremo Tribunal Federal escolher quais amigos/inimigos da República devem ser presos, é porque a seletividade jurídica mostra seu caminho pelos descaminhos do realismo político. Se acusadores do “golpe” de 2016, sobretudo sua principal vítima, têm de se reportar ao Judiciário, explicando-se a origem e o embasamento da expressão – “na Ciência Política, ruptura institucional e antidemocrática é Golpe de Estado” – é sinal evidente de que a sociedade está coberta pela espessa capa da Ditadura Inconstitucional[125]. Inerte e/ou refém da própria judicialização da política, a Corte Superior revela-se politizada, mas como quem escolhe partidos em ação. Independemente de haver interesses outros, até mesmo pessoais, quando a política judiciária se torna partidária, sucumbe o Político, a democracia, a dignidade como princípio maior do direito. No mesmo pleito, se o Judiciário e o Ministério Público querem calar a imprensa, quebrando a economia de jornais, com ações por dano moral, é indício material de uma Ditadura Inconstitucional[126]. Em todos os exemplos emprestados, o prisma não muda, antes, acentua-se o uso arbitrário do sistema contra aqueles que se colocam em favor dos direitos fundamentais. Se um só juiz é atemorizado por cumprir rigorosamente o direito que preserva a dignidade do cidadão, o que esperar para o homem comum?

De todo modo, ao se perder sob o impacto da politização do Judiciário[127], estrapolando-se toda e qualquer devida judicialização da política – em vias de se institucionalizar a cultura da torpeza –, igualmente, o cidadão perde o referial do direito ético. A cultura da torpeza que alimenta a Ditadura Inconstitucional não é um fenômeno nacional, mas aqui se nutre do que há de pior no capitalismo transnacional e no chamado “presidencialismo de coalisão”. No fascismo, de colizão frontal com os privilégios de classe ou casta social, o povo é quem sofre a perda total. Também os preclaros defensores da República querem o fim das operações tapa-buracos na corrupção da política nacional. Espera-se sensibilidade do Judiciário para que não atrapalhe, em denúncias, o governo interino[128]. Observar na prática a seletividade jurídica (“sensibilidade”), já é realidade para o homem comum, pobre e negro; mas, talvez, queira-se mais algum tipo de incômodo institucional que proteja a Razão de Estado. Por isso, é possível asseverar: não se atropela o direito fundamental, nem mesmo com o anseio de se proteger a justiça. Simplesmente, porque "não há justiça com menos direitos". Ou há o direito para a democracia ou é injustiça. Não há meio-termo. Aprende-se essa dura lição com os antigos e na leitura das falácias construídas sobre a Constiuição de Weimar/1919. Dura lex, sede lex: sim, a lei é dura, mas que não seja só para os inimigos do poder constituído em establishment. Assim, mais do que nunca, se por sua defesa intransigente aos princípios da democracia, do Estado de Direito, dos direitos fundamentais e da dignidade humana magistrados são perseguidos, é porque o Direito Ocidental – como se conhece desde a Roma antiga – curvou-se aos ditames do dictator[129]. Quando o Judiciário, além de todo o interposto Estado de Exceção, alimenta-se de machismo e de misoginia aguda, sem contabilizar os efeitos do racismo e do elitismo, é sinal claro que o direito não respeita a justiça[130]. Pode-se, portanto, asseverar que há muitas incostitucionalidades perpetradas em nome da tomada de poder – sob a vestimenta da Razão de Estado. Esssas formas variadas de manipulação consitucional, obviamente, acarretam inconstitucionalidades.

A inconstitucionalidade da Ditadura Constitucional

Para efeito de registro na história ocidental do Estado de Direito – baluarte republicano do século XIX – é fato que, enquanto houver um respiro da Constituição Federal de 1988, o que se faz e fizer em detrimento da legalidade acostada, será ilegítimo, injusto e inconstitucional. O processo de mutação constitucional, para fins permissivos de interpretações absolutistas, nos moldes da hermenêutica fascista do direito, é inconstitucional – no sentido de se chocar com a moral jurídica internacional construída desde 1949, na Alemanha – e, assim, coloca-se na permissividade ou é consorte à ocorrência das mais graves violações dos direitos humanos. Um fim para o qual, certamente, o Estado de Direito não fora planejado, especialmente desde a Revolução dos Cravos, em Portugal, e que está na origem da Constituição Federal de 1988. No entanto, sob o refluxo fascista, mesmo os membros do Judiciário – que não se curvam à exceção – são atemorizados com abusos de poder[131]. Desse modo, a condição evidente da Ditadura Inconstitucional é a progressiva – mas voraz – repressão do Princípio Democrático pelo Estado de Exceção; atribuindo-se poderes excepcionais para os poderes constituídos, na exata proporção em que ocorre crescente mitigação dos direitos fundamentais. Busca-se salvar a Razão de Estado – justificativa para se aprimorar os poderes de exceptio –, com a “finalidade de preservar a ordem constitucional”[132]. No presente pretexto, é evidente que o contexto expansivo, inclusivo e coletivo dos direitos humanos é albergado, fazendo-se refluir todo o processo civilizatório que se havia em curso. Pode-se, ainda, asseverar que sempre houve majestas na Razão de Estado, mas sem potestas in populo não há poder que se sustente. Porque, para a luta pelo direito nunca haverá direito findo e por mais que sejam severas as condições de poder opressivo, as respostas são individuais e coletivas[133], institucionais ou políticas. A realidade política não cessa, bem como as barreiras de contenção do abuso de poder e de seus meios de exceção. O direito não pode ser isso, mas, hoje, serve como chicana da justiça mais elementar – como nos romances de Balzac, Kafka, Camus, Gabriel Garcia Márquez. Diferentemente das maquinações constitucionais de Carl Schmitt (2006) – que serviu de ideólogo, querendo-se ou não, ao nazismo – não se vive propriamente num quadro de Ditadura Constitucional. Houve algo assim com o AI-5, de 1968, mas hoje – enquanto perdurar o mínimo Princípio Democrático tatuado na Constituição Federal de 1988 – o que se faz, com o beneplácido do Judiciário, é consorte a uma ditadura ilegal e ilegítima. Hoje, há uma Ditadura Inconstitucional.

O clássico ocultismo e abuso de poder

Observando, ainda, juridicamente, o Senado Federal volta a examinar projeto de lei sobre crime de abuso de autoridade[134]. Primeiramente, resguardando-se a formação mais clássica, pode-se pensar que autoridade é um termo aplicável exclusivamente à magistratura. Isso é, interpretar-se-ia de forma mais restritiva o termo e a aplicação desse instituto legal. Por uma razão simples: autoridade é quem exerce o poder legal de interpretar, julgar e punir ações discricionárias dos demais agentes do Poder Público. Assim, restritivamente, autoridade é quem detém o poder de julgar a todos que têm capacidade ou competência técnica de manifestar atos de poder. Denomina-se sociologicamente de “sistemas peritos”, pois são sistemas operacionais geridos por agentes de poder capacitados ou instituídos de legitimidade. No caso específico, seriam os magistrados que interpretam, interpelam, ações de agentes/servidores dos três poderes em instâncias judiciais e jurídicas distintas. E seriam interpretações legítimas se ocorressem não apenas em face da lei que prevê, autoriza e disciplina esse mesmo poder legal de julgar inclusive a seus pares; mas, sobretudo, se viessem calcadas no Princípio Democrático. Submersos em caos institucional, vale dizer, em plena era de Ditadura Inconstitucional, as autoridades pululam sem distinção e os crimes de abuso se somam e se somatizam, o culto à personalidade é multiplicado ad infinitum. E quase todos se locupletam de um descontrole democrático-republicano.

Então, nesse contexto, resulta que submerge na flagrante a impunidade dos abusadores do poder: incluem-se, aí, os julgadores que prezam sua autonomia, mas que repudiam qualquer auditoria nas suas ações julgadoras e punitivas. Em tese de primeira conclusão, os (e)feitos/defeitos do poder abusador teriam motivado o legislador a ampliar o escopo da dita “autoridade”, a fim de abarcar outros agentes da lei e do poder constituído. Porque, de forma direta, o poder de todos – de agir, investigar, legislar ou de julgar – está sob a tutela do descontrole perpetrado por meios/mecanismos de exceção: da corrupção à caça aos corruptos. No exemplo concreto, ainda resta dizer que se passa uma fase tão estranha, complexa e contraditória dessa particular Ditadura Inconstitucional que um projeto de lei sobre abuso de autoridade pode suscitar medos e problemas descomunais para o bem e para o mal. No nosso caso, o bem serve ao mal – porém, o vice-versa não é atento ao presente da negação democrática. Se a história recente fosse de respeito ao Direito Ocidental, o próprio projeto da lei sobre abuso de poder só seria recebido se viesse embalado pelo Princípio Democrático; pois, do contrário, seria rechaçado de pronto por considerar-se uma afronta inconstitucional aos direitos fundamentais funcionais do poder investigador.

Entretanto, como perdemos a face democrática da CF/88, a partir do impedimento de 2016, projetos autoritários, reacionários e suspeitos de albergar interesses fascistas e escusos chegam e são lidos todo dia no Congresso Nacional. Desconstrói-se a democracia, tanto quanto o Estado Laico. Em consequência dos abusos da Ditadura Inconstitucional, num primeiro plano, deveria ser motivo de celebração o recebimento de um projeto que viesse a punir abusos (seletivos) das autoridades investidas – e se houvesse, obviamente, clima progressivo no processo civilizatório – num segundo momento, revela-se, ao contrário do pressuposto democrático, uma existência perturbadora na exata medida em que o projeto pode/deve beneficiar investigados poderosos de atentar contra o erário. Nesse caso, as autoridades investidas seriam revestidas por um cordame imoral que os impediria de investigar corruptos da República. Cabe ressaltar que o país já tem uma lei para isso, apesar de antiga e desatualizada (Lei nº 4.898 – 9/12/65)[135]. Entretanto, o “novo” projeto, de 2009, prevê[136]:

Art. 2º. São sujeitos ativos dos crimes previstos nesta lei:

I – agentes da Administração Pública, servidores públicos ou a eles equiparados;

II – membros do Poder Legislativo;

III – membros do Poder Judiciário;

IV – membros do Ministério Público.

(....)

Art. 12. Ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoa indiciada em inquérito policial, autuada em flagrante delito, presa provisória ou preventivamente, seja ela acusada, vítima ou testemunha de infração penal, constrangendo-a a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação social ou serem fotografadas ou filmadas com essa finalidade.

Pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

Art. 13. Constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo (grifo nosso)[137]:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem constrange a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo (grifo nosso)[138].

Pelo mesmo lado da moeda, mas, observando-se pelo ângulo contrário dos que querem plena autonomia – o que inclui “dar normas a si mesmos” (auto+nomos) como se fossem os únicos intérpretes autorizados da lei e da Constituição – e sem sofrer do constrangimento legal e do embargo legítimo dos pressupostos democráticos que embasam a auditoria (audire: ouvir, ouvidor), sendo esta necessária e urgente ao “poder que interpreta o ordenamento jurídico”, é preciso ressaltar, muitas vezes, que o referido projeto de lei é de 2009. Portanto, não foi exatamente uma medida legislativa a fim de combater de pronto as ações da conhecida Lava Jato. Quanto a isso, as debatidas autoridades julgadoras veem-se revestidas da capa patrimonialista que as protege com privilégios constitucionais imorais. E demonizam tudo e todos que as contrariem em seus interesses de casta/estamento social. De todo modo, como o país está mergulhado em corrupção endêmica e motivado por Estado de Exceção, todo cuidado em se posicionar diante desses fatos é obrigatório. Pelo simples fato de que nessa “solução” repousa a salus publica e a sobrevida da democracia. Simplificadamente, o fator em causa destaca que: se há o perigo de corruptos temerários quererem barrar investigações sobre o malfeito, há, pelo reverso, o receio dos “operadores do direito positivo e dos aparatos ideológicos e repressivos de Estado” em se submeter ao controle previsto na divisão dos poderes. De um lado corruptos com medo gigantesco da prisão-masmorra, de outro, “autoridades no exercício do poder de exceção” escondidas, protegidas, sob a capa da impunidade do poder que abriga os mesmos corruptores do poder democrático. Em comum, há o andar de cima do fascismo em pleno século XXI e que se move impregnando todos os veios institucionais. Por isso, continua latente a questão inicial: a lei ameaça juízes ou apenas os abusadores convictos do poder de exceção?

Ilegalidades da Ditadura Inconstitucional: a suposta situação de emergência

Entre o político e o jurídico, uma das características do Estado de Emergência, além da obstrução dos direitos fundamentais, é o ocultismo: Arcana imperii do poder ex parte principis. Com o ocultismo (Bobbio, 2015) gera-se o caos, o terror, o medo insistente da morte violenta (Hobbes, 1983) que “legitimam” o Terrorismo de Estado. A prisão de supostos terroristas pela Polícia Federal, às vésperas da abertura das Olimpíadas, abriu brechas evidentes para a ação afirmativa/confirmativa do Estado de Exceção. Nessa fase aberta da Ditadura Inconstitucional, as ilegalidades são claramente expostas. Além dos direitos fundamentais, ou incluindo-se neles, as prerrogativas da advocacia são negadas, bem como o mínimo direito de representação e de defesa de suspeitos que, talvez, nem chegarão ao status judicial de réus. O Golpe de Estado[139], instituidor da Ditadura Inconstitucional, abriu uma fenda inerente – ou nova fase – no Estado de Exceção. Clareia-se, portanto, uma nova etapa do poder abusador e que, até então, se procura(va) disfarçar[140]. Caiu, assim, a máscara sob a qual velava-se uma interpretação seletiva do ordenamento jurídico, e que outrora servira à democracia e à soberania popular. Por definição de obviedade, não pode haver Estado de Exceção abusador de direitos fundamentais alinhado ao potestas in populo. O poder soberano é do povo.

No caso concreto, os terroristas nacionais, em verdade, não passam de pretextos ao Terrorismo de Estado, em que as próximas vítimas serão os movimentos sociais populares e os cidadãos comuns rebelados contra a Ditadura Inconstitucional[141]. O próprio Judiciário, ao menos a parte ativa no caso das prisões de supostos terroristas “amadores”, colocou-se receoso quanto às investidas oportunistas do Poder Político que fez (faz) uso/abusivo dos meios de exceção[142]. O que está por trás da ação anti-terror[143], além da quebra da soberania nacional – uma vez que as agências internacionais já controlam os “mecanismos de segurança[144]” – é o invólucro necessário a fim de que se perpetrem projetos de anulação constitucional (CF/88). Impõem-se, com esse substrato político-jurídico e eletrônico, a necessidade de um Estado de Necessidade. Para o modelo nacional, pode-se esperar que permaneça entre os moldes aplicados na França e na Turquia: algo entre os dois, talvez combinando-os num sentido mais aterrador quanto à negação de direitos fulcrais à democracia, à República, ao Estado de Direito que se construiu a partir do século XIX. Portanto, o golpe é real. Mas, tem ou tinha artimanhas de surrealismo[145]. Pois, se o objetivo sempre foi o de endurecer os meios de exceção já dispostos pela Ditadura Inconstitucional, as ações futuras serão mais do que úteis ao poder abusador – ou inúteis, se analisar exclusivamente na retórica e nas ações dos que se batem, verdadeiramente, contra o golpe[146]. É preciso mexer com o imaginário, criar o inimigo.

O Labirinto do Fauno

A criação do “inimigo combatente” revelou-se parte ativa da fantasmagórica Ditadura Inconstitucional. O filme O Labirinto do Fauno exemplifica o processo, sobretudo pelo desassossego que coloniza as mentes que ainda pensam que dois e dois são quatro. No filme, encanta-nos tudo, sobretudo a mitologia que luta pelo fim da opressão, como a eterna utopia dos povos em disputa contra as distopias de poder. O caso central está na barbárie vista e denunciada pela criança, enteada do torturador e assassino a mando do Estado fascista espanhol. Porque, mesmo assim, em meio a tanta violência nua e crua, na máxima desumanização que acompanha o delírio do poder absolutista, a criança não perde de vista os sonhos: o principal deles é acreditar que pode salvar sua mãe das mãos do tirano e, portanto, da morte certa. O mais perturbador é o fato de que o insólito se agarra como realidade cumprida, extensa, muito além do devaneio que qualquer pesadelo literário poderia patrocinar. Além do fato de que essa realidade é a atual. Mais especificamente, é o sentimento que democratas, liberais lúcidos, ativistas de direitos humanos, republicanos, socialistas e o homem comum bem informado sentem quando as anormalidades ficam prenhes de racionalidades.

E, ainda mais especificamente, diga-se da irracionalidade antipopular e antidemocrática vaticinada em defesa da coisa pública, legalizada em abusos e como afronta ao meridiano da inteligência político-jurídica. Tal qual o assombrado e assombroso filme, por sua eterna atualidade, segue o país por essa estranha realidade que se suspende da normalidade, mas em forma deformada; no que também lembra muito o escritor franco-argelino Albert Camus ou o colombiano Gabriel Garcia Márquez, com suas vacas comendo tapetes palacianos. Parece que tomados pela normalidade/racionalidade dos outros (poder, capital) há, como isso afronta ao juízo mínimo de racionalidade baseada na Ética, sente-se o peso da mentira (pesadelo), mas pensando, acreditando e sonhando em viver a realidade verdadeira que as utopias poderiam construir. Isso é o que se pode chamar de loucura coletiva, devaneio produzido diretamente pela esquizofrenia institucional e sistêmica, pois constroe-se a vida sobre uma realidade que não a comporta. Não há coincidências, só semelhanças no modus operandi que abriga o passado e o presente[147]. Mesmo assim, no presente, como antanho, seria legítimo indagar se as coincidências são meras semelhanças[148]. Quando realidade e fantasmagoria se perfilam ou se unem, quando certo e errado, ético e desumano têm verossimilhança entre si é porque as sutilezas da Ditadura Inconstitucional fincaram raízes na Terra Arrasada. Em todo caso, a realidade/racionalidade minimamente cartesiana, em que não prevaleça a relação amigo/inimigo, é que foi afastada ou rendida por seus aparelhos ideológicos de repressão[149]. O Político não resiste por muito tempo à exceção.

Novas fases da Operação Ditadura Inconstitucional

Politicamente, como caso concreto, o aprofundamento do impeachment (“ruptura institucional”) não requereu uma quartelada – golpe civil/militar como visto em 1964. Porque não é preciso. Ao contrário, vê-se apenas o andar da operação tapa buracos: fechar a Lava Jato (como vaticinou o juiz); acomodar o governo interino; antecipar eleições; retomar a miniconstituinte que saque um Chefe de Governo diretamente do Congresso. Pode-se ver qualquer uma dessas varíaveis ou uma conjugação. A par disso, elevam-se feitos cada vez mais dispostos a alimentar o regime de castas que abriga parte do Poder Público – leia-se Judiciário. Feitos e fatos que comprovam a operação intestina que ressoa no vivo e atuante Estado Patrimonial[150]. Além disso, talvez como contraprova desse resíduo ácido e corrosivo do patrimonialismo, projeta-se do imaginário mal disfarçado a perspectiva de que o público, notadamente o direito público, não se adequa aos princípios ou valores minimamente republicanos e éticos. Autoridades públicas que autorizam o estupro, sob o pretexto de que as vítimas “deram motivos” ou que simplesmente o corroboram, pode ser um exemplo vigoroso[151]. Pois bem, ao contrário do interesse público, acenam com um imaginário corroído, corrompido pelo patriarcalismo.

A mesma estrutura patriarcal, que se alimenta de racismo e de machismo (misoginia), também é vista no comportamento aniquilador que reserva aos adversários e opositores de seu sistema de injustiças e de poder absolutista um tratamento ainda mais seletivo e penalizador. Nesse caso, aplica-se a regra de que os adversários são inimigos e assim se perpetua a relação amigo/inimigo: com a extinção progressiva dos que ousam defender a Justiça Social[152]. O fato é que não haveria novidade em nada disso. Então, o que vier não é prejuízo, mas sim consequência direta[153]. Desse modo, como pode haver contingenciamento humanitário, civilizatório, ou simples retorno ao status quo ante, a própria Revolução Burguesa, por aqui, é capaz de operacionalizar uma Ditadura Inconstitucional em que direito e ética estejam completamente apartados. Legalizando-se a Ditadura Inconstitucional cria-se a sensação de normalidade (sub-reptícia), mas que, enraizada na cultura da opressão, apenas coroa-se com o desejo da dominação pelo direito. O que não se percebe, com clareza, é que a objetividade dessa dominação racional está pautada no antidireito e nas mais deploráveis formas de injustiça institucionalizada. Em suma, essa é uma das formas privilegiadas da Ditadura Inconstitucional que se enfrenta: não apenas denega a Constituição, como abate a democracia e institucionaliza (legaliza) as injustiças mais atrozes. É preciso reafirmar que a conotação claramente fascista da atualidade impõe largo retrocesso moral, político e jurídico.

Princípio da não-retroatividade moral

O repertório de retroação moral sob os tempos de golpe parecem infinitos, mas listam-se uns poucos para concluir tal item: cristofobia, apologia aos crimes raciais e de ódio[154], alimento midiático febril à cultura da torpeza, seletividade policial e judicial, atentados aos direitos fundamentais individuais e sociais, sonegação acachapante da Constituição Federal de 1988. Portanto, um militar que defende o Estado de Exceção – em 2016 – não pode ocupar a direção da FUNAI (Fundação Nacional do Índio)[155]. Pelo simples fato de que esses métodos e outros poderiam ser utilizados a qualquer hora e, novamente, com o escudo de autoridade fornecido pelo Poder Público adormecido pelos meios de exceção. Esse é um dos muitos exemplos de retroação moral sob a Ditadura Inconstitucional. De todo modo, é preciso recuperar outro princípio que – derivado da moralidade civilizatória – aplica-se ao bem estar democrático do povo: Princípio da Vedação ao Retrocesso Social. Nesse caso, basta relembrar dos direitos trabalhistas subtraídos em proveito do capital. Ou seja, se a greve é um direito constitucional – ou era, antes do golpe –, e se um ato grevista não tiver sido julgado como ilegal, por juiz competente, os trabalhadores não podem ter os salários retidos em “estado de greve”[156]. Por sua vez, os princípios citados devem ser apostos a outros: prevenção e precaução. Tome-se de empréstimo um quadro explicativo:

Princípio da prevenção

Princípio da precaução

Certeza científica sobre o dano ambiental

Incerteza científica sobre o dano ambiental

A obra será realizada e serão tomadas medidas que evitem ou reduzam os danos previstos

A obra não será realizada (in dúbio pro meio ambiente ou in dúbio contra projectum)[157]

Reza a PEC 65/2012 que “a partir da simples apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pelo empreendedor, nenhuma obra poderá mais ser suspensa ou cancelada”[158]. Por analogia, mediante um “laudo de idoneidade” ou atestado de boas intenções, conferido por qualquer advogado, ninguém mais poderia ser revistado ou preso. Contudo, no lapso civilizatório da atual Ditadura Inconstitucional, ainda há a permissão para pulverização em aéreas urbanas. Não é preciso nem dizer como e que serão afetados humanos e animais domésticos[159]. Na conjuntura, não apenas o direito e seus povos são feridos de morte, também o bom senso, a justiça mínima, a regulação e a regularidade moral. Na Ditadura Inconstitucional, como não poderia deixar de ser, o retrocesso é gutural e expansivo. O modelo ilegal e ilegítimo coincide com o que o líder do Partido Comunista Italiano, nos anos 1930, Antonio Gramsci, denominava de cesarismo regressivo.


PARTE V

WEBER, BOBBIO E HABERMAS

Um tripé da Ditadura Inconstitucional

Nesse item elaborar-se-ão apontamentos que corroborem o perfilamento de uma Teoria Política da Ditadura Inconstitucional. Para tanto, em primeiro plano – sem ser exaustivo – será destacada a racionalidade que se abriga no Estado de Direito para, em seguida, aventar-se como há migração/naturalização da racionalidade jurídica na forma do poder de exceção.

O REALISMO MÁGICO DA DITADURA INCONSTITUCIONAL

Nessa corruptela de Gabriel Garcia Márquez (2007), o realismo trágico expressa a cultura da torpeza. A tese, inicial, é de que houve "evolução” do racionalismo político-jurídico de Hegel (1997) e Weber (1999) para novo patamar do Estado de Exceção: Ditadura Inconstitucional. "Novo" plano porque esse modelo de Razão de Estado teve início no pós-1789 francês. Entretanto, criou-se um tipo de Mito da Exceção controlada, com tônus de Estado Ético – superveniente e supervisor da cultura – e disponibilizada de acordo com as necessidades apresentadas pelos Grupos Hegemônicos de Poder: "o povo anseia pela dominação legal, indiferente ao golpe, porque Macunaíma espera por vinganças de classe e pelo mensageiro do milagre econômico". A racionalidade dessa dominação está nos fins: o poder ao salvador que vem do judiciário e do MP (Ministério Público). A racionalidade quanto aos meios (Direito, Ética) vigora seletivamente, ou seja, só valem enquanto levam ao poder (tomada de poder). Comparativamente aos EUA, em que vige o bonapartismo (Forças Especiais, CIA, Patrioct Act, Lei Marcial), no Brasil burila-se o cesarismo (Gramsci, 2000): renovação legal autocrática, sem uso de força bélica (a não ser a polícia racista). O resultado é que se formam as bases de uma dominação racional-legal de exceção e de torpeza populista Não se extinguem apenas direitos fundamentais, é muito mais profunda a reforma autocrática do poder. Faz-se esta abolição com a complacência do Judiciário e a forte ação do MP, os mais essenciais Princípios Gerais do Direito. Vale acrescentar que a dominação racional-legal da Ditadura Inconstitucional é capaz de se apresentar livre das prerrogativas (e das amarras do poder) do próprio Direito Ocidental.

Não há pré-requisito na história do Direito Ocidental, mas atina-se com uma longa manus da lei de piedra para punir sem autoria estabelecida e sem Ato Jurídico Perfeito (materialidade dolosa). Desse modo, sua denegatória é atentado grave ao Direito Ocidental, bem como prefigura grave violação de direitos humanos. E, por fim, incorre-se em crime contra a humanidade, uma vez que o baluarte do Princípio Democrático é referendado pela comunidade internacional. Contudo, se o Tribunal de Exceção – em que se pauta todo processo de impeachment de 2016 e o de Collor/1992 também o foi – coloca-se fora das condições básicas do Direito Ocidental (leia-se Princípios Gerais do Direito), então, surge uma figura jurídica abjeta e nefasta: a exceção da exceção mentirosa. Sob as escusas de uma suposta internacionalização da violência – terroristas do Estado Islâmico estariam no RJ – apressamos a votação da Lei Antiterror que tem, por mérito, reprimir e criminalizar lideranças de movimentos sociais combativos. Também abandonamos o Estado Laico para melhor servir à máxima de que "a religião é o ópio do povo".

A racionalidade jurídica que vem de Max Weber

O fato de o conceito de Direitos Fundamentais – construção jurídico-institucional – vir atrelado ao Estado de Direito (Direito Ocidental) evidencia a força normativa ainda presumida pelo positivismo jurídico. Mesmo os Direitos Fundamentais são ou devem ser garantidos pelo Estado, assim como as liberdades e demais garantias de direitos são ou devem ser asseguradas pelo Poder Político. Por sua vez, a constitucionalização dos direitos congrega deveres ao Estado (Hesse, 1991). Na origem e na teleologia, a ocidentalização notificou que não há justiça distante do “direito a ter direitos”. No entanto, o que existe de substrato no senso comum de juridicidade sem que haja, efetivamente, nem legalidade e muito menos legitimidade? Não se trata somente de confundir a lei com o legítimo, como se fez e como querem muitos positivistas; pois, tem-se o desafio de mostrar/revelar que tal “força de lei” se ampara (ou não) na democracia e no bom senso. Deve-se desconstruir a força que a manipulação legal deixou na mente do senso comum, como se fora obra de justa causa. Não será difícil a invocação de Habermas (2003) e a ideia do direito regulador de sistemas (comunicacionais) do poder. A enorme dificuldade está, portanto, em desmontar um discurso de tomada de poder lastreado em Habermas (2003). Não se apela(rá) simplesmente à legalidade do processo, como se veria em Durkheim (1999), Kelsen (1998) ou Parsons (1977).

Sem contar a incapacidade momentânea – a não ser pelos erros de poder – em decodificar o argumento técnico para entendimento do senso comum, a fim de que se reconheça que a negação do Estado de Direito bafejada em 2016[160] não se coaduna com a nomologia acostada na CF/88[161]. Desse modo, em resumo inicial, Max Weber (1979) e Habermas (2003) servem ao Estado de Exceção (Agamben, 2004), forjado sob a manipulação político jurídica cesarista (Gramsci, 2000) e que ainda tem como reserva a força física inerente à Razão de Estado, sob a escolta do bonapartismo (Marx, 1978): “a última razão dos reis”. Por fim, antes que se forme o julgamento de valor (e não de realidade), se somar Weber (1999) e a adoração pela dominação, Durkeim com sua anomia (1999), Parsons (1977) e os grupos sociais, in put, out put, uma pequena dose de Kant (2003), na mais famosa encíclica republicana (fiat justitia, pereat mundus) e a lição histórica de Napoleão Bonaparte (2010), ver-se-á que a democracia foi ofendida. Bem como vem sendo massacrada a racionalidade do “bom direito” (Weber, 1979), em prol da objetividade instrumental da tomada de poder.

Weber e o direito como racionalidade

A liberdade só existe na organização social, como fato/fator que liberta o homem do estado de natureza (Hobbes, 1983). Portanto, o direito que se retrata aqui – seja como recurso de dominação (Weber, 1979), seja como poder de opressão (Marx, 1978) – é um projeto/constructo da racionalidade humana[162]. Na terceira via como se demonstra na Ditadura Inconstitucional de 2016[163], as intercorrências de poder aprisionam o Estado de Direito e põem o direito refém do decisionismo jurídico; vitima-se o Estado de Direito sob a alegação de se salvaguardar a Razão de Estado. Esse é o miolo institucional, hoje, sistematizado e acionado por um modelo de cesarismo retrógrado (Gramsci, 2000)[164].

Nas sociedades modernas, privatizadas desde a instância molecular, associou-se a liberdade ao direito – primeiro de propriedade, depois político e social – ou, mais precisamente, tem-se que o direito é a máxima garantia (coerção) à liberdade. A liberdade organizada, por assim dizer, equivale à racionalidade que se encontra no próprio poder que garante o direito: o Estado. Trata-se de uma liberdade positiva, pois se traduz em direito positivado, atestado e assegurado pelo Poder Político. Desse modo, também, pode-se dizer que se trata de uma liberdade instituída pela organização institucional, onde o direito expressa a institucionalização da liberdade política. Sob o liberalismo, essa construção jurídica está voltada, por exemplo, à liberdade de comercializar: comprar e vender livremente ou com a mínima regulação estatal. Para o direito punitivo, o cerceamento à liberdade (prisão) é a pena mais grave, pois retira a natureza do homem, que é tanto a liberdade natural (do estado de natureza) quanto é a liberdade construída socialmente. A alternativa à restrição da liberdade seria, por exemplo, a obrigação de (re)fazer, de (re)construir o laço social ameaçado, esgarçado[165]. É desse modo que se associa o direito aos seus aspectos formais, ao Estado, às leis, à racionalidade política como extrato do Poder Político legislador.

A racionalidade do direito se expressaria, por fim, na liberdade limitada pelo próprio direito – que a assegura como “direito à liberdade” – e vigiada pelo Estado instituidor de direitos. Essa ainda seria a base lógica para a coerção (“forçar à liberdade, os não-libertos”) tomando-se a coerção como meio e fim: como fim, preserva-se a organização social e a liberdade positiva; como meio, é a força que obriga o direito à liberdade. Tal lógica ou dinâmica está expressa, por sua vez, na obrigação de cumprir o pacto político decorrente do sufrágio universal (“eleições livres”) e o que fora contratado, em comum acordo, por duas ou mais partes em liberdade e igualdade de decisão: pacta sunt servanda. Nessa construção da liberdade capitalista – comprar e vender livremente, obrigar-se a honrar o compromisso comercial – a liberdade que se assegura por lei e que é de direito – salvo os não-libertos na mente ou fisicamente: incapacitados ou detidos – decorre do papel essencial garantido à mercadoria: expressão maior do direito de livremente dispor. Ao revés disso, em 2016 e ao gosto do poder de sopetão, a cláusula da pactuação legitimada foi convertida – por meio de uma engenhosa rebus sic stamtibus in pro societas – em ofensa grave à democracia: a ultima ratio comercial converteu-se em prima ratio pentecostal.

O Direito como institucionalização da política

Um curso de Introdução ao Estudo do Direito Público, especialmente no tocante aos ramos do Direito Constitucional e Administrativo, pode/deve primar pela formação teórica (principiologia) e técnica (prática jurídica), pois é do bom uso desse instrumental e do repertório jurídico, experiência, que as lides do dia a dia são reveladas e resguardadas pelo Direito e pelas garantias/liberdades (“o bom Direito”). Porém, limitados à instância prático-instrumental, corre-se o grave risco de se ver reduzido, subestimado o potencial formador em cada cidadão de espírito inquiridor e crítico[166]. Desse modo, rever, retificar, ratificar, reconciliar-se com o Direito, com o justo, pode/deve exponenciar o duplo sentido elaborado no conceito de Direito: entre conceito e realidade. Essa seria a verificação da racionalidade encontrada entre razão e técnica instrumental expressada, por exemplo, na Justiça do Trabalho: da Carta Del Lavoro em diante foi o que de melhor se pode “olhar” nas lições da história; até que a dinâmica social e a reflexão/atuação da militância advocatícia, da Magistratura e do Ministério Público especiais revelassem a última palavra em termos de Justiça Social.

A Teoria do Conglobamento (Delgado, 2009), por exemplo, verifica que o Direito do Trabalho é eminentemente social e produtivo. Pois, se o objeto do Direito é a justiça, ao homem bom, realmente, basta a consciência: prudência e bom senso[167]. De todo modo, é possível aprofundar um pouco mais a argumentação em torno da afirmação de que o Direito é a institucionalização da política. Nesse sentido mais preciso, é sempre bom retomar as lições de Max Weber ao definir a dominação legal a partir do modelo típico ideal:

1. que todo direito, mediante pacto ou imposição, pode ser estatuído de modo racional – racional referente a fins ou racional referente a valores (ou ambas as coisas) – com a pretensão de ser respeitado pelo menos pelos membros da associação, mas também, em regra, por pessoas que, dentro do âmbito de poder desta (em caso de associações territoriais dentro do território), realizem ações sociais ou entrem de determinadas relações sociais, declaradas relevantes pela ordem da associação; 2. que todo direito é, segundo sua essência, um cosmos de regras abstratas, normalmente estatuídas com determinadas intenções; que a judicatura é a aplicação dessas regras ao caso particular e que a administração é o cuidado racional de interesses previstos pelas ordens da associação, dentro dos limites das normas jurídicas [...] 3. que, portanto, o senhor legal típico, o “superior”, enquanto ordena e, com isso, manda, obedece por sua parte à ordem impessoal pela qual orienta suas disposições; 4. que [...] quem obedece só o faz como membro da associação e só obedece ao “direito”; 5. ...que os membros das associações, ao obedecerem ao senhor, não o fazem à pessoa desse, mas, sim, àquelas ordens impessoais e que, por isso, só estão obrigados à obediência dentro da competência objetiva, racionalmente limitada, que lhe for atribuída por essas ordens (Weber, 1999, p. 142).

Já a dominação racional, em complemento aos quesitos da dominação legal, pode ter seus princípios assim enumerados:

1. um exercício contínuo, vinculado a determinadas regras, de funções oficiais, dentro de 2. determinada competência, o que significa: a) um âmbito objetivamente limitado, em virtude da distribuição dos serviços, de serviços obrigatórios, b) com atribuição dos poderes de mando eventualmente requeridos e c) limitação fixa dos meios coercivos eventualmente admissíveis e das condições de sua aplicação [...] autoridade instituída 3. o princípio da hierarquia oficial, isto é, de organização de instâncias fixas de controle e supervisão para cada autoridade institucional, com o direito de apelação ou reclamação das subordinadas às superiores [...] 4. As “regras” segundo as quais se procede podem ser: a) regras técnicas; b) normas. Na aplicação destas, para atingir racionalidade plena, é necessária, em ambos os casos, uma qualificação profissional [...] uma especialização profissional, e só estes podem ser aceitos como funcionários [...] 5. Aplica-se o princípio da separação absoluta entre o patrimônio (ou capital) da instituição (empresa) e o patrimônio privado (da gestão patrimonial), bem como entre o local das atividades profissionais (escritório) e o domicílio dos funcionários. 6. Em caso de racionalidade plena, não há qualquer apropriação do cargo pelo detentor[i] [...] 7. Aplica-se o princípio da documentação dos processos administrativos, mesmo nos casos em que a discussão oral é, na prática, a regra ou até consta no regulamento [...] (Weber, 1999, pp. 142-143).

No oitavo item, Weber chama atenção para a necessidade de se detalhar a compreensão da dominação burocrática dentro do quadro administrativo. E quem deve tomar parte nesse quadro burocrático? São pessoas livres, nomeadas, com competências funcionais fixadas em contratos estabelecidos a partir de livre seleção, segundo a qualificação profissional, remuneradas com salários em dinheiro, exercendo cargo ou função previamente especificada e, amparadas na perspectiva de uma carreira trabalhando com “separação absoluta dos meios administrativos”, submetem-se a rigoroso e homogêneo sistema disciplinar e controlativo (Weber, 1999, p. 144). Em seguida, o próprio Weber se encarrega de ratificar a tese central sobre a forma de dominação mais desenvolvida (racionalmente é a dominação burocrática), para depois externar seu pensamento em uma fórmula:

A administração puramente burocrática [...] alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade [...] intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefas (Weber, 1999, p. 145).

Como diz Weber, é esse conjunto que constitui a célula germinativa do moderno Estado ocidental e no mesmo sentido, refere-se Julien Freund (1987).

A burocracia é, como vimos, o exemplo mais típico do domínio legal. Repousa nos seguintes princípios: 1º, a existência de serviços definidos e, portanto, de competências rigorosamente determinadas pelas leis ou regulamentos, de sorte que as funções são nitidamente divididas e distribuídas [...] 2º, a proteção dos funcionários no exercício de suas funções, em virtude de um estatuto (efetivação dos juízes, por exemplo) [...] 3º, a hierarquia das funções, o que quer dizer que o sistema administrativo é fortemente estruturado em serviços subalternos e em cargos de direção, com possibilidade de recurso da instância inferior à instância superior; em geral, esta estrutura é monocrática e não-colegiada e manifesta uma tendência no sentido da maior centralização; 4º, o recrutamento se faz por concurso, exames ou títulos, o que exige dos candidatos uma formação especializada. Em geral, o funcionário é nomeado (raramente eleito) com base na livre seleção e por contrato; 5º, a remuneração regular do funcionário sob a forma de um salário fixo e de uma aposentadoria quando ele deixa o serviço público (...) 6º, o direito que tem a autoridade de controlar o trabalho de seus subordinados, eventualmente pela instituição de uma comissão de disciplina; 7º, a possibilidade de promoção dos funcionários com base em critérios objetivos e não segundo o livre arbítrio da autoridade; 8º, a separação completa entre a função e o homem que a ocupa, pois nenhum funcionário poderia ser dono de seu cargo ou dos meios da administração (p. 170-171).

Em seguida, do século XIX em diante, durante todo o século XX, outros itens foram sendo agregados aos modelos ideais de controle e de aprofundamento (controle social) do processo político; além das óbvias regras do jogo “...que se caracterizam pela rotatividade do poder, pelo sufrágio universal, pelo respeito às decisões da maioria, pela defesa dos direitos da minoria...” (Rosenfield, 1992, p. 32). Ou ainda seguindo as famosas regras democráticas: voto livre e secreto, legitimidade do poder, periodicidade eleitoral (Bobbio, 1986). Do mesmo modo, também há o Estado de Direito lastreado por regras pétreas que configuravam o modelo desde o século XIX: 1) prevalência dos direitos fundamentais; 2) império da lei; 3) separação de poderes (Canotilho, 1999). Nos anos de 1970, na Espanha e em Portugal floresceu um codinome de Estado de Direito Social, ou seja, uma adjetivação de conteúdo para um Direito que não seria indiferente às demandas da sociedade. Sem dúvida, um marco foi a chamada Revolução dos Cravos, em Portugal. Não seria uma construção teórica ou retórica de acadêmicos ou de juristas, uma vez que corresponderia à desconstrução tardia do Estado Fascista: uma fórmula jurídica preenchida de poder social[168].

Assim, sob a regência do Estado Democrático de Direito, vieram somar-se outras regras, como as garantias institucionais: ato jurídico perfeito; coisa julgada e direito adquirido (CR, art. 5º, XXXVI). Também é perceptível o que se vê nas condições da ação: a) interesse processual ou de agir; b) legitimidade das partes; c) possibilidade jurídica do pedido. Por fim, ainda citam-se os negócios jurídicos regulados pelo ordenamento jurídico, mas tornados forma por meio da coerção legal. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Atualizando-se o debate, como preparativos, pode-se dizer que, historicamente, o direito moderno é resultado da luta política e, nesse sentido, sempre houve judicialização da política. A conquista de direitos pelo povo implica na contenção do Poder Político, com a ressalva de que a politização do Judiciário, por demais óbvia, destitui essas regras; uma vez que não há poder – a começar do Poder Judiciário – em que não se manifestem vivamente os interesses políticos[169]. A observância das regras, no entanto, deveria evitar o “culto à personalidade”, a síndrome do pequeno poder, bem como o corpo administrativo não deveria gerar formas de poder pessoal ou se alimentar de um regime de castas. Portanto, se esses instrumentos e/ou garantias do Direito são eficientes, pode-se deduzir que o Direito pode conduzir, como sociedade, em direção à Justiça Social?

Bobbio: poder ex principis

Norberto Bobbio pretende elaborar uma Teoria Geral da Política sem especialização doutrinária, utilizando-se do direito, da política, da filosofia e da história das ideias. Quanto à teoria geral, talvez o faça no conjunto da obra e não em um livro isolado (2000). Quanto à perspectiva doutrinária, e se aqui se subentende neutralidade ideológica, pode-se dizer que escapa à doutrinação partidária. Mas, não se furta à ideologia propriamente dita. Basta pensar que a política responde ao realismo e que ao direito cabem, ao menos, umas 70 boas e legítimas interpretações; além das amarras dos Grupos Hegemônicos de Poder atuantes nos três poderes. Entretanto, como professor, Bobbio (2014) encaminha para o sentido reto e direto (direito = directum) ao preconizar o retorno aos clássicos – e sem perder os nexos necessários entre a política e o social. Trabalha com binômios porque, em seu método, um polo joga luz sobre o outro. Produz-se, então, uma particular forma de abordagem da modernidade em que o passado dos clássicos pode ainda iluminar os tempos contemporâneos. Nesse contexto, a política terá destaque como ciência e história. Também o Estado e a organização social precisam ser vistos sem dogmatismos e partidarização.

Do realismo da exceção

Os termos atuam, assim, como negação: autonomia versus heteronomia (autocracia). Em abordagem particular, deve-se acrescer o Estado de Exceção (Agamben, 2004) em confronto ao reconhecimento: liberdade, igualdade, fraternidade. O Estado, por exemplo, será analisado a partir de critérios jurídicos e políticos: ordenamento jurídico e poder soberano. No embate do século XXI, a democracia lidaria com um poder invisível: autocracia. Do mesmo modo, os termos antitéticos são fortes (público) ou fracos: o privado é o não-público. Do que decorreria o Princípio do Primado do Público sobre o Privado e a própria definição de coisa pública. E daí ao sentido de igualdade (isonomia) e de desigualdade entre os cidadãos. O que também implica na distinção entre detentores do poder de comando e destinatários do dever de obediência. O patrimonialismo[170], por exemplo, seria uma deformação do modelo entre as “sociedades dos iguais”; pois, a cidade, a Polis, seria governada por uma família e por valores privatistas[171]. O que, por fim, remete à distinção entre sociedade política e estado de natureza. Nesse ponto, o método já apresenta um de seus problemas: como verificar a insurgência ou presença constante da forma-Estado de Exceção?

Nesse momento, diga-se que o Estado de Exceção remete a uma modalidade de poder absolutista e faz uso recorrente da alegação de ameaças inerentes do estado de natureza: caos, entropia social, luta de classes, desordem, guerra civil, terrorismo, ameaça externa de soberania de conquista. Outra alegação típica se refere ao sobrepeso exercido pela sociedade civil (economia) sobre o Poder Político. Nesse ponto, a luta de classes será aventada como justificação ao uso/abusivo da força e ainda que isso seja dito por outras palavras. No caos da luta pelo poder, a oposição – mas, arrisca-se a dizer que a situação também – recorre judicialmente a Cícero: Lei (senatus consultus e foedus: direito internacional) e Contrato (stipulatio: acordos bilaterais). A lei é imposta pelo soberano, que a reforça (obriga) por meio da coerção. O direito dos privados – e que é a negação do público – decorre de normas aceitas pelos singulares de uma relação recíproca: naturaliter. No que consiste (judicialmente) a naturalização do poder de domínio e de dominação[172].

Diante dessa naturalização do contrato de poder, no Estado de Exceção, o direito público (voluntas superioris) é invocado como se fora remanescente do direito natural (direito à vida) que se projeta sobre o estado de natureza da política. Com a coerção imposta pelo Poder Político (soberano), o direito natural – como contrato que deve superar o estado de natureza – converte-se em direito positivo. O resultado implica caminho óbvio: da naturalização da força (estado de natureza) à positivação necessária ao Estado de Emergência[173], quer seja natural, ambiental, quer seja social ou político. A justiça comutativa – um crime/uma pena – interpõe-se sobre a justiça distributiva: a cada um, segundo suas necessidades. A distribuição da justiça, por tal modalidade de poder destaca que a relação entre o Todo e as partes é somente penalizadora, constrangedora de direitos[174]. Assim, como herança do direito romano, o direito privado dá o ritmo na condução do Poder Político: família, propriedade, contrato, testamento. Não estaria distante da concepção de Engels (1984). Nessa sequência, constitui-se como direito da razão, independente da origem e do tempo em que fora elaborado – e no que também corresponde à ideação de um suposto Contrato Social, a partir dos clássicos do contratualismo. A validade é atestada pela suposta universalidade jurídica e por sua extemporaneidade. Ou seja, o direito privado ou a força do contrato bilateral são provocados enquanto summa/Direito (potestas) e o direito privado se convertem em Macht. Tal força imperativa fora apontada por Benjamin (2013)[175], mas vale para quem toma Marx (1978) de empréstimo ou é ainda mais evidente em Durkheim (1999).

Sob o contrato privado convertido em Contrato Social, em Kelsen (1998), o direito privado converte-se em direito tout court (Bobbio, 2014, p. 22). O direito público – que não o é, por essência da privatização do juízo – incorpora meras relações de poder e é altissonante ao contratualismo do direito privado. Por exemplo, os compêndios de direito público, a partir de Jellineck (2000), são doutrinas ou Teoria Geral do Estado. Além de não se prenderem à argumentação jurídica – a bem de uma definição jurídica do próprio Poder Político – ainda subsumem o direito à política de Estado. Nessa conversão do contrato (privatizado) ao Contrato Social, o dominium – poder patriarcal/patrimonial[176] sobre o Estado – ressurge como imperium: poder de opressão da máquina pública. A autonomia, desse modo, será sacrificada com o fim da isonomia; posto que não há igualdade/liberdade entre desiguais. Direito e poder, desse modo, são antinomias, mas não da autocracia. Na reação entre desiguais prevalece o mais forte, o de maior capacidade de impor sua vontade de direito privado. O primado do público sobre o privado, que remontaria à Polis, por fim, expressa-se agora como a máxima intervenção do Poder Político a fim de se assegurar a concentração do poder (capital) e para garantir que os dissidentes recebam o impacto do poder heterônomo. Beneficiam-se o Estado de Exceção e as relações políticas de tipo contratual – entre proprietários e Poder Político. O que, em Weber (1979), resultaria na forma Estado territorial e burocrática[177]. Há, portanto, na sociedade de massas, controlada por meios de exceção, um decréscimo político na capacidade de o cidadão atuar com independência e consciência (Bobbio, 2014, p. 26).

Assim, sob o moderno Estado de Exceção – na variante nacional da Ditadura Inconstitucional[178] – encontram-se e se complementam tanto a publicização do privado (não há mais privacidade) quanto à privatização do público: bonapartismo (Marx, 1978) que assegura a segurança pública do capital dominante. Os arcana imperii – o público que é mantido como privado – tornam-se regra prioritária, quando deveriam ser um remédio excepcional. A segurança nacional invocará tal poder absoluto, mantido em secretismo, e daí retirará os argumentos para sua validação (Bobbio, 2014, p. 28-29). O drama político decorre do fato de que é dessas câmaras ocultas do poder que advirão as tramas de contrapoder: arcana seditionis. Hoje, em termos e em tempos de redes sociais as tramas ainda se revestem de conteúdo privado (intimidade) exposto publicamente. Desde os teóricos da Razão de Estado a ideologia sob a mídia prefigura-se como “mentira lícita”. Outrossim, a memorização eletrônica de dados pessoais e institucionais instiga à publicização do privado nas sociedades de controle[179]. No outro sentido da Tradição do Estado de Direito, Jellineck (2000) definiu a sociedade civil como conjunto de relações não regulado pelo Estado. E, como se vê, não deu frutos. Tal conjunto não regulado de relações evidentemente políticas, por sua vez, impressiona pelo grau de entropia e, assim, autoriza o Estado de Exceção a validar uma justificativa sistêmica e jurídica a partir da naturalização/normatização do estado de natureza hobbesiano. Justifica-se, portanto, a segurança nacional com o emprego crescente da violência institucional: física, simbólica, jurídica.

Nesse sentido, a sociedade burguesa e o Estado Capitalista derivaram uma forma de regime político despótico, sob a cultura de exceção que (re)produz indivíduos egoístas. Diferentemente dos postulados idealistas, há um Poder Político voltado para dentro (cesarismo) ou para fora (bonapartismo[180]). A manutenção interna e externa do poder é íntima aliada da soberania de conquista. De todo modo, o egoísmo/consumismo da vida real que justifica as ações de soberania de conquista do Império não é inovadora; pois, ainda que Locke (1994) aponte a necessária divisão entre os poderes, o cesarismo é inerente à sustentação dos interesses da propriedade privada (Bobbio, 2014, p. 44). Do conceito aristotélico de política, chega-se à negação do Político, à não-política; da vita activa (Arendt, 1991) à alienação de si. A máquina política de Hobbes (1983), portanto, mostra-se dominada por mecanismos controlativos de poder[181]. No mesmo sentido, se, desde Maquiavel (1979) o Estado Moderno foi tido como Estado Máquina que deveria regular ou ajustar a concentração de poder, na prática, sucumbiu ao capital: ao poder de fora das instâncias do próprio Poder Político. Os clássicos, portanto, precisam ser revistos, mas com os cuidados/exigências da contemporaneidade.

Retorno ao passado/presente

O filósofo italiano do direito recorre às fontes tradicionais de estudo do Estado que são as histórias das instituições políticas e das doutrinas políticas. Porém, hoje dever-se-ia incluir a história da tipologia dos meios de exceção. Como resultado, o modelo doutrinário elaborado pelo funcionalismo indicaria a justificativa para os protótipos da exceção, visto que o sistema social só persevera, preservando-se; e para tanto, os fins justificam os meios (Bobbio, 2014, p.58-59). A exceção seria uma resposta do sistema às demandas por mais poder, talvez ainda mais pressionado pelos grupos não-legitimados pelo sistema. Em essência, o sistema político-jurídico é regulado, quando deveria ser regulador de outros sistemas: um retorno à fórmula do poder ex parte principis (Bobbio, 2014, p. 63). Volta-se ao tema da Filosofia Política e que dominou tanto o Estado Absolutista quanto o direito de insurreição.

Na origem do debate, encontra-se Maquiavel como precursor da Ciência Política e da Ciência do Estado ao se apropriar e promover a transformação do termo status (situação política) em stato (condição do poder); de gênero (civitas) para espécie (Poder Político). O Estado surgiu, então, associado ao domínio da máxima concentração de poder. O “novo” nome se devia à necessidade de se expressar o poder dominante. A Ciência Política nascera com o próprio Estado Moderno e, com ele, fixar-se-ia o objeto da pesquisa. Pelo ângulo do realismo político, a Razão de Estado é o poder ex parte principis, seja o Poder Corporativo (do capital) seja o Poder Político regulado/arregimentado pelos Grupos Hegemônicos de Poder. Desde Weber (1979), como se sabe, o Estado Moderno se caracteriza pelo domínio/predomínio do direito e da burocracia que administram o monopólio (i)legítimo da força física[182].

Do que resulta que a exceção não é mais um dote do direito natural ou não se restringe ao poder pessoal; mas sim sistêmico. Desse ângulo da abordagem, a continuidade do elemento força/coerção se refaz no Estado de Direito e com isso a Razão de Estado encontra outras formas de validação; legitimidade constitucional e, em no caso, em 2016, ilegalidade inconstitucional[183]. A exceção (como meio/fim) satisfaz e sustenta o Estado: o fim em si mesmo. No tocante ao monopólio da coerção, a “racionalidade quanto aos fins” apodera-se da prudência que deveria ocupar espaços institucionais promovidos pela “ética da responsabilidade”[184]. Para aqueles que o poder vê como significativos permanecem válidos os postulados do próprio Estado Antigo: manutenção da paz e exercício da justiça. No entanto, são válidos para todos que são alcançáveis pelo direito privado, ou seja, os que têm força e competência para firmar e gerir contratos. Também está em vigor a Teoria da Soberania; qual seja a capacidade (potência do poder único) de editar leis sem autorização (autokrates). De Rousseau (1987) a Engels (1984), o Estado é definido pela passagem da organização coletiva à propriedade privada – do que decorre o sentido negativo atribuído à civilização. Enfim, se o Estado é summa potestas, a exceção advinda do direito privado é seu guia[185].

Kratos e Arché estavam no passado, como estão no presente. Por isso, a Teoria Política deveria estudar e exceção. Só a exceção – como poder absoluto (e ainda que sem todas as vestes absolutistas, propriamente ditas) – pode combinar as teorias fundamentais do poder; articulando-as ao direito regressivo e repressivo. Desse conjunto articulado se impõe o poder jurídico no breve século XXI. Por fim, nesse item, vale dizer, o que distingue o Poder Político dos outros tipos de poder é a condição de ser summa potestas e é isso o que define o poder de exceção: a exceção é o núcleo (não exatamente o objeto) do Poder Político. Afinal, soberano é quem detém o controle sobre os meios de exceção (Schmitt, 2006), unificando-se as duas potestades do absolutismo num só comando: vis directiva e vis coactiva. Ideologia e coerção: extrema ratio (prima ratio) e ultima ratio. Trata-se do direito exclusivo de usar a força, legitimando-se (juridicamente) a conquista, posse e propriedade, do território e dos povos. O Poder Político segue soberano e perpétuo: infinito no tempo da razão de quem o monopoliza. Bem como a exceção será exclusividade do verdadeiro soberano e que não é povo.

Habermas e o direito

Habermas é contra o “golpe branco”[186] e acusa a Ditadura Inconstitucional[187] que se mantém no país. Trata-se de uma análise de fatos e de direito. Como se sabe, o alemão Jürgen Habermas – se não tanto por suas teses e mais pelo vigor cognitivo – é considerado como o maior filósofo vivo. Uma discordância de fundo – salvo exceções que ver-se-á no texto –, revela que Habermas (1997) ao tratar do direito reservou linhas esparsas à exceção (Agamben, 2004) e ao antidireito que a gera (Filho, 2002). O que talvez se explique pelo fato de se ter fixado muito mais em Kant (2003) e em Parsons (1977), do que em Hannah Arendt (1991) – ou no Rousseau do Contrato Social (1987) e não no Rousseau do Discurso sobre a Desigualdade (1988). Seja como for, permite que a avaliação de neocontratualista incorpore mais elementos liberais e republicanos, do que democráticos e socialistas.

Entre a República e a Razão de Estado

Para o filósofo, há uma diferença sutil, fina, entre a ideia fria, imóvel, quase autocrática, sectária ou ortodoxa de sistema e, ao contrário disso, do Estado Democrático de Direito; diferença que é, exatamente, sua abertura para o futuro (Habermas, 2003, p. 165). Em seguida, mais do que tomar de um exemplo estadunidense, Habermas (2003, p. 166) acentuará que uma das formas notáveis de se aprender com os clássicos é resgatar o sentido, chamado de originário, de República ou de virtus (Martinez, 2014). O ideal da República, nesse caso, é interessante porque é subjacente à necessidade da apreensão, como “Luta por Conservação da Virtus Republicana”, e ainda que ocorram mudanças sociais e sistêmicas. E é interessante como se torna uma constante no texto de Habermas essa perspectiva de se tomar o passado (“no mesmo barco”) como a pleura da conservação de uma forma de vida, da virtus republicana, agora afirmada como “virtude estendida” (Habermas, 2003, p. 167).

Do Estado Democrático de Direito

Em todo caso, o vigor com que defende o Estado Democrático de Direito e o direito daí nascente tem a pujança de poucos. Pode-se dizer que está alinhado – em força comunicativa de seu conceitual – a outro alemão, Peter Häberle (2008). Como se vê na construção que elabora acerca dos direitos fundamentais.

(i) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do direito, que prevê a maior medida possível de liberdades subjetivas de ação para cada um. (ii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do status de membro de uma associação livre de parceiros do direito. (iii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do igual direito de proteção individual, portanto da reclamabilidade de direitos subjetivos [...] (iv) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do direito para uma participação, em igualdade de condições, na legislação política (Habermas, 2003b, p. 167).

Mas está bem distante, no ineditismo e na vontade inaugural de provocar a Justiça Social, do espanhol Pablo Lucas Verdú (2007) e do português Canotilho (s/d). O medium-direito precisa ser entendido como parte da luta do “mundo da vida” ao requerer/enfrentar o monopólio legislativo e coercitivo, em benefício da globalidade dos interesses sociais, exigindo-se muito mais legitimidade do que mera legalização[188]:

Por isso, tanto as regras morais, como as leis jurídicas, são ‘gerais’, em pelo menos dois sentidos. Em primeiro lugar, na medida em que se dirigem a muitos destinatários, não permitindo, pois, exceções[189]; em segundo lugar, porque excluem privilégios ou discriminações na aplicação (Habermas, 1997, p. 194 – grifo nosso).

Mais próximo de Arendt (1991) do que de Weber (1979), em Habermas o “poder comunicativo” exige uma legitimação democrática, consensual e constante, quando ocorre um encontro real e legítimo entre a “normatização discursiva do direito” e a própria “formação comunicativa do poder”. Se isso de fato ocorre, é porque aí se verifica a síntese do princípio democrático: “o procedimento democrático deve fundamentar a legitimidade do direito” (Habermas, 1997, p. 191). Trata-se de reestruturar o espaço público, agora não mais como extensão da esfera privada (Habermas, 2003b). A resistência à injustiça tanto é um direito do Estado – quando, por exemplo, se defende de atentados reais às igualmente reais e legítimas “instituições democráticas” – quanto é do povo, como direito pertencente ao mundo da vida.

É um direito do Estado – comunidade – frente ao uso injusto, em não-conformidade aos poderes públicos. Sua finalidade consiste em restabelecer o ordenamento fundamentado em um Estado social e democrático de Direito. É um direito que corresponde ao povo não como entidade inorgânica senão estruturada em virtude do pluralismo político (Verdú, 2000, pp. 153 – tradução livre).

No entanto, pensando-se como sociedade civil, é preciso ver o processo de universalização do medium-direito no contexto e sob o alcance do Estado de Exceção, porque aí a exceção já foi devidamente (legalmente) incluída (Agamben, 2004). Produz-se um antidireito específico que atenda aos interesses do Poder Corporativo[190]. O Estado de Exceção remete ao uso excessivo da força e, ainda que legalizado, tem por objetivo o mais amplo controle social (diante dos interesses hegemônicos dos grupos de poder dominantes[191]) por meio da deslegitimação de direitos fundamentais.

Do realismo político da Ditadura Inconstitucional

É certo que a política faz parte da cultura; porém, quando se refere à ampla articulação entre direito, grupos de poder, sociedade civil (em que se insere o mundo da vida) e sempre com o objetivo de “dominar o poder”, é natural que se verifique no Político uma forma especial de se manifestarem as relações humanas. Em relação ao Estado de Exceção, por exemplo, é muito difícil distinguir cultura (a que seria própria ao fascismo) e política: se por esta observarmos a inerente Razão de Estado como ultima ratio ou “última vontade dos reis”. Na prática do poder – muitas vezes entendido como cesarismo, em que novamente se reparte e distribui tons e subtons para a cultura fascista (Gramsci, 2000) – os direitos fundamentais são observados como impedimento ao poder e, desse modo, são consumidos pelo poder. Os direitos de terceira geração[192] (sobretudo, se vistos como propriamente Direitos da Humanidade) sofrem hoje de restrições veladas ou com mais afronta pelo mundo todo – no que é, certamente, mais um sério golpe contra o mundo da vida.

No caso do Brasil – que segue a esteira de Honduras (2009) e do Paraguai (2012) – é exatamente esse sentido de República que foi adotado como justificativa dos golpes, contragolpes e quarteladas. Para se precaver a Razão de Estado – confundida propositalmente, midiaticamente e judicialmente com o ideal republicano – justifica-se o impeachment presidencial em 2016. A extravagante leitura jurídica faz de seus corolários elementos e objetos ilegítimos, extrajudiciais e inconstitucionais – como é o caso evidente do assim chamado “conjunto da obra”. Do ponto de vista analítico, conceitual e não meramente retórico, as diferenças alegadas entre República e Razão de Estado são ainda mais gritantes. Ou seja, fazendo-se uso da força, procura-se preservar o monopólio do uso da força: a Razão de Estado poderia ser definida como o fim último da seguridade da ordem pública (internamente) e da soberania (nas relações internacionais). No entanto, equipara-se Razão de Estado ao Livro Razão.

Nenhum desses fenômenos extrajudiciais estava operante no andar do processo de impedimento. Bem como os argumentos jurídicos também não foram atendidos[193]. O que ainda permite recuperar o maior clássico da Ciência Política (citando Petrarca[194]) para afirmar que a quebra institucional é golpe: “Vertù contra furore / Prenderà l’arme, e fia ‘l combatter corto”[195] (Maquiavel, 1979, p. 94). Trata-se de um verso romano, do famoso poeta Petrarca e diz que a virtude da política, como virtù, depende da prudência e da inteligência como forma de controle da violência, do furor, dos "arroubos", do agir intempestivo. Em busca de uma mensagem humanista mais clara, dirá Maquiavel que a ganância e a soberba do poder incontrolado – os mesmos que se alimenta da vingança por meio de ações cruéis – são a porta do fracasso (Maquiavel, 1994). Desde os gregos clássicos e sua Polis a política é um valor humano intrínseco e, portanto, não apenas um instrumento do poder. Do modo como está posto – inclusive com a reprovação de Habermas – o golpe não perpetra a República, mas tão somente a Razão de Estado convertida em “a última razão dos reis” (Ribeiro, 1993). Nesse corolário da exceção que “coloniza” o Estado Democrático de Direito assistimos à consagração do antidireito que reveste a Ditadura Inconstitucional.

Por que temos uma Ditadura Inconstitucional?

Em duas demonstrações legislativas – além da tentativa de se tipificar como hediondo o assim chamado “crime de cristofobia” – pode ser observada a exceção: 1. Lei Antiterror que açodará os movimentos sociais, abrindo uma brecha legal para a criminalização, por exemplo, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). 2. Séria investida contra as liberdades civis e os direitos fundamentais, bem como expressa autorização para um poder monocrático autoritário, no âmbito do Marco Civil (regulatório) da Internet. Sobre a regulamentação digital, o PL 215/2015 traz apensado o PL 1589/2015 – constando nesse a seguinte sugestão:

“Art. 7o Os §§ 1º e 2º do art. 10 da Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 10 [...] § 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial ou requisição da autoridade competente, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º [...].

Art. 13. A Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

Art. 23-A. A autoridade policial ou o Ministério Público, observado o disposto neste artigo, poderão requerer, ao responsável pela guarda, registros de conexão e registros de acesso a aplicações de internet, para instruir inquérito policial ou procedimento investigatório iniciados para apurar a prática de crimes contra a honra cometidos mediante conteúdo disponibilizado na Internet.

§ 1o O requerimento apenas será formulado se presentes fundados indícios da ocorrência do crime e quando a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis, sob pena de nulidade da prova produzida”[196].

Qual é a autoridade competente, se não o juiz de direito? Quem determina a priori o que são fundados indícios? E se não forem indícios de autoria e de materialidade, e “vazarem” informações que só interessam à intimidade por ação desleixada ou proposital do Poder Público, ocasionando graves danos à imagem pública de inocentes? Não seria uma ameaça velada a qualquer usuário das redes sociais, em suposto risco aventado por autoridade competente? Não abriria brecha para manipulação política, em mãos interessadas – e após o vazamento de outras intimidades – provocando assim dano político irreversível? O potencial de dado da lei, portanto, é intolerável.


PARTE VI

DITADURA INCONSTITUCIONAL

Voto contra o Golpe Institucional é tudo pano de fundo

Voto pela democracia

Nesse subitem do texto retomam-se alguns passos do golpe institucional (fascismo) que se camuflou no processo de impeachment de 2016. Alguns verbetes são necessários para melhor entendimento do que se protagonizou neste país, com investidura contra noções elementares que recobrem os pressupostos do próprio Direito Ocidental. Se algo serve de consolo, e não há nada que console neste momento, é a descoberta de que emplacou-se uma modalidade nova de Estado de Exceção: Ditadura Inconstitucional. O Fascismo Institucional se ajusta como luva no Golpe Judicial, no reino da cultura da torpeza. Também poderia ser um bom título para o objeto mais abjeto da vida civil e pública de um povo exonerado da soberania popular.

O fato, por exemplo, de que o ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, tivesse sido afastado de suas funções, apenas depois de ser o protagonista do golpe institucional (impeachment) mostra claramente que há, sim, ingerência de um poder sobre outro. Fez-se isso como pano de fundo, porque, primeiro atuou como algoz do golpe institucional contra a democracia e o Estado de Direito. Sua saída deveria ter ocorrido em dezembro de 2015 (após denúncia da PGR), quiçá com ordem emitida pelo STF de prisão cautelar. Sua retirada em maio de 2016 confere ares de legalidade/legitimidade, como se dissessem que a justiça é para todos. Pois, se fosse, teria sido preso em 2015 – como foi o senador Delcídio do Amaral, por obstrução da justiça em 2016. De fato, como o objetivo era tê-lo na condução do impeachment na “Casa do Povo” foi-lhe dada muita corda para operar na sombra da lei e da moralidade pública. Feito o serviço sujo, foi traído por aqueles que o empoderaram contra a Constituição. Nesse ato final violou-se, outra vez, o constitucionalismo moderno: tanto o instituto da República quanto do Estado de Direito são altissonantes na defesa do Princípio da Separação dos Poderes. Pode parecer boa, salutar – como se prezasse pela salus publica – mas a lição do Supremo Tribunal Federal (STF) é maléfica como um todo, visto que prejudica a consciência pública; revertendo-se a cultura jurídica democrática, instaura a leniência e a inação do direito injusto como fosse direito ético. Sobre o voto fora de curso, intempestivo e com resultado extra petita aos postulados do direito republicano, proferido pelo STF contra Eduardo Cunha, vale relembrar Carnelutti (2015). “Os romanos, quando tiveram de definir o jurisconsulto, disseram, sobretudo, vir bonus. Sem a bondade, a ciência do direito certamente poderá fazer que cresça a árvore do direito, porém essa árvore não dará os frutos de que os homens têm necessidade” (p. 111). Pois, sem essa verdade, bondade, arte e ciência do Direito Ético, o direito não passa de manobra de poder. Sem o que – e tendo em consideração o que se aprendeu com o jurista italiano desde o século XIX, “como nasce o direito” – sente-se rapidamente como fenece o justo. Note-se, todavia, que a bondade tanto se expressa na pena ressocializadora e descrente da Lei de Talião quanto no cuidado zeloso com os interesses do direito republicano. Pois bem, assim como todos, sentimo-nos vítimas da Ditadura Inconstitucional[197], talvez com o agravante de conhecê-lo em mais detalhes.

Contexto do voto pela rejeição ao golpe

A “quebra institucional” é ardilosa, sofisticada e contundente. Há uma flagrante luta entre os direitos e as garantias sociais e trabalhistas e o capital nacional e internacional. Os profissionais do golpe se assegurariam de que os assuntos do Império seriam bem preservados[198]. O alvo principal é a retomada de uma ainda mais contundente política econômica de corte neoliberal; privatizando-se as principais instituições (universidades públicas), desnacionalizando-se empresas (Petrobrás), o processo culminaria na terceirização avançada de todo o setor público (já em andamento). Para o impeachment, o pano de fundo institucional, apesar da sombra legal, é eivado de ilegalidade e ilegitimidade. Não haverá impedimento completo da Presidência da República, posto que o vice-presidente é o elo da ligação com o exterior do poder. As alegações – para o impeachment – têm vários recolhos jurídicos (mas baseados no antidireito) e políticos; sobretudo, de um policiamento fascista das mentes desgastadas e despolitizadas da classe média. Em todo caso, cabe verificar alguns dos principais subterfúgios engrossados nas falas dos eminentes juristas e parlamentares alinhados com a tomada de poder – notadamente no âmbito do Colégio Eleitoral de Exceção instalado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Recall Político-Judicial

Esse instituto político-jurídico não foi albergado pela Constituição Federal de 1988, de tal modo que não se pode trocar o representante político “defeituoso”. Assim, não há como trocar Presidente da República porque desagrada em termos de política econômica ou outras desaprovações ideológicas. Inclusive, porque não há no estoque. Os golpistas também respondem na Lava Jato, ainda que de forma seletiva.

Colégio Eleitoral

Já houve essa mácula no passado, na transição da ditadura para o regime democrático, com o PMDB de ontem e que prefere sua reedição para a eternidade política. A CF/88 fala em eleições livres e diretas, sob o sufrágio universal (art. 77 da CF/88); contudo, o Colégio Eleitoral que se mobilizou atenua muito mais, evidentemente, os impactos “negativos” que os direitos fundamentais consagrados acarretam no capital e nos seus reais representantes de ficha suja. Vale repetir, a CF/88 proíbe tal investidura. Além do mais, na forma como se constituiu – sobretudo pela inação do Judiciário em julgar o motor do golpe na Câmara Federal –, reveste-se de abominável retardo do direito para fins exclusivamente político-partidários. Com o que se revelou em Colégio Eleitoral de Exceção. Uma espécie de modalidade completa da aberração liberal-democrática violadora de direitos.

Voto de Desconfiança

O regime de governo adotado com a CF/88 e que depois foi referendado em plebiscito popular (1993) é o Presidencialismo. Chefe de governo e chefe de Estado são um só e o Parlamento não pode desconstituir o mandatário do Executivo com base em voto de desconfiança. Portanto, não cabe instrumental do Parlamentarismo, ainda mais se movido para embalar o golpe institucional.

Intervenção Militar

Para atemorizar o povo e forçar uma saída institucional para o golpe, falou-se até de uma suposta intervenção militar e muitos alardearam que haveria anteparo constitucional. Pois tudo isso não passa de fraude grotesca, oportunista, nazi-fascista que quer remover as obrigações legais, políticas e morais do Princípio Democrático. O art. 144 da CF/88 reza sobre a Segurança Pública. Não há tergiversações, não há nenhuma figura jurídica que se assemelhe a essa propositura. Portanto, quarteladas são orquestradas por golpes civis/militares.

Antecipação eleitoral

Essa proposição também não consta da Constituição de 1988 e seu uso – tampão, em ocorrendo, é oportunista. Qualquer reforma constitucional feita às pressas, para sanear a disfunção do presidencialismo de coalisão, mais ainda quando houve tempo de sobra para que as medidas corretivas fossem adotadas – como uma ampla reforma política – é outra tentativa golpista.

Conjunto da Obra

Alega-se um conjunto da obra para desconstituir o Poder Executivo central; todavia, não há conjunto da obra com validação jurídica e nem moral para tanto. Todos os poderes estão envolvidos na mesma lama da cultura da torpeza que resvalou na seletiva Lava Jato. A instrumentalização do conjunto da obra – desgoverno, crise, recessão, corrupção, fuga de capitais, sonegação, desemprego massivo – deu-se, por fim, operacionalizando-se um recall (ilegal) no anfiteatro do Colégio Eleitoral. Portanto, essas ações em separado ou em conjunto implicam na mais grave quebra institucional após a assim chamada Nova República.

Quebra Institucional

A denunciada “quebra institucional” nada mais é do que mudar as regras do jogo – ou inverter/reverter a interpretação que se dava às regras – já no andamento do jogo político. Notadamente, as regras que penalizem ações anteriormente não puníveis e, desse modo, tenham impacto direto no resultado da partida. Por exemplo, atribuindo-se ao cartão amarelo as mesmas contingências previstas no cartão vermelho. A quebra das instituições democráticas, por dentro e por fora, no mais, acerca-se da formatação e da vigência de uma ditadura institucional fascista.

Ditadura ou fascismo institucional

Entende-se esse (e)feito, sumariamente, como a roldana que movimenta as peças que dão suporte às condições políticas, institucionais e jurídicas dos que agem contra a Constituição, a democracia e o Estado de Direito. Age-se pelas fímbrias da lei, pela falta de clareza normativa ou por meio de interpretações reversivas e agora inquisitoriais (até ontem podia). Como visto, o modelo precursor foi a tomada da Alemanha sob o pretexto de salvaguardar a Constituição de Weimar, e o resultado foi o nazismo. Tomam-se de sutilezas preventivas – a começar da Lei Antiterror que se justificará pelo terrorismo[199] – para justificar atos não meramente de força, mas contaminados de um “novo” legalismo que, em essência, soterra o Princípio Democrático. Exemplo notório desse comportamento jurídico – mas preenchido de antidireito (Filho, 2002) – está na decisão judicial, liminar, concedida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) proibindo a livre manifestação.

O Centro Acadêmico Afonso Pena (Caap), entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de prosseguir com a realização de uma assembleia para discutir o posicionamento dos alunos diante do processo de impeachment[200].

Qual discussão jurídica é mais importante do que essa sobre o impeachment? Quando se censura a liberdade política no foro coletivo – sem que essa liberdade fira o direito de outrem[201] – produzem-se meios para o encerramento do Político. E de onde saem fissuras autocráticas e totalitárias. Ainda mais: se entender que a ação política – tanto quanto o trabalho criativo e a expressão artística – são a base do processo civilizatório[202], então, tem-se que decisões como essas são exatamente fascistas e soam como aval à Ditadura legal. Tudo conforme a intervenção de um regime totalitário[203]. Outro comportamento típico, está no retardo desmesurado do STF que impôs o afastamento do deputado Eduardo Cunha, da presidência do impeachment.

Golpe ilegal, imoral, injusto e ilegítimo

Face ao exposto, no ato em que se julga sem provas, contrai-se débitos pagos somente em tempos de notória ditadura. Duro golpe para a democracia, em que se segue suposto rito, mas sem pré-requisito. Não se trata de defender a pessoa de quem quer que seja, nem de partidarizar a imoralidade pública, mas sim de travar trincheiras contra os ataques à democracia e ao Estado de Direito. O resultado dessas ações/manobras é o fortalecimento de posturas, ideologias, mentalidades de cunho nazifascista. Não apenas o golpe se beneficia da cultura da torpeza diante da vida comum do homem médio, da exceção/exclusão interna corporis, como é seu condutor e motivador. Porém, não é tarefa difícil sua alocação na digital de quem comete crimes hediondos contra o povo e o Estado de Direito. Em alegação inicial, basta verificar que não se pode mover o direito contra a Justiça Social. Em prosseguimento, é de se saber que, se os princípios de direitos fundamentais são normas constitucionais, porque são descritos em tratados internacionais incorporados e conformes à Constituição (art. 4º da CF/88), não se pode deliberar contra ou remover a aplicabilidade do Princípio Democrático. Corolário do Direito Constitucional envergado no pós Segunda Guerra Mundial, em luta determinada contra o nazifascismo, o Princípio Democrático tem seu marco inicial na Constituição de Bonn/Alemanha de 1949. Por derradeiro, há que se fazer uma breve análise das subestruturas políticas, ideológicas e societais que perambulam pelas alcovas do poder das sombras. Vê-se mais uma vez, para finalizar a conceituação de Ditadura Inconstitucional, elementos do passado ditatorial: Estado de Exceção; fascismo; cesarismo; bonapartismo.

Estado de Exceção

O modelo clássico/tradicional do Estado de Exceção é aquele em que uma Constituição de foro democrático faz incidir um conjunto de regras de reserva de poder para a Razão de Estado ou, em paralelo a isso, incluir regramento diferenciado para ações sociais igualmente diferenciadas. Os exemplos mais próximos são a figura jurídica do Estado de Sítio (art. 137 da CF/88) e a imputação de crimes hediondos, que são inafiançáveis e imprescritíveis (art. 5º, XLIII, da CF/88). No entanto, uma modalidade mais sutil vem sendo gestada de algum tempo, nas proximidades do Estado de Emergência francês. Por aqui, encontra-se a denominada Lei Antiterror e que reservaria uma tipificação e penalização semelhante para terroristas e ativistas políticos e representantes/lideranças de movimentos sociais e populares combativos das condições de extrema injustiça social.

Fascismo

O fascismo tem muitas roupas e aparências desde a supremacia do “pensamento único” que se intentou com Mussolini, na Itália do contexto da Segunda Grande Guerra. Entretanto, ações como a declaração da Guerra do Iraque, pelos EUA da família Bush têm a mesma conotação. No caso nacional, além da aproximação de Getúlio Vargas ao Eixo nazifascista, a importação da Carta del Lavoro – como matriz da CLT – e o aparelhamento da representação sindical dos trabalhadores mantinha alguma fidelidade à representação maior. Em 1964, às vésperas do golpe civil/militar, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade – de extrema direita e pregadora do fim do Estado Laico – revitalizou o que se pode denominar de fascismo cotidiano; fonte de luz do fascismo institucional que conheceu o auge com a decretação do AI-5. O que se verifica hoje é mais sutil, mas ainda mais avassalador, a exemplo da promessa de nomeação de um ministro criacionista para o Ministério de Ciência e Tecnologia, além da tentativa de cassação do diploma de um deputado estadual porque ousou defender estudantes em confronto com o Governo do Estado de São Paulo.

A inconteste Ditadura Inconstitucional

Como visto, vive-se sob a névoa de um Fascismo Institucional. Mas pode e será pior – quando vierem as já (de)cantadas mutações constitucionais: sem ser exaustivo, refluirão constitucionalmente os artigos 6º, 7º e parte do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Os presos políticos já estão por toda parte; contudo, em breve haverá permissão constitucional e legislação ordinária regulamentadora do Estado de Exceção (Agamben, 2004). Se o golpe do impeachement (11/05/2016) é abusivo, o futuro do fascismo constitucional será extensivo. A esse efeito – com base em 55 medidas em tramitação no Congresso Nacional – já se antecipa uma Ditadura Inconstitucional que soterrará, em definitivo, a Constituição Federal de 1988 e as prerrogativas e as defesas dos direitos fundamentais[204]. Uma reforma constitucional decente poderia ter trazido um novo modelo político, que conferisse maior estabilidade funcional ao governo e punição exemplar às ações de políticos profissionais corruptos, por exemplo. Todavia, a mutação constitucional só terá híbridos em sua prole: tribunais, como o de MG, já proíbem e penalizam quem "fala" contra o golpe. Leis estaduais (Alagoas[205]) proibem professores de manifestarem desacordo ideológico com as ações violentas de tomada de poder, como é o caso da violência cometida contra a democracia e o Estado de Direito no processo de impeachment. Se em 1988 era conhecida como Constituição Cidadã, a partir de agora haveria outra, apelidada de A Mosca: como fora a Constituição Polaca de Getúlio Vargas, em 1937. Pouco importa se as previsões legais estarão impressas na Constituição, se foram seguidos os ritos do Parlamento, o fato é que legitimar-se-ão (como direito positivo) dispositivos constitucionais antidemocráticos e antipopulares. Uma Constituição formulada com base no antidireito (Filho, 2002), como freio à democracia, é apenas a base legal de uma ditadura legal. De todo modo, ainda por contar um sem número de leis estaduais que viriam depois, o país estaria varrido pelo fascismo legal que se incorporará à ditadura legal. A polícia federal[206] já age sob esse escudo, à espera de mais leis de exceção.

Apenas para levar ao conhecimento dos(as) colegas um episódio que, nas atuais condições, tem se tornado cada vez mais "normal". Trata-se de intimação da Polícia Federal para que a prof.a. Maria do Rosário Barbato (da Faculdade de Direito da UFMG) preste esclarecimentos por ser "estrangeira e estar militando em sindicatos e partidos políticos em território nacional" (enviado por e-mail).

Como réplica de exceção, advogados são intimados para prestar esclarecimento à Polícia Federal, porque defendem clientes supostamente envolvidos em atos reprováveis diante do erário. Como vemos nesta carta (e-mail) de um advogado:

Recentemente fui intimado pela PF para prestar esclarecimentos sobre um cliente de minha advocacia. Perguntas do tipo: ‘Você sabe se o investigado recebeu qualquer vantagem ilícita?’. Etc.... Eu... O advogado. Dá para acreditar?! Veio por carta precatória. O delegado que cumpriu a carta ficou com vergonha pelas perguntas que vieram...Não vou divulgar, estou falando apenas pros mais íntimos. É que aparentemente o Juiz que está controlando o inquérito é um cara bem justo. No despacho, ele diz claramente que vai aceitar me ouvir apenas para verificar como os fatos ocorreram em relação ao cliente, colocando-me na condição de ‘testemunha’. Mas o delegado fala pros quantos cantos que eu sou investigado. Eu ainda acho que nada vai ocorrer, pois não há qualquer fato, então estou quieto até eles tomarem qualquer atitude mais incisiva (o que acho que não vai ocorrer). Agora tá simples: ‘espera o cliente falar com o advogado e depois prende o advogado e obriga ele a fazer delação premiada (grifo nosso).

Tal forma de repressão, acelerada para manter o poder tomado com a força do fascismo será aprovada pelo Congresso na forma de PEC (Proposta de Emenda à Constituição) ou em Miniconstituinte. No entanto, engana-se quem fala que essas são características e/ou condições do Estado de Direito burguês. Uma olhada rápida pela história do Estado e do direito burguês simplifica a discussão: Constituição de Weimar, na Alemanha de 1916; Constituição de Bonn (1949): Estado Democrático alemão; Constituição Iugoslava (1953); Constituição Portuguesa (1976): Estado de direito democrático; Constituição Espanhola (1978): Estado social e democrático de direito (Miranda, 1990). Em suma, o Estado de Direito burguês pode produzir duas ramificações básicas: democracia ou fascismo (bonapartismo). Em curso de retrocesso e regressão, desembarca-se da democracia (ao menos formal) para um fascismo muito atuante. Desse modo, pode-se dizer, essa mutação constitucional já em andamento conhece muito bem o cesarismo regressivo (Gramsci, 2000): interna corporis ao Judiciário (seletivo e autocrático) e no Legislativo: o que valia para os adversários, agora é crime de responsabilidade. No Judiciário, em raras situações de confronto ideológico ao fascismo institucional já operante no país, em que as regras e as bases do Estado de Direito estão demolidas, juristas e juízes – poucos, repita-se aqui – interpelam a chamada politização/partidarização do Judiciário[207]. Por sua vez, ao invés de se dar resposta condizente aos questionamentos institucionais, Ministros da Suprema Corte ironizam, dão de ombros, à democracia e ao direito fundamental de se valer do Princípio do Contraditório[208]. A sequência virá com o bonapartismo (Marx, 1978): prevê-se o uso das forças armadas para reprimir e desalojar sem-tetos, sem-terras e populações indígenas ou na reforma previdenciária. Certamente, tudo será amparado em lei – como é o caso da PEC 215. O que, em suma, caracteriza a Constituição Fascista – como vestimenta da Ditadura Inconstitucional – é a incorporação do antidireito como cláusula pétrea em defesa da Razão de Estado. A Constituição Fascista (A Mosca) é uma constituição fechada (Haberle, 2008) ao povo, ao trabalhador, ao pobre, aos negros, às mulheres, às minorias e às diferenças – porque desconhece a inclusão social, econômica, jurídica e política. Por fim, é fato que a mutação constitucional já aprisiona o Político, para que o político profissional não seja incomodado. Já notam-se fissuras totalitárias. Isso ocorre, no que toca à relação entre os poderes, porque há expressa e intensa politização do Judiciário.

Estado de Exceção burlesco e brutal

Nesse momento de grave instabilidade institucional pelo qual passa o país, com o chamamento cada vez mais iminente do Poder Judiciário a fim de solucionar crises políticas, jurídicas e morais, é preciso distinguir duas questões básicas. 1 - A “judicialização da política”, tão requerida nas ruas e nas redes sociais, implica que a falta de ética na política, com o cometimento de crimes diversos contra a Administração Pública, pareça essencial. 2 - A regra deveria ser o zelo diante do erário, da coisa pública, mas a regra da corrupção se impõe. O Legislativo, fiscal regulador do Executivo, é o baluarte nessa condição de exceptio. Basta recordar as centenas de acusados ou de réus que persistem no Congresso Nacional: Câmara e Senado Federal. Se somar todos os postos do Executivo – federal, estadual e municipal –, investigados judicialmente, a outras centenas de deputados estaduais, distritais e vereadores, chega-se a casa dos milhares entre investigados, condenados e presos. Pois bem, aqui se retratou sumariamente a questão da “judicialização da política”, ou seja, quando a política vira caso de justiça e de polícia. Se em toda cultura moderna há corrupção, em diversos países figura como exceção. Ao passo que neste país é regra; diz-se, enaltecendo, que “rouba, mas faz”. Impõe-se, assim, a regra da exceção, naturalizando-se a corrupção. O verbo que indica apodrecimento também revela que o eleitor não se distingue do representante do povo. Nessa soma zero o povo elege quem mais o oprime e vilipendia em interesses e direitos. Sob tal regra da exceção, a regra da boa conduta é a exceção. Isso é, a exceção à regra é o justo; e o injusto é a regra.

Aqui, a cultura do apodrecimento das relações sociais e formais apresenta-se como regra que tem na corrupção o meio e a guia: como exceção no mundo ocidental, a corrupção é regra quase absoluta na cultura política nacional. Se não bastasse, o Judiciário que eventualmente pune os políticos profissionais é, por sua vez, cada vez mais diretamente afetado pelas mesmas forças políticas que avalia. O efeito se denomina de “politização do Judiciário”. Além do fato de que o direito, em definição óbvia, está para o poder – e vale lembrar que o Poder Legislativo produz o direito – em tal circunstância observa-se como o poder se apodera facilmente do direito. De tanto chamar a política para si, o Judiciário acabou por politizar suas decisões. Ora se partidariza, ora imiscui-se em declarações voluntariosas e ideológicas em torno de questões que, na imensa maioria do ocidente, seriam problemas técnicos. Por omissão, o próprio STF permitiu que a exceção (réu em processo crime contra a República) se tornasse porta-voz e condutor das regras de “moralidade pública”. Se o Judiciário toma partido, por óbvio, a própria justiça resta como exceção. Afinal, na prática, um réu presidiu o julgamento de outro suposto réu – e sem contar que o primeiro réu (Eduardo Cunha) tinha interesse imediato e, tal processo, uma vez que se consagraria como vice-presidente não eleito para o cargo. Por essa articulada relação entre judicialização da política e politização do Judiciário, em análise simplificada, soa evidente a condição do Poder Político nacional. Vive-se em total Estado de Exceção.

Convém, ainda, frisar que o Estado de Exceção é mais sofisticado que a mera previsão constitucional do Estado de Sítio. O pior dos casos combina a corrupção e a injustiça como regras; impõe a exceção como “justiciamento” e a justiça como exceção. Tornam-se presas fáceis de dois problemas gravíssimos e evidenciados pela democracia ocidental: a judicialização da política e a politização do Judiciário. Pela judicialização, há os políticos profissionais nas barras da justiça, mas poucos são presos; na extremidade da politização do justo, nota-se, então o Judiciário tomar partido diante ‘das barbas’ da mesma política formal anteriormente investigada. Meandros e escaninhos judiciais e políticos, imorais e antipopulares, encontram-se no infinito paralelo do poder hegemônico. Além disso, tanto a judicialização da política quanto a politização do Judiciário servem rotineiramente ao poder instrumental, legitimando-se uma naturalização do Estado de Emergência.

Judicialização do Político

A “naturalização” do Estado de Emergência, sobretudo no século XXI, surge como extensão da racionalidade estatal, como parte de um longo pensamento constitucional – iniciado na Alemanha, no século XIX – e que alia o jurídico ao político. É uma fase para além do monopólio da violência e pode ser invocado para crises políticas, desastres naturais ou ameaças externas à soberania[209]. O sentido de monopólio legítimo está expresso no conceito de Estado Ético, desde Hegel (1997): um Estado para todos, sem distinção de classe, condição econômica e política é o ideal. É o perfeito “espírito humano”, a depuração/sublimação das principais construções político-jurídicas, uma vez que, no modelo ideal, o Estado não serviria ao Mal. Nesse caminho, o Estado Constitucional – aquele que se ampara em uma Constituição – foi definido a priori como legítimo. O Estado de Direito foi instado a ser o responsável por suportar as crises políticas, incluindo-se a nova modalidade de “judicialização da política”, além de ser o regulador da força a ser utilizada diante dos conflitos políticos. O Estado de Direito é o outro modelo que tem a separação dos poderes, a prevalência dos direitos individuais e a “força de lei” como seu eixo. No Estado de Direito, em casos de corrupção ou de lutas políticas isoladas e não-contidas pelas instituições, aplicar-se-ia a judicialização da política, quer dizer, a política que vira caso de polícia vai parar nos tribunais de justiça. Porém, nos casos em que os conflitos políticos são, em verdade, crises ideológicas e estruturais – como embates públicos e capazes de organizar massas de insatisfeitos na luta de classes – aí a resposta não é a da lei, mas sim o uso expansivo da força física e a supressão do próprio direito. Nesse ponto, a grande mutação constitucional dá-se na substituição do Estado de Direito – leia-se a burocracia pública e o ordenamento jurídico – pelo Estado de Emergência: reduzido ao monopólio legítimo do uso da força física (Weber, 1979). O Estado de Direito é capaz de suportar a crise política e envolvê-la – jurídica e institucionalmente – a fim de conter seus efeitos, promovendo-se a judicialização da política. Já o Estado de Emergência promove a judicialização do Político e não das práticas políticas profissionais e institucionalizadas.

O Estado de Direito foi pensado para agir sob as instituições republicanas; o Estado de Emergência para ir além dos limites burocráticos e legais – portanto, age sobre as organizações políticas. Em um, o direito está dentro; no outro, o direito foi posto para fora. No primeiro, a violência institucional é contida; no segundo, é exposta num fluxo expansivo. A força centrípeta atua no Estado de Direito; a força centrífuga será a roda do Estado de Emergência. Na prática, ambos reaproximam-se ou revelam-se um único, um uno, porque o uso da força física pelo Estado de Emergência – ainda mais com os suplementos de exceção que obstruem ou “suspendem” direitos – requer a legitimidade jurídica do Estado de Direito. O uso da burocracia pública na contenção do Político – e que é a livre manifestação política, como parte essencial da condição humana – no interior da engrenagem institucional indica como o Estado de Emergência é albergado e mantido pelo Estado de Direito. Por isso, ainda se observa que soberania e governo se misturam, bem como segurança nacional, segurança jurídica e segurança pública formam um triatlo do poder. Porque Direito e Estado são plasmados. Assim, Nação e Estado tornam-se um só. O Político vira Poder Político, ou seja, Estado. A soberania popular é anulada pela força da Lei Marcial e a liberdade (x segurança) resta como privilégio do Estado – e não se trata, obviamente, de liberdade negativa. Por sua vez, o Estado de Emergência propicia o bônus de força física (de contenção do Político) que o Estado de Direito requer para se impor como força erga omnes: contra todos os adversários/inimigos políticos. A definição de Estado, sob os dois modelos, pode então ser esta: “o monopólio legítimo (legal) do uso da força física (de exceção) contra todos”. Como se vê, a definição de Max Weber (1979) para o Estado – monopólio da força física – ao trazer as instituições objetivas, racionais (direito e burocracia) para o Estado de Emergência (a força de exceção), fora um passo decisivo na modernidade política. No século XXI, vê-se concretizar a linha sucessória entre direito e violência, que alertava Benjamin (2013). Esse conjunto do estado da arte da Judicialização do Político tem confluência direta no cesarismo e no bonapartismo.

O Tribunal de Exceção, no Estado de Exceção, recria a mentira como fonte do direito

Há vários mecanismos de exceção na Constituição Federal de 1988, próprios de um Estado de Exceção, como a intervenção nos entes federados (art. 34 da CF/88), o Estado de Defesa (art. 136 da CF/88) e o Estado de Sítio (art. 137 da CF/88). Outros permaneceram disfarçados, como se fossem normas democráticas regulares e reguladoras, a exemplo da subordinação das polícias às Forças Armadas (art. 144, § 6º da CF/88); quando, em verdade, indicam apenas o rebotalho da ditadura militar que não foi bem limpo. A prescrição dos crimes hediondos (art. 5º, XLIII da CF/88) é semelhante, pois, ao invés de penas gravíssimas, dever-se-íam constitucionalizar meios sociais e institucionais de combate à guerra civil que consome cerca de 60 mil vidas por ano. Como a intenção não é fazer uma lista completa dos mecanismos constitucionais de exceção, a partir da Constituição Federal de 1988, vale ressaltar que o processo de impeachment (art. 86 da CF/88) é claramente um subterfúgio de exceção. Apenas excepcionalmente destitui-se o Poder Executivo central. Não se trata de uma ocorrência corriqueira e regular do Direito Constitucional sob o presidencialismo de coalizão, mas sim uma situação ímpar, isolada, excepcional; portanto, de exceção. Por suas particularidades, todo julgamento jurídico-político embasado no instituto do impeachment ocorre, por óbvio, num Tribunal de Exceção (art. 85 da CF/88). No juízo comum quem preside é o Princípio do Juiz Natural, um magistrado de carreira e investido de competência judicial. No impeachment, além de ser um julgamento político, o processo se inicia na Câmara Federal e, se autorizada a permissibilidade, vai ao Senado. Depois, se aprovado o afastamento da Presidência da República, o processo propriamente dito será presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Então, é fácil ver que o impeachment constitui-se em Tribunal de Exceção. Porque é excepcional e foge à regularidade do Judiciário – que é o poder que deve julgar os cidadãos e os demais poderes.

Se o processo de impedimento da Presidenta da República não aponta com provas (evidências não tem foro jurídico) a materialidade e sua autoria, em condução direta e dolosa dos fatos criminosos imputados, logo, temos um Estado de Exceção. Assim, se o processo do impeachment está baseado em ausência de provas e de imputação certa – não duvidosa do autor que teria agido em “dolo” e não em culpa – aí, o que se tem é a exceção da exceção. Nem toda exceção decorre da mentira, como é o caso de o Estado se defender de agressão externa, de uma hecatombe natural ou de epidemia avassaladora na saúde pública. Em todas essas condições passam a vigorar regras de exceção, que não se aplicam no dia a dia. Desse modo, o legado jurídico que deixado à Humanidade é a reinvenção do Estado de Exceção. Hoje, o monstro jurídico, externa e interna corporis, age sob o secretismo das sombras democráticas. A exceção da exceção é a digital deixada pelos golpistas na fabricação do Estado de Exceção. Pode-se dizer, por fim, que se é portador da mais grave moléstia jurídica que o Homem pode inventar em toda a história política da Polis e do Poder Político: o direito mentiroso. Inventou-se a roda quadrada: a exceção da exceção que tem a mentira como fonte do direito! Para o constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello, há irracionalidade jurídica movida pelo medo político das elites, especialmente a classe média que tem uma guinada conservadora.

Numa análise mais fria, Bandeira de Mello acredita que tudo a que o país está assistindo, e que chegou hoje ao clímax da espetacularização midiática, do ponto de vista jurídico não é respaldado por nenhuma lei. “A condução coercitiva do Lula, juridicamente, não passa de um absurdo. Porque quem não se recusa a depor, quem não resiste a colaborar com a autoridade, não pode receber nenhuma condução coercitiva.” [...] Politicamente, Bandeira de Mello não hesita em dizer, com um tom que poderia vir das páginas da melhor literatura, que a atitude contra o ex-presidente da República “é um ato que equivale a uma confissão de medo, de pavor”, da elite brasileira. Para o constitucionalista, o medo é de que, apesar de tudo, Lula seja candidato e ganhe a eleição em 2018[210].

Ex-ministros de Fernando Henrique Cardoso/PSDB – adversário direito de Lula – também apontaram os mesmos erros e abusos cometidos na condução coercitiva; destacando que o objetivo do juiz Sérgio Moro era prender Lula, mas lhe faltou coragem[211]. Diante desse fato, professores de direito penal, da UnB, alertaram para a inventividade do juiz da Lava (a) Jato: “manutenção da ordem pública é um fundamento da prisão preventiva e não da condução coercitiva. Moro está fazendo uma leitura inventiva, criativa da norma que acena para um abuso de poder”[212]. O Judiciário antecipou o juízo de julgamento judicial/penal como um homem médio em sua vida comum faz com seu juízo de valor político. Em resposta, vários ministros do STF manifestaram desagrado às ações do magistrado[213].

Advogados ingleses, contratados em auditoria de defesa de acusados na operação toda, afirmam desrespeito e ameaça ao Estado de Direito e da democracia[214]. Professores eméritos de universidades públicas confirmam ilegalidades cometidas contra ex-pobres e sempre ricos (presos)[215]. Tais medidas de coerção (exceção) rompem, portanto, o elementar do Estado de Direito na vigência da República democrática. Rompe-se, pelo uso da força – em jogo de poder – não somente uma cláusula pétrea, mas sim a sustentação do direito; e, sem direito, não há justiça. É preciso lembrar, sempre, que a delação premiada e as medidas que a sucedem são, em si, uma exceção e quando se tornam regra, o direito muda de figura. Só no Estado de Exceção a exceção se torna regra e o direito, antidireito. O ministro Marco Aurélio (STF) falou claramente em regime de exceção: “não se avança culturalmente tocando o procedimento de cambulhada” ou com a “generalização de atos extravagantes”[216]. As excessivas prisões preventivas fragilizam o sujeito, força-se uma contribuição que não é espontânea e, por isso, não se coaduna com o Princípio da Dignidade: “em direito, o meio justifica o fim; não o fim ao meio”[217]. A condução “debaixo de vara” resume-se a “atos extremos”. Em resumo, viola-se o Estado de Direito com uma interpretação pessoal, de exceptio da lei.

É preciso investigar os fatos, não importando a forma? Que não se negue às crianças o direito de saber que “não há conteúdo, sem forma”. Nesse caso, direito sem forma adequada é ilegalidade ou exceção professada. Lembra-se, ainda, que todo remédio muito mais forte que a doença também mata o paciente. Inclusive a morfina para a dor, que leva à inconsciência; pois, mata ainda mais rapidamente. A exceção, nesse caso, também valeria para os “homens de bem” e aí a lembrança de 1964 é mais do que pavorosa e perversa. E é, precisamente, o que conduz coercitivamente nessa fase do país. As instituições, no que faz coro o Judiciário, estão funcionando? Caso estejam, "como" e "para quem" – ou contra quem[218]? Por isso, também não se faz necessário Estado de Emergência, como na França. Porque no Brasil já se repaginou o direito em antidireito: as provas incriminadoras surgem ou são fabricadas de um modo ou de outro. No poder, não costuma haver inocência e os despreparados duram pouco. Por último, as condenações e as prisões conduzidas desse modo removeram o que rezava o art. 5, § XXXVII da CF/88: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Outrossim, essa é uma das articulações de tomada de poder em que, gradativamente, naturaliza-se o Estado de Emergência.


PARTE VII

ESTADO DE NECESSIDADE NATURAL

Legislação abusiva ou de exceção

A partir dessa parte do texto, além de revisar alguns pontos do perfilhamento do conceito de Ditadura Inconstitucional, retrata-se a força de lei de algumas práticas de ilicitude – sobretudo do Estado de Direito – na vigência político-jurídica imposta pela realidade do poder concentrado em vigor na sociedade de controle. Para tanto, ainda se destacam algumas correlações entre documentos normativos/legais[219] sob o aspecto destacado do uso/abusivo de controle. Com destaque especial para a legislação que se aplica à comunicação, à troca de dados e que seja reguladora dos demais meios/veículos informáticos e de informação. Para tanto, é necessário fixar o que se entende aqui, em linhas gerais, por controle e uso excessivo/repressivo do texto normativo: a exceção legalizada. Nesse sentido, o cesarismo e o bonapartismo são análises precursoras. O cesarismo não é um conceito sociológico e, portanto, precisa ser investigado à luz da realidade política que o provoca ou é provocado por ela. Em todo caso, cabe um perfil do conceito.

Estado pós-moderno

No suposto mundo pós-moderno, um dos objetivos é patrocinar o Estado de Emergência como uma rotina civil, militar e política. E para isso é preciso naturalizá-lo, normalizá-lo, normatizando-o para todo o sempre.

A função estratégica do diagrama pan-óptico é traçar o perfil de minorias ‘indesejadas’. Suas três características são o poder excepcional em sociedades liberais (estados de emergência que se tornam rotineiros), traçar perfis, (excluir certos grupos, categorias de pessoas excluídas de forma proativa em função de seu potencial comportamento futuro) e normalizar grupos não excluídos (segundo a crença no livre movimento de bens, capital, informações e pessoas) (Bauman, 2013, p. 63).

Sobre o Estado Pós-moderno (Chevallier, 2009), a Vigilância Líquida decreta o fim da democracia liberal, pois os três poderes, no Estado de Emergência, estão contra a divisão de poderes e seus mecanismos de controle institucional: sistema de freios e contrapesos. Caminha uma destruição disruptiva e não, exatamente, criadora – como queria Schumpeter (1961). Na gerência da sociedade controlativa, condena-se por expor o poder e assim prosperam as prisões por crimes políticos. Qual foi o crime de Julian Assange – caso WikiLeaks? Invadiu sistemas de segurança, manipulou dados, chantageou agentes, comprou sigilos, ameaçou autoridades? Como só divulgou crimes cometidos pelo Império, publicizados por seus próprios operadores, inventaram um crime sexual[220]. A lei brasileira 12.850[221], já em 2013 – a fim de se debelar a revolta popular contra o descalabro de governança – definia o tipo penal de “organização criminosa” e dava “novos” contornos ao Estado de Necessidade que, aos poucos, iam se naturalizando no ordenamento jurídico. Como visto, a sociedade de controle – com manejo político-jurídico dos meios de exceção – atua tanto no plano virtual quanto no realismo político: Assange demonstra como os dois polos estão interligados. Antecipando-se a uma "nova" interpretação da Lei Antiterror, jovens que participam de protestos populares são condebados e obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas. Diferentemente das torcidas organizadas, porque aí tiraria votos. É a suprema negação da regra, para se aplicar a exceção do direito[222].

Naturalização do Estado de Emergência

No plano internacional, no século XXI, o principal tipo de exceção é o Estado de Emergência. A tipologia das formas autocráticas, autoritárias do Estado é longa, mas uma das diferenças entre a exceção e a regra está em que o Estado de Necessidade, por exemplo, tem uma tendência de se expandir, tornando natural a invasão e o controle do espaço público (“naturalização” da negação do Político) e de perpetuar o uso da força para além do fato que supostamente a originou. Vale lembrar algumas dicotomias entre o Estado de Exceção e a norma social comum e aceitável como regra moral e jurídica, visto que essas regulam o cotidiano da vida comum do homem médio. Essa manipulação do argumento da violência é oportunista (fascista), uma vez que alonga o uso da violência (descontrolada e aprovada por leis de exceção) e que jurou combater. Quer dizer, utiliza-se a violência antissocial como desculpa para se implantar a negação do direito e depois se institui a mesma violência como prerrogativa do Estado.

Regras do “eixo suportável” e da exceção

A violência de origem que desafiava o Estado, presentes no crime e no terrorismo, é também um desafio à sociedade. Porque não só a Razão de Estado é ameaçada na prerrogativa do uso sistêmico da força; muito mais do que isso, a sociedade perde seu eixo comum de convivência possível. A regra comum, a norma social ou jurídica procura normalizar as relações humanas, ou seja, aproximá-las de uma “normalidade” que possa ser (com)partilhada. É um princípio da interação social: a urbanidade, a civilidade e a convivialidade só são possíveis a partir de um eixo suportável de obrigações comuns. Esse efeito ocorre com certa “naturalidade” aceitável (como a gentileza), até porque as regras foram, em sua maioria, fabricadas socialmente há anos. Tudo isso, herdado (exterioridade, anterioridade) juridicamente, pode ser chamado de legitimidade. Há uma espécie de desejo de comando (dominação) dentro de uma “normalidade” aceitável e em que as normas sociais e as regras morais também possam ser expressas como regras jurídicas. Nesse caso, se as regras sociais e morais são mediadoras da vida civil, o Estado, por sua vez, detentor do “poder de decisão”, será seu instrumento imediato. Assim, o “eixo suportável” torna-se obrigação de fazer ou de não fazer (direito positivo).

Então, a regra geral do “eixo suportável” é plausível e não há necessidade, obviamente, de nenhuma prática de exceção; visto que a exceção é acionada quando a regra está em desajuste com a realidade. Na interveniência de instabilidades grandiosas no sistema, por outro lado, irrompem reações dentro e fora do comando legal, moral, racional. A sistematicidade e o descontrole institucional diante do crime e do terrorismo, por exemplo, abalam o “eixo suportável” das regras morais e sociais e incutem em alguns o desejo da exceção. Como o “antigo” sentido de normalidade deixa de ser aceitável – pois, o “eixo suportável” não é mais comum – o desejo da exceção prospera e, além do conteúdo legal/racional ser severamente questionado, cresce o apelo por medidas de intervenção cada vez mais demarcadas pelo uso da força física: embrutecimento do cotidiano. Esse sentido/sentimento será replicado dentro e fora do sistema político-jurídico e, por isso, assiste-se placidamente o linchamento público de “marginais” (brutalizados, não são mais humanos), bem como fermenta uma autorização prévia para que o uso da força possa ocorrer ao largo da legalidade. Diante do “eixo suportável”, esse conjunto de ações/reações cotidianas e sistêmicas seria a expressão de uma irracionalidade. Contudo, se o desejo da exceção autoriza tal uso descontrolado da força, logo se vê que a irracionalidade do passado (a que estava presente no crime e no terrorismo) transmuta-se agora em racionalidade da exceção.

Por fim, a “nova” racionalidade da exceção – dado seu apego e apreço cotidiano e sistêmico, e que se volta contra o “eixo suportável” – apresenta-se como legitimidade da exceção. De certo modo, isso também consubstancia uma cultura de exceção, quando há internalização e aceitação acrítica das regras de exceção. Porque, em suma, o outrora irracional – atentados à racionalidade do “eixo suportável”, provocados pelo crime e terrorismo – converte-se na “nova” normalidade. Ou seja, na cultura da exceção, o que era normal passa a ser insuportável (o próprio Estado de Direito) e o que era aberrante, ao sistema e à vida comum do homem médio (ações violentas do crime e do terrorismo), agora se manifesta como normalidade requerida, desejada. A violência, condenada no passado, é agora aplaudida e é, dentre outros, um dos mecanismos que mantêm operantes tanto o fascismo quanto o Estado de Emergência Política. Outras formas/fórmulas – como cesarismo (política de Júlio César) e bonapartismo (medidas de Napoleão III) – identificam o modus operandi da ação cotidiana e sistêmica que anula/aniquila o “eixo suportável”; diga-se, por tal eixo, a correspondência da civilidade e do processo continuado de humanização. Como a violência incontida pela legalidade é agora a tônica da cultura da exceção, é perfeitamente normal, dentro do desejo manifesto de se controlar por meios de exceção, por que não prolongar indefinidamente o uso institucional dos mecanismos de poder abusivo/ilegítimos?

Aceitação acrítica do Estado de Emergência

Observa-se que tal aceitação acrítica ocorre com pequenas alterações de parte a parte. O Estado de Exceção se torna permanente e globalizado: estranhamento e desejo do fim do Político. Na França, depois dos atentados promovidos pelo Estado Islâmico, a “extensão” da força, tendência à perpetuação do Estado de Emergência[223], confirma a lógica geral de que há um uso/abusivo a fim de se naturalizar a exceção e assim agregá-la como ordem natural da política. O cesarismo constitucional foi aqui apelidado de latente porque o próprio Texto Constitucional assegura a promulgação de leis de exceção, desde 1988; isso é, não houve necessidade de nenhum aporte de poder estranho ao nascedouro da Constituição. Estavam, pois, previstas. O cesarismo institucional foi denominado de manifesto porque se revela/age por iniciativa ou inércia (proposital) do Poder Político. Nesse sentido, a edição ou a recusa de leis que ferem o Estado Laico – como a não criminalização do crime de homofobia, pois pastores seriam presos – denotam que a exceção é vigorosa, ainda que esteja em condição de não fazer, nesse caso, não promulgar leis de amparo a direitos fundamentais de determinados grupos sociais. Em outras situações, até mais evidentes – porque, exatamente, permitir-se-ia a mutação constitucional – direitos igualmente fundamentais são removidos da noite para o dia: os direitos trabalhistas, a PEC 215, a Lei Antiterror, a tentativa legislativa de se criminalizar o MST, o manuseio do Estado de Direito de acordo com os grupos de poder dominantes, o coronelismo recalcitrante. Por isso, no todo do conjunto, verifica-se que existem os efeitos do Estado de Emergência em plenitude política, institucional e jurídica nos dois modelos do cesarismo aventados:

  1. Sob a negação de se criar direitos especiais ou, ao contrário, na criação de leis hediondas e na ofensiva de todas as demais frentes de deslegitimação constitucional (cesarismo jurídico-constitucional latente).

  2. Na condição de se acobertar nas brechas da lei o próprio abuso legal (prorrogação das prisões preventivas e temporárias), a manutenção de privilégios de estratos sociais (magistratura, Ministério Público), o apoio institucional ao “arrepio da lei”: no caso das polícias treinadas para matar (cesarismo político-institucional manifesto).

Assim, os direitos humanos fundamentais (vida, liberdade) de pobres e negros são violados todos os dias em todas as cidades – e de índios, quilombolas e trabalhadores rurais ou assentados no campo – sem que se precise da decretação de um tipo qualquer de Estado de Emergência social ou política.

Rotineira cultura popular fascista

Também não há necessidade de tal decretação porque a cultura da sociedade violenta (e historicamente violentada) autoriza, legitima a ação violenta e letal dos aparelhos repressivos de Estado. Ainda que, de outro modo, os mesmos grupos sociais violentados pela repressão estatal possam agir de igual forma no encontro com as polícias. Ação e reação extremamente violentas e letais. O cidadão age/reage diante de uma espécie de lei de ação e de reação; a polícia e a política sofrem do mesmo mal: total descrédito social. O que, por sua vez, gera ainda mais violência. Esse também poderia ser considerado um dos pilares institucionais da guerra social (eufemismo para guerra civil) que devasta/devora a sociedade brasileira. Por fim, tudo ocorre em certa “normalidade” porque há um entranhamento do desejo de exceção; mais exatamente onde viceja a descrença de que o secular processo civilizatório pudesse obter êxito na formulação de um “eixo suportável” e regulador da vida comum do homem médio. Por isso, a “última razão dos reis” (ultima ratio), que é a capacidade de o Estado mobilizar todas as forças possíveis para (re)agir em seu proveito (burocracia) e dos grupos que o manejam, torna-se, em verdade, a primeira escolha do Poder Político (prima ratio). Assim, com a prorrogação indefinida do Estado de Emergência, a exceção se converte em regra duradoura; visto que a regra anterior (democracia) é tida agora como malefício social. Lembrando-se de que se trata da mesma regra que garantia a humanização do processo civilizatório. Portanto, do ponto de vista humanitário, todo Estado de Exceção é desumano, criminoso e antinatural, posto que é antissocial. Tal modalidade de controle societal, exercida pelo Estado de Emergência – e que é um dos tipos de Estado de Exceção – e exercida no mundo real, pode, perfeitamente, ser estendida/replicada no realismo político que se projeta no “mundo virtual”. No Brasil, dentre outras, há a proposta legislativa de criminalização da ofensiva popular, nas redes sociais, contra os políticos profissionais desonestos: uma vez que os honestos não são objeto de ironia e sátira política.

Estado de Emergência Econômica

Uma das modalidades aproveitadas do termo genérico Estado de Emergência é sua aplicação diante do boicote/blecaute econômico enfrentado pela Venezuela. As razões são muitas e se trata de mais uma modalidade da forma Estado de Exceção, quando são viabilizadas condições jurídicas e institucionais não usuais para debelar um problema também não-convencional. Portanto, uma medida de exceção para um problema excepcional. Também é comum sua aplicação nas situações de epidemia, pandemia, desastre natural ou grave crise social ou de insegurança pública localizada. No Brasil, como há guerra civil ou social intensa e extensa, na medida de exceção, sugerem-se mudanças constitucionais que permitiriam, imediatamente, o maior emprego das Forças Armadas na contenção da guerra generalizada, como um tipo de Estado de Emergência societal. Ou, no combate ao mosquito causador da Dengue e do Zika, ou em outro caso em que a entrada à força nas residências é autorizada[224]. Na mesma linha do descontrole da saúde pública, mas em modalidade um pouco mais inusitada, percebe-se um Estado de Emergência mundial, decretado pela OMS, no "combate" ao Zika vírus[225]. São medidas de exceção. O problema é quando, de exceção ou de transitoriedade, tornam-se regras impositivas e permanentes. Também é possível falar de uma espécie de Estado de Emergência Preventivo, uma fórmula que pode se tornar global – de todos contra um – caso se diagnostique uma ameaça possível. No caso do Brasil, a crise do Zika vírus despertou esse interesse em pré-candidatos à eleição presidencial nos EUA[226], como se o país estivesse infectado com a Treva Branca que provoca cegueira e paralisia política (Saramago, 2008). Antes era só miopia; portanto, agravou-se muito o quadro clínico do Político. Além do bloqueio econômico imposto a Cuba, por décadas pelos EUA, destaca-se o boicote econômico imposto ao governo de Salvador Allende, no Chile de 1970 a 1973, especialmente no corte da distribuição de bens, produtos e mercadorias básicas à vida de milhares de pessoas. O que agravou a crise social e “motivou” forte reação de civis e de militares para perpetrar um Golpe de Estado e implantar uma ditadura sanguinária. É óbvio que todas as forças que se prestam a golpes dessa natureza tiveram e têm ampla participação nos preparativos que agravam uma suposta crise já instaurada. Isso é, criam instabilidade para propor o golpe.

No caso da Venezuela, a crise de desabastecimento, a derrota das eleições proporcionais e o enfrentamento ao sistema capitalista esgotaram as vias de manutenção econômica. Fosse um regime político alinhado ao poderio dos Estados Unidos, certamente, a economia seria estável. Como faz oposição cerrada ao Império, enfrenta bloqueios econômicos internos e externos. Sua reação política à economia que agoniza, agora, conhece um novo desfecho: o Estado de Emergência Econômica[227]. No Brasil, a Carta Política de 1988 não reconheceu tal estatuto jurídico, pois trata da “situação de emergência”. O suposto Estado de Emergência – na verdade, situação de emergência – é regulamentado pelo Decreto Nº 7.257, de 4 de agosto de 2010:

“Art. 2o Para os efeitos deste Decreto, considera-se: III - situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido”.

Tal anomalia jurídica – visto que não se dirige a situações de normalidade cotidiana – deveria servir para proteger ou assegurar a sobrevivência das pessoas atingidas. Em todo caso, o governo federal poderá ser invocado para repatriar verbas ou aditivos de socorro emergencial. Sem licitações, para ganhar tempo, o dinheiro público deveria minorar o sofrimento dos que perderam quase tudo. E aí começa outro problema, o da salus publica, uma vez que a saúde do erário já é comprometida havendo controle apertado, imagine-se com regras frouxas. Note-se, por preciosismo, que o decreto não retrata um Estado de Emergência, empregando-se somente a expressão composta de “situação de emergência”, bem como prevê o “estado de calamidade pública”. Sendo a situação de emergência mais extensa e sem tempo determinado. Porém, como os institutos da situação de emergência e da calamidade pública, em regra, são manuseados pelo mesmo Poder Público que deu origem ao problema a ser debelado – por incapacidade, improbidade ou negligência – o Decreto 7.257/2010 acaba tendo efeitos muito mais políticos do que socorristas e humanitários. Propositalmente, o Texto Constitucional também não emprega Estado, em maiúsculo, para que não haja confusão com o Estado de Defesa (artigo 136 da CF/88) e o Estado de Sítio (artigo 137 da CF/88), visto que são institutos propriamente políticos, voltados à segurança das instituições públicas e à integridade nacional. No caso da Venezuela, impõe-se mais um capítulo no encerramento da democracia liberal-representativa. E sobra a lição, recuperada da história, de que a luta contra o capital hegemônico não é isenta de duras represálias.

O Estado Ludita

Pelo texto aprovado da chamada Lei Antiterror, continua-se sem entender qual é o tipo penal específico de se "praticar ações de terrorismo", o que resulta num certo "tipo penal em branco" a ser regulamentado pelo gosto do repressor ou "intérprete do medo" (soberano-suserano). Além de não haver referência acerca do Terrorismo de Estado praticado todos os dias por autoridades nacionais, é óbvio que a lei será dirigida contra os movimentos sociais. Basta ver que a greve e o piquete podem ser enquadrados como ações terroristas. Será coincidência o fato de o projeto original do Executivo vir assinado pelo Ministro da Fazenda? De acordo com outro projeto (ao que pode ser fundido), a punição social é explícita. O Projeto de Lei (PL) 5.773/2013 modifica a redação que confere ao artigo 288 – B do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, em seu Título IX - Dos crimes contra a Paz Pública:

“Saquear, incendiar, depredar bens públicos ou particulares, extorquir, impedir o funcionamento de serviços públicos ou particulares, assaltar, explodir bombas ou artefatos similares, sequestrar, manter em cárcere privado; praticar atentado ou sabotagem, com dano ou perigo efetivo a vida, integridade física e liberdade de locomoção (grifo nosso)[228]”.

Os negros escravos que promoviam sabotagem (do francês sabotage: tamanco) também eram terroristas e não sabiam, pois jogavam pedras nos moinhos de engenho. Isso ainda permite pensar que, no século XXI, redescobrem-se tipos de penas escravistas. Exemplo antepassado curioso é de um americano com sólidos conhecimentos em reatores nucleares, denominado pela polícia de “Unabomber” (1995) e que por muitos anos mandou pacotes-bomba para universidades, centros de pesquisa, pesquisadores. O terrorista pregava um estado de caos social, valendo-se de seus conhecimentos científicos. Mas, o mais curioso é que defendia o “irracionalismo” baseado na razão científica e que aparecia inclusive no nome do “grupo anarquista” a que dizia pertencer. Posteriormente, cresceu nos EUA um movimento conhecido por “neoluditas”. O movimento estava (ou está) embasado nas revoltas de trabalhadores a partir de 1811, no século 19, que destruíam máquinas (mas não promoviam atentados pessoais) como sinal de protesto. Seu líder, Ned Ludd, batizaria o movimento.

No caso brasileiro, pela inércia – incapacidade ou desprezo – que impede a promoção do processo civilizatório, o Poder Político brasileiro se dedica à criminalização das condutas políticas como forma de controle social: “o inimigo político de Schmitt está institucionalizado e a guerra civil é cotidiana, ainda que sob o argumento de manutenção da ordem social e da própria ordem democrática”[229]. A única ressalva a ser feita é que, no Estado Capitalista, a exceção é a regra do controle político e social. Movido por esse fluxo repressivo e regressivo, da forma Estado Ludita – como modalidade de Estado de Exceção – age diretamente por meio da tentativa de controlar os movimentos sociais. A ameaça à laicização do Estado, por óbvio, é uma ameaça desproporcional à racionalização das relações sociais e, nesse aspecto, dirige-se contra o ideário renascentista[230]. No Estado de Exceção típico do século XXI (Egito), falar que a junta militar que dirige o país é uma ditadura e que toda ditadura é autoritária (autocrática em seus fins) é crime punido por Lei de Antiterrorismo. Os jornalistas, por exemplo, não serão mortos, apenas presos. Essa é uma das sutilezas da modernidade política (e que não tem nada de líquida)[231]. Nesse contexto, ganham destaque o cesarismo e o bonapartismo como categorias de análise político-institucional. Em Ditadura Inconstitucional, a naturalização/conversão do estado de necessidade em Estado de Emergência, por derradeiro, investe na subsunção do Político.

O Político ou a política?

A política brasileira está sem substantivos. Em todos os níveis e esferas reina a adjetivação. A não ser pela estética do fascismo – manifestantes clamam a volta dos militares e apanham da PM – só se ouve nas casas e nas ruas o mesmo timbre de lamento: safados, corruptos, vagabundos, golpistas, estelionatários. Em todo caso, o realismo político seria o plano substantivo por onde transitam as mazelas e a falta de esperança, sendo essa extremamente perigosa porque pode levar a um beco sem saídas: com a perda da sintaxe política (a relação lógica com o mundo dos homens e das coisas), o fascismo religioso, legislativo e militar coloca pela frente apenas a redenção dos convertidos, ou seja, dos próprios fascistas. O “bom fascista” quer nos fazer acreditar que se é “apolítico”, como se o Homem prescindisse da política para ser o que é. Em outros termos, equivale a supor homens e mulheres sem inteligência, uma vez que é a relação política – impondo-nos restrições nos desejos e nos quereres – que aguça nossa capacidade de requerer com mais qualidade e assim superar os obstáculos. E para completar o non sense geral, dos “sem razão” que predominam no senso comum, ao misturar a política e “seus” políticos com o Político, bane-se o espaço público das referências. Nesse caso, abdica-se da liberdade, dos direitos e das garantias mínimas do Estado de Direito. De outro modo, quanto mais política se faz, mais sociáveis e inteligentes se é. O contrário, o “não querer a política”, induz a uma abstinência da razão. Se a política é emoção – concorda-se ou discorda-se – o Político é razão, lógica, capacidade de articulação mental e societal. O ser humano é feito de “pura” política, para o bem e para o mal. Pois, o Político é o palco da experimentação humana; é para além do verbo da política – “roubam demais!” – a inteligência social, a interação qualificada, a sociabilidade que se faz carne na cultura política. É o político que produz o ser sociável e inteligente, aquele que quer e requer; portanto o oposto do “robô alegre” (Mills, 1975) do fascismo que se contenta com o consumo da política diária e mesquinha. O Político vem de Polis – civilidade – e de convivialidade política, como constante troca de valores, oposição de interesses; ou, mais exatamente, argumentação com base na isegoria (discurso) e na isonomia (igualdade): não se faz política entre senhores e escravos. Assim, a política é resultado direto do nível de argumentação do Político na vida comum do homem médio. O Político significa a passagem do aneu logou, idiotes à cidadania ativa (Benevides, 1991). Quanto mais denso o diálogo com o Político e com a essência humana, mais profundas e articuladas são as capacidades cognitivas, intelectuais e relacionais do sujeito politizado. Como negação do Político, a crise na política se alimenta da perda de reflexão política, por medo ou desgosto. O Político é a instância da efetivação do ser político como humano genérico, quer dizer, do Homem que é distinto dos demais animais pela capacidade de realização política (Arendt, 1991). Quanto mais se confunde a política (rasteira, adjetivada pejorativamente) com o Político, menos os cidadãos se reconhecem como humanos dotados de capacidade política: consciência e vontade autônoma. Quanto mais a política consome as ações e repulsas, menos se percebem como humanos. Quanto mais presentes os adjetivos da política – “indecentes” – ao revés da condição humana ditada pelo Político, mais inumamos, mais aberrantes, primários e embrutecidos são os homens e mulheres do século XXI. Com a crise do Político, perde-se o humano que se faz na ação política. Por outro lado, quanto mais atuante o Político, mais os sujeitos da política são conscientes da realidade e dos desafios políticos, ou seja, capazes de tomar a política para si (autarquia). Quanto mais viceja o Político – em que pesem as contradições do realismo político – mais se evidencia o homem politizado.

O zoon politikón é o animal político que se reconhece e se (re)afirma no “pensar e fazer política”. A crise da política – aprofundada pelo fascismo no cotidiano do senso comum do homem médio – conduz ao pior sentimento humano: a descrença, não só na política, mas, sobretudo, na capacidade humana de dirimir os maiores problemas políticos. A crise da política, portanto, leva diretamente à crise do Político. A crise dos “desqualificados da política” impõe uma crise no interior de cada indivíduo e sujeito, que, em crise existencial/real, duvida cada vez mais de si mesmo. Enfim, desse modo, é fácil o caminho político dos usurpadores, hipócritas, tiranos e mentirosos contumazes. O poder sem o Político – quer seja sem a adesão consciente, quer seja sem a manifestação do contrário (princípio do contraditório) – equivale ao poder dirigido pela máxima corrupção. Nesse caso, não se trata apenas da corrupção do erário, da República, mas acima de tudo a corrupção do sentido humano que só se faz enquanto tal no Político. A política pode ser a excrescência humana, mas o Político é a essência, é o que faz dos humanos pensantes e requerentes de um mundo melhor. Por tudo isso, não se pode mais confundir as coisas, o político nojento não pode “acabar” com o Político. O poder de alguns, por mais nefastos e diminutos moralmente que possam ser, não terá a grandeza de aniquilar o Político. Nenhum político pode receber a chancela para questionar e subjugar o Político. No entanto, a crise global da política põe em xeque a condição humana e política. Esse é o desafio, no Brasil e no mundo: ao salvar o político que há em cada um, se salva o Político, se salva a Humanidade dos políticos corruptos. Esse, sem dúvida alguma, é o pior desafio colocado pela Ditadura Inconstitucional: formular a consciência política crítica e atuante de que o Político está em sérios riscos de deslegitimação.

Notas para retomar o conceito

O Estado de Sítio denota uma configuração política e moral negativa, além de ter uma regulamentação espacial (funcionalidade) e temporal (durabilidade) definida. Ainda pressupõe uma condição grave de guerra ou de ameaça iminente às instituições regulatórias da República. Indica, enfim, que o país “em sítio” ou está enfraquecido ou em vias de perder a possibilidade de gerenciar sua soberania – inclusive porque o sítio pode ser uma imposição externa, como faziam os antigos castelos que se viam obrigados a levantar as pontes, colocando-se em isolamento por meio de poços. Na Ditadura Inconstitucional o poço cavado é jurídico-político, bem como as trincheiras morais são salvacionistas, miraculosas, à espera do redentor que aniquile o direito em nome do dinheiro. Por sua vez, no Estado de Emergência, "o governo se torna o poder soberano[232]", confundindo-se governo e soberania, Poder Político com política e não raramente com o fim do próprio Político. A relação que antes pertencia a uma vaga (ou não) noção de soberania popular pertence agora a quem detém o direito de excluir os outros. O denominado Estado Legal – no pós-Revolução Francesa – é um bom exemplo de ajuste entre Estado de Direito, soberania popular e Razão de Estado. Porém, os vários golpes institucionais, na cola da naturalização do Estado de Emergência – desde a CF francesa de 1793 – ilustram que a França da fraternidade foi apenas o mangedouro da legalidade dos meios de exceção. Desde então, o jacobinismo é suportado contra o Outro. Nesse reino do poder antidemocrático (em que são incutidas regras de controle e de exceção), sob a égide do poder do establishment, fulgura um poder sagrado e intangível à própria democracia. Todos os Estados democráticos possuem a mácula da exceção constitucional e, assim, Domine e seu domínio surgem equivalentes e partícipes de Deus no seio do Estado Laico (Domine = Deus). Como consequência direta, há uma profunda despersonalização do indivíduo frente ao Político; como consequência também direta do estranhamento jurídico, a despersonalização/estranhamento da vida comum assemelha-se à institucionalização provocada no prisioneiro da masmorra jurídico-social[233].

Tudo é prisão à minha volta. Reconheço o cárcere sob todas as suas formas: sob a forma humana assim como sob a forma de grade ou de ferrolho. Esse muro é prisão de pedra; essa porta é prisão de madeira; esses carcereiros são prisão em carne e osso. A prisão é uma espécie de ser horribilíssimo, completo, indivisível, metade edifício, metade ser humano (Hugo, 2002, p. 82).

De todo modo, segue-se pelo caminho oposto de uma sociedade aberta, pluralista, participativa e inclusiva[234]. Assim, sem espaço público para maneabilidade no enfrentamento de interesses políticos, a seara da convivialidade se enfraquece e, por fim, toda pretensão de civilidade. Sem a Polis do Poder Político reflui, igualmente, a civilidade – consoante a urbanidade: visto que esse é pressuposto ontológico do Político (Aristóteles, 2001).


PARTE VIII

A “FORÇA DE(A) LEI” CONTRA O IMPÉRIO DA LEI

O senso comum na Ditadura Inconstitucional

Na mesma linha em que se posta a trilogia dos Princípios Gerais do Direito[235], também trilham os direitos, as liberdades e as garantias – na estrutura básica do Direito Ocidental – bem como tem seguimento os componentes do clássico Estado de Direito: Império da Lei; prevalência dos direitos fundamentais; separação dos poderes. Ao que, ainda, poder-se-ia acrescer a impecável rotina histórica: a luta pelo direito é uma luta política que (se) expressa (n)a luta de classes. Mas, o que é o Império da Lei[236]? Na música de Caetano Veloso (Lyrics):

“O império da lei há de chegar lá

O império da lei há de chegar lá

Quem matou meu amor tem que pagar

E ainda mais quem mandou matar”

Por outro lado, o que é força de/da lei[237]? No primeiro sentido, há que se destacar uma distinção essencial em relação a Derrida (2010), quando se refere à “força de lei” (enforced), própria da força que carrega ou congrega o direito e o impõe, executando-o: “não há direito sem força”; não há “direito sem coerção”. Do mesmo modo, agora entre os funcionalistas que se socorrem de Durkheim (1999): o direito é um fato social, logo, é eivado de coerção. É uma força que se faz em lei, mas que também provém da lei (to enforce the law). É a força que permite à lei – de ali – ser imposta e executada. A “força de lei” é o direito posto e imposto coercitivamente (direito positivo). Todo direito é posto: Gewalt <força>; Staatsgewalt: poder do Estado. O direito positivo é imposto: legal enforceability <imposição e obrigatoriedade legal>. Portanto, a força que provém do direito – imposto como direito positivo – é uma força que advém diretamente do poder. Numa combinação de Benjamin (2013) e de Deleuze (1992), o direito como força estaria presente tanto do Estado Primordial (originário das “hordas”) quanto na forma Estado dirigida pelo Direito Ocidental.

O que aqui se denomina de força da lei (e não de) é uma espécie de assombro[238] – o peso da lembrança cultural da dor de não ser social – um constrangimento consciente ou inconsciente que reverbera costumes, práticas, tradições de um passado auricular que ecoa como se fosse “lei válida”. Aprende-se, pela cultura, o que é certo e errado e se confunde o certo com o direito, como se o direito fosse tudo que é certo e assim pertencesse aos justos. Também no senso comum diz-se que “eu tenho o direito”, quando muitas vezes não o tem, porque prescreveu ou porque nunca teve. A força da lei é o senso comum: para os mais ingênuos ou “alienados da lei”. A força da lei implica, simplesmente, no hábito de ser assim, fazer cumprir determinações porque foi ensinado que “isso” ou “aquilo” é o correto. É evidente que imperam exterioridade e generalidade, contudo, a anterioridade observada remonta ao imemoriável precedente da própria lei. Assim, pode simplesmente ser a força inaugural, incrustada na “força da cultura”: Urstaat (Estado primordial[239]).

Por isso, religiosamente, também se imiscuem preceitos e mandamentos (como: “não roubarás”) com a percepção do que é legal. Logo, vê-se a moral impondo sua força ao direito. Nesse caso, trata-se da lei prevista: a cultura impulsiona à necessidade da legalização – toda normatização leva à normalização (naturaliter da força, do poder, naturalizado como direito). Naturalizar o poder implica em normalizar as relações, os interesses, as disputas e demandas na forma de “fatos sociais” (regulados pela coerção). Naturalizando-se o poder de impor a normatização/normalização, naturaliza-se a necessidade do direito (naturaliter). A referida naturalização do poder, elaborando-se pela racionalização progressiva das disputas, cria uma tecnoburocracia especializada na dominação racional-legal (Weber, 1979) e que instrumentaliza, definitivamente, o “saber como poder” (Bacon, 2005). Ocorre, por fim, uma disseminada e ameaçadora proliferação das instâncias tecnocráticas (Bobbio, 2015)[240].

A tecnocracia jurídica libertou o povo de uma “natureza humana” estranha à sociabilidade; mas, o fez por meio da “força da lei”, do direito naturalizado que é parte integrante da Humanidade. Gradativamente, é como se tivessem saído do terror do Político (ou de sua ausência) à era do medo à lei. Com isso, também naturaliza-se o poder de impor o direito por meio da “força de lei”: criar o direito, “fazer a lei” (Derrida, 2010). Como ato de fazer, “fazer a lei” por quem faz e obriga[241], pode-se objetar que haveria dois sentidos: forte e fraco. A lei provém da sociedade, dos fatos sociais e culturais – como fato, valor e norma e não em sentido inverso (Reale, 2000) – que fomentam o jurídico. Todavia, como direito positivo (obrigado: erga omnes), tem um sentido forte porque é derivado de um poder: Poder Legislativo, se há Estado de Direito. E tem um sentido fraco – porque não propriamente jurídico: sem isonomia – quando ditado pelas classes sociais dominantes (Grupos Hegemônicos de Poder) ou pelo soberano que detém os meios de exceção que comandam o direito. Então, o direito não é só cultura, assim como a cultura não é somente uma “segunda pele” (Laraia, 2009); mas, sim, necessidade premente. Ou melhor, é a condição humana da sociabilidade que regula os fatos sociais (força da lei); mas, é a “força de lei” que há de vir como direito imposto. É o devir histórico e teleológico: do provérbio “dente por dente, olho por olho” (Êxodo 21:24)[242] ao chamado direito premial[243].

O segundo sentido é o da lei prescrita: a essência da força da lei. Posto que um dia fora lei de fato – na forma de direito ou regra social positivada ou com os mesmos efeitos – até que se viu revogada por novas nomenclaturas de poder social, daria ou deveria dar vazão ao “novo” direito. Mas, em sua origem que não se desprende dos fatos sociais vindouros, atua como “coerção irresistível”, “temor reverencial” ou simplesmente como conveniência e hábito. A Revolta da Vacina (1904) poderia ser um exemplo, com o machismo se voltando contra a saúde pública: “não é permitido tocar nas carnes das mulheres”. Também se relaciona com polidez, convencionalismos ou, no popular “deixar como está, para ver como fica”. A pergunta clássica nesse caso é: a força de(a) lei é referente ao direito posto ou à força normativa da justiça? Esta, por si, é uma das mais controversas questões em debate no mundo jurídico. No entanto, sob a Ditadura Inconstitucional, como modalidade expeditiva do Estado de Exceção no século XXI, é fato que não há justiça onde reina a desigualdade sistemática e sistêmica, a negação de direitos fundamentais e a exclusão da soberania popular.

Pois bem, como ambos os cânones do direito ocidental (“força de lei” e império da lei) ajustam-se à Ditadura Inconstitucional?

No “conjunto da obra” – modelo (a)típico (i)legal da Ditadura Inconstitucional – “o acordado se sobrepõe ao legislado”, assim como o Império da Lei sucumbe à “força de lei” que provém da exceção: hoje é crime, amanhã se aprova expediente normativo para que o usurpador desenrole a mesma ação em total inocência. E assim um acórdão leva ao poder – sobre todos os acórdãos da justiça democrática – o Estado de Direito vive sem democracia, bem como a República se dobra à coerção dos “novos” mandatários do poder. O retrato, contudo, segue certo modelo ou padrão que vem sendo gestado na América Latina.

É o caso de Honduras, em 2009, quando o então presidente hondurenho Manuel Zelaya foi tirado à força de sua casa e colocado em um avião que o levou para a Costa Rica. Ou do Paraguai, em 2012, quando em menos de 48 horas o Congresso Nacional votou pelo impeachment relâmpago de Fernando Lugo. Em ambos os casos, semelhanças que remetem ao atual momento do Brasil: a movimentação pela deposição de um mandatário escolhido pelo voto popular, através de dispositivos legais instrumentalizados por parlamentares e juízes, quando não empresários do setor industrial ou do agronegócio[244].

A democracia não mais existe, nem o direito que a protegia. Os cidadãos são regidos pela sombra desse direito chamado Constituição, pois restou apenas a força da lei do antidireito: uma sombra sinistra, um terror impiedoso do que deveria ser. Afinal, esse é um dos fenômenos verificados nas entranhas do Estado de Exceção: a força da lei (do direito deposto) é invocada para açodar o outrora vigente Império da Lei; muitas vezes é a própria democracia que lhe deu vértice na origem.

A tese histórica comprova que toda força da lei – a coerção irresistível acomodada aos “fatos sociais”: coercibilidade, anterioridade, generalidade (Durkheim, 1999) – é, por sua natureza, ato e prova do antidireito: a coerção (tradição) impede a eficácia democrática e anula a efetividade do direito que quer ser posto por força da lei da mudança social. Assim sendo, a força da lei do status quo ante refreia, impede, obnubila o direito nascente. Na República, o Princípio Democrático – como “Espírito da Constituição” – impedia a mutação e a violação constitucional, obstava o próprio Estado de Exceção. Na Ditadura Inconstitucional, a mutação constitucional repressiva de direitos – Gramsci (2000) chama isso de cesarismo regressivo – impede a Justiça Social (art. 170 da CF/88).

Na exceção, exclui-se o senso mais elementar da verdade

No caso da Ditadura Inconstitucional é seguro que o tradicionalismo (“golpe de classe”) abateu a jovem democracia, fez refluir o Estado de Direito que a consagrava, desprotegeu a República dos crimes praticados “por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, §4º da CF/88). Os novos ocupantes do Poder Político não podem ser julgados por atos anteriores à tomada de poder. Do passado ao presente, tanto Hitler estava convicto do seu Mal – que para ele era o bem – quanto se está o povo bastante convicto e esclarecido de que vive uma feroz ditadura: imoral, ilegal, aviltante do mínimo de respeito ao direito e ao bom senso. Nesse sentido, a força de(a) lei do Golpe de Estado, de 2016, é ilegal (inconstitucional) e, ex tunc/ex nunc, para trás e para frente[245], sempre será ilegítima. No fascismo, o senso comum (força da lei) substitui o bom senso e a justiça (autoridade como poder legítimo), impondo-se como “força de lei” da exceção. Por edição do poder, impelem-se leis injustas com irrestrita “força de lei”[246].

Na Ditadura Inconstitucional, o máximo do antidireito vem com a presunção de culpa baseada na livre convicção do senso comum: “todos são culpados até prova em contrário” – mas, como, se não precisa de comprovação? Como há Mal que não se acabe, o fim do Estado Laico não só é protagonizado institucionalmente[247] como é alimentado pelo institium do Estado Penal (Wacquant, 2003). A proposta persecutória admite que provas obtidas ilegalmente sejam validadas, em prol, é claro, do Bem Maior[248]. Diz-se soberamente: “não há como provar, mas há convicçoes”[249]. Ou seja, na exceção, abre-se um fosso medieval entre provas e acusações[250]. Por isso, se ainda pode ser pior, a declaração vem soberbamente declarada por “autoridade” que deveria fiscalizar o bom andamento do direito. Nessa toada, sem o direito à presunção da inocência, evapora-se com o Direito Ocidental. "Substitui-se o direito pela moral"[251]. Na Teoria Política se chama Estado de Justiça, seguindo-se o Princípio Ético de Hegel (1997)[252]. Assim, a vida privada e a pública passam a ser regidas pela moral do soberano. A tal soberano – que é quem domina os meios de exceção – por sua vez, sempre há dúvida sobre sua verdadeira condição: um rei em seu castelo[253] está seguro em seu poder? Está (res)guardado em segurança? Ou está emparedado? Isso precisa de provas? Ou só há indício de que está sitiado pelo próprio poder?

No reino do Estado de Justiça, o povo está imerso em estado de ilusão com a justiça, e desilusão acompanhada de depressão provocada pelo "governo dos homens". Esquecem, pois, o "governo das leis”[254]. No governo dos homens não há o Princípio do Contraditório; portanto, não há o livre exercício da advocacia em razão e em defesa dos direitos e de suas garantias[255]". De acordo com alguns ministros do STF o ativismo judicial pode reforçar os mecanismos de exceção – nos moldes do que se teve sob a ditadura militar de 1964[256]. Arrependido ou não, o ativismo é inerente à exceção; no mínimo, porque antecipa juízo de julgamento. Isso ocorre porque o julgamento de valor (pré-conceito: o que vem antes da verdade dos fatos) precede o julgamento de realidade: conceito formado com o empirismo dos fatos; no caso, provas irrefutáveis – essa que é a principal lição de Bacon (2005) ao firmar a Ciência Moderna. Por essas e por outras, confirma-se o óbvio, não há ciência no direito: um tipo de vício redibitório ("ab ovo") de uma mera “axiologia" porque o direito ou é refém ou é beneficiário do realismo político[257].

A exclusão das provas na Ditadura Inconstitucional

Para o homem de ciência, sua última convicção morreu na porta de entrada da academia. Se manteve “fortes convicções” (a não ser o apego à “dúvida metódica”) depois disso, é porque nunca foi e jamais será um “homem da verdade”. A ciência, toda ela, requer comprovação para obter validação e daí virá o reconhecimento – ainda que sofra com uma contracorrente. O senso médio adverte em sentido semelhante: “Sem que se tenha procurado por provas, tem-se a firme convicção de que aquela opinião vale – exatamente – o mesmo que a sua”. Pois bem, isso pode dizer várias coisas: 1) embasa-se na intuição; 2) não se tem motivos para duvidar, daí não procurar pelas tais provas (ou “pelos em ovo”); 3) não se quer provar o que desagrada: inocência ou culpabilidade; 4) não se procura por prova alguma[258]; 5) não se diferenciam provas de indícios; 6) não se sabe a diferença entre provas e coação[259]. O fato é que a inexistência das provas – não importam os motivos – aponta inúmeras possibilidades de inconclusão: algumas mais estapafúrdias do que outras, mas isso tampouco importa. Outra conclusão, agora mais racional, conta que as provas impõem um único caminho: o caminho da verificação da verdade.

Ao falar de ciência, as provas seguem um caminho sem fim – porque a verdade científica é pautada por postulados que se refazem conforme evoluem os modelos e as comprovações obtidas. Assim sendo, fanatismo, religião ou “pensamento mágico” (senso comum, ideologia), ao contrário do pensamento científico, parecem ter o mesmo caminho parecido a uma “rua de mão única”: “é a sua versão contra a minha”. Aplica-se, nesse caso, o Princípio do Terceiro Excluído, esquecendo-se de que as duas versões (senso comum), comumente, estão erradas. No direito se diz que cada parte tem sua versão, e a terceira história é a verdadeira. Já, a ciência, pela chave inescusável da verificação/validação, requer o vai e vem, a confrontação e a checagem por meio do Princípio do Contraditório: desdizer, dizer contra.

A leitura a “contra pelo” permite, literalmente, escovar as inverdades, as falhas, a falta de provas ou (re)provar as provas falhas. Mais ou menos em decorrência disso, outros dirão: “Só se sabe ao saber”. Com um pouco mais de investimento ter-se-ia uma sentença mais clara: “Só se sabe com saber”. Isso é, “com o saber” – a investigação que, bem sucedida, resultou em conhecimento –, arrisca-se a uma dedução plausível (ainda que inicial) e pela qual julgamo-nos sabedores de algo; e ainda que seja parcial e incompleto, será um conhecimento lógico. Esse caminho lógico sem fim também recebeu o codinome de “desencantamento do mundo”: desmagificação ou perda dos sentidos (Weber, 1979). Ou seja, a crescente racionalização força a perda dos sentidos baseados no senso comum.

O direito deveria, inclusive pela “força de lei” (o ônus da prova cabe a quem acusa; só há presunção de inocência), seguir o conhecimento lógico – aquele deduzível a partir de um mínimo de “empirismo”, ou seja, de comprovação fática. Como não se pauta na ciência, o direito reverbera as tais “firmes impressões” (pré-conceitos: o que se sabe, antes do saber) que logo se tornam convicções: algumas ideologias são inverdades contadas mil vezes, até que se acredite nelas. No século XXI, a mídia tem se colocado com maior eficácia para o desempenho desse papel. Isso é importante porque, após convencer-se de algo, passa-se ao convencimento alheio. Nesse misto de “achismo”, escapismo e fatalismo forma-se uma ideologia jurídica funcional ao establishment.

Como disciplina axiológica – e não ciência das humanidades – o direito tem nos axiomas os frutos da árvore da verdade. Porém, como não tem capacidade cognitiva para suportar investidas contra sua própria “razão de ser” (e que não é a justiça), basta um fruto podre para que toda a árvore apodreça. O conceito do direito, se fosse possível relegar os pré-conceitos (pensamento mágico, ideológico), deveria desvelar, desnudar, o fato de que a força do direito está no poder e não nos axiomas. Os axiomas, por sua vez, não são confirmados a não ser pela moral. O problema aqui, então, é ainda mais grave, porque se o direito segue a moral, basta perguntar “que moral” e quem controla a moral?

E a questão se fecha – com as provas históricas da racionalidade – porque não existe nada mais datado, com prazo bem estreito de validade, do que a moral e o moralismo político e jurídico. Por fim, cabe a conclusão lógica de que o direito baseado na moral, sem comprovação fática, é o antidireito que se reforça com a injustiça. Por isso, o direito serve ao poder que se (a)prova nos fatos concretos. Ao contrário do direito que é ficção, o poder é concreto – ou não passa de um tipo de convicção: potência. E esse é o lado mais perverso do direito, pois assim é só produto, reprodutor da exceção. A primeira excluída, e não terceira, é a justiça. Nesse caso, vive-se o Totalitarismo das Convicções egoicas e unilaterais[260]. Vergados pelo “homem da moral”, que é aquele que deturpa a “verdade dos fatos”, para provar um fato específico.

A obviedade que se esconde na falta da veracidade

O resultado, óbvio, é o antidireito produtor de injustiças incorrigíveis. Porque se perpetra uma aliança de antidireito entre Ministério Público, magistratura e mídia no Terrorismo de Estado. Assim também manifestam-se algumas entidades colegiadas preocupadas com as prerrogativas funcionais dos juristas[261]. Além de manifestações individuais, como o ex-vice-procurador geral e ex-Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, a Rodrigo Janot (à época, atual Procurador Geral da República).

Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras contra métodos de extração de informação utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações, principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em “iniciativa popular” (grifo nosso)[262].

Como analisa Agamben (2004), e se aplica sobejamente neste caso, suspende-se o direito por meio de um instituto jurídico (iustitium = solstitium). Como o sol que some no solstício, na exceção desparece o direito. De acordo com Capella, além disso, a processualística não pode ser substituída pela legitimação mítica do poder.

Tais expectativas, pelas que lutaram gerações de pessoas, aparecem ante as consciências de todos como aureoladas juridicamente, como hegemônicas. Justificar sua violação ou sua restrição exigirá, pois, um esforço (discursivo) especial por parte de quem atente contra elas: tal é, em realidade, sua magra couraça, mas, que ao mesmo tempo, facilita que os indivíduos insistam na legitimidade e na justiça de suas pretensões quando estas aparecem como o conteúdo de um direito de cidadania. Em realidade, para denegar essas pretensões legítimas, o poder há de recorrer, de um modo ou de outro, à doutrina do “estado de exceção”: uma doutrina que, levada ao limite, exige a legitimação mítica (Capella, 1998, p. 143 – grifo nosso).

Para esses casos, é urgente que se retome o ensino de Educação após Auschwitz[263]. Talvez ainda coubesse o Adorno (2001) do “nojo” pela idiotia: vulgaridade, ignorância, dotação única de egoísmo e desprovimento de qualquer sentido coletivo. Os idiotes do passado sobreviveram como idiotas modernos. Sem educação, não há emancipação, permanecendo-se tutelado, submetido, subjugado, inferiorizado (Adorno, 1995). Desse modo, sempre se trata de uma educação para o cidadão, como educação intencionada politicamente (Canivez, 1991). Portanto, não é normal ter medo do Estado se este fora criado (na força da ideologia) com os regulamentos do direito. Se ao homem bom basta seu bom senso, por que temer o direito, se o Estado é de direito e democrático? Só temem o direito os facínoras, o povo teme a ditadura.

A consciência exige domínio de conhecimento, clareza conceitual, independência para pensar e para agir, avaliação crítica dos fatos, remoção dos preconceitos, maioridade moral e emocional. Quem tem a vida defensável moralmente age movido por suposições? Como haver isenção cognitiva se age e decide com base no pré-conceito, sem provas de que o conceito é válido? Esse é o início para se ter consciência de quem se é.

Enfim, consciência exige emancipação e liberdade. O homem é livre para pensar e para agir – conscientemente – quando está liberto das prisões da tragédia humana. Mas, se faltam condições mínimas para que a consciência se informe desde a infância e na adolescência, sobretudo na escola e na família, quem – além de uma elite cínica – está livre do subjugo do direito injusto? Todavia, imersos na menoridade, não se questiona a injustiça construída como “força de lei”. E dessa ação de poder não escapam nem mesmo as instituições do Judiciário.

Ditadura legal[264]

O Supremo Tribunal Federal está no meio da Lava Jato[265]. Todavia, por razões nem sempre esclarecidas – talvez por vaidade, talvez por reserva político-institucional do regime de castas – o poder (investigador) ameaçado de investigação interrompe os processos investigatórios[266]. A mesma Ditadura Inconstitucional que se (retro)alimenta do regime de castas é a que se beneficia da lei e da cultura de exceção. Pois, se não houvesse o intercurso da cultura de exceção, as prerrogativas constitucionais não seriam transformadas em privilégios. Sem esquecer as picuinhas pessoais, administrativas e partidárias que animam a rotina seletiva da ditadura legal[267], deve-se ter em conta os desvios totalitários que agem sob a alcunha do Bem Maior: “Mas, vejamos, a proposta de que prova ilícita, obtida de boa fé, deve ser validada, a priori, tem que ser muito criticada e se negar trânsito. Imagine, agora, um sujeito que é torturado, ah, mas foi de boa fé”[268].

Não há bons propósitos[269] acima da lei, dos princípios da licitude e da presunção de inocência, e dos postulados democráticos. No caso da última citação o que causa maior espanto é o fato de que só há indignação quando se faz referência direta aos “amigos da lei”. Ou seja, o regime totalitário em curso não ameaça apenas ao STF. Mas, a saída encontrada, uma suposição vaga, faria a sugestão de que os documentos “vazados” forçariam uma pressão externa a fim de que os fatos fossem acolhidos com naturalidade[270]: um naturaliter da exceção.

Além de suposições diz-se que teriam ocorrido excesso de autoridade, força de cobrança desproporcional da autoridade administrativa e que, se fosse outro, menos impositivo, não haveria crise política[271]. Pela lente angular do processo de impedimento, o impeachment de 2016 – como marco regulatório da Ditadura Inconstitucional – tem matriz político-jurídica, quando, em acerto legal/legítimo, deveria ser o exato contrário: processo jurídico-político. A diferença, que não é de mera sutileza verbal e nem de neutralidade demológica (porque não há regra neutra), deveria apontar a ocorrência inequívoca de crime de responsabilidade, com ato direto provocativo de dolo (art. 85 da CF/88). Porém, no realismo político, basta a alegação (política) de um crime administrativo não-tipificado, que se denomina de “conjunto da obra” para que se abra espaço a 55 projetos legislativos aniquiladores do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, não basta ser legal – ainda que muitas vezes nem se obedeça à legalidade que atinge o homem médio em sua vida comum[272] – é urgente obedecer a uma moral democrática, popular, respeitosa ao senso médio nas condutas públicas[273]. Por sua vez, o pior é quando o mesmo poder, encarregado da justiça, pune os que se voltam contra seus privilégios de casta social. Juízes foram ameaçados, cerceados em direitos e liberdades por não defenderem a exceção. Ao mesmo tempo, sente-se a invasão da força coercitiva das corporações pelos corredores e arredores do poder oportunista – e que, mesmo sendo complacente, incomoda-se com o arrocho[274].

A Justiça Social não tem caráter de urgência, mas os aumentos de salários, privilégios e status adquirido no establishment, sim[275]. A miséria humana verificada fora dos porões do poder coincide com o típico anti-Estado ou Poder Público privatizado. Nesse prisma, tal modelo de Ditadura Inconstitucional segue a tragédia do capital, encontrando-se com um vasto caminho global que atende pelo codinome de Golpe de Estado internacionalizado[276]. Nesse circuito ampliado pelo capital especulativo, disruptivo, os preceitos mínimos liberais, como liberdade e igualdade formal, cidadania participativa, Estado de Direito – que se oponha à barbárie jurídica – são degenerados sob a figura do “inimigo combatente”: “o inimigo é o cidadão”. Por fim, pode-se/deve-se dizer que a exceção dirigente da Ditadura Inconstitucional tem uma forma específica de fazer as coisas previsíveis nunca se realizarem, ao passo em que as imprevisíveis se contornam como a própria vida pública.

O “conjunto da obra” da ditadura legal

O assim denominado “conjunto da obra” é um modelo (a)típico (i)legal da Ditadura Inconstitucional. Sob tal codinome violam-se – no varejo e no atacado – o bom senso, a justiça, os Princípios Gerais do Direito e a racionalidade (modelo ideal) genérica, mas genética, do Direito Ocidental. Violam-se, sem peso na consciência político-jurídica, princípios éticos acostados nas cláusulas pétreas; ocorrem condenações (costumeiramente) por crimes sem objeto e nem autoria; portanto, sem dolo. Anulam os efeitos da irretroatividade legal in pejus, quer dizer, para agravar a situação do condenado. Contudo, isso ocorre com a máxima cautela instrumental, sob um modus operandi amarrado pelo tecnicismo jurídico. Além disso, houve obtenção de provas por meio ilícito; seletividade judicial; ruptura da separação dos três poderes; mutação constitucional após o golpe, inocentando-se legislativamente os motivos de suposto crime de responsabilidade, para no futuro inocentar novos abusos. Em síntese de uma linha: o “conjunto da obra” pode ser resumido à negação dos direitos fundamentais individuais e sociais. Foram e são desferidos múltiplos ataques legislativos contra os “povos da floresta”, quilombolas (PEC 215 e outras) e se patrocina, hodiernamente, o fim da laicidade pública.

No percurso do processo político-jurídico (que deveria ser jurídico-político), o Congresso Nacional atuou como Tribunal de Exceção. Sob a presidência do STF fez-se vigorar a democracia indireta: Colégio Eleitoral. A Ditadura Inconstitucional sofre e ampara, ao mesmo tempo, o resguardo da racionalidade jurídica dirigida contra os “inimigos de Estado” – mas com o sobretudo do poder ora estabelecido – operacionalizando-se a inversão constitucional dos princípios democráticos em favor dos “novos” grupos de poder. Pelo “conjunto da obra”, a ditadura legal conflui para o exercício mais bem caracterizado do modelo (a)típico (i)legal, como se congregasse todas as variáveis num só tipo político-jurídico de Estado de Exceção. Desse modo, pode-se indagar: há um atentado contra o Estado de Direito, pela direita, ou se trata da direita usando o direito democrático de forma antidemocrática?

Na verdade, como se vê, ocorrem os dois fenômenos: nega-se o Princípio Democrático residente no Estado de Direito e se utiliza – manipulando-se – o Estado de Direito de acordo com a conveniência do realismo político. Raros são os agentes do poder que ousam desafiar as ordenações fascistas da Ditadura Inconstitucional[277] – a começar das conjurações cleptocráticas do duplo-Estado[278] (Bobbio, 2015). No lugar de princípios éticos, o poder dos príncipes. Ao invés da justiça, a corrupção da coisa pública[279]. Se não há direito de contestação e de manifestação não há liberdade e, sem liberdade democrática, prospera o fascismo[280]. Esse é o barco atual, afundando rapidamente na falta de senso público.

Violência institucional – violação intrínseca e extrínseca do direito e do poder

Em que pese a análise conceitual de que devesse ocorrer separadamente no caso a caso do cotidiano, no “conjunto da obra”, por sua vez, a violência institucional é tamanha que se imiscui por todas as formas e ações antirrepublicanas. Há violações intrínsecas e extrínsecas do direito e do poder na efetivação da Ditadura Inconstitucional. O direito-poder – no abandono da justiça material – serve à simbologia do poder-direito: a soberania popular está distante do Poder Político. Na Teoria Política contemporânea (Bobbio, 2015), há um verdadeiro “Estado Paralelo” que opera em non sense (absurdo lógico), ora como anti-Estado cleptocrático (exceção mais exclusão) ora como duplo-Estado: um confessável democraticamente, outro opaco, porque é antiético. Então, em conclusão preliminar, vigia um “Estado discricionário” no reino da autocracia: as autarquias de poder não recepcionam auditorias da opinião pública. A autonomia se traveste de autoritas. No caso do golpe de 2016, não é tão linear a distinção entre violação interna e externa da Constituição Federal de 1988. Pergunta-se: vige a Constituição Federal de 1988, quando há toma lá, dá cá na política real[281] e um revisionismo sem fim no Judiciário[282] – e que deveria se avaliador da judicialização da política?

O resultado final da pena imposta pelo impeachment é novamente útil à análise. Primeiro: não se sabe se o real beneficiário será o deputado federal Eduardo Cunha – além do partido empossado. Pois, o afastamento da Presidência não veio cominado com a inabilitação para o desempenho de outras funções (art. 52 da CF/88). Nesse caso, o deputado poderia invocar o mesmo tratamento para si. Convém lembrar que as penas, em caso de perda de mandato do Legislativo, são as previstas pela chamada Lei da Ficha Limpa – e não se aplica ao deputado, por óbvio, o que reza a Constituição. Pois, a CF/88 é clara na tipificação dos agentes na cominação dos seus artigos 52 e 85. Se bem que, a essa altura, com tanta violação constitucional, nada assegura a vigência da própria Constituição Federal de 1988. Assim, a conclusão geral que se retira do golpe de 2016, no eixo da Ditadura Inconstitucional – e por demais óbvia no apreço da lógica formal – remete ao fato/fator de que realmente não havia ilícito que consubstanciasse a premissa maior da pena: crime de responsabilidade (art. 85 da CF/88). Dizendo-se de outro modo: absolver no menor ou no conjugado (inabilitação: art. 52, § único da CF/88) infere que a premissa maior não é válida: se não é inabilitado para as outras “funções” públicas derivadas, porque houve afastamento do “cargo” de maior poder? Enfim, não tem lógica. Nesse ponto, chega-se a outra conclusão, essa sim, lógica: a Ditadura Inconstitucional não obedece à lógica aristotélica e nem segue parâmetros democráticos.

Em segundo lugar, outra conclusão derivada implica em que não há Ciência Jurídica, apenas axiologia do poder, porque não se estabelece a lógica jurídica onde impera a imposição/conclusão impressa pelo realismo político. Não há iuris prudentia sem direito justo, pois o formalismo é o de menos, sobretudo, quando o conteúdo não é visível e “prudente”. É justo o direito que é prudente. Ainda que o direito seja fiel à violência que o gera (Benjamin, 2013) e à propriedade, há que se ponderar “a regra da bilateralidade da norma jurídica” (Malberg, 2001) – como defeso contra os abusos de poder e de autoridade – além da “função social da propriedade”: como ícone da Justiça Social albergada na CF/88. Mas, isso conviria ao Princípio Democrático – como princípio ético – e não à Ditadura Inconstitucional. Nesse “novo” domínio, quanto aos poderes em excesso, deve-se observar o entrechoque das instituições.

Como na história da política nacional – recheada de fatos/fatores patrimonialistas (começando pela misoginia[283]) – não há santo sem trave nos olhos, as críticas remetem às vaidades que não ultrapassam os interesses ocultos, não se sustentam na rotina burocrática. Equivale a dizer que, dentre os fatores extrínsecos ao poder, há uma vaidade de nomes citados com justa causa[284]; enquanto, de outro modo, como fator intrínseco, a paralisia institucional socorre ou cumpre a missão da seletividade política. Em tudo, enfim, o mundo jurídico é indiferente e inerte diante do realismo político.


PARTE IX

FORÇA DE LEI

O ativismo judicial na Ditadura Inconstitucional

Por “força de lei” entende-se o pressuposto de que a lei tenha força suficiente (coerção) para se impor – como ordenamento jurídico – e assim levar a uma obediência mais ou menos padronizada dos indivíduos (Derrida, 2010). De acordo com esse modelo, a normatização (norma jurídica) leva à normalização das ações: regras sociais. O princípio erga omnes (contra todos) – decorrente da coerção aposta ao direito e às leis – deveria gerar comportamentos ou puni-los, se e quando estivessem em desacordo com a regra geral. Em conclusão inicial, pode-se dizer que o direito e a lei são indutores de cultura, pois a coerção da “força de lei” é a gestora das ações humanas. A “força de lei” constitui-se como “dever justo” que pressupõe a mínima aprovação da lei, do contrato, dos dogmas e das regras estabelecidas. Ao contrário da concepção de que os fatos sociais implicam em valoração (assertiva, como moral, ou punitiva como regra) e, por fim, em normas a serem seguidas: Fato – Valor – Norma (Reale, 2000).

Tal sentido majoritário com que se aborda a “força de lei” talvez esteja mais bem expresso na construção to enforce the law: como um direito que expressa uma força que vem de dentro, como força autorizada, justificada. Não é uma força ou possibilidade secundária ou suplementar. A partir de Kant, é a força essencial aplicada à justiça enquanto direito[285]. Não há direito que não implique enforced, aplicado à força. No entanto, se o objeto do direito é a justiça – como direito justo –, trata-se de um constrangimento externo que possa se conciliar com a liberdade de cada um. Nesse caso, o que diferencia a “força de lei” da injustiça? Qual força seria legítima e qual violência seria injusta? Qual força não será violenta? Qual a base de uma força justa?

Derrida (2010) parte de Gewalt (força), como em Benjamin (2013), mas também de poder legítimo ou da autoridade da força pública legitimada (Staatgewalt). O poder do Estado é a autoridade justificada, num sentido próximo de Hegel (1997)[286] e de Weber (1979). Para o filósofo alemão Hegel (1997): o Estado é a razão. Logo, em nome dessa suposta Razão de Estado, “os fins justificam os meios”. Veja-se que a frase maquiavélica muito provavelmente não foi escrita por Maquiavel (1979) e ainda que muito bem possa ter sido pronunciada pelo mesmo. Em todo caso, aqui se aplica como uma luva, pois se supõe que em busca da moralidade pública possa ser desfeito o Estado Democrático de Direito em suas garantias, liberdades e direitos fundamentais. A diferença estaria no fato de que, como poder originário, sem fonte anterior de legitimação – como se fossem reais “Homens de Virtù”, fundadores de Estado (Maquiavel, 1979) – a “força de lei” empregada não seria nem legal nem ilegal. Ou seria a força da lei criadora do Estado Primordial (Deleuze, 1992)[287].

A palavra força, por si, pode conter um sentido ocultista-místico, sem regra, arbitrário, e este é o sentido mais claro que se visualiza nas ações de exceção emanadas da Ditadura Inconstitucional. Nesse caso, invoca-se a diferença, mas como “diferença de força”. Se a justiça não é, exclusivamente, direito ou lei, por sua vez, só será justiça – “por” direito ou “em” direito – se empregada a força (democrática), exatamente, quando se detém a força (autocrática). Esse é o ato que se observa quando a força está em seu primeiro instante, quando é sua primeira palavra. Se o homem é linguagem (logos), trata-se da força da própria linguagem: “dizer o direito”, antes mesmo de aplicá-lo, antes de “fazer o direito”. O direito, então, não é a “força de lei” das classes dominantes que “falam o direito” por intermédio da força de sua ideologia? Esse fundamento místico do direito (ubi societas, ibi ius) não é o agir ideológico da força que conquista[288]?

Para Derrida (2010), o momento fundacional é argumentativo (interpretativo) e baseado na crença. O direito é, então, ficção e mística; mesmo que não fosse um tipo de pensamento mágico[289]. Ainda que se invoque o “desencantamento do mundo” – como crescente racionalidade que impõe “desmagificação” (Weber, 1979) – a exceção não é decorrente do mesmo Estado Ético (a partir de 1793)? Nesse caso, o direito seria uma metáfora, uma experiência, uma travessia, uma aporia, ou a passagem da natureza à sociedade?

Pois bem, se o direito é directum (como caminho reto), não é aporia: um não-caminho. Como não é distopia: a ausência de utopia (algum lugar: u-topos). A justiça, sim, será uma aporia como apelo à justiça (Derrida, 2010, p. 30). Porque a lei aplicada ao caso concreto, subsumido, equivale ao direito respeitado; mas, não se sabe se a justiça também foi feita. Por isso, é um apelo à justiça. O direito é cálculo, mas a justiça é incalculável (e a injustiça o será ainda mais). Se o direito é sempre um endereço singular – e não se pode endereçar erroneamente – a justiça supõe a generalidade de uma regra. Pode-se seguir uma regra justa, mas – sem espírito de justiça – acabar como injusto. É o conceito de responsabilidade que regula a Justiça e a justiça dos atos daqueles que “fazem a lei”[290]. O que leva à conclusão inicial de que não faz justiça quem se entrega ao sono dogmático, porque a revolução vem do apelo à justiça, quando o direito é negado sistematicamente.

Desse modo, pode-se entender que a justiça é rebelde às regras, ao poder; enquanto o poder de Estado – a “justiça como direito”, codificada – é estatutário. A justiça requer a Epokké da regra, uma ação conservadora e, ao mesmo tempo, suspensiva da regra: reinventando-a na reafirmação nova e livre do princípio. Pela lógica, ao contrário, conclui-se que na fundação da Razão de Estado – ou do próprio Estado de Direito, como “justiça no direito” – o problema da justiça se colocará violentamente resolvido: dissimulado, enterrado, recalcado. O direito, especialmente sob o cálculo (dosimetria da pena, por exemplo), atuará como exceção à justiça (Derrida, 2010, p. 41-44). A ideia (ou ideal) de justiça, portanto, sempre será infinita; porque é irredutível e devida ao Outro – deriva do Outro, é vinda (subsumida) do Outro antes de qualquer contrato ou dogmatismo. E o Outro, por óbvio, é uma singularidade irredutível à generalidade subsumível.

A justiça é, assim, irredutível em seu caráter afirmativo; o problema da “ideia de justiça” é (de)marcar em alguns apenas um ideal de direito: miríade, mera ficção. Ou seja, a ideia de justiça – desejo de justiça e não senso de dominação legal/racional – não corresponde ao conteúdo de uma promessa messiânica. No entanto, parece que se esquece de que “a verdade supõe a justiça”. Sem o porvir – o futuro do Outro que vem – não há justiça. Sem o porvir do Outro, o direito é injusto. E, por isso, é que se vê a condição da história se reapresentar como experiência da arbitrariedade ou da alteridade absoluta. No primeiro caso, predominam os recolhos da história dos dominantes (Benjamin, 1987); em outro, predomina o Iluminismo: “há um excesso de justiça sobre o direito” (Derrida, 2010, p. 54- 56).

No fascismo, no Estado de Exceção, na Ditadura Inconstitucional ou no Golpe de Estado vigora o Império da Força da lei dos Mais Fortes. Também por isso o direito acaba mais importante (como cálculo, dosimetria de poder) do que a justiça. No Iluminismo que anima o Direito Ocidental, ao contrário, a luta política pelo direito impõe a reinvenção dos pressupostos (calculáveis) do direito. Essa luta pelo direito – do Outro – por sua vez, é uma luta por entre as classes: o melhor exemplo talvez seja a conquista do Direito à Autodeterminação dos Povos (a fim de que os outros não sejam os mesmos). Na ditadura legalizada e tal qual no Estado de Sítio nazista, ocorre a aniquilação do direito e não da justiça; porque esta teima em sobreviver como ideal[291]. A exceção superveniente é, então, demoniacamente ambígua: a violência fundadora (na tomada de poder e na produção do “novo” direito de exceção) em luta contra a violência conservadora: no caso, contras as forças democráticas.

Quando se observa a partir de Benjamin (2013), o direito é recortado por duas formas de violência: Gewalt é violência e “força de lei”. O que, de certo modo, dá no mesmo, pois a lei sem força (violência) não é nada: uma arma sem munição. Portanto, a violência pertence à ordem simbólica (e fática) do direito. Não se questionam os fins. Não se pergunta – no âmbito da Razão de Estado tomada em Golpe de Estado – se os meios da violência são justos ou não. Porque a regra da violência não faz essa distinção. Nesse sentido, desde Rousseau (1987), não há que se perguntar se o interesse do direito (natural ou positivo) é o da preservação da ordem e do progresso do capital? Nesse curso, a violência não é externa (como fato social), uma vez que está no âmago da sociedade capitalista. Fenômeno, aliás, que se observa na dinâmica histórica do medo estatal diante do Poder Constituinte (Negri, 2002), posto que contém a violência intrínseca do direito ao direito (Bobbio, 1992). E, sobretudo, porque poderia ser um acerto de contas contra os restolhos da história: o direito à violência (sedição) contra o antidireito do capital hegemônico. Afinal, a inauguração do poder (violência) é a mesma do direito (Derrida, 2010, p. 83).

Outrossim, chega-se ao ponto da exceção que seria, posteriormente, retomada por Agamben (2004): Epokké. A “suspensão do direito”[292] é o antidireito que cria um “novo” direito: sendo de exceção[293] ou não. O Poder Constituinte tanto pode derivar a CF/88 quanto (pela tomada de poder) a Ditadura Inconstitucional. Nesse caso, tratar-se-ia do encontro com Kafka (2002) e as fantasmagorias do poder. Hoje, bastaria um vírus letal à saúde da sociedade informacional, uma superbactéria ou (no Brasil, de 2016) uma hermenêutica inconstitucional: “introduzir o equivalente da Aids nos órgãos de transmissão, no Gespräch hermenêutico” (Derrida, 2010, p. 88). Como há algo de podre no Reino da Dinamarca (Shakespeare, 2004), há algo de podre no reino do âmago do direito (Benjamin, 2013). Por isso, na exceção, a violência civil/militar conserva (ou interpreta em “novidades”) o direito posto.

Derrida (2010), por fim, não se atenta para duas questões centrais: o recorte ideológico de Benjamin (2013) que o leva à esquerda do poder instituído; a forma-Estado de Sítio (nem mesmo a Guerra da Argélia). A crítica do/ao direito como ficção (violência e coerção) é, pois, histórica: exceção ou emancipação? De outro modo, pode-se dizer que o combate à corrupção da coisa pública, pela exceção, não trará emancipação (porque há perda dos sentidos da justiça). No direito, os fins não justificam os meios; mas, ao contrário, os meios condicionam os fins. A não observância dessa “regra de ouro”, “o espírito das leis” corresponderia ao “espírito da ditadura”. O alegado “conjunto da obra” (tipificação ditatorial de “crime político”), como generalidade em face da tipicidade (inexistente), é o exemplo mais notório da Ditadura Inconstitucional. Sem o cordis (o Outro), o direito como violência sempre reinará enquanto houver uma relação meio-fim (do direito) para o poder.

Ao contrário do senso comum (direito = coerção), somente há o indecidível ditatorial se a justiça não excede o direito. Na justiça democrática, os fins estariam para os meios: mediação, arbitragem, conciliação; prevenção, precaução (art. 225 da CF/88), prudência (ius prudentia). Fora desse contexto há o reino da mística: o Destino Manifesto que comanda a autoridade (sem auditoria) e o direito-força. Como se sabe, autonomia sem auditoria é autocracia. Por seu turno – ou como contraprova da autocracia – a manifestação mítica do poder (salvacionista e, portanto, não-mística) é expedida por supostos “homens de virtù”: (re)fundadores da República criam um “novo” direito eivado de privilégios (privi legem) e não respeitoso das prerrogativas do contraditório social: direitos fundamentais sociais. No que também corresponde a uma parte da “dialética de altos e baixos” (Benjamin, 2013): soberana é a violência capaz de parir o direito; como a exceção é o direito à violência do soberano (Schmitt, 2006). Em 2016, entrou-se nessa encruzilhada: o ativismo judicial quer (re)fundar a República, alegando a vigência de “tempos excepcionais”.

O ativismo judicial como forma da exceção no Estado Ético

O assim chamado ativismo judicial é uma deturpação do positivismo jurídico, porque sequer segue as regras do Estado de Direito. Como reflexo de um pragmatismo jurídico, obedece aos impulsos escalonados pelo realismo político predominante, mandatário, oligárquico, classista, racista, misógino. Além de ilegais, as ações do ativismo judicial têm se mostrado abusivas e próprias de regimes de Exceção, como as táticas mais usuais praticadas na Ditadura Inconstitucional brasileira. Atualmente, o ativismo judicial segue caminhos tortuosos que se encontram lá pelo fim do Direito Ocidental:

  1. Não há controle jurídico, constitucional, sobre os abusos do Poder Judiciário.

  2. O mesmo Judiciário não encontra limitações na lei porque age de acordo com certa opinião pública e aos moldes do realismo político.

  3. A realidade política, então, impõe que se escolha um lado; pois, o direito, na Ditadura Inconstitucional, é partidário: atua a “força de lei eleitoral”[294].

  4. Fragmentos político-partidários “aparelham” os já aparelhados “aparelhos repressivos de Estado”[295].

  5. Contra os inimigos de Estado, o direito ganha o vigor de manu militari: o direito vira truculência militar[296].

  6. Essa opinião pública encontra ressonância tanto no senso comum (classe média e lumpemproletariado) quanto nas oligarquias e frações de classe que sempre dominaram o país.

  7. As mesmas frações de classe que monopolizam o Legislativo – em bancadas variadas, tipo: Bala, Bíblia, Boi (e Bancos) – endossam os abusos porque lhes preserva o poder secular.

Muitas vezes, o ativismo judicial de exceção age por meios sádicos[297], voltando-se contra “inimigos” e não réus, no sentido jurídico. Ironicamente, o próprio sadismo se comprova com a revogação de algumas ações inicialmente perpetradas[298]. Fato/fator que, por sua vez, comprova a desproporcionalidade dos meios de exceção[299]. Esse descaminho, na declaração do jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ocorre a partir de um caso concreto – mas que se aplica a qualquer um: “caso ele seja condenado sem provas ou sem garantias fundamentais, será uma medida de exceção e não uma medida de Direito do Judiciário” (grifo nosso)[300]. Os mecanismos de exceção seriam autorizados pelo mesmo Judiciário que jurou, antes de sua posse, defender a Constituição e o Estado de Direito.

Os desembargadores da corte afirmam que as situações da “lava jato” escapam ao regramento genérico. Além disso, "uma ameaça permanente à continuidade das investigações" justificaria tratamento excepcional em normas como o sigilo das comunicações telefônicas (grifo nosso)[301].

De uma só vez, 25 advogados foram grampeados pelo fato de representarem um cliente que não corresponde mais aos interesses dos Grupos Hegemônicos de Poder[302]. O mal-estar da civilização que desmorona, na imposição dos meios da força de lei excepcional, começa com a revogação do Direito Ocidental – o que, de quebra, ilustra bem um direito que não é ciência, mas mera disciplina axiológica – e conclui sua tarefa com a prática do sadismo judicial. Porém, nominado sutilmente de “constrangimento”[303]. A verdade é que, muito pior do que a corrupção do erário é a corrosão do direito; desse modo, o combate à corrupção da coisa pública não pode ocorrer com a corrupção da justiça e do Estado de Direito[304]. Só na exceção a “força de lei” é desproporcional e desumana[305].

A tergiversação do poder na Ditadura Inconstitucional

Na conta final da trama que leva ao poder – mas que não eleva em nada a política, pelo contrário – está a certeza de que não se faz justiça com menos direitos. Entretanto, como se sabe, em todas as guerras os culpados são os vencidos. O realismo político que cria fatos como Golpes de Estado – e mais graves ainda quando ocorrem no momento seguinte à tomada de poder: dita governabilidade – não pode servir de álibi ao Judiciário para ser complacente com os erros de um enquanto é severo inquisidor de outro. O tratamento não pode ser de outro modo, a não ser isonômico. Principalmente se foram almas gêmeas de poder, até os instantes finais da quebra institucional que levou um ao poder, tão logo o outro fosse defenestrado. Apenas fora da isonomia (exceção) é que se preserva àquele que saiu do poder toda a “força de lei” (violência); enquanto, ao que ocupou seu trono, lhe fosse servido um “juízo atenuatório”. Portanto, para quem foi removido do poder resta só o prejuízo da pena, decorrente do pré-juízo do poder ocupante do cargo. Tal qual na guerra, o culpado é quem foi vencido e a este cabe pagar a custa processual do poder de exceção.

Quer dizer, o Golpe de Estado passa a ser atenuante para se garantir a governabilidade de quem se apossou do poder[306]. Faz-se um golpe, depõe-se o desafeto e minutos depois se invoca o beneplácito do Judiciário para não ser punido pelo crime cometido. Afinal, é preciso garantir a governabilidade. Nesse caso, pode-se matar o vizinho – sob a alegação que matou sua esposa – invadir a casa, tomar os filhos vivos como reféns, fazer da mulher dele a sua e, ao final, alegar que dali não poderia ser removido porque, a partir de então, sou protetor daquele lar?

De fato, teria êxito no pedido se invocasse o direito junto ao Tribunal de Exceção[307]. Porque, naquele ambiente, a regra é praticar a exceção: agir de acordo com os meios de exceção disponíveis; julgar com a exclusão das provas; suspender o direito como regra; punir sempre, com exceção dos amigos. Isso é, trata-se de Tribunal de Exceção – e não de decisão monocrática – porque, por 13 votos a um, decidiu-se que a exceção é superveniente à regra. Descontando-se a regra do Golpe de Estado, que impõe a exceção como medida salutar aos seus tribunais. E esse é o tropeço da democracia.

Tropeção na democracia

Tropeça-se na democracia, no dizer do Ministro do STF que conduziu o impeachment: “Mas encerra exatamente um ciclo, daqueles aos quais eu me referia, a cada 25, 30 anos no Brasil, nós temos um tropeço na nossa democracia. É lamentável”[308]. Dizia-se que, quando alguém tropeçava num evento singular é porque tinha achado aquilo por sorte. Primeiro que não tivemos sorte alguma, muita luta foi desferida para se chegar a um ponto histórico democrático. Em segundo lugar, nessa fase atual, obviamente, não houve tropeço democrático – porque não há democracia – e sim golpe institucional provocador das sequelas próprias de uma ditadura. A diferença, então, da fala do ministro até o realismo político, é que se houve tropeço em 1988, em algo que parecia ser o anúncio de uma democracia, hoje se caiu de cara no chão da realidade política. Isso é fato, está-se jogado de cabeça na Ditadura Inconstitucional. Nesse conjunto político-jurídico – além do desmonte do Político –, o próprio juiz da ação diz que aqui se prende até que se consiga reunir provas[309].

O Político se desfaz – em outro exemplo de que o fascismo é o moto-contínuo da ditadura legalizada – quando um policial comum de patrulhamento de ruas comemora, largamente, a anulação das condenações dos responsáveis pelas mortes de mais de 500 presos, em 1992, no complexo prisional do Carandiru[310]. O Político também se desfaz quando os direitos fundamentais sociais são aniquilados por meio de emendas constitucionais, sendo abertamente inconstitucionais diante das cláusulas pétreas. No mesmo curso que se anula a eficácia do Estado Laico. Contudo, o fim do Político prospera – acima de tudo – quando no rol da “cultura da torpeza”, fascista “por si”, prospera o que Hannah Arendt, judia proscrita pelos nazistas, chamou de Banalização do Mal no julgamento de Eichman, em Jerusalém: “confluência da destruição democrática com a burocratização da vida pública” (Arendt, 1999). Essa somatória de burocratização do espaço público sem que haja senso ético de responsabilidade deve ser acrescida do impulso à corrupção e da rotinização da exceptio em seu combate. Não só dentro do Estado ou contra o Estado, mas no cotidiano dominado por práticas fascistas.

Honestidade é virtude, honraria que se compra ou vende em igrejas, famílias sacras, centros conservadores de honrarias e demais confrarias. Por obra bem azeitada de ajuste ideológico (mentiroso, neste caso) à “cultura de torpeza”, esquece-se da trivialidade: ser honesto é obrigação. Portanto, dar um fim à democracia de 1988 e à Constituição que ali nasceu é algo natural, esperado no interior da cultura que é fascista em cada expressão popular ou na violência institucional. Não há mistério.

Que outros operadores do direito ajam em descompromisso com o Estado de Direito, não é de se estranhar, pois são formatados pela máquina que gere os aparelhos repressivos do Estado. O que talvez assuste é a velocidade com que se desmancha (no ar) o bom senso, a exemplo de advogados que festejam a deposição do Princípio do Contraditório. Para esses, a defesa do não-contraditório significa que eles não têm um papel necessário, porque não são “precisos” (no duplo sentido) na defesa de direitos já inexistentes. Essa eterna confusão entre o patrimônio público e os interesses corporativistas visa somente à perpetuação da classe dominante no poder.

Na Alemanha, em 1794, publicou-se o código Allgemeines Landrecht für die Preussischen Staaten que, pela primeira vez, estabeleceria a Regra da Bilateralidade Jurídica com a lei obrigando também aquele que a promulgou e é o que se entende por Estado de Direito. Todavia, sob a ditadura legal, é urgente que se faça um recorte com o cesarismo (Gramsci, 2000), em que o embate de classes (regressivo em direitos) associa o combate à corrupção com a Razão de Estado e, assim, justifica-se o enraizamento do Estado de Exceção. Com isso, dentro e fora do poder público, a exceção é tida como mal necessário ou, o que é pior, como algo natural em um país subdesenvolvido.

Em situação paralela, mas análoga, o próprio juiz da ação alega a ocorrência de “tempos excepcionais” para subscrever o uso de medidas ainda mais excepcionais. Como se a corrupção da coisa pública viesse como justificativa da exceptio que controla a ditadura legalizada[311].

Novos césares da Ditadura Inconstitucional

O que não se leva em conta é que césares tiveram argumentos e/ou fundamentos diversos para, enfim, fazerem uso dos mesmos mecanismos de anulação do Princípio Democrático que deve reger o Direito Ocidental, e não acidentalmente inscrito nas formas do Estado de Direito. Por sua vez, alternativas ao “nome/conceito” de Estado de Exceção seriam buscadas no Poder Judiciário sob o codinome de espetacularização das operações policiais/judiciais[312]. Nesse sentido, a lide judicial (feminino) também se evidencia como perspectiva atribuída “ao lide” (masculino) político-institucional. Destacando-se “o que” e “como se faz”: “o que se faz” implica no “para que” assim se fez. No plano ideal da justiça, o “para que” implicaria no agir em prol da República, em ações nitidamente distintas da conotação partidária. No plano real, “o que se faz” é prender, para depois investigar e obter provas (quando possível). Desse modo, o “para que” – e na lógica jurídica mediana seria o combate à corrupção institucional – muda de escrutínio e se revela político-partidário. O “como se faz”, em parte já predito, também altera-se diante de “tempos sombrios” ou “tempos excepcionais” – em tese segue a mesma noção – agora “como” justificativa para o uso/abusivo de meios excepcionais de poder. No sentido político-jurídico, naturaliza-se o Estado de Exceção como recurso inevitável para se debelar a corrupção da coisa pública. Assim, a própria República é confundida com a Razão de Estado e a democracia é suspensa para que o poder se normalize. Na regra da exceção, os amigos são premiados e os inimigos, punidos[313].

O poder a ser normalizado, por óbvio, é aquele que se instituiu como expressão do Poder Político ou a ele equiparado. Nessa denominação institucional, o Estado se fez Razão de Estado e, desse modo, transmutou-se o fim (quer seja o Poder Político, quer seja o Estado de Direito) em sua própria justificação (o meio). Ou seja, Poder Político e Razão de Estado passam a ser sinônimos (mais do que equivalentes). Numa conclusão temporária, o Político é sacrificado em prol da Razão de Estado: o poder que se ocupa do Estado. Daí que o Direito Ocidental – conjunto e fundamento formado por democracia, cidadania e direitos civis, Justiça Social e direitos fundamentais sociais, República e Estado de Direito, liberdade e igualdade (ainda que na base da isonomia) – é sacrificado para que o poder investido (por impeachment) seja ainda mais naturalmente aceito como a razão que se constrói em “tempos excepcionais”.

Na mesma contramão da criminalização da democracia que instigou um Judiciário autônomo e uma imprensa livre – como mínimo denominador comum da República liberal – membros ativos do poder julgador atacam a liberdade de informação quando seus votos são contrariados[314]. No cenário institucional, para se ter uma amostra da dimensão da incorreção política, é oportuno observar que – enquanto o presidente do Senado Federal passa por investigação junto ao STF[315] – o Poder Político nomeia como ministro um agente político que já é réu na Corte Suprema[316]. Como suporte propriamente repressivo, a Ditadura Inconstitucional assegura suas conquistas e a tomada do poder com o uso sistemático e seletivo dos aparelhos repressivos de Estado, determinando previamente quem são os “inimigos” políticos[317].

Mas, como definir sua natureza jurídica?

A natureza jurídica da Ditadura Inconstitucional sinaliza para a ditadura legalizada, não-convencional, e que faz uso de determinada hermenêutica antidemocrática ou, em concomitância, aprimora-se por meio de uma mutação constitucional regressiva e violadora do Estado Democrático de Direito. Trata-se de ditadura não-convencional, por vezes difícil de ser detectada aos olhos leigos, porque não há decretação de Estado de Sítio ou de golpes militares – sem emprego de manu militari – e porque se baseia, sobretudo, na “força de lei” de que fala Derrida (2010). Como experimento aprimorado de experiências em Honduras (2009) e no Paraguai (2012), torna-se inconstitucional, por sua vez, quando emprega o ordenamento jurídico – ou uma interpretação a contrário sensu do Princípio Democrático – para esquadrinhar restritivamente, regressivamente, o que se promulgou na Constituição Federal de 1988. De modo simples, se a CF/88 ainda está em vigor, e se o Texto Constitucional consagrou o direito democrático, qualquer interpretação restritiva, antidemocrática, da Carta Magna é, obviamente, inconstitucional.

Juridicamente, a Ditadura Inconstitucional mantém interpretação excessiva das regras que, outrora, definiam a prisão após a conclusão do processo – como, de resto, prescreve a Constituição Federal de 1988: outra vez, a justiça distributiva se torna exceção e a prisão a regra[318]. Em um exemplo concreto, por decisão do Supremo Tribunal Federal, o próprio direito passará a ser negado; pois, os condenados em segunda instância serão presos, sem necessidade do trânsito em julgado – conforme previsto no inciso LVII do art. 5º da CF/88[319] e de acordo com a jurisprudência do mesmo STF, desde 2009. Desse modo, o cidadão comum poderá ser preso enquanto recorre da condenação. Na prática, as garantias de sua liberdade foram subtraídas e, assim, o direito que previa sua inocência até que se provasse o contrário já não existe mais. Em meio à tempestade que acusa o impeachment de quebra institucional, o que garante que essa decisão do STF não tem cunho político-partidário, isto é, prender e impedir que determinado indivíduo seja candidato em 2018?

O que não se diz ao cidadão mediano, submetido às leis e interpretações cada vez mais restritivas do direito, é que hoje se liquidou com o <direito do preso>; mas, amanhã serão os direitos civis e políticos. Sem considerar que 250 mil pessoas já estão presas sem sulgamento. Sobre isso, o STF não se pronunciou. Também há a condenação por crimes famélicos. Assim, na perversa lógica da exceção, corruptos contumazes – via de regra – só eram punidos depois dos julgamentos de segunda instância. Porque, é óbvio, sempre tiveram meios para recorrer. No “novo” modelo do STF, o preso pobre será trancafiado na segunda instância e o preso rico provavelmente só conhecerá a masmorra (e nos milagres que ocorrerem) em última instância. Pode-se dizer que o modelo de 2009 beneficiava os ricos – que podiam pagar para recorrer – porém, o mais novo prejudica a todos. Para os contumazes violadores da “força de lei”, sempre haverá uma brecha, uma chicana ou uma “nova” interpretação benevolente dos seus direitos. Quebrar bancos, sonegar e evadir receitas, ou abrir Ofhsores, nunca foram considerados como crime graves. Espera-se, inclusive, repatriação premial dos recursos sonegados, não declarados e evadidos do país.

Para provar que essa decisão não é um caso isolado, o STF também autorizou a devassa financeira do cidadão sem expressa autorização judicial: o que representa “quebra de sigilo bancário” sem a necessária atuação de magistrados. Com tal decisão, basta o poder da Receita e outras autoridades fiscais para obter dados bancários de contribuintes sem autorização judicial[320]. O poder autorizou o poder a promover devassas na vida privada de todos. Para o poder nu, importa que "vim, vi, venci" e, assim, volta-se à Roma antiga. Por isso o Brasil é um país coordenado por exceções que se tornam regras. Outro aspecto, inerente ao soberano que se manifesta pela Razão de Estado (“salvar a república!”) implica em manejar o direito de acordo com os grupos de poder hegemônicos. Essa é a capacidade decisional do direito: homologar, legitimar, obrigar ao cumprimento das normativas ressoantes do poder constituído.

De certo modo, na prática, o Decisionismo Jurídico Cesarista se arvora como detentor do poder constituinte originário, como se este fosse o intérprete legítimo dos fundamentos do Poder Político. Assim, outra vez acaba por subsumir o Político sob os interesses do Poder Político.

A precarização do Poder Público – como alegoria de que se deve privatizar o excesso de público, ao invés de se desprivatizar esse mesmo espaço público – impõe-se como regra do capital transnacionalizado. Num efeito que talvez indique a real motivação da Ditadura Inconstitucional: a privatização de riquezas naturais[321] e de setores essenciais ao desenvolvimento nacional. Bem como quitar dívidas e/ou empréstimos contraídos juntos a organismos internacionais[322], numa operação que não finda uma vez que se arca somente com os juros e nunca se ataca o principal. Sem contar, ainda, que uma auditoria da dívida externa está absolutamente fora dos padrões da ditadura legalizada. O que poderia caracterizar sua natureza econômica.

Por sua vez, a precarização da República tem como item fundamental o fim do Estado Laico[323]. Porém, no curso da naturalização da exceção, a evangelização política e partidária cresce sob o manto de que religiosos são honestos combatentes da corrupção pública[324]. De acordo com esse crescimento infra-estrutural[325] da evangelização político-partidária não será difícil visualizar o dia em que um ministro do STF – indicado por um presidente evangelizado pelo Antigo Testamento – votará contra os “direitos das mulheres”. Essa seria a base da natureza religiosa da ditadura legalizada; por fim, esse “conjunto da obra” traria toda a “força de lei” que diferencia uma ditadura legal da nossa “atual” ditadura legalizada.

Ditadura legal ou legalizada

Cabe averiguar uma diferenciação substancial entre dois termos empregados de forma corrente: ditadura legal e ditadura legalizada. Pois, com a primeira expressão (ditadura legal), pode-se remeter à figura da ditadura constitucional e, pela segunda (ditadura legalizada), talvez esteja mais palatável ao cenário nacional do pós-2016. Por “ditadura constitucional” (Schmitt, 2006) entende-se a previsão constitucional que admite formas jurídicas típicas do Estado de Exceção. O próprio Texto Constitucional traria restrições ao livre curso democrático, como modelo típico ideal do poder de exceção: ou simples legalização do Estado de Exceção (artigos 136 e 137 da CF/88). O artigo 48 da Constituição de Weimar, sendo invocado para alavancar um poder soberano capaz de sufragar a derrota da democracia social, é o exemplo histórico e basilar.

Quanto à ditadura legalizada, observam-se as ações em desconformidade à Constituição do Estado Democrático – por ingerências do Executivo e ações promulgadoras do Legislativo. Quer se intentem interpretações restritivas do ordenamento constitucional, quer se pavimente uma mutação constitucional repressiva – como cesarismo regressivo (Gramsci, 2000) – importa que as ações de tomada do poder são, gradativa e seguramente[326] naturalizadas como formas organizadas da exceção. Além dos direitos civis serem revogados na ação político-judicial (presunção de inocência), a liberdade de comunicação e de expressão é severamente controlada: o embargo judicial do WhatsApp – especialmente porque a resposta negativa da empresa teria vindo em inglês – é uma pequena amostra de que falta um controle democrático sobre o Judiciário (auditoria); agravando-se o fato de que a autonomia se converte em autocracia político-judicial. Essa regra geral implica que a Ditadura Inconstitucional alinha-se à sociedade de controle (Deleuze, 1992). Vazamentos em segurança, de órgãos de segurança que gerem a sociedade de controle e o Jus Puniendi Global[327], ocorrem, sem dúvida; porém, são escapes ou exceções que confirmam a regra. E a regra, cinicamente, é a naturalização do Estado de Exceção.


PARTE X

FORÇA DE LEI

Modelo (a)típico (i)legal

ARTE X - FORÇA DE LEI: Modelo (a)típico (i)legal

O título deste subitem permite visualizar quatro formulações político-jurídicas que estariam na base do Estado de Direito ocidental. Partindo-se de um pressuposto de Max Weber (1979) – modelo típico ideal – há quatro derivações válidas: modelo típico legal; modelo atípico ilegal; modelo atípico legal; modelo típico ilegal.

Por modelo típico ideal entenda-se o direito, a política, as ciências, as grandes construções humanas a partir do Poder Político: centralização do Estado. Sumariamente, esquece-se das imperfeições e variações históricas e culturais; busca-se um eixo, um tipo de núcleo duro, a permanência de determinadas categorias e cânones acordados e respeitados racionalmente.

O que seria, então, o modelo típico legal que sempre esteve presente no bojo da racionalidade jurídica fundante do Estado de Direito? Pode-se pensar, inicialmente, na diretriz racional da legalidade/legitimidade. Porque se trata exatamente das tradições institucionais criadas desde o Direito Romano, e que se sedimentaram, por fim, como baluartes do Estado de Direito: o bom senso como fonte legítima do direito; separação dos poderes; o Império da Lei na forma do vigor previsível no efeito erga omnes (“contra todos”); equilíbrio e ponderação racional entre normas jurídicas e regras sociais, construindo-se uma sustentável proximidade entre cultura e direito. O que culminaria no mesmo bom senso atuante no Princípio da Razoabilidade.

Ao reverso disso, o que seria um modelo atípico ilegal? A Ditadura Inconstitucional parece ser afeita a esses critérios: é atípica se comparada a outros tipos de Golpe de Estado: quartelada, Golpes Militares, Estado de Sítio. Será tipificada, por sua vez, se observar que em sua gênese os primeiros ensaios remontam a Honduras (2009) e ao Paraguai (2012).

O modelo de Ditadura Inconstitucional será típico se vier a ser implementado, doravante, como modelo de racionalidade político-jurídica que instaure outras tomadas de poder com o indevido subterfúgio do direito democrático. O projeto-modelo do Estado de Emergência francês, igualmente de 2016, estaria por aqui.

A Ditadura Inconstitucional, portanto, é ilegal no sentido de inconstitucional, uma vez que a Constituição Federal de 1988 sofreu de uma hermenêutica exorcista de seus principais apegos e nós democráticos. Porém, além disso, como apontado, há outras duas variáveis: 1. O modelo atípico legal, por exemplo, pode ser apreciado no chamado Estado Legal e que adviria sobreposto à Revolução Francesa (Canotilho, s/d), numa tentativa de se popularizar o direito e preservar a República da embocadura do capital dominante à época; 2. Sob o efeito de um modelo típico ilegal, seguem-se os passos das ditaduras tradicionais e as demais formas de Estado de Exceção verificadas: Estado Penal, Estado de não-Direito, soberania de conquista, Jus Puniendi Global.

A ditadura constitucional, presente na Alemanha Nazista, já traz outro mix de composição, uma vez que a Constituição de Weimar (1919) resguardava em seu seio o antidireito: pronto a ser usado em defesa da democracia, mas agindo primeiramente contra ela e seus defensores. Esse modelo vigora na imensa maioria dos países que adotaram o direito constitucional ocidentalizado: vide os artigos 136 e 137 da CF/88.

Mas, será que o Estado de Direito sempre foi atípico e ilegal, sobretudo, pensando-se que serviu aos Césares e Bonapartes? Caio Júlio César utilizou-se do denominado Senatus Consultum Ultimum – decisão com “força de lei” expedida pelo antigo Senado romano – para se defender de golpes de morte e contra-atacar com contragolpes ao poder que lhe era subtraído. Daí a derivação, atualização, do termo cesarismo por Antonio Gramsci (2000).

O Golpe de Estado de 01/12/1851 levou Luís Bonaparte ao poder: na França, por longos 10 anos, atuou como Imperador. No mesmo período, outros dois autores analisaram o golpe, Proudhon e Victor Hugo: a respeito de quem formulou uma de suas principais sátiras, pois não se tratava de um herói, mas de uma farsa, como um “raio vindo do céu sem nuvens”. Assim, sob o espectro da luta de classes, Karl Marx (1978) retratou o bonapartismo como Golpe de Estado contra-revolucionário. Pode-se dizer que a Ditadura Inconstitucional, de 2016, incorpora efetivamente elementos dos quatro principais tipos e/ou modelos (a)típicos (i)legais.

Manipulações da Ditadura Inconstitucional

Na manipulação intrínseca do direito o certo se converte em duvidoso, as provas são refutadas com base em indícios, o senso comum destitui o bom senso. A posse/propriedade dos meios de manipulação do direito, agora refém do incorreto e do abusivo na permissividade da falta de razoabilidade, ganham “força de lei”.

Em nome de um humanitarismo – que é acerto de poder – o próprio direito republicano é sacrificado. Um exemplo simples está no fato de que a condenação em processo de impeachment (artigos 85 e 86 da CF/88) teve desmembramento da pena prevista. Não se conjugou o verbo todo, como demonstração de “razoabilidade jurídica” manietada por acordos de alcova (art. 52, I e II da CF/88[328]).

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (grifo nosso).

A absolvição no último quesito da mesma pena – “inabilitação do exercício de função pública” – ainda não está totalmente clara quanto aos interesses e efeitos: para salvaguardar Eduardo Cunha!? Porém, é certo como contraprova que não houve crime de responsabilidade.

A manipulação extrínseca do direito se refere ao fato de que o mesmo processo de impedimento não reuniu elementos materiais – autoria e dolo – que fundamentassem o esmero do rito processual desprovido de legitimidade. Por isso, senadores que votaram “sim” ao golpe, em declarações públicas posteriores, admitiram não haver crime de responsabilidade e que assim agiram em razão de uma suposta “governabilidade”.

Mais uma evidência clara de que o processo jurídico-político (no “dever-ser”) foi convertido em mero procedimento político-jurídico: no “ser-aí” do realismo político. A natureza jurídica do processo (crime de responsabilidade) foi desprezada em virtude da razão política que esteve na base da tomada de poder. Isso é, se não há objeto jurídico perfeito, de nada valem os prestimosos formalismos jurídicos.

A manipulação intrínseca do poder pode ser vista na “nova” configuração – em verdade intempestiva – dos denominados Grupos Hegemônicos de Poder. Vemos a conjuração de forças entre partidos tradicionais (PSDB, DEM) e bancadas reacionárias e atuantes na exclusão da laicidade do Poder Político. O resultado é a tomada de poder pelo PMDB que nunca empossou um Presidente da República, efetivamente eleito em sufrágio universal.

A manipulação extrínseca do poder também pode ser denominada de cultura de exceção protofascista; pois, em adesão massiva (seguindo-se o “efeito manada” apresentado no Congresso Nacional) e em nome de um justiciamento secular, o povo admite abertamente o sacrifício do Estado de Direito Democrático.

O resultado dessa somatória espúria de direito e poder – como direito-poder – é a Ditadura Inconstitucional que serve aos grupos hegemônicos do capital: ruralistas, rentistas, grande empresariado, financistas e banqueiros.

Em detrimento, sucumbe o poder direito, a aliança entre o jurídico e a democracia, a proximidade entre cultura e direito. Ao se desfazer o bom senso como fonte do direito, acomoda-se o senso comum como eco jurídico provindo da voz rouca das ruas.

O Cavalo de Troia da Ditadura Inconstitucional

Muitas são as alterações ocorridas no país, desde a década de 1980, a começar da Constituição Cidadã de 1988 – que, para muitos, nunca fora realista, mas somente lendária – e da década seguinte – também conhecida como a “década perdida”, e se a Constituição Federal de 1988 logo mergulhou nos anos de 1990, talvez esteja aí a razão de nunca ter sido posta em prática.

Por sua vez, a suposição leva a dois caminhos: efetivar a Constituição Lendária ou desconstruir a Constituição sob os moldes de um poder, este sim, muito realista. É óbvio que essas opções não são individuais. Muito menos suas críticas. São escolhas coletivas e políticas; quer dizer que os rumos políticos adotados no país podem cumprir/construir mais direitos (Art. 5º, LXXVIII, § 2º da CF/88)[329] ou refutar os que existem.

Portanto, trata-se de escolhas políticas regressivas ou emancipatórias – vale dizer, civilizatórias. No atual momento, nossas inclinações são regressivas e repressivas. (Nossa realidade lembra um romance surreal bem conhecido nos cursos de direito).

Apenas como exemplo, houve um tempo em que só se admitiam provas lícitas e legítimas. Hoje, acolhem-se provas já refutadas pelo mesmo órgão acusador. Além disso, o acusado tem de provar sua inocência. A história se baseia no fato de que uma prova recusada serviu de base para firmar outra comprovação. Essa segunda acusação de crimes, os mais graves crimes contra a coisa pública, tiveram sua denúncia acolhida.

Faz-se, então, um paralelo com o cotidiano: analogia. Imagina-se, insolitamente, que qualquer um faça uma denúncia contra um vizinho que, supostamente – até que se prove a culpa –, é um abusador dos direitos alheios. Um abusador de crianças, por exemplo. Chama-se a polícia, grita-se no portão, reúnem-se testemunhos que “comprovam alguma coisa insólita” e muitos “ouvi dizer”. Com a chegada da polícia, o sujeito abusador (já bem condenado pela opinião pública circunvizinha) é levado “coercitivamente” para depor: prestar esclarecimentos.

Num segundo momento, o vizinho é acusado por outra testemunha que lhe é desafeta. Na verdade, alguém que o detesta. Por motivações meio insólitas, o próprio delegado que ouviu o “inimigo” do abusador declara que seu depoimento é inválido. Não se sabe ao certo se o depoimento era insólito ou se as contrarrazões que decretaram sua nulidade. Também não importa muito, porque, numa terceira fase da operação, outro delegado – mas a serviço do primeiro – usa e abusa do tal depoimento insólito já invalidado.

Assim, mais uma vez, nessa denominada Operação Cavalo de Troia[330], na própria delegacia, o vizinho abusador encontra-se na alça de mira da “autoridade coatora”. Ali entrou para depor como condenado.

Em resumo, está bastante claro que não se discute aqui se o vizinho abusou ou não do direito e da criança. Até porque – fora do sítio imposto pelo Cavalo de Troia – o ocorrido nunca será apurado adequadamente, pelo fato elementar de que o cavalo tripudiou os fatos e a avaliação isenta dos mesmos.

Basta lembrar que, ainda que a avaliação pudesse ser isenta – o que, como visto, está longe disso – os fatos foram emporcalhados pelo animal que serve, mitologicamente, de duas formas:

  1. É serviçal aos propósitos do primeiro Estado de Sitio já narrado (Homero, em Ilíada).

  2. É o melhor exemplo de arapuca armada pelos que se dedicam à dissimulação da justeza dos fatos e da (in)justiça imposta a eles.

Pelo conjunto da obra, parece mesmo que a década perdida começou em 2016.

A quebra institucional do Judiciário

O Judiciário é feito de política, mas não “para a” a política – desde os gregos antigos a política é “a arte da liberdade”; sem capacidade de livre expressão (isegoria), o sujeito é “aneu logou”: um não-cidadão. Se o magistrado expressa sua opinião sobre um caso, imediatamente (por força normativa), declara-se sua suspeição. Pois, agiria com prejulgamento ou preconceito, dado que ainda não teria analisado os fatos processuais concretos. Formaria um julgamento de valor anterior ao julgamento de realidade.

O Judiciário não tem “vocação” para a política. Como dizia Max Weber (1979), “fazendo política” não se respeitará a mínima independência e imparcialidade. Pelo contrário, fazendo-se “em” política, o Judiciário se desfaz enquanto poder julgador. O Judiciário não é conhecedor do realismo político, é refém deste – ainda mais sob uma Ditadura Inconstitucional. Não tem a “virtú” necessária – como queria Maquiavel – e assim desconhece o vigor das relações políticas e a “prudência”: leão e raposa.

Hoje, o poder julgador é inerente ao processo de abdicação institucional. Isso se chama “cesarismo”, na referência de Gramsci. A ironia desse caso é que, nessa fase de “cesarismo regressivo” (retrógrado), a política se desprende da liberdade e poder anula o direito adquirido democraticamente.

O direito que resta – mais no sentido daquele que será produzido – não é julgador, mas sim inquisidor. Por isso, tem-se uma dupla sensação: suspensão do direito; prolongamento da política como “arte da guerra”. O primeiro fato seria explicado pelo Iluminismo pós-1793, mas constante desde Kant (direito = coerção). Já, o Renascimento explicaria o segundo fato/fenômeno aos magistrados. De resto, aprender-se-ia que, sobretudo na guerra, se é derrotado pela imprudência (Sun Tzu).

Pela natureza da política que se amalgama na Ditadura Inconstitucional, o próprio Judiciário conhecerá a “força de lei” que emana do poder estabelecido. Sentirá como muitos já partilham da violência diagnosticada por Benjamin: a negação fática da “ius prudentia” do Direito Ocidental. Portanto, ao se propor a “fazer política”, fora dos domínios da liberdade e da igualdade, o Judiciário desconstitui a isonomia. Por óbvio, também se conclui que, sem isonomia (repartição de poderes, sem sujeição de um pelos outros), o Judiciário não é necessário. Basta o Poder Moderador encarnado no Mito do Salvador. E sob tal proteção do Mito invocado, e com absoluto desconhecimento (no sentido de desvelamento) da política, o Poder Judiciário participa como “polo político ativo” do desfazimento do próprio Político. Nesse sentido, o pior “ativismo judicial” é aquele que confunde a política com o Poder Político e o Político com a Razão de Estado.

Ou seja, será o ativismo judicial (judicialização partidária da política) o seu próprio carrasco. Porque na base da relação “amigo inimigo” (Schmitt), o Judiciário será vitimado pela mesma política de poder absolutista que atualmente corrobora em sua produção. E, em breve também, quando não for mais necessário, ver-se-á que esse resultado será exatamente o oposto: “a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) manteve, nesta quinta-feira (22), por 13 votos a um, o arquivamento da representação contra o juiz federal Sérgio Moro interposta por 16 advogados, no mês de abril”[331].

O que é um contrassenso para a lógica do direito – a quebra institucional da isonomia – para o poder absolutista é regra de senso comum. E essa é a última lição que o Judiciário retirará do realismo político da Ditadura Inconstitucional.

Caça ao Supremo Tribunal Federal

O direito é dialético? Para muitos, o direito expressa apenas o poder de quem comanda o jogo. Tanto é assim que comandantes geram antidireito, ou seja, privilégios para si e remédios jurídicos amargos para os inimigos do poder. Em todo caso, também cabem ressalvas a esse modelo interpretativo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos; a metamorfose dos direitos individuais, desde 1215, em direitos individuais homogêneos coroando milhões de pessoas. Entretanto, nessa dinâmica “progressista” não há dialética. Mesmo que se diga que o sagrado direito à propriedade não mais se apresentou como direito fundamental depois de 1948, em nenhum documento da ONU o direito rompeu a barreira do capital, colocando-se limites.

No plano nacional aberto em 2016, violou-se irrecuperavelmente o que separava o direito ao poder a descoberto. A somatória entre Estado de Direito, Constituição e democracia não mais existe. Assim, o processo do impeachment construído sob o tema “conjunto da obra” seria suficiente para ver como o direito serve aos “donos do poder”. Porém, fatiar a pena constitucional – por ato de misericórdia, humanitarismo – foi a consagração de que é uma Constituição de Papel (Lassale, 1985). Mas, dado que o afastamento já tem o selo da Ditadura Inconstitucional, resta ver o que vem pela frente. Para os trabalhadores, menos direitos; para os corruptos, a segurança jurídica de que não serão julgados fora de seus mandatos; para o capital virão muitos patos de ouro.

E, se é certo que todo “mas” congrega um “mais”, haverá mais ameaças às instituições republicanas. A violação constitucional revela que não há abrigo para ninguém: a inamovibilidade de juízes e de ministros do STF, descontentes com o poder, já está na alça de mira. Aliás, como bem postado no plano de poder proposto, “o negociado deve se sobrepor ao legislado”. E isso não acomete apenas à classe trabalhadora; pois, na única regra incomensurável da lógica jurídica, “quem pode o mais (impeachment) pode o menos”. Por exemplo, far-se-á exegese constitucional restritiva para afastar um juiz específico[332], sem que haja excomunhão do próprio texto constitucional. Como doravante qualquer interpretação inconstitucional será admitida, a inamovibilidade poderá permanecer como decoração. Mas, sem eficácia, será indecoro.

Em verdade, assombra o mundo[333] que o legal e o legítimo são serviçais pragmáticos da pior fase fascista aposta ao Estado de Direito. Antes, o fascismo era um poder nu (Einstein, 1994), agora se cobre com pelegos: o manu militari[334] foi metamorfoseado em exorcismo inconstitucional e antidemocrático. Como o cobertor é pequeno para todos, salvo os já acobertados, os regimentos internos do Senado e da Câmara Federal provar-se-ão inúmeras vezes mais fortes do que a Constituição. Mas (mais), ainda se espera que alguém prove o “conjunto da obra” como tipo legal. Pode-se estar enganado, mas (mais) ainda não se viu nenhum “operador do antidireito” sustentar essa base legal. Afinal, entra-se com tudo na era do Exorcismo Pragmático Constitucional.

Delírios de poder

Já sacramentada a Ditadura Inconstitucional, cabe abordar algumas razões para desconstruir o projeto de criminalização proposto pelo Ministério Público Federal (MFP)[335], buscando encaminhar projeto de iniciativa popular que tipifique novas condutas delituosas e agrave as penas: encarceramento como vingança pública. Em primeiro lugar, porque se trata de mera vingança pública – atendendo o clamor público com o primitivismo penal – mas que, em verdade, camufla uma briga intestina de poder, recheada de delírios acachapantes pelo poder renhido espaço público privatizado[336]. Além do fato de que a motivação de todo o imbróglio jurídico repousa no processo de justificação inconstitucional do impedimento presidencial – este que, por sua vez, é a raiz e o plasma da Ditadura Inconstitucional que se alberga no país desde 2016. Nesse caso, não só se violaria a Constituição como haveria evidente atentado à democracia[337]. Implantou-se, sem modéstia, condições de exceção[338] em tribunal de exceção: Senado + presidência do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em segundo lugar, porque o projeto segue a tutela do Estado Penal – aquela visão de mundo pública (porque decorre do Poder Público) em que o Direito Penal é superfaturado e, em decorrência, aumenta exponencialmente o sistema punitivo e prisional. Às vezes, chega a haver um fetiche por penas, prisões, restrições de liberdade. Outras vezes sugere prognóstico de apreço pelo patológico, em que a punição exemplar (“olho por olho”) demarca traços psíquicos mais profundos. Em outros termos, nas palavras do presidente do Senado Federal, a casa legislativa encarregada de aprovar (ou não) o impeachment é apontada como hospício[339]. É evidente que o sadismo e o Terrorismo de Estado são o eixo psicológico do Estado Penal e, por isso, dever-se-ia reler Da Colônia Penal, de Franz Kafka (1993). Sadismo que se completa com a lucratividade de todo o sistema. Pois bem, quanto ao projeto em si, cabe salientar pontualmente dez deslizes próprios da Lei de Exceção – notadamente quando resguarda para si meios adicionais de poder:

  1. Maior transparência “para” o Judiciário e Ministério Público. Nada diz da transparência “do” Judiciário e do agente acusador. E esse seria o caso explícito da denominada “investigação seletiva”.

  2. Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos. Além da fixação em criar penas mais cruéis, segue-se outra vez a seletividade que cria exceções. É óbvio que o agente público é corrompido pelo capital privado. Todavia, nada se fala sobre a prisão de capitalistas, bem como não há investigação sobre o sistema financeiro (exatamente porque mexem com o capital hegemônico).

  3. Crime hediondo para corrupção de altos valores e aumento de pena. Não bastasse o fato de que os crimes hediondos são leis de exceção (são um caso à parte, extemporâneo ao próprio espírito da CF/88), não há uma linha acerca da recuperação do dinheiro desviado e de medidas civis e administrativas que teriam muito maior eficácia para a salus pública.

  4. Eficácia dos recursos no processo penal. Aqui, então, há um show para quem gosta de excepcionalidades jurídicas; pois, requer-se o trânsito em julgado quando for “caracterizado abusivo o direito de recorrer”. Nessa brilhante lição do involutivo processo civilizatório, revogaremos o direito de ampla defesa.

  5. Celeridade nas ações cíveis de improbidade administrativa. Visa estimular a “delação premiada” – agora como regra e principal mecanismo de controle social. Criar-se-ão turmas, varas e câmaras e, é claro, mais empregos e gastos públicos.

  6. Reforma do sistema de prescrição penal. Em outra modalidade de exceção, praticamente, abole o mecanismo da prescrição. É uma defesa contra a morosidade ou inércia do próprio Judiciário: aos interesses amigos pede-se “vistas do processo”, mas sem data fixada.

  7. Ajustes nas nulidades penais. É possível que aqui esteja a cereja do bolo, uma vez que não haverá nulidades nos “casos necessários”. Ótimo: quem determinará o que é necessário? Serão o agente acusador e o Judiciário, ambos lotados no lodo de legitimidade em que se afunda o imoral Estado de Necessidade Política?

  8. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2. Mais e mais tipos penais e crimes políticos. Porém, quem é mesmo que financia as campanhas eleitorais e move a pauta do Legislativo? Serão os grupos de pressão? Desses nada se fala.

  9. Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado. Não basta reter o passaporte, é preciso prender indefinidamente – ou com soltura rápida, se assim entender o juiz. Para um Estado de Exceção, um Judiciário a contento.

  10. Recuperação do lucro derivado do crime. Deve-se apoiar, em primeiro lugar, que se faça uma ampla investigação sobre a origem dos recursos enviados para o exterior. Mas isso é um mito, fantasia, ideal pequeno burguês de quem se preocupa com a saúde da República.

Razões finais: Do que foi exposto pelo MPF não há uma linha quanto às ações práticas do referido órgão no tocante às “investigações seletivas” da corrupção pública. Por que um partido político sim, e outro não? Há mais empuxo para alargar medidas investigativas sem controle democrático; afinal, quais provas seriam lícitas e quais, ilícitas? Quem define o que é democrático, republicano, necessário, saudável para a crise contundente na cultura política nacional? Onde está a criminalização do Poder Econômico que agrava a crise política e solapa a democracia? Esqueceu-se de aprisionar os donos da imprensa que selecionam, criminosamente, os casos a serem investigados? O povo certamente não reconhece os perigos constantes nas entrelinhas desse projeto abusivo de poder. Os poderes de exceção, cesaristas, já estabelecidos certamente não serão tipificados. O que só reforça ainda mais a percepção de que essa iniciativa prevê apenas outra Lei de Exceção. Por isso, como fundamento do fascismo anti-iluminista, cresce tanto no embolado cotidiano, na vida comum do homem médio, quanto na teoria e na prática jurídica uma cultura de exceção com total força político-legal.

A cultura de exceção na “força de lei”

Em síntese preliminar, o direito deposto atua como sombra, espasmo de um paciente moribundo à espera de um “novo” remédio jurídico que não lhe será ofertado da forma adequada. Ainda que seja administrado, será homeopaticamente, quando, por necessidade, deveria vir como prescrição de alopatia. Portanto, na teimosia de morrer, o próprio paciente serve de álibi aos seus algozes: “protegemos a democracia de si mesma, nem que tenhamos de acabar com ela”. Para entender essa força de lei do antidireito, ou seja, como substrato que rumina na cultura de exceção protofascista, e mais especificamente sob a Ditadura Inconstitucional, é preciso conhecer das Ciências Sociais. Tal pressuposição decorre de dois vetores: 1. No fascismo prevalece o poder-direito: Strengh, Gewalt; 2. O antidireito não se explica pelo direito-poder: O Direito que denota a intersubjetividade democrática, o reconhecimento legítimo e construído por coletivos democráticos e inclusivos. Na Ditadura Inconstitucional a força democrática da Constituição é metamorfoseada por manobras inconstitucionais (supressão do objeto) e a Força Normativa da Constituição não provém dela mesma, mas sim do poder que a manipula. Na ditadura constitucional da Modernidade Tardia (Giddens, 1991), mas tradicional, a própria Constituição contém dispositivos que a aniquilam; assim se deu com o art. 48, § 2º da Constituição de Weimar, manuseado pelo nazismo.

Na Ditadura Inconstitucional, ao largo disso (veja-se os artigos 136 e 137 da CF/88), a pior das manobras se dá na subversão de todos os postulados garantidos pelo Princípio Democrático, isso é, salva-se o conteúdo constitucional “liberto” das amarras democráticas. A Constituição sobrevive como sombra do que defendera: no fascismo que a apodera, não sobrevive a força de lei democrática. O efeito corrosivo está em que a mesma Constituição dita democrática (CF/88) possa ser interpretada antidemocraticamente: “o negociado é superior ao legislado”. Sem esquecer que a legislação infraconstitucional também se sobrepõe aos princípios constitucionais protetivos dos direitos fundamentais individuais e sociais. Mais do que uma Constituição de Papel (Lassale, 1985), a “força de lei” em vigor é antipopular; a “hermenêutica protofascista” usa, eufemisticamente, a defesa da democracia contra os interesses do povo. A soberania migra para o Poder Político (resumido em Razão de Estado) e a “governabilidade” se garante à custa da perda da soberania popular. Evidência concreta é o fato de que “operadores do antidireito” desconhecem, ignoram as próprias garantias do direito. Como não vigoram os Princípios Gerais do Direito, deturpam e atropelam o direito positivo para manter o poder entronizado; como não vigora o bom senso, basta o senso comum.

Diante da “força de lei de exceção”, alimentada pela cultura da torpeza (cultura popular de exceção e fascista), pode-se dizer que há poucos momentos em que a dialética histórica reflui; mas, no caso brasileiro, depois da “quebra institucional” de 2016, o status quo ante deveria ser celebrado, posto que retomaria o Princípio Democrático. Todavia, o desejo de se retomar a teleologia jurídica acertada na CF/88, movidos pela “esperança”, cordialidade (de cordis: em que se é inocente até prova em contrário) ou, simplesmente alienação (retirando-se a consciência) e ingenuidade política, acredita-se na perfectibilidade democrática (ex nunc). Esquecem, outrossim, da força de lei do patriarcalismo (ex tunc). Na “nova” batuta do poder, sob as vestes da racionalidade da Ditadura Inconstitucional, será lembrado como um triste fim do que foi deposto: a própria esperança na democracia. Como legado de sobrevivência (luta por conservação do poder empossado), restará o péssimo início do que está posto pela intersubjetividade fascista: <aceitação e internalização acrítica do antidireito>.


(In)Conclusão antecipando-se ao final: sem mérito no direito

Nesse país, movido pela troca de favores e pelo companheirismo (“aos inimigos a lei”) e pela cultura da corrupção (“rouba, mas faz”), é compreensível que sejam geradas tanto uma sensação de inferioridade – “a corda só arrebenta do lado mais fraco” – quanto um sentimento de revolta: diante da eterna impunidade dos abastados e apoderados do Estado. A somatória dos dois assombros culturais/ilegais metamorfoseou-se em “cultura de exceção” protofascista. A Operação Lava Jato deu estímulo a um sentimento de vingança privada e pública, o povo anseia por penas cruéis e degradantes – contra os que foram seus algozes por séculos – e o Estado responde com “populismo jurídico” e notório “primitivismo penal”. Para alguns agentes da lei, por exemplo, as provas poderiam ser obtidas por meios ilícitos, desde que a sanha popular fosse contemplada. Juridicamente, equivale a dizer que o senso comum tornou-se fonte do direito. Sem o bom senso próprio do direito justo, o senso comum é vertido em “jurisprudência”; mas, sem a prudência que a nomenclatura traz desde o Direito Romano: iuris prudentia. Como se vê, não se trata apenas de “pão e circo” (ainda que haja muito), nem de “Força e Honra” (dos gladiadores da Roma antiga); visto que se retrata a plena cultura fascista. Como antes, na gestão da cultura corrupta do coronelismo – “a lei é como uma cerca de latifúndio: se é dura, passo por baixo; se for mole, passo por cima” –, o povo, em sua ira de vingança secular, ecoa na voz rouca das ruas: “lei, ora lei”; lixe-se a lei.

Em seu desejo de vingança privada, o povo fornece munição aos grupos tomadores do poder. Tais Grupos Hegemônicos de Poder, em estridente “populismo judicial” fascista, ora violam princípios sagrados do Direito Ocidental (“não há crime sem prévia cominação legal”), ora aprovam legislação que desafia o bom senso e assim aniquilam a laicidade do Poder Público. O povo, revoltado e ansioso por ver os “peixes grandes” na cadeia, empresta, sem o saber, os motivos para que verdadeiros tubarões engulam a democracia, o direito justo, o bom senso institucional. Como a única lei dos mais fracos sempre foi o giroflex – sem lei ou presença do Estado em seu cotidiano: saúde, educação, lazer, esportes – não apreciar a necessária legalidade na Operação Lava Jato ou no processo de impeachment (em decorrência daquela), dá no mesmo. Por isso, cresce substancialmente o desapego ao Estado de Direito, à necessária legalidade do poder (“se estivesse lá, também faria”) e ressoa o descaso pela legitimidade no cotidiano sem direitos: o “conjunto da obra” agora é modelo típico (i)legal. A racionalidade jurídica não segue mais a lógica formal do Direito Ocidental.

A “nova” Revolta da Vacina, de 2016, abate, portanto, todos os remédios jurídicos. A cultura de exceção – além de instigada pela grande mídia – alimenta-se de um ódio histórico. Porém, engana-se quem vê aí o ódio da luta de classes. Há tão somente a cultura fascista que se aninha no ventre popular. O que faz o poder estabelecido é alimentar e se retroalimentar da mesma cultura que sempre granjeou as migalhas que caíam dos poleiros do poder. Não há consciência de classe. Só reverberação do “toma lá, dá cá”. A diferença é que o barulho já é ensurdecedor nas ruas, nas casas, no trabalho, nas escolas, nas igrejas, no Judiciário, nas instituições e, mais ainda, no Congresso Nacional. O fascismo, alimentado pela corrupção endêmica e pelo ódio cego, verteu-se em cultura de exceção popular. Ou, dizendo-se de outro modo, o fascismo popularizou-se por meio da cultura de exceção. Emprenhada essa, que sempre fora pela mais nítida negação do Estado de Direito Democrático. De certa forma, a ação das elites de poder gerou, por séculos, a cultura de exceção que se engole todos os dias, especialmente em 2016. Não há clarividência nisso, há história.

Mas, que também não se engane neste ponto: essa mesma ação alimentou bocas miúdas desejosas de menos probidade. O “mais-poder” de todos incrustou-se no “mais-valor” dos mesmos. E o menos valorizado como visto claramente no impedimento de 2016 – sob a batuta da Ditadura Inconstitucional – é o culto ao Direito Ocidental. Instituidores de poder, jovens e velhos, nos três poderes, agradecem, manipulam, corroem o que restava de bom senso. A partir de 2016 não mais vigora o direito justo, uma vez que não há justiça no senso comum. Na nau do poder, sem timoneiro (Kibernets), está-se à própria sorte no meio da “tempestade perfeita”. À deriva, sem vento de popa, sem a direção do Norte, sem teleologia – juridicamente só com efeitos ex tunc punitivos –, retroagem e adornam a estibordo. Por definição e retrato das escolhas e dos recolhos históricos, as saídas pela direita são fascistas e sempre se dão com menos direitos. Basicamente, porque se requer um “menos-povo”: o “mais valor” não é “republicano”, mas pertencente ao capital e às hostes do poder.

Em resumo: na democracia, ao contrário da Ditadura Inconstitucional, “há um excesso de justiça sobre o direito” (Derrida, 2010, p. 55). Na ditadura legal, o poder do Estado – leia-se Grupos Hegemônicos de Poder – se volta contra os direitos fundamentais, especialmente os sociais e trabalhistas[340]. Seu direito é a voz da exceção, saída diretamente da boca do soberano (Fest, 1976).

Entretanto, é determinante que, em sentido técnico, o sintagma “força de lei” se refira, tanto na doutrina moderna quanto na antiga, não à lei, mas àqueles decretos – que tem justamente, como se diz, força de lei – que o poder executivo pode, em alguns casos – particularmente, no estado de exceção – promulgar. O conceito de “força de lei”, enquanto termo técnico do direito, define, pois, uma separação entre a vis obligandi ou a aplicabilidade da norma e sua essência formal, pela qual decretos, disposições e medidas, que não são formalmente leis, adquirem, entretanto, sua força (Agamben, 2004, p. 60)[341].

Portanto, a diferenciação entre legalidade (“força de lei”) e legitimidade – não apenas eficácia formal da regra jurídica, mas sim efetividade social como direito justo – deve ser destacada. A voz legalizada saída da boca do soberano não é legítima, em que pese ser legalizada por institutos normativos. Pois, nenhuma lei de exceção é justa. Em síntese, a partir de 2016, a “força de lei” atua como ato reflexo do poder de exceção. Além da negação histórica e sistemática do acesso à segurança pública, ao trabalho decente, ao lazer, ao esporte e à cultura, a Ditadura Inconstitucional abala as instituições republicanas “por dentro”. Tenta-se impor a “força de lei” da exceção como forma corruptiva da moralidade pública, como duplo Estado (Bobbio, 2015), Estado Paralelo, Estado Cleptocrático, falseador da verdade mais simples que assalta a consciência do homem médio em sua vida comum[342]. No presidencialismo de coalizão (capitalismo nacional de colisão), andam articulados os três poderes; no entanto, sem o devido controle constitucional de suas funções[343].

PARA UMA INCONCLUSÃO – PORQUE A HISTÓRIA ESTÁ ABERTA

Direito-fim e direito-meio entre a democracia e o fascismo

PARAA INCONCLUSÃO – PORQUE A HISTÓRIA ESTÁ ABERTA: Direito-fim e direito-meio entre a democracia e o fascismo

O mundo todo – em consequência da globalização/mundialização – experimenta e reparte crises acentuadas: depredação dos recursos naturais e catástrofes ambientais; Terrorismo de Estado e individuais; sublevações e sedições; impossibilidade de controle social; guerra civil; miséria humana e concentração exponencial dos capitais; deslegitimação dos direitos fundamentais; guerra cibernética e dessincronia com o real. O Brasil não está imune a isso. Ao contrário, como país central ao eixo da pax americana, recebe as maiores influências da crise sistêmica que desacomoda o capital ao menos desde 2005. Atentado ontem[344], golpe militar hoje. A única coisa líquida e certa, nesses tempos, é a exceção – e que, em verdade, é a regra do capital. Por isso, a Razão de Estado se mimetizou no Livro Razão, bem como a ultima ratio revelou-se a prima ratio. Há uma consumação, um neturaliter da necessidade em Estado de Necessidade. Portanto, a "luta por conservação" (Honneth, 2003) se naturalizou como tomada de poder. E se esclareceu, depois de séculos, o que é de fato o poder ex parte principis. A diferença é que em outros lugares o povo vai às ruas contra o golpe e aqui não sabem ou nem querem saber o que fizeram. A diferença está no grau (ou underground) da bestialidade política, do cinismo comezinho e da hipocrisia jurídica[345]. Como herança de uma tipologia do Estado de Exceção – de Júlio César (1999) à Modernidade Tardia (Giddens, 1991) recuperou-se sem pudor o bonapartismo (Marx, 1978) e o cesarismo (Gramsci, 2000). Como artefato pós-moderno, a reinvenção nacional posta em ação em 2016, como Ditadura Inconstitucional, aprimorou todos os ganhos já meticulosamente articulados em torno de um Estado Racional (Weber, 1985). Como se vê, é intrincado o modelo de Ditadura Inconstitucional que, por esses tempos sombrios, tem-se manejado como condão que fere a ética, subjuga direitos e fundamentos, desobriga-se da justiça e em que, por fim, o que menos conta é a democracia e a própria República.

A Ditadura Inconstitucional não revigora a República

Em que pese a urgência de se atender aos reclamos da voz rouca das ruas para o devido combate à corrupção e, assim, atender à necessidade urgentíssima de se salvaguardar a coisa pública, é preciso ter a cautela do direito democrático como guia. A cautela do direito traz a lição, entre outras, de que não constrói a justiça pondo fim ao próprio direito que a sustentava em suas teses. Entre a democracia (direito-fim) e o fascismo (direito-meio) não pode haver escolha: “não se escolhe entre o bem e o mal”. O direito-fim é esse da justiça de que se proclama e se requer, e não o Estado como miríade do poder (direito-meio). O fim está no direito como porta-voz da Justiça Social e, por isso, o direito como fim tem encontro com a dignidade humana. O direito-meio é aquele que abusa, sem cautela alguma, dos meios para se atender a um “suposto” fim ampliado. O todo se sobrepõe às partes, sem os indesejados direitos das minorias já excluídas do poder. Em uma expressão tomada de empréstimo do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), a cautela jurídica equivale ao preceito de que, no direito, “os fins não justificam os meios; mas sim, os meios interpõem-se aos fins”. Juridicamente, a cautela obriga a que o direito não seja meio e por mais graves que sejam os problemas institucionais do poder. (Pune-se “o abuso de poder” por normativas da Carta Política e outras previsões infraconstitucionais, a exemplo da Lei de Segurança Nacional, dos regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Código de Ética da Advocacia e da Lei Orgânica da Magistratura). Observe-se que não há que se falar em República, na modernidade, sem os cuidados regulatórios do Estado de Direito. O direito-fim da justiça, portanto, deve sempre prevalecer e sujeitar o direito-meio (poder a todo custo); especialmente por meio de leis e de mecanismos de controle institucionais e populares do poder.

Dito isso, pode-se averiguar como questões políticas e jurídicas da atual conjuntura do país equivalem-se em termos de exceção. A excepcionalidade da crise atual, para os adeptos do direito-meio (poder) levaria, inconteste, à subversão do direito-fim: justiça. Porém, é óbvio que, para termos justiça, não é possível corromper o direito! A Força Tarefa da Polícia Federal, a Operação Lava Jato, os pedidos de impeachment ou de intervenção militar, a proposta do Senado Federal de um regime semipresidencialista, limitado ou representativo, as várias medidas de restrição do Estado Laico, a deslegitimação dos direitos fundamentais, o enquadramento e a criminalização dos movimentos sociais, como o grampo violador da Presidência da República são algumas pontas de lança do processo de desconstrução do direito-fim. Ou, em outros termos, todas essas ações político-judiciais, executivas e legislativas visam contornar ou desregulamentar o Estado Democrático de Direito. Para manter ou (re)tomar o poder, com uso do direito-meio, valem as regras de um jogo qualquer de vale-tudo. Cada um a seu modo, servindo a seus próprios senhores da política, declara-se guerra ao direito, propugna-se pelo direito-meio (serviçal ao poder) e se subtrai à nomologia: a razão e a ciência de ser das leis democráticas, do Princípio do Contraditório, da Justiça Social, da República, da socialização do direito. Para os operadores do poder, valem de fato as regras de um direito que se manuseia a bel prazer; notadamente ocorre a deslegitimação do Estado de Direito que se construiu epistemologicamente, na origem de seu sentido, e como fruto do debate/embate político entre as várias classes sociais nacionais. Quem não se apercebe que na Constituição esse arcabouço é gnosiológico – como matriz da validação e do reconhecimento dos institutos jurídicos – injustamente/ideologicamente, já se subtraiu à obrigação ontológica (historicamente evolutiva do processo civilizatório) e se coloca a mercê do sofisma excepcional de que, para defender a República, é preciso barrar o direito-fim (justiça) e a democracia. Para esses, o direito-meio (confundido levianamente com a Razão de Estado) pode ser invocado livremente, de forma irresponsável ao alcance do próprio Estado de Direito e que malversa o intuito alegado de se reconstruir. O direito-meio é instrumental do poder, portanto, ao passo que o direito-fim equivale à justiça popular. Nessa briga pelo poder, a voz rouca das ruas, expandida pelos escaninhos do poder, e a consideração dos juristas subsumidos pelos grupos dominantes e hegemônicos (nas suas várias frações de classe), perde totalmente a legitimidade ao confundir o “destino do país” com o direito-meio. Esse também é um dos mecanismos do fascismo e da política de resultados: o poder a todo modo é um Poder Nu, sem as vestimentas da civilidade (Einstein, 1994).

Desse modo, a obrigação, a tarefa que cabe ao jurista de bem, ao indivíduo politizado, ao homem médio em sua vida comum (não absurdamente alienado por interesses mesquinhos) é bater-se pelo direito a todo custo. Porque, se nossa encruzilhada revela que o Estado está contra a sociedade (na situação e na oposição) é preciso ver que hoje, talvez como nunca ocorrera no país, o direito é movido contra o Político, ou seja, contra todos. Triste e delicado momento esse em que, os meios do direito (poder) se colocam contra os fins da justiça. Por isso, também avança a passos largos a edificação de um Estado Policial – no dizer do jurista José Afonso da Silva (2003) –, como sustentáculo de um Estado Total, em que a sociedade é emparedada, as liberdades fundamentais violentamente negadas e seus defensores perseguidos, calados ou eliminados do Político. O período atual, ainda que se veja o desenrolar dos fatos de camarote ou como parte ativa da história nacional, é dos mais graves e ameaçadores à integridade do bom senso e à dignidade de todo o povo. É difícil dizer – pelo andar da carruagem, em que posam de justos os nobres do poder – o que virá, se o Estado Fascista ou a guerra civil como estertor da luta de classes; antes abafada pelo direito mediador, agora liberada pela política do confronto final, fatal. O fatalismo nunca foi e não é, em suma, de bom convívio.

Na Ditadura Inconstitucional, a publicidade não é um princípio absoluto!

Todo a priori técnico (recurso, meio) é a priori político, por definição, basicamente porque a mais fria das técnicas ou tecnologias acarretará resultados, ações ou reações políticas. Ao comentar o golpe descrito no 18 Brumário, Marcuse (2011, p. 15) acentua que, além do entrechoque os grupos de poder, da pressão popular progressista do proletariado, o Estado se serviu de uma latente cultura da exceção: estupidez, ganância e brutalidade no realismo político dos profissionais da política. O golpe traria como resposta não a racionalidade da esfera política (direitos políticos), mas o uso sistemático (e não apenas sistêmico) da força bruta. Portanto, na antessala, o véu ideológico caiu do rosto. E o Estado de Exceção seria extremamente cínico, sobrevoando como Fênix, do passado para o presente, qualquer galanteio democrático. Contudo, é pela esperança que o dominado possa ver, ouvir, refletir e falar (sobre sua própria dominação) que o 18 Brumário foi escrito. Pois é daí que advém o cesarismo[346]. O que ainda eleva a concepção de que a luta pela ciência e pela racionalidade democrática avessa à exceção é uma luta política e, assim, uma luta violenta: a Guerra-Fria e a corrida armamentista são bons exemplos. Em alguns casos, o tecnicismo é puramente vazio de sentido e claramente fora de lugar ou sofre de inconformidade temporal, resfolegando em pedantismo ou demonstração de uma suposta cultura letrada – e que, em regra, também não se sustenta. Veja-se o arcaísmo presente em argumentações jurídicas que se iniciam com a expressão “Ab Ovo”. Quer dizer, exatamente, “desde o ovo”, no início, inicialmente. A técnica pode ser retroativa ou propositiva; o importante é que tenha uma aliança ética. Nesse sentido, pode-se/deve-se ressaltar preliminarmente que, sob a regência do Princípio Democrático, a publicidade dos atos do poder (como técnica) são a regra e o sigilo, a exceção. Esse pressuposto se afirma desde o fim da Segunda Grande Guerra. Essa base de argumentação permite observar que o uso político de técnicas, no conjunto da guerra pelo poder, precisa ser regulado. Sobretudo quando colidentes com os princípios da razoabilidade, da precaução, da prudência e da prevenção, deve-se perseverar pela democracia.

Especificamente, as escutas judiciais, a quebra de sigilo da individualidade, a exposição midiática de algumas dessas gravações ou degravações, evidenciam a urgência em se definir os meios lícitos, a exata medida do alcance da repressão do poder na vida dos cidadãos ou nas intervenções do contrapoder. O outro lado é o da censura. Tão rigorosamente atuante nos regimes autoritários, quando é possível falar de limitação no Estado de Direito que rege a democracia? Basicamente quando protege direitos fundamentais e se a ação não fere o interesse público. Na democracia, a censura é exceção. Mas, deve existir. É o caso envolvendo pedofilia, porque exporia crianças já abusadas; com a publicidade, receberiam uma punição ainda mais severa do Poder Público. Ou, então, que retrate exclusivamente situações de menores, em ações sobre a guarda dos filhos. Além do secretismo que guarda os “segredos de Estado” (arcana imperii). Pois bem, o exercício diário, difícil e perigoso de se estabelecer limites à própria ação do Poder Público – no ambiente democrático – é notório e urgente. No que interessa ao Poder Público “vazar” uma escuta, um grampo de uma pessoa falando mal da vizinha – e mesmo que ela fosse investigada em inquérito criminal? Desse modo, para o bem da democracia e do Estado de Direito que a protege, é imperioso ter muito bem estabelecidos os interesses públicos, ao que se seguem os limites do próprio poder que se julga como seu defensor. Em suma, o Poder Público parece com aquele pescador que tem a missão de obter alimentos para sua família, mas que todo dia se equilibra numa estreitíssima canoa, pronta para jogá-lo num rio cheio de piranhas sedentas do seu sangue. A exceção, que o povo desconhece – porque o ensino de história é sucateado, como toda educação pública – é parte da receita diária do telejornal: a única fonte de informação (sic). Desinformado, não sabe que já virou suco: povo-lumpen.

O povo-lumpen – refém da malha fina do Estado de Exceção fascista – concorda em ceder a liberdade, e sem saber que a liberdade é igualmente um direito natural. Esse povo-lumpen acaba acreditando, então, que é melhor manter o emprego (incerto hoje e amanhã, quem sabe...) do que a liberdade de livre escolha: nem se lembra mais em quem votou em 2014. Como na Nicarágua – na derrota eleitoral dos sandinistas – papagueia que quer golpe: golpe já! Golpe imediato! Golpe para matar a esquerda. Com o povo-lumpen engessado na ignorância política – como se houvesse um “pensamento único” a seguir: o golpe – momento se define como golpe antijurídico, porque faz o povo-lumpen crer, indefeso ao fascismo, que é fácil abdicar dos direitos humanos fundamentais. Aos insubmissos, ameaçam os golpistas, haverá o Estado Penal e a criminalização do Político: leia-se Lei Antiterror. Certamente, poucos saberão diferenciar tal manobra, chicana jurídica, com a necessária judicialização da política.

Aliás, diante do jeitinho brasileiro, da cordialidade à custa dos outros, dessa cultura da torpeza, a judicialização da política é tarefa para outros 500 anos! (Se tiver educação de qualidade e libertária). Todavia, há outros projetos para criminalizar quem fala que o golpe é golpe. A moral religiosa, irreal, caminha para a colonização do Poder Político: a praça pública, a Ágora será ocupada de analfabetos políticos. Assim, não se vê que a Moral de um gangster, típica da N'drangueta (pior máfia italiana, aliada da CIA), dirige as entranhas burocráticas da tomada de poder. Pois bem, no golpe atual, que de atual nada tem, é o mais do mesmo, nasceu envelhecido, amarelado como o nacionalismo de Macunaíma, espumante como a ira dos fascistas. Nem sempre é fácil entender todos os recados, significados, condicionantes e resultados do movimento golpista. Porque, basicamente, mesmo juntando os cacos, não se veem muitos desses elos da política perversa. Por vezes, parece um só golpe; por outras, soa como se fossem golpes incontáveis, infinitos. Por tudo isso, e por outras, dá para dizer que houve o golpe mais sofisticado do Ocidente.

Indignação seletiva e reativa

A indignação aos atos e fatos de corrupção é seletiva e reativa, e isso quer dizer que, ao invés de propor padrões civilizatórios renovados – com mais democracia, transparência, responsabilidade e atitude de cidadania republicana: de preservação do bem público – produzem-se reações conservadoras, vingativas, retrógradas. Ao invés de apontar soluções rumo ao século XXI, buscam no passado escravista as penas adequadas: linchamentos públicos, discriminação, racismo, assassinato estrutural (programado) de jovens negros e pobres. Nessa cultura de exceção, o povo não é propositivo, mas somente reativo – e com reação descabida, comprada na liquidação de nossas almas impuras. Vamos de reativos a retroativos. Mesmo aos condenados (ou sequer investigados) não interessam as penas de repatriação do dinheiro desviado ao exterior, por exemplo. Prefere-se o alongamento das penas de prisão. A ira e o ódio – explicados como sentimentos populares diante do caos social – ocupam espaços de convivialidade nunca preenchidos pela racionalidade jurídica. Afinal, as leis de repressão aos crimes públicos foram editadas por muitos dos atuais investigados e é óbvio que não fariam leis que lhes ferissem o bolso. A honra e a reeleição podem ser compradas. O caos social, a guerra civil e a miséria humana, que só aumentam nos semáforos e embaixo das marquises geladas, também aumentam a “certeza do senso comum” de que “todos têm o que merecem”. Assim, preferem calar diante das mortes encomendadas pela polícia de resultados (de numerários) que mata “quem não se enquadra”. Quem sabe o que é Polícia Comunitária?

Negros, mulheres, idosos, deficientes físicos, jovens, indígenas e homossexuais sofrem muito mais com preconceito, discriminação e violência do que há dez anos. As explicações podem ter muitas raízes, mas uma em comum é o fato de que – embora se imponham leis de inclusão, na base das políticas afirmativas – todos estão no cenário social, disputam o mercado de trabalho e o consumo. O inimigo não é o modelo social capitalista – expropriador, concentrador de capitais –, mas as “minorias” que “retiram” vagas dos homens brancos ditos provedores. A descrença nos valores e nas práticas políticas corruptas não desmoraliza os atores do processo desviante, mas sim o próprio Político; entendido esse como o conjunto das relações humanas intencionadas politicamente e que fazem o único ser pensante do planeta: aprender a ser humano praticando a política. Porém, esquecem de tudo no fascismo diário, e disso também. O desvalor da vida comum do homem médio, demarcado pelo consumismo a todo custo, pelo “se dar bem à custa de qualquer um” – em que um relógio de camelô furtado pode saciar a abstinência do crack – não alimenta a reflexão e a negação das bases da exploração e da expropriação, da violência humana, mas tão somente faz crescer o amor ao Deus que se compra com cartão de débito. Pode-se retirar 10 bilhões de reais do orçamento da saúde; contudo, mexer em 100 milhões da Polícia Federal é crime de lesa pátria. Só os pobres indignam-se com o analfabetismo e a morte à espera de atendimento no SUS. Não há muitos juízes indignados com os milhões de brasileiros(as) que precisam de bolsa família para comprar o leite de crianças famélicas, ou com o soldo escorchante do policial e a falta de munição de sua arma, mas ameaçam o poder constituído se refluir o “auxílio paletó”.

A Katchanga da Realpolitik

O retoque final, pode-se dizer, é inspirado no Princípio da Katchanga (Real!) do jurista Lênio Streck[347] que, por sua vez, inspirou-se em Warat. Quando se tem a tese de que o princípio é absoluto e que nada prospera fora dele, sequer a explicação (leia-se: justificação lógica, coerente, necessária como o ferro que se junta à argamassa) é porque se aplicou o Princípio do não Julgamento à própria teoria dos princípios (Katchanga). Logo, pode-se não julgar Beltrano alegando-se que é preciso tempo para maturar a defesa, porque, em certa altura, a celeridade judicial iria configurar intromissão de um poder em outro. Ou, em caso reverso a esse, é preciso julgar logo, escancarar os fatos cooptados em escutas vazadas, porque a verdade é fugidia.

Com base no auscultamento dessas mesmas alcovas de poder, Fulano é proibido de ser nomeado Ministro de Estado: falta de decoro, deboche ao poder de julgar constituído, saída do leão da montanha pra não ser julgado, obstrução da justiça. Note-se, contudo, que o Fulano katchangado, mas que não caiu nas malhas da receita federal e nem sofre de ficha suja, esse poderá se candidatar à Presidência da República porque não foi barrado na Lei da Ficha Limpa. Veja-se, ainda, que no adiamento intempestivo, sem data de validade, a omissão em julgar (melhor dizendo, o não julgamento) é que impõe a referida obstrução da justiça. No entanto, nada disso importa muito, quando – por alguma razão não-vazada – não se quer julgar Beltrano. E mais ainda se o julgado de hoje, é o julgador de amanhã. Bingo! (A Katchanga é um jogo de azar). Acerta quem pensa ou diz que a injustiça é o adiamento da justiça, porque de tanto esperar não pode prosperar. O adiamento da justiça, portanto, é o necessário e obrigatório aditamento da injustiça. Como não se julga, no caso do Beltrano, não se pode absolver ou atribuir culpa e, assim, sem que a justiça ande pra frente, não se pode negar que se promove a injustiça. Qual seja: “o Princípio do não Julgamento prospera apenas para quem tem o poder de atemorizar outro poder com medidas de contra poder”. Ou, em palavras, quer dizer que quem detém o poder estabelece as regras (do jogo) de poder, na forma da lei que o ampara; bem como dita a forma de se interpretar a lei que seja mais adequada ao poder criativo e criador.

Juridicamente, quer dizer que a dogmática jurídica é feita pelo poder e não precisa se alongar em justificativas para se dobrar ao poder fabricante de leis. Também não é à toa que, na Casa de Leis, faz-se alusão ao deus filisteu. No mundo moderno é mais sofisticado, mas em terra brasilis (“lei, ora a lei”), a Katchanga transforma o Estado de Direito – o que restou dele – em acórdão e acórdão do Poder Moderador. Segundo bingo, no país a Katchanga da Realpolitik (o realismo político) que sempre foi, infinitamente, mais forte do que a dogmática jurídica da simples Katchanga Real. Alguns dizem que Beltrano pode impor a Lei da Mordaça em seu seus julgadores. Com os algozes impedidos de cantar sentenças, Beltrano sairia limpo, leve e solto. Também diz a boataria que a Teoria da Katchanga (a do realismo político) bloquearia toda e qualquer ajuda paletó que superasse os proventos definidos na Constituição Katchangada. Ou, quem sabe, os julgadores de primeiro plantão foram Katchangados em escutas peraltas e não inocentes. Em resumo, essa é a história de um país Katchangado. Por ali, seguem firmes só mesmo os escravos de Jó “que juntavam cachangá” (1-3; 40-41). No primeiro Livro de Jó (1-3), toca trabalhar; no segundo (40-41), toca-se o terror do Leviatã para quem não trabalha de acordo com o Princípio do não Julgamento. Aliás, na linha do tripalium, é curiosíssima a relação bíblica desse triunvirato: trabalho, poder, direito. A Katchanda também prospera com o PIB nacional, o executor da liberdade de comunicação.

Apócrifo de Mefisto ao Judiciário

O pior da grande mídia nacional é o fato de que segue firme como avatar da consciência "nacional-socialista" do povo, dos políticos oportunistas e por aí vai formando a (in)consciência da magistratura. Não é, portanto, só uma condição de escolaridade (“o povo pobre iludido”) ainda que também seja, é de visão de mundo entorpecida pelo oportunismo político-jurídico. Os juízes que praticam atos de exceção, assim como a totalidade de seus adeptos, deveriam ler Oração aos Moços (e moças). Aprenderiam que o direito e a justiça não estão no Olimpo da toga. O direito, nesse país, segue sendo uma profação do bom senso. O que também não assuta, uma vez que o tal bom senso (como oposto gramsciano do senso comum) não é fonte do direito. No quesito fontes do direito preferiram colocar os "costumes", os mesmos que animam a sociedade burguesa: racista, misógina, elitista. Desde os capoeiras a luta pelo direito sempre se deu nas ruas, não nos fóruns.

Neste país, sempre, a luta pelo direito foi luta política, isso é, luta de classes. O fórum sempre foi um lugar reservado aos que podem pagar pela justiça. E por isso importa perguntar: quanto custa o direito? Custa o tanto que os acordos – acordados pelo Judiciário rebaixado à exceção – pudessem abater de direitos dos mais necessitados. Hipossuficientes, dizem eles, num prolegômeno (ofensivo a Kant, certamente) para designar os miseráveis. Do mesmo tipo de hipocrisia que define os antigos mendigos como “moradores de área livre”. Javert, o encarniçado perseguidor de Victor Hugo e Balzac (1992), confirmou a hermenêutica inconstitucional que viola direitos fundamentais, mas que sacramenta a jurisprudência do direito Nacional- $ocialista. Tanto se luta para preservar o patrimônio, especialmente do Estado Patrimonial, quanto se editam antidireitos – como editos do rei – e se forçam interpretações patrimonialistas da lei. Nessa toada, miseráveis são os “operadores do direito” que, como máquinas azeitadas de capital, voltam-se à soberba, ao invés de abraçar a função social (socialista, humanizadora) do direito.

Com seus atos, editos e eitos do direito Nacional-$ocialista, fazem Rui Barbosa tremer no túmulo; tanto quanto nunca vão ler oração alguma que não seja voltada para Mefistófeles: o deus do ouro. Por isso, vale a pena ver de novo: quem já leu, releia, quem assistiu alguma versão de TV/cinema, assista de novo ao memorável “Os Miseráveis” de Victor Hugo. Despreze-se o arrependimento – se é que poderia ser real – uma vez que é uma obra do Romanstismo. Ainda que esta obra de Victor Hugo esteja cheia do “amor perfeito”, na vida real o fogo político consome os pobres de espírito. O leitor/espectador verá que há muito mais semelhança do que coincidência entre a personagem Javert e aqueles que se utilizam da caneta (Mont Blanc) como arma de longo alcance. Na literatura e na vida sem consolo, é a hisória se repetindo como farsa e tragédia, e desde muito antes de Luís Bonaparte arquitetar seus golpes. O dito de Karl Marx lembra os feitos e os eitos do direito patrimonial e da política retrógrada neste país açodado pelo Judiciário. Por fim, diga-se que a vaidade togada, (tra)vestida de poder queima, como queimam as boas intenções que habitam o inferno de Dante (1998). Há um círculo especialmente reservado para esses filhos da beca. Os mesmos que liam revistas pornográficas, n’O Processo de Kafka (1997). Esse pode ser, portanto, um apócrifo de Mefisto (Goethe, 1997) ao poder do direito nesse país mentiroso, hipócrita, criminoso. Por isso e por muito mais, a indignação que cresce nas casas e nas ruas é de extrema seletividade – alimentada é claro por uma mídia mesquinha e ardorosa de poder – e que faz virar à direita, porque as saídas propostas são de ainda maior exclusão: eliminando o resultado, busca-se esconder as causas. O fascismo é do estilo avestruz, atolado na areia movediça.

A Ditadura Inconstitucional no capitalismo varonil

As contradições do capitalismo internacional impõem-se acachapantes neste país, com extrema concentração de capitais e explosão exponencial da miséria humana e moral: fascismo. Nesse cenário, é obrigatório vergar o Princípio do Contraditório e o direito ético (no sentido do “bom combate”), a fim de agir em defesa de uma política salutar. O Político não sobrevive sem res publica, salus publica. De modo mais específico, no que se refere à luta de classes, esse apontamento de poder parece se encaixar muito bem no perfilamento da Ditadura Inconstitucional, em que a métrica do capital procura abater o Direito do Trabalho e a justiça do trabalhador[348]. Não há recursos para saúde e educação pública, o país não cresce – também porque os cortes investidos no fomento à pesquisa e à ciência são tenebrosos[349] – mas, bilhões foram (e serão) injetados em empreiteiras, construtoras, imibiliárias para garantir as Olimpíadas. Por sua vez, essa sim, será a pior pedalada fiscal da história da humanidade. Porém, como se ajusta ao capital nacional e internacional, não há que se reclamar de sua legalidade. No atual estofo jurídico, nada há de ilegal na Ditadura Inconstitucional. Portanto, o caminho que resta é o embate pela luta coletiva do direito[350] – uma luta política plural[351] em prol do politikós (Político) e que tem inspiração na luta de classes que não pode descambar em barbárie. Hoje, certamente, há dois lados no discurso, porque há guerra deflagrada entre direita e esquerda pela hegemonia do processo civilizatório. Há quem lute a favor e contra a repartição do aburguesamento do Estado de Direito. É fácil ver que, com a guerra civil deflagrada nas casas e nas ruas, não há tempo para o cidadão do sofá se resignar como idiotes: teleespectador indiferente e atento apenas ao alucinógeno efeito zapping. Afinal, não se muda de cultura e de prática política como quem troca os canais da TV. Ninguém está imune ao pior julgamento, severo, sem recurso ou apelação, que é o da história. As consciências podem ser lavadas com sabão em pedra, mas a história não sofre com ação adstringente.

Diante de tudo isso, a resistência e a mobilização são a resposta dos democratas, dos ativistas da vida digna e do direito ético; ao se baterem pela Justiça Social, incomodam os privilégios corporativos e ao capital hegemônico. Sofrem, mas resistem e não se calam. Antes, operacionalizam-se com a verdade dos fatos. Por isso, é a história quem os julga. Pois, se a luta coletiva pelo direito é emancipadora, capaz de elevar os patamares do processo civilizatório, pode-se repetir nos dias de hoje a clássica lição de Maquiavel (criador da Ciência Política): “vertú contra furore”. E que a luta se espraie bem depressa.


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Notas

1 http://aesquerdavalente.blogspot.com.br/2016/10/cristovam-buarque-admite-que-golpe.html.

2 http://paranaportal.uol.com.br/cidades/justica-determina-reintegracao-de-posse-de-25-escolas-ocupadas-em-curitiba/.

3 http://justificando.com/2016/10/27/quando-stf-elimina-direito-de-greve-de-servidores-passou-da-hora-de-repensa-lo/.

4 A razão e a ciência de ser das leis democráticas, do Princípio do Contraditório, da Justiça Social, da República, da socialização do direito.

5 Uso acelerado dos métodos político-institucionais de Caio Júlio César, na Roma antiga.

6 A gravidade é tamanha que temos de nos defender, concomitantemente, de Napoleão Bonaparte e de Luís Bonaparte. Ambos estão postados na soleira da coisa pública.

7 Além de se atribuir tal façanha a Maquiavel, querem crer que o florentino pudesse produzir um discurso antirrepublicano.

8 http://outraspalavras.net/capa/nas-guerras-de-quarta-geracao-o-inimigo-somos-nos/.

9 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/exclusivo-presidente-do-tcu-barra-pedido-de-informacao-sobre-seus-proprios-atos/.

10 Este último item foi aprofundado em tese de doutorado (Martinez, 2010).

11 Conforme artigo disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4613.

12 Trata-se de um processo histórico-jurídico que também se denomina de Estado Jurídico, conforme: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7575.

13 O Estado Democrático de Direito Social é a organização do complexo do poder em torno das instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder Constituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física (violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da Justiça Social (a igualdade real), da soberania popular e consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos (Martinez, 2013).

14 Vim vi repellere licet: “É lícito reprimir a força com a força”.

15 http://www1.folha.uol.com.br/esporte/olimpiada-no-rio/2016/08/1802200-comite-perde-recurso-e-protestos-continuam-liberados-durante-a-olimpiada.shtml.

16 “Entre as mais conhecidas e discutidas definições de Política, conta-se a de Carl Schmitt (retomada e desenvolvida por Julien Freund), segundo a qual a esfera da Política coincide com a da relação amigo-inimigo [...] Para dar maior força à sua definição, baseada numa oposição fundamental, amigo-inimigo, Schmitt a compara às definições de moral, de arte, etc, fundadas também em oposições fundamentais, como bom-mau, belo-feio, etc. [...] Logo se nota que o elemento distintivo está em que se trata de conflitos que, em última instância, só podem ser resolvidos pela força ou justificam, pelo menos, o uso da força pelos contendores para por fim à luta [...] são os conflitos em que, confrontados os contendores como inimigos, a vita mea é a mors tua” (Bobbio, 1993, p. 959-60).

17 Não há apenas diferença semântica quando empregamos o termo Grupos de Poder Hegemônico. Para facilitar a compreensão, pode-se pensar aqui no sistema político, em que se destacam as lideranças individuais e os partidos tradicionais e a serviço do grande capital: também conhecido como lobby do PIB.

18 “A origem do instituto do estado de sítio encontra-se no decreto de 8 de julho de 1791 da Assembleia Constituinte francesa, que distinguia entre état de paix, em que a autoridade militar e a autoridade civil agem cada uma em sua própria esfera: état de guerre, em que a autoridade civil deve agir em consonância com a autoridade militar; état de siège, em que ‘todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da ordem e da polícia internas passam para o comando militar, que as exerce sob sua exclusiva responsabilidade [...] Em todo caso, é importante não esquecer que o estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-revolucionária e não da tradição absolutista” (Agamben, 2004, p. 16).

19 “E mesmo onde exista um recurso legal e juízes estabelecidos, se, por uma perversão manifesta da justiça ou clara distorção das leis, sua solução é negada com a finalidade de proteger ou de garantir a violência ou o dano de alguns homens ou de um partido, é difícil imaginar outra situação além de um estado de guerra” (Locke, 1994, p. 93).

20 “Uma pessoa de cujos atos resulta uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos”(Hobbes, 1983, p. 105-6).

21 Em nosso caso, no pós-2016, sob a legalidade da Ditadura Inconstitucional, edificamos um tipo de Cesarismo de Estado, em que os três atuaram como um só para deter o Poder Político, aniquilar o Político, e que agora se engalfinham em desconfianças mútuas para saber quem será o verdadeiro César.

22 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1633608-levy-barrou-taxacao-de-grandes-fortunas-projetada-por-mantega.shtml.

23 Do que, efetivamente, resulta a violência – sendo que esta é a matriz do direito (Benjamin, 2013). O direito nascido da violência tanto se replica em violência, quanto é fato e origem de resistência. Porém, no curso atual da cultura de exceção, o direito é perpetrado puramente como violência (KRITIK, GEWALT) e não cordis: cordialidade, civilidade, solidariedade como preceitos constitucionais.

24 “Em Hegel, admirador da Revolução Francesa e de Napoleão, encontra-se a afirmação segundo a qual as grandes personalidades ‘parecem apoiar-se exclusivamente em si mesmas’, ‘parecem levar adiante uma obra que é só ‘deles’, mas, na realidade, revelam-se grandes por saberem trazer à luz ‘a verdade do seu tempo e do seu mundo” (Losurdo, 2004, p. 74).

25 Pode-se entender como estagnação, congelamento de efeitos, perda de consistência e de materialidade, substantitividade. Mas, também é conflito, revolta, guerra civil. Da colisão entre a coalização político-institucional, advém o repouso (transformado, politizado da stasis) e que se conclui na suspensão inerente ao Estado de Exceção. Stasi Também era o nome da temível polícia secreta da Alemanha Oriental.

26 Até porque o Estado não é a única forma de manifestação do poder político (Clastres, 1990) – e ainda que seja, convencionalmente, definido como tal. No mesmo sentido, vê-se que o poder (naturalizado) não é o único recurso do “mais poder” (exceção): o que devotaria o poder de exceção como praxe exclusiva do Poder Político sob os auspícios do capital. Mas, há que se contabilizar o fascismo espraiado na cultura popular.

27 http://canalcienciascriminais.com.br/pesquisa-delineia-panorama-sobre-a-cultura-do-encarceramento-no-brasil/.

28 Lembrando-se que o Estado Novo foi um regime de exceção, na forma de ditadura civil.

29 Veremos que o Estado Militar tanto se refere à ditadura militar – com nuances do fascismo – quanto foi (ou pode ser) uma realidade latino-americana.

30 De acordo com a interpretação de Agamben (2004).

31 http://gentedeopiniao.com.br/lerConteudo.php?news=114503.

32 http://jus.com.br/artigos/41268/o-impeachment-como-golpe-politico-e-constitucional.

33 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/decisionismo-juridico-cesarista/144814.

34 http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/exce%C3%A7%C3%A3o-no-estado-penal.

35 O Estado como máquina de poder deve ser especializado, contar com recursos bélicos de força tanto na aquisição, quanto na manutenção e na ampliação de suas fronteiras, posses e poderes.

36 http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2015-11-04/bancada-evangelica-aprova-pec-que-da-a-igreja-poder-de-questionar-supremo.html.

37 http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-11-08/parlamentares-lancam-ofensiva-para-impedir-stf-de-descriminalizar-drogas-no-pais.html.

38 O Ministro foi professor de Teoria Geral do Estado: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1705882-presidente-do-stf-defende-aguentar-tres-anos-sem-golpe-institucional.shtml.

39 Há um embate clássico: a Razão de Estado e a lógica do tudo pela ordem do Poder Político (summa potestas) versus a coisa pública (a res publica requer, obrigatoriamente, o potestas in populo). Estão, sim, em conflito dois princípios elementares: O Princípio do duplo grau de jurisdição, vaticinado como direito humano fundamental, e o Princípio da República, em que deve vicejar o Princípio da Verdade Real (e não processual). O embate coloca a questão de saber se a política deve ser manipulada pela lógica “amigo-inimigo”, se estão submetidos à Realpolitik (como Bismarck, na Alemanha do século XIX), se sempre irá vigorar o vale-tudo da Razão de Estado (na vontade de que quem governa). Para Bodin (2011), a soberania aparece associada à República, quer dizer, à construção da coisa pública (p. 195).

40 O filme Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down - EUA) ilustra bem a soberania de conquista a partir do emprego de Forças Militares Especiais.

41 “O fato de eles gozarem de imunidade significa que não existe sequer a possibilidade de eles temerem quaisquer consequências dos seus atos de brutalidade e assassinato’, disse Michael Ratner, presidente do Centro de Direitos Constitucionais. ‘Nada disso é por acaso; o verdadeiro objetivo deles é brutalizar e incutir o medo no povo do Iraque” (Schill, 2008, p. 25).

42 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/32026/eua+espionaram+conversas+telefonicas+de+35+lideres+mundiais+diz+documento.shtml.

43 “A esfera pública burguesa desenvolvida baseia-se na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas num público em seus duplos papéis de proprietários e de meros seres humanos [...]A fórmula básica de Locke quanto à preservation of property subsume, numa só linha e de um só fôlego, sem qualquer constrangimento, sob o título “propriedade”, life, liberty and estate: tão fácil conseguia ser, naquela época — segundo uma distinção do jovem Marx, identificável a emancipação política com a emancipação ‘humana” (Habermas, 2003, p. 74).

44 Com a expressão vita activa, pretende-se designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação [...] A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é especialmente a condição– não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam 44 – de toda vida política. Assim, o idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expressões <viver> e <estar entre os homens> (inter homines esse), ou <morrer> e <deixar de estar entre os homens> (inter homines esse desinere)” (Arendt, 1991, p. 15 – grifo nosso).

45 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2015/11/12/acao-contra-terrorismo-prende-15-com-planos-de-ataque-na-europa-diz-policia-italiana.htm.

46 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40508/mais+de+4+bilhoes+de+pessoas+no+mundo+nao+tem+acesso+a+internet.shtml.

47 http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKBN0KS16K20150119.

48 http://www.gentedeopiniao.com/noticia/adoro-felinos-mas-so-convivi-com-gatos-e-gatas/162022.

49 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/03/28/brasil-precisa-de-educacao-politica-disse-janine-dias-antes-de-nomeacao.htm.

50 http://www.elclarin.cl/web/opinion/politica/15174-la-cama-antropologia-del-fascismo-chileno-ii.html.

51 Durante muito tempo os policiais militares, no Brasil, também precisavam de uma autorização de seus superiores para se casarem.

52 A lei autorizava a esterilização voluntária das pessoas.

53 http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2015-03-28/apoio-a-golpe-militar-cresce-no-brasil-desde-2012-mostra-pesquisa.html.

54 Napoleão Bonaparte, o tio, já havia sido comparado a Washington – como general que une o povo com a violência –, mas, Luís Bonaparte, o sobrinho, elevaria a exceção a outro patamar político, como real forma-Estado (conhecido como o 18 Brumário).

55 “Art. 48. [...] No Caso de perturbação ou ameaça grave à segurança e ordem pública no Império compete ao Presidente decretar as medidas com o recurso à força armada. Para esse fim, pode-se suspender, total ou parcialmente, os direitos fundamentais”.

56 “Essa crítica do direito permite apreender a natureza real do fenômeno jurídico na circulação mercantil, evitando reduzir o direito, de qualquer modo, a um conjunto de normas e, ao mesmo tempo, permitindo compreender o momento normativo do direito como uma expressão desse mesmo processo de trocas de mercadorias” (Naves, 2000, p.20).

57 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/05/1633084-lider-da-oposicao-do-burundi-e-morto-a-tiros-100-mil-fogem-do-pais.shtml.

58 “Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República”.

59 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/40540/synco+em+1973+allende+criava+projeto+de+internet+socialista+para+%28tentar%29+evitar+golpe.shtml.

60 http://www.conjur.com.br/2015-mai-20/quebra-sigilo-telefonico-exige-fundamentacao-propria?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook.

61 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/maragama/2016/02/1738977-lixo-na-franca-lei-proibe-desperdicio-de-comida-nos-supermercados.shtml.

62 http://www.conjur.com.br/2015-mai-13/senado-analisa-pior-codigo-penal-historia-dizem-especialistas.

63 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40334/rompendo+o+silencio+soldados+israelenses+denunciam+abusos+durante+operacao+militar+em+gaza.shtml.

64 http://www.msn.com/pt-br/noticias/mundo/conhe%c3%a7a-as-tropas-de-elite-mais-poderosas-do-mundo/ss-BBk1SPK?ocid=iehp&fullscreen=true#image=22.

65 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1638492-militarizacao-das-policias-e-um-fenomeno-mundial-diz-pesquisador.shtml.

66 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/40614/militarizar+e+solucao+facil+para+problema+complexo+diz+especialista+que+reformou+policia+sul-africana+pos-apartheid.shtml.

67 http://port.pravda.ru/news/russa/15-05-2015/38678-pobreza_eua-0/.

68 http://wesdistribuidora.blogspot.com.br/2012/09/sorria-voce-esta-sendo-28x-filmado-por.html#!/2012/09/sorria-voce-esta-sendo-28x-filmado-por.html.

69 http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf.

70 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/05/30/mais-de-4-mil-imigrantes-sao-resgatados-no-canal-da-sicilia.htm.

71 Art. 144, § 6º da CF/88.

72 “No entanto, a solução mais grandiosa, explicitada em plena conformidade com seu horizonte de classe burguesa, fora oferecida por Hegel, em sua Filosofia do direito. Assim, embora reconhecendo os antagonismos sociais fundamentais e, potencialmente, mais perturbadores e abrangentes de sua época. Hegel reafirmou, com a firme justificativa classista, a legitimidade inquestionável da lei” (Mészáros, 2015, p. 24).

73 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1632330-indios-classificam-1-juri-feito-em-aldeia-de-brutal-e-refazem-sentenca.shtml.

74 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40473/contra+desperdicio+franca+aprova+lei+que+obriga+supermercados+a+doar+alimentos+nao+vendidos.shtml.

75 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/32543/Aula+publica+opera+mundi+_+os+eua+serao+os+ditadores+da+internet.shtml.

76 http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/14/marinho-e-a-familia-mais-rica-do-brasil-segundo-forbes-veja-lista.htm.

77 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/05/policia-federal-pune-agente-que-fez-tiro-ao-alvo-com-imagem-de-dilma.html.

78 https://www.youtube.com/watch?v=U63yBZ0wosM.

79 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/05/oab-rj-pede-que-porte-de-arma-branca-seja-incluida-em-lei-penal.html.

80 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1632909-projeto-do-stf-pode-tornar-judiciario-maior-e-mais-caro.shtml.

81 São dois movimentos distintos de guerra: um espacial, de conquista, e outro total, de penetração, de assalto (Virilio, 1996).

82 http://ahduvido.com.br/22-melhores-e-mais-letais-forcas-especiais-e-comandos-do-mundo.

83 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/um-exercito-evangelico-em-formacao.html.

84 “Um motorista parado no sinal subitamente se descobre cego [...] Nessa noite o cego sonhou que estava cego [...] É o primeiro caso de uma treva branca que logo se espalha incontrolavelmente [...] Enquanto não se apurassem as causas, ou, para empregar uma linguagem adequada, a etiologia do mal-branco [...] todas as pessoas que cegaram, e também as que com elas tivessem estado em contato físico ou em proximidade direta, seriam recolhidas e isoladas, de modo a evitarem-se ulteriores contágios, os quais, a verificarem-se, se multiplicariam mais ou menos segundo o que matematicamente é costume denominar-se progressão por quociente [...] Quod erat demonstrandum, concluiu o ministro [...] do que se tratava era de por de quarentena todas aquelas pessoas, segundo a antiga prática, herdada dos tempos da cólera e da febre-amarela [...] Queria dizer que tanto poderão ser quarenta dias como quarenta semanas, ou quarenta meses, ou quarenta anos [...] De que possibilidades imediatas dispomos, quis saber o ministro, temos um manicômio vazio, devoluto, à espera de que se lhe dê destino, umas instalações militares que deixaram de ser utilizadas em consequência de recente reestruturação do exército, uma feira industrial em fase adiantada de acabamento, e há ainda, não conseguiram explicar-me o porquê, um hipermercado em processo de falência [...] O quartel é o que oferece melhores condições de segurança, naturalmente tem porém um inconveniente, ser demasiado grande, tornara difícil e dispendiosa a vigilância dos internados [...] Havia soldados de guarda. O portão foi aberto à justa para eles passarem, e logo fechado [...] Por toda a parte se via lixo... (Saramago, 2008, p. 10-24-45-46 – grifo nosso).

85 Efetivamente, como contrário, oposto, antagônico e excludente da democracia (demo + cracia), a autocracia (auto + cracia) retira qualquer fonte de legitimidade que não seja o próprio poder albergado, monopolizado pelo dictator e por seus Grupos de Poder Hegemônico.

86 Lembremo-nos que, em nosso caso, seguiu-se todo o ritual processual do impeachment, sem supressão de regras especialmente nos trâmites do Congresso Nacional. Do ponto de vista democrático-formal, a forma não foi abalada; ainda que o conteúdo fosse inócuo por falta absoluta de objeto.

87 “Art. 48. [...] No Caso de perturbação ou ameaça grave à segurança e ordem pública no Império compete ao Presidente decretar as medidas com o recurso à força armada. Para este fim, pode-se suspender, total ou parcialmente, os direitos fundamentais” (grifo nosso).

88 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/ataque-a-jornalistas-mudou-conceito-de-censura-judicial-diz-carmen-lucia/154091.

89 O que desvela a necessidade de uma disciplina jurídica que promova essas interfaces entre as formas atuais de sociabilidade e o próprio direito. No sentido de que se ensine mais o valor da justiça, do bom senso e menos o caminho do direito positivo que pode e é vítima fatal do oportunismo jurídico.

90 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/soberania-de-conquista/154803.

91 http://jota.uol.com.br/lava-jato-tera-ao-menos-mais-quatro-fases-contar-por-fotos-ministro-da-justica.

92 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1784310-policia-federal-nao-pode-indiciar-parlamentares-diz-teori.shtml.

93 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1783783-advogadas-apelam-para-que-renan-aceite-abrir-impeachment-de-janot.shtml.

94 http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/06/22/ministro-da-defesa-diz-que-ha-preocupacao-com-estados-islamico-na-rio-16.htm.

95 http://www.conjur.com.br/2016-fev-25/senso-incomum-hermeneutica-positivismo-estado-excecao-interpretativo.

96 Ali as hordas também funcionam como máquinas de guerra.

97 “Num angustiado ensaio escrito em meio ao espanto e à indignação provocados pela revelação dos porões da guerra da Argélia, Sartre advertiu que “a tortura não é civil nem militar, nem tampouco especificamente francesa, mas uma praga que infecta toda nossa era”. Naquele momento, entre 1957 e 1958, os franceses tomaram conhecimento de que o exército francês e as forças policiais da colônia empregaram sistematicamente a tortura ao enfrentar os rebeldes argelinos, levando a uma comoção generalizada [...] Quando tomou conhecimento dos crimes praticados em seu nome na Argélia, a França levantou-se, indignada. Após 1957, quando as denúncias se intensificaram na imprensa, a mobilização de repúdio da sociedade cresceu e contribuiu para a queda da Quarta República e, a seguir, a independência da Argélia, em 1962. Abriu-se um debate nacional, envolvendo intelectuais do porte de Sartre e Camus” (Caldas, 02/09/2007).

98 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/02/1740144-franca-prolonga-estado-de-emergencia-por-tres-meses.shtml.

99 http://www.dw.com/pt/senado-franc%C3%AAs-prorroga-estado-de-emerg%C3%AAncia/a-19037018.

100 http://revistacult.uol.com.br/home/2015/11/judith-butler-reflete-sobre-atentados-em-paris/.

101 http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/16/politica/1466099536_355126.html.

102 https://www.youtube.com/watch?v=71QCVtw34-4&feature=youtu.be&app=desktop.

103 “Da mesma forma que o princípio do estado de direito, também o princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais [...] normativo-substancialmente, porque a constituição condicionou a legitimidade do domínio político à prossecução de determinados fins e à realização de determinados valores e princípios (soberania popular, garantia dos direitos fundamentais, pluralismo de expressão e organização política democrática); normativo-processualmente, porque vinculou a legitimação do poder à observância de determinadas regras e processos [...] O princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do que um método ou técnica de os governantes escolherem os governados, pois como princípio normativo, considerado nos seus vários aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, ele aspira a tornar-se impulso dirigente de uma sociedade” (Canotilho, s/d, p, 286).

104 “O Estado de Direito transporta princípios e valores materiais razoáveis para uma ordem humana de justiça e de paz104. São eles: a liberdade do indivíduo, a segurança individual e coletiva, a responsabilidade e responsabilização dos titulares do poder, a igualdade de todos os cidadãos e a proibição de discriminação de indivíduos e grupos [...] e competências que permitam falar de um poder democrático, de uma soberania popular, de uma representação política, de uma separação de poderes, de fins e tarefas do Estado [...] Trata-se: (1) de um Estado de direito; (2) de um Estado constitucional; (3) de um Estado democrático; (4) de um Estado social; (5) de um Estado ambiental” (Canotilho, 1999, p. 21-22 – grifo nosso).

105 http://www.conjur.com.br/2015-out-08/trf-nega-hc-defende-novos-parametros-prisao-preventiva.

106 Porque se chega à tomada de poder com alegação de Estado de Emergência Econômica, em virtude da crise do capital provocada em grande parte pelos grandes investidores, rentistas que, ao invés de aplicar o capital na geração de riqueza material, encaminham-no ao exterior.

107 Quando se devassa a vida privada e pública, prende-se para forçar delação premiada, furta-se o amplo direito de defesa, promovem-se escutas clandestinas e ilegais, e não só o Poder Judiciário – mas, sobretudo, este – endossa, como legitima os meios de exceção.

108 Para ter efeitos rápidos e incisivos na tomada de poder, apregoou-se inúmeras vestimentas: Mini Constituinte, Intervenção Militar, antecipação eleitoral, semiparlamentarismo e outras.

109 Se o Princípio Democrático é uma quimera, basta ao poder naturalizar o Estado de Emergência.

110 Direitos fundamentais sociais e individuais são afrontados, ainda que a CF/88 considere-os cláusulas pétreas.

111 Solapando-se direitos básicos – além de saúde e educação – os Grupos Hegemônicos de Poder tecem abertamente a saída para a crise de capital perpetrada por eles próprios: subtrair o art. 7º da CF/88 junto com a abolição da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

112 http://www.iabnacional.org.br/noticias/iab-aprova-parecer-que-considera-inconstitucional-impeachment-de-dilma.

113 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1799565-brasil-precisa-mudar-forma-como-lida-com-corrupcao.shtml.

114 http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/03/04/direito-nao-pode-ser-substituido-pela-forca.htm.

115 Modificada, aprimorada e institucionalizada – inclusive no senso comum e na retórica pragmática de “operadores do direito” –, a versão é herdeira dos experimentos praticados em Honduras (2009) e no Paraguai (2012).

116 http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/05/eua-enviam-mil-espioes-ao-rio-para-garantir-seguranca-dos-atletas.htm.

117 http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/05/ameaca-terrorista-na-rio-2016-quem-sao-os-chamados-lobos-solitarios.htm.

118 http://tvuol.uol.com.br/video/rio-tem-clima-de-guerra-ao-terror-na-vespera-da-abertura-dos-jogos-04020C993960D4C95326.

119 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/06/1784545-iguais-mas-diferentes.shtml.

120 http://justificando.com/2016/03/28/uma-necessaria-aula-de-historia-ao-juiz-moro-a-oab-e-ao-sr-lamachia/.

121 http://terradedireitos.org.br/2016/01/26/todo-apoio-a-desembargadora-kenarik-boujikian/.

122 http://www.sasp.org.br/convenios/235-kenarik-boujikian-coronelismo-no-judiciario.html.

123 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/06/14/nao-e-facil-diz-janot-a-conselheiros-sobre-conducao-da-lava-jato-na-pgr.htm.

124 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1781700-teori-nega-prisao-de-renan-juca-e-sarney-pedida-por-janot.shtml.

125 http://jota.uol.com.br/apos-resposta-de-dilma-rosa-weber-arquiva-pedido-de-explicacoes-sobre-golpe.

126 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1781721-acao-de-juizes-do-pr-contra-jornal-e-suicidio-diz-lider-de-entidade.shtml.

127 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1781340-protagonismo-em-crise-politica-traz-novos-desafios-ao-stf.shtml.

128 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/padilha-cobra-%E2%80%9Csinalizacao%E2%80%9D-de-fim-da-lava-jato/.

129 http://www.viomundo.com.br/denuncias/pedro-serrano-querer-punir-uma-juiza-que-agiu-corretamente-fazendo-valer-os-direitos-fundamentais-da-constituicao-e-erro-juridico-imenso-e-um-grande-passo-atras-no-processo-civilizatorio.html.

130 http://revistatrip.uol.com.br/tpm/kenarik-boujikian-desembargadoras-que-condenou-roger-abdelmassih-nas-paginas-vermelhas?utm_source=facebook&utm_medium=tpm&utm_campaign=kenarik-boujikian-desembargadoras-que-condenou-roger-abdelmassih-nas-paginas-vermelhas.

131 http://carceraria.org.br/completa-solidariedade-ao-dr-luis-carlos-valois.html.

132 http://andremauro2.jusbrasil.com.br/artigos/121816413/a-ditadura-constitucional.

133 http://www.justificando.com/2016/06/10/associacao-de-juizes-manifesta-preocupacao-com-operacao-contra-o-magistrado-luis-carlos-valois/.

134 http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-07/votacao-do-projeto-sobre-abuso-de-autoridade-deve-ficar-para-agosto.

135 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4898.htm.

136 http://www.camara.leg.br/sileg/integras/713795.pdf.

137 Esse é um dos pontos altos do projeto, pois obrigaria – sob pena de prisão – a autoridade à observação da prevalência dos direitos fundamentais individuais e, de certo modo, a cumprir o disposto no regulamento da delação premiada. Prender depois de provada a culpa ou mediante prova inconteste da grave ameaça às investigações em curso – e não como meio de chantagem, e com o fito político (muitas vezes partidário) de se saciar a ânsia excepcional do julgador seletivo.

138 No tocante aos que devem temer, é óbvio que os agentes da assim chamada Operação Lava Jato temem pelo julgamento de seus atos seletivos e abusivos (de exceção).

139 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/08/1798667-afastamento-de-dilma-e-hipocrisia-como-jamais-houve-no-brasil.shtml.

140 http://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/07/23/advogados-sao-impedidos-de-ver-presos-suspeitos-de-preparar-atos-de-terror.htm.

141 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/07/1794784-terrorismo-a-brasileira.shtml.

142 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/juiz-federal-desmente-ministro-sobre-prisao-de-terroristas-no-brasil.html.

143 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/07/o-que-esta-por-tras-da-acao-antiterrorismo-anunciada-pelo-governo-temer.html.

144 Aqui é bom lembrar do grampo da presidenta Dilma e outros presidentes, pela NSA/EUA.

145 http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/06/o-golpe-nao-e-surreal.html.

146 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/carlosheitorcony/2016/07/1794732-terror-contra-o-terror-pode-ser-inutil.shtml.

147 http://www.cartacapital.com.br/politica/tribunal-da-oea-condena-brasil-por-crimes-na-guerrilha-do-araguaia/.

148 http://paranaportal.uol.com.br/geral/juiz-que-mandou-prender-paulo-bernardo-e-orientando-de-janaina-paschoal/.

149 http://mudancadeparadigmas.com/teori-zavascki-proibe-a-denuncia-de-parlamentares-pela-policia-federal/.

150 http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/judiciario/lei-da-magistratura-viabiliza-salto-salarial-e-pacote-de-beneficios/.

151 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2016/06/23/em-prova-para-ministerio-publico-promotor-diz-que-estuprador-ficou-com-a-melhor-parte.htm.

152 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1784814-apos-5-meses-corpo-de-ativista-e-achado-em-lago-da-usina-jirau-ro.shtml.

153 http://www.ihu.unisinos.br/noticias/556592-as-ilusoes-da-conjuntura-e-o-silencio-das-esquerdas.

154 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm.

155 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1788941-general-que-defende-golpe-de-64-e-indicado-para-presidir-a-funai.shtml.

156 http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,usp-corta-o-salario-dos-servidores-em-greve,10000061199.

157 http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1049198/qual-a-diferenca-entre-principio-da-precaucao-e-principio-da-prevencao.

158 http://www.conjur.com.br/2016-mai-09/pec-652012-retrocesso-30-anos-legislacao-ambiental.

159 https://www.abrasco.org.br/site/2016/06/temer-sanciona-pulverizacao-de-agrotoxicos-em-areas-urbanas/.

160 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/ditadura-constitucional/152114.

161 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/a-nomologia-da-ditadura-inconstitucional/154039.

162 https://jus.com.br/artigos/26003/judicializacao-da-politica.

163 http://www.gentedeopiniao.com/mobile/noticia/a-ditadura-inconstitucional-no-capitalismo-varonil/153987.

164 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/a-ditadura-inconstitucional-e-a-revolucao-burguesa/154137.

165 http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/12/02/cerca-de-20-sao-condenados-a-penas-alternativas-diz-pesquisa-do-ipea.htm.

166 http://www.giromarilia.com.br/colunas/essa-semana-vinicio-carrilho-martinez/ensino-do-direito-para-crinacas-o-direito-e-um-repositorio-obrigatorio-de-esperancas/5948.

167 http://www.debatesculturais.com.br/500-anos-de-maquiavel/.

168 Porém, ao se acreditar, como faz a maioria dos juristas, que o Estado de Direito é o sumo pontífice da realização do Poder Político – numa contemplação idealista (Hegel, 1997) de que essa forma Estado é superior às determinações econômicas, de classes sociais –, então, é mesmo uma fórmula vazia a ser preenchida de acordo com os interesses políticos prevalecentes.

169 http://www.giromarilia.com.br/colunas/essa-semana-vinicio-carrilho-martinez/nao-ha-poder-judiciario/6179.

170 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/ditadura-constitucional-oclocracia-ou-governo-dos-piores/152873.

171 Essa releitura de Aristóteles (2001) permitiria analisar muitas características da fase denominada de Capitalismo Monopolista de Estado. O soberano, no bojo do Estado de Exceção (absolutismo), desempenharia as funções de controle social com o poder típico dos patriarcas ou dos patrões: vide o Princípio da Hierarquia (subordinação) nas relações de dependência trabalhista de exploração e de manejo do capital centralizado (da força centrípeta à entropia).

172 Na modernidade, coincide com a naturalização do próprio Estado de Exceção; pois, todos os Estados de molde ocidental apresentam em suas constituições recursos excepcionais de poder absoluto. Na modernidade política, denominou-se isto de Razão de Estado. Nos moldes absolutistas atendia pelo instrumental de “a última razão dos reis”.

173 http://www.gentedeopiniao.com.br/mobile/noticia/naturalizacao-do-estado-de-emergencia/147984.

174 Por este caminho também se entende o curso histórico da privatização do espaço público (Habermas, 2003).

175 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/o-direito-poder-em-benjamin/154939.

176 O primado do direito privado sobre o público igualmente ressurge sob o modelo da concentração de capital e a impossibilidade do welfare state. Não seria outra a propositura do Estado Mínimo.

177 Desde o contratualismo clássico se assevera que o Estado resulta de uma somatória de forças: povo, território, soberania. Ao que Weber (1979) incrementou – na esteira do Estado de Direito do século XIX – com a burocracia e o direito regulatório.

178 http://www.giromarilia.com.br/colunas/essa-semana-vinicio-carrilho-martinez/ditadura-inconstitucional/6100.

179 http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/04/politica/1467642464_246482.html.

180 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/estado-de-excecao-resquicios-constitucionais-militares-na-cf88/135094.

181 http://www.gentedeopiniao.com/mobile/noticia/o-mundo-moderno-no-liquidificador/142930.

182 Legalizado porque presente no ordenamento jurídico; ilegítimo porque resumiu a Razão de Estado ao Livro Razão.

183 No contexto nacional de 2016, esses são alguns dos mecanismos de controle perpetrado pela forma-Estado da Ditadura Inconstitucional.

184 Isto é, caberia uma leitura invertida de Honneth (2003).

185 “O simples acordo de vontade (pactum, conuentio) não gera obrigação, sendo tutelado, não por uma actio, mas, indiretamente, por uma exceptio: daí a máxima nuda pactio obligationem nom parit, sed parit exceptionem (o pacto nu não gera obrigação, mas, sim, exceção. Portanto, contrato e acordo de vontade (pactum, conuentio) não se confundem no direito clássico” (Alves, 1979, p. 128-129 – grifo nosso).

186 http://blogdalucianaoliveira.com.br/blog/2016/06/22/que-mane-ponde-que-nada-se-habermas-diz-que-e-golpe-e-golpe/.

187 http://www.brasil247.com/pt/247/brasilia247/240573/Per%C3%ADcia-do-Senado-diz-que-Dilma-n%C3%A3o-pedalou.htm.

188 Até porque, nesse aspecto, há um duplo movimento nas sociedades atuais: a “judicialização da política” e a “politização do Judiciário”. Se por um lado é benéfico como dinâmica da sociedade moderna, é péssimo por outro, porque leva ao esgotamento das perspectivas: o anseio popular não traduz e nem se resume no enfrentamento jurídico da política e suas quimeras.

189 A não ser, é claro, que essas regras gerais sejam as próprias leis de exceção, no exemplo retumbante da Lei Marcial.

190 http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2016/junho/16.06-Dowbor-captura-do-poder.pdf.

191 http://www.giromarilia.com.br/colunas/essa-semana-vinicio-carrilho-martinez/grupos-de-poder-hegemonico/5347.

192 Entenda-se aqui, que uma geração de direitos não fagocita, digere – mas tão-somente subsume – as anteriores, tal qual os filhos incorporam a carga genética dos pais. No direito isto é claro quando observamos que os direitos individuais (de primeira geração) são transformados, ampliados (dialeticamente) e ressurgem, subsumidos, na forma de direitos individuais homogêneos.

193 Da defesa apresentada no Senado Federal: “Desde a abertura deste processo, a minha defesa indagou qual o ato que teria eu praticado, no caso, para a tipificação da ocorrência de um crime de responsabilidade. Tanto no relatório produzido na Câmara, como no Senado, essa pergunta não foi respondida”. IN:http://infogbucket.s3.amazonaws.com/arquivos/2016/07/06/defesadilmacomissodeimpeachment-160706133539.pdf.

194 “O Amor vence todos os homens, inclusive o próprio poeta; no entanto, é derrotado por Laura, que se vale da Castidade. Enquanto ela celebra a vitória com algumas mulheres eleitas, a Morte a leva para seu reino, triunfando assim sobre a Castidade. Mas os feitos de Laura serão recordados pela Fama. Esta, por sua vez, é superada pelo Tempo, que, por fim, é vencido pela Eternidade, o reino de Deus, último triunfo” (Petrarca, 2006, p. 15).

195 O valor tomará armas contra o furor; que a luta se espraie bem depressa!

196 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1279451.

197 Ponderando-se, desde já, que o Fascismo Institucional ora plantado no curso do Golpe de Estado parlamentar e judicial de 2016, por sua vez, concretiza-se como real Ditadura legal. Porque, ao final do processo, o Princípio Democrático restará retirado da Constituição Federal de 1988. No lugar dos direitos humanos fundamentais há de se ver a inclusão massiva das normativas de restrição de direitos, liberdades e garantias sociais e trabalhistas. A Constituição Polaca, de Getúlio Vargas, instalando o Estado Novo em 1937, como precedente, assegurou imensos privilégios legais ao capital e aos Grupos de Poder Hegemônico.

198 http://www.brasil247.com/pt/247/mundo/231967/WikiLeaks-afirma-que-Temer-foi-informante-dos-EUA.htm.

199 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2016/07/18/decapitacao-mao-decepada-enforcamento-a-lista-de-castigos-encontrada-em-escola-abandonada-do-ei.htm.

200 http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/04/juiza-veta-a-estudantes-da-ufmg-se-posicionar-sobre-impeachment-5188.html.

201 Ferir, negar, subtrair direitos e liberdade, obviamente, é o foro competente do nazifascismo.

202 Ao menos desde o Período do Neolítico e a posterior edificação do Poder Político, na Suméria.

203 Entendendo-se o totalitarismo como a supressão do Princípio do Contraditório. Portanto, um sistema, regime de poder, que só pode prosperar onde se mitiga o direito. O Princípio Democrático, ao contrário, só pode respirar com o florescimento da emancipação humana que o Político propicia.

204 http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/03/30/conheca-55-ameacas-aos-seus-direitos-em-tramitacao-no-congresso-nacional/.

205 http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/05/09/lei-que-proibe-professores-a-opinarem-em-sala-de-aula-e-promulgada-em-al.htm.

206 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/05/10/mulheres-sao-detidas-em-aviao-em-brasilia-por-causa-de-manifestacao-pro-dilma.htm.

207 http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/politica/brasil/desembargador-reage-a-modelo-moro-e-pergunta-poder-judiciario-partidarizado-73-43264.

208 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/05/10/mendes-ironiza-agu-e-diz-que-governo-pode-recorrer-ao-papa-e-ao-diabo.htm.

209 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1771238-maduro-decreta-estado-de-excecao-na-venezuela-devido-a-planos-de-golpe.shtml.

210 http://participardapolitica.blogspot.com.br/2016/03/operacao-contra-lula-e-confissao-de-medo-da-elite-brasileira-diz-bandeira-de-mello.html.

211 http://www.grabois.org.br/portal/noticias/117837/2016-03-04/ex-ministros-de-fhc-e-juristas-condenam-atuacao-da-pf-contra-lula.

212 https://www.portaldoholanda.com.br/brasil/advogados-e-juristas-condenam-conducao-coercitiva-de-lula.

213 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2016/03/1746641-ministros-do-stf-acham-que-moro-avancou-sinal-em-depoimento-de-lula.shtml.

214 http://aesquerdavalente.blogspot.com.br/2016/03/juristas-ingleses-dizem-que-lava-jato.html.

215 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/04/analise-ou-ha-elementos-fortes-ou-sera-desmoralizante-para-a-lava-jato.htm.

216 http://www.conversaafiada.com.br/brasil/video-imperdivel-moro-sabe-o-que-e-conducao-coercitiva.

217 Aliás, não há nem consenso de que Maquiavel, ao definir o “realismo político” tenha dito/escrito que “os fins justificam os meios”.

218 http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/03/06/deterioracao-das-instituicoes-indica-uma-semidemocracia-no-pais.htm.

219 Nessa categoria ampla também enquadram-se os chamados remédios jurídicos: http://emporiododireito.com.br/atitude-constitucional-o-stf-precisa-reabrir-as-portas-do-habeas-corpus-diante-da-reiteracao-de-violacoes-o-recente-caso-do-hc-132-331-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/.

220 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2016/02/04/comite-da-onu-dira-que-assange-esta-detido-ilegalmente-na-embaixada-do-equador-diz-bbc.htm.

221 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm.

222 http://www.opopular.com.br/editorias/cidades/jovens-presos-em-protesto-usar%C3%A3o-tornozeleiras-eletr%C3%B4nicas-1.1039772.

223 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2016/01/30/milhares-se-manifestam-contra-o-estado-de-emergencia-na-franca.htm?cmpid=fb-uolnot.

224 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/01/1735364-contra-aedes-dilma-autorizara-entrada-a-forca-em-imovel.shtml.

225 http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2016/02/01/oms-declara-emergencia-internacional-por-surto-de-zika.htm.

226 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/02/1737700-candidato-defende-quarentena-para-quem-retornar-do-brasil-aos-eua.shtml.

227 http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2016-01-15/maduro-decreta-estado-de-emergencia-economica-por-60-dias-na-venezuela.html.

228 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1350712&filename=PL+2016/201.

229 http://justificando.com/2015/08/13/direito-penal-do-inimigo-entre-o-estado-de-excecao-e-o-estado-democratico-de-direito/.

230 Bacon (2005) apresentou uma utopia como forma de Estado — e uma utopia em nada realista em tempo algum da história. Nova Atlântida, para além dos sábios (e religiosos), seria um Estado governado por pesquisadores, cientistas e inventores, pela inteligência e por seu mérito: seria uma antecipação à meritocracia, mas não propõe algo que lembrasse a tecnocracia de hoje e nem uma forma de governo ao gosto dos “déspotas esclarecidos”.

231 http://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2015/08/egito-aprova-lei-antiterror-vista-como-ataque-a-liberdade-de-imprensa-no-pais-5544.html.

232 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2016/02/1738688-cada-vez-mais-proximos-de-hitler.shtml.

233 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2016/01/22/o-prisioneiro-que-se-nega-a-abandonar-guantanamo-apesar-de-estar-livre-para-sair.htm.

234 “Colocado no tempo, o processo de interpretação constitucional é infinito, o constitucionalista é apenas um mediador [...] O resultado de sua interpretação está submetido à reserva da consistência [...] devendo ela, no caso singular, mostrar-se adequada e apta a fornecer justificativas diversas e variadas, ou, ainda, submeter-se a mudanças mediante alternativas racionais. O processo de interpretação constitucional deve ser ampliado para além do processo constitucional concreto. O raio de interpretação normativa amplia-se graças aos ‘intérpretes da Constituição da sociedade aberta [...] A sociedade torna-se aberta e livre, porque todos estão potencial e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional. A interpretação constitucional jurídica traduz (apenas) a pluralidade da esfera pública e da realidade [...] as necessidades e as possibilidades da comunidade, que constam do texto, que antecedem os textos constitucionais ou subjazem a eles. A teoria da interpretação tem a tendência de superestimar sempre o significado do texto” (Haberle, 2002, p. 42-3).

235 Honeste vivere (viver honestamente), Alterum non laedere (não prejudicar ao próximo), Suum cuique tribuere (dar a cada um o que lhe pertence).

236 “O princípio da primazia da lei servia para a submissão ao direito do poder político “sob um duplo ponto de vista’: (1) os cidadãos têm a garantia de que a lei só pode ser editada pelo órgão legislativo, isso é, o órgão representativo da vontade geral (cfr. Déclaration de 1789, artigo 6º); (2) em virtude da sua dignidade – obra dos representantes da Nação – a lei constitui a fonte de direito” (Canotilho, s/d, p. 95).

237 A combinação entre adaptação e cultura é o que produz a enorme gama de diversidade social. Fato que também leva a pensar que a cultura é a gênese da sociedade. Equivale a dizer que o homem é programado para dar atenção à cultura e, por isso, diz-se que a cultura é uma segunda pele – mas não artificial. Uma segunda pele, no entanto, que é passada de geração a geração, aprendendo com a interação de todos no Todo. Esse aprendizado ou capacidade de aprendizagem cultural tem o suporte de vários outros instrumentos, a exemplo da linguagem e da comunicação. No entanto, o elemento comum é a resposta, enquanto espécie, às necessidades de sobrevivência e em meio às adversidades e/ou riquezas naturais. Ou o direito é a própria segunda pele, como a roupa que as culturas variam de acordo com suas tradições, mas sem que exista sequer uma cultura sem direito; do nudismo à “força de lei” da Burca, expressam-se tanto a cultura quanto o direito.

238 Para Agamben (2004), trata-se dos decretos do poder, com força (vigor) equivalente aos editos do rei: como se fora a vontade da Razão de Estado. O que não deixa de ser uma dominação pelo medo, no estilo absolutista.

239 Estado de Ür compreende o surgimento do Estado Antigo. O povo mais representativo desse período é a Suméria (3300 a 2000 a. C.), destacando-se entre outros povos da Mesopotâmia (nome grego para o que hoje é o Iraque), e que se formou às margens dos rios Tigre e Eufrates (Roberts, 2003).

240 “...a multiplicação dos campos da experiência humana caracterizados por saberes técnicos tão complexos de ‘exclusivos’ que criariam, por si próprios – naturaliter, pode-se dizer –, um diagrama entre o lugar (e o sujeito ou os sujeitos) de tomada da decisão e o público a que ela se destina e que dela deveria ser o controlador” (Revelli, 2015, p.21-22).

241 O “monopólio legítimo da força física” (Weber, 1979) é o que sustenta o efeito erma omnes, como parte substancial do Poder Extroverso: como poder institucional que edita e disciplina regras e comportamentos institucionais.

242 Até o duríssimo Código de Hammurabi (1795-1750 a.C.) trazia bem esclarecidas as diferenças entre punição e organização social – havendo clara tendência para esta última. O Código procurava ressaltar os acordos entre as partes, a ética que deveria ressoar muito fortemente em decorrência dos “documentos firmados”. Como se vê na Lei nº 122 era um Código que se fortalecia com os costumes e por isso se valia dos casos concretos. Porém, com sentido forte e preciso, não permitiria objeto ilícito ou cláusulas leoninas, e levaria a uma estranha simbiose entre common law e civil law. O cotidiano (força da lei) imbricava-se sub-repticiamente como primeira pele (organização social) e segunda pele (punição); metamorfoseando-se, por fim, no próprio código de condutas ética, ou seja, em “força de lei” (Hammurabi, 2004).

243 Nesse ponto, como aplicar a “força de lei” se é ato público de premiação? Como “obrigar” o interessado a aceitar o prêmio, se assim não o deseja? Pensemos desde a recusa ao Prêmio Nobel até a inaceitação individual ou institucional do instituto da delação premiada. Certamente, um dos furos da análise de Derrida (2010).

244 http://www.cartacapital.com.br/revista/895/honduras-e-paraguai-motivos-de-inspiracao.

245 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1810099-lava-jato-faz-dois-anos-sem-politicos-julgados.shtml.

246 “Por exemplo: a lei é injusta quando discrimina um grupo minoritário, embora possa até ter sido votada pela maioria [...] A lei é injusta quando se impõe a pessoas sem direito a voto [...] A lei é injusta quando uma minoria a torna obrigatória para a maioria, que não foi consultada, nem lhe deu pelo voto autorização para existir [...] A lei é injusta quando votada por falsa maioria, que só aparenta representar a maior parte dos indivíduos, devido a jogadas feitas durante as eleições. A lei é injusta quando submete uma infinidade de pessoas a viverem miseravelmente. A lei é injusta quando permite que um país pressione de qualquer modo ou ataque militarmente, ou apenas ocupe outro país, outra região, sem consentimento de seus próprios habitantes” (Vieira, 1984, p. 21-22).

247 http://www.metodista.br/midiareligiaopolitica/index.php/2015/08/02/procurador-evangelico-da-operacao-lava-jato-pede-assinaturas-em-igreja-para-campanha-do-ministerio-publico/.

248 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2016/09/1814219-pacote-marqueteiro.shtml.

249 https://www.facebook.com/justificando/photos/a.633037770121398.1073741828.608639995894509/1142021075889729/?type=3.

250 http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37372884?ocid=socialflow_facebook.

251 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/15/analise-denuncia-contra-lula-e-fragil-e-aumenta-pressao-sobre-a-lava-jato.htm.

252 O Estado Ético foi patenteado pelos regimes de exceção do macartismo, nazismo, fascismo, franquismo e, entre nós, cabe no Brasil de 30, no getulismo do Estado Novo, e no AI-5 pós-64: Ato Institucional nº 5 - de 13 de dezembro de 1968. Em nome do Estado Ético e de sua moralidade há um vale tudo, inclusive levar nebulosas à consciência, com silogismos. Para esse jogo retórico já alertava Erasmo: “- ‘Mas’, argumentam, ‘é lícito punir um malfeitor com o suplício, portanto também é lícito castigar uma cidade com a guerra” (Roterdão, 1999, p. 62).

253 Há uma “solidão inata” como a que abate os aldeões que se colocam ao sopé do castelo. Como em Numancia (Cervantes, 1999) há um cerco, mas moral, institucional, psicológico. Os estrangeiros não seriam bem-vindos. Quando K. chegou ao castelo, só conseguiu dormir um pouco sobre um saco de palha colocado no chão da sala da estalagem. Logo em seguida seria acordado porque não tinha autorização do Conde (o soberano). Fora acordado pelo filho do castelão. Onde estava a autorização par entrar e ali dormir? No meio da noite não haveria como obter tal licença institucional. Nesse sentido, Kafka representaria a própria burocracia austera e insignificante. O objetivo da corte era obter respeito integral à autoridade do Poder Político. Por fim, depois de identificado, K. dissera que preferiria ficar na hospedaria, o castelo o incomodava. Com isso, demonstrava respeito aos poderosos (sujeição a condições simples de subordinação), porém, não apresentava a disposição para tanto (Kafka, s/d).

254 “Assim entendido, o Estado de direito reflete a velha doutrina [...] da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem” (Bobbio, 1990, p. 18).

255 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1813767-fase-que-precede-acao-criminal-requer-cuidados.shtml.

256 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1813937-judiciario-pode-cometer-o-mesmo-erro-de-militares-em-1964-diz-toffoli.shtml.

257 http://www.jornaldepiracicaba.com.br/brasil/2016/09/teori_se_arrepende_de_ter_afirmado_que_lula_tenta_embara_ar_apura_es.

258 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/09/1814404-procuradores-da-lava-jato-querem-igualar-provas-a-conviccao-e-ilacao.shtml.

259 http://www.conjur.com.br/2016-abr-28/gravacao-mostra-membros-mpf-tentando-induzir-depoimento.

260 http://justificando.com/2016/09/16/e-preciso-salvar-o-ministerio-publico/.

261 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/09/15/presidente-da-oab-critica-espetaculo-em-apresentacao-do-mpf-sobre-lula.htm.

262 http://www.tijolaco.com.br/blog/aragao-e-o-retrato-do-carater-de-janot/.

263 “É possível falar da claustrofobia das pessoas no mundo administrado, um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializada, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isso aumenta a raiva contra a civilização que se torna alvo de uma rebelião violenta e irracional [...] A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e individual juntamente com seu potencial de resistência” (Adorno, 1995, p. 122).

264 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1804362-comissao-da-oea-pede-explicacoes-sobre-impeachment-a-governo-temer.shtml.

265 http://www.msn.com/pt-br/noticias/crise-politica/ex-presidente-da-oas-delata-ministro-do-stf-dias-toffoli/ar-BBvPLDj?li=AAggXC1&ocid=UE07DHP

266 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1805759-procuradoria-diz-que-negociacao-de-delacao-com-leo-pinheiro-esta-rompida.shtml.

267 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2016/08/1806648-alem-de-toffoli-outros-dois-ministros-do-stf-foram-investigados-pelo-mpf.shtml.

268 http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-cemiterio-esta-cheio-desses-herois-diz-gilmar-mendes-sobre-procuradores-da-lava-jato/.

269 Basta pensar quem definirá o que são “bons propósitos”. Será o juiz? Em que bases morais-intelectuais? Com lastro em Kant, Conte ou em Marx, Gramsci, Adorno, Marcuse, Benjamin? Será o delegado? Ou virá na lei aprovada pelas bancadas serviçais do capital e aduladas pelo fim do Estado Laico? Quem sabe não será o senso comum que ecoa na voz rouca das ruas, ressoando Balzac, Gorki, Reich, Brecht...

270 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/08/30/procuradoria-ve-pressao-externa-para-aceitar-delacao-da-oas.htm.

271 http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/pingafogo/2016/08/30/ministro-do-tcu-desabafa-se-fosse-lula-desfecho-das-pedaladas-seria-diferente-foi-vaidade-e-soberba-de-dilma-diz/.

272 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1799766-presidente-do-stj-deixa-de-registrar-imovel-em-brasilia.shtml.

273 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/08/1805617-ministro-do-stj-francisco-falcao-viajou-45-meses-em-dois-anos.shtml.

274 http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/08/22/temer-se-une-ao-psdb-contra-reajuste-do-stf/.

275 http://painel.blogfolha.uol.com.br/2016/08/22/renan-diz-que-nao-consegue-segurar-votacao-de-aumento-para-o-stf-e-governo-trabalhara-para-derrubar-urgencia/.

276 http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/08/22/cultura-politica-autoritaria-contesta-a-hegemonia-da-democracia.htm.

277 http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/253815/%E2%80%98A-pol%C3%ADcia-vandaliza-o-direito-de-protesto%E2%80%99.htm.

278 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/congresso-planeja-acordo-para-anistiar-caixa-dois/157130.

279 http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/09/09/comissao-anticorrupcao-tem-18-deputados-com-problemas-na-justica/.

280 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/vivemos-dias-tristes-para-a-democracia-diz-juiz-que-liberou-jovens/157012.

281 http://painel.blogfolha.uol.com.br/2016/09/08/ministerio-publico-pede-esclarecimentos-a-alckmin-sobre-oferta-de-cargos-a-partidos-que-apoiam-doria/.

282 http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2016/09/08/stf-reve-condenacao-unanime-de-ivo-cassol/.

283 http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/the-new-york-times/2016/09/08/houve-uma-reacao-antifeminista-na-remocao-da-presidente-do-brasil.htm.

284 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/09/07/gilmar-mendes-rebate-janot-e-diz-que-inqueritos-prescrevem-na-procuradoria.htm.

285 “Denomina-se doutrina do direito (ius) a soma daquelas leis para as quais é possível uma legislação externa [...] O direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade [...] Assim, a lei universal do direito, qual seja, age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, é verdadeiramente uma lei que me impõe uma obrigação [...] Ora, tudo que é injusto é um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais. Mas a coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade [...] Portanto, ligada ao direito pelo princípio de contradição há uma competência de exercer coerção sobre alguém que o viola [...] o direito estrito se apoia no princípio de lhe ser possível usar constrangimento externo capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com leis universais [...] Direito e competência de empregar coerção, portanto, significam uma e única coisa [...] Analogamente, não é tanto o conceito de direito quanto, ao contrário, uma coerção plenamente recíproca e igual trazida sob uma lei universal e compatível com essa que torna possível a exposição desse conceito” (Kant, 2003, pp. 75-78 – grifo nosso).

286 “O Estado é a realidade em ato da Ideia moral objetiva, o espírito como vontade substancial revelada, clara para si mesma, que se conhece e se pensa, e realiza o que sabe e porque sabe [...] Se o Estado é o espírito objetivo, então, só como membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos está em participarem numa vida coletiva ...” (Hegel, 1997, p. 216-218).

287 Não lhe ocorre que o Estado seria ilegítimo, porque expressaria a acumulação primitiva de capitais e de poder (Marx, 1977), bem como o direito que é fruto da combinação entre ideologia e coerção da classe social dominante.

288 “Se há, pois, escravos pela natureza é porque houve escravos contra a natureza. A força fez os primeiros escravos, sua covardia os perpetuou [...] O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando sua força em direito e a obediência em dever [...] A força é um poder físico; não imagino que moralidade possa resultar de seus efeitos. Ceder à força constitui ato de necessidade, não de vontade; quando muito ato de prudência. Em que sentido poderá representar um dever?” (Rousseau, 1987, p. 25 – grifo nosso).

289 Porém, se pensar no Mito Salvacionista da Ditadura Inconstitucional – bem a contento do Destino Manifesto invocado por agentes públicos que também são pastores – qual a diferença real entre ficção jurídica (de exceção) e pensamento mágico?

290 Deve-se ter claro que, “quem faz a lei” é o Legislativo; ao passo que “quem faz a lei acontecer” é o Judiciário. Pois, é apenas no âmbito judicial das ações (ainda que sob os regimentos internos dos legislativos) que é manifesta a “força de lei”.

291 Não por acaso o nazismo foi um Estado de Sítio legalizado por 12 longos anos.

292 Como suspensão dos sentidos ou desmagificação (Weber, 1979) , o ideal da justiça se modifica, quer seja por “força de lei” (exceção) quer seja por sedição (revolução ou desobediência civil).

293 Em Benjamin (1987, p. 225-6), o verdadeiro Estado de Exceção seria promovido contra o Estado que mantém o capital: a começar da greve geral.

294 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/procurador-critica-uso-eleitoral-da-java-jato/158092.

295 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/09/27/moraes-teve-reuniao-com-superintendente-da-pf-2-dias-antes-de-antecipar-operacao.htm.

296 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/adv-palocci-diz-que-prisao-ocorreu-no-estilo-ditadura-militar/158099.

297 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/22/pf-realiza-a-34-fase-da-operacao-lava-jato.htm.

298 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/para-senadores-do-pt-revogacao-mostra-que-prisao-de-mantega-foi-arbitraria/157914.

299 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/22/prisao-de-mantega-parece-desproporcional-diz-ex-desembargador-maierovitch.htm.

300 http://www.viomundo.com.br/denuncias/pedro-serrano-comunidade-juridica-receia-que-lula-seja-condenado-sem-provas-por-razoes-politicas-como-medida-de-excecao.html.

301 http://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf.

302 http://www.conjur.com.br/2016-mar-17/25-advogados-escritorio-defende-lula-foram-grampeados.

303 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/gilmar-prisao-de-mantega-criou-constrangimento-para-todos/157917.

304 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/medidas-de-combate-a-corrupcao-nao-podem-suprimir-direitos-diz-defensoria/157918.

305 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/22/revogacao-de-prisao-de-mantega-consertou-equivoco-mas-com-argumento-errado-dizem-juristas.htm.

306 http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/09/25/tse-considera-hipotese-de-poupar-michel-temer/.

307 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/09/1816607-solucoes-ineditas-da-lava-jato-tem-um-nome-tribunal-de-excecao.shtml.

308 http://www.msn.com/pt-br/noticias/crise-politica/lewandowski-diz-que-impeachment-de-dilma-foi-um-trope%c3%a7o-na-democracia/ar-BBwKT8M?li=AAggXC1&ocid=UE07DHP.

309 http://www.conjur.com.br/2016-set-26/falta-provas-justifica-prisao-palocci-afirma-sergio-moro.

310 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/09/anulacao-de-juris-do-carandiru-indigna-juristas-e-ongs-de-direitos-humanos.html.

311 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/10/04/estamos-em-tempos-excepcionais-diz-moro-ao-defender-prisoes-preventivas.htm.

312 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1819758-stf-nega-recurso-de-lula-e-teori-critica-espetacularizacao-na-lava-jato.shtml.

313 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/10/1820286-lider-pro-impeachment-foi-promovido-na-gestao-temer.shtml.

314 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1819731-desembargador-do-carandiru-sugere-que-imprensa-ganha-dinheiro-do-crime.shtml.

315 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/10/04/fachin-libera-para-julgamento-denuncia-apresentada-pela-pgr-contra-renan.htm.

316 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputado-reu-no-stf-assume-ministerio-do-turismo/.

317 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/10/05/oea-pm-facilita-ou-reprime-protestos-conforme-a-ideologia-de-manifestantes.htm.

318 http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/maioria-do-stf-mantem-possibilidade-de-prisao-apos-condenacao-em-segunda-instancia/.

319 http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/02/18/prisao-de-condenados-em-2-instancia-contraria-a-presuncao-de-inocencia.htm.

320 http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/02/maioria-do-stf-autoriza-fisco-obter-dados-bancarios-sem-decisao-judicial.html.

321 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1820294-camara-aprova-fim-da-obrigatoriedade-da-petrobras-na-exploracao-do-pre-sal.shtml.

322 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/10/1820281-brasil-quitara-suas-dividas-com-orgaos-globais-afirma-ministro.shtml.

323 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1820334-das-11-vereadoras-eleitas-em-sao-paulo-sete-sao-evangelicas.shtml.

324 Lembra-se de que o Talebã sobrevive traficando papoulas e ópio. Além dos demais que traficam a fé pública e dos seguidores, em comum há o fato de que todos são redentores e pregam a salvação bem postada nos púlpitos de ouro. A origem está no intitulado Destino Manifesto que adveio com o impulso da Reforma Protestante nos EUA.

325 Refere-se ao crescimento da evangelização nos três níveis da Federação: municipal, estadual e propriamente nacional: Câmara e Senado Federal. Expressivos na Bancada BBB, a tendência é que se espalhem por Estados e Municípios.

326 Seja como segurança pública, em que os aparelhos repressivos do Estado são seletivos na escolha dos alvos políticos, seja no avanço sem obstrução de uma “segurança jurídica” que pacifique (normalize) as ações do poder de exceção.

327 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/10/1820147-prestador-de-servicos-de-agencia-dos-eua-e-preso-por-roubar-dados-secretos.shtml.

328 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles ...

II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade ...

329 “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (in verbis).

330 http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2016-09-20/lula-sergio-moro-lava-jato.html.

331 http://www.msn.com/pt-br/noticias/crise-politica/tribunal-protege-moro-ap%c3%b3s-pedido-de-afastamento/ar-BBwzjgV?li=AAggXC1&ocid=UE07DHP.

332 http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1809137-cassacao-cria-precedente-gravissimo-e-ameaca-ministros-do-stf-diz-cardozo.shtml.

333 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/45117/golpe+de+estado+estava+anunciado+ha+tempos+diz+mujica+sobre+impeachment+de+dilma.shtml.

334 http://paranaportal.uol.com.br/politica/passageiro-e-detido-pela-pf-por-hostilizar-senadora-no-aeroporto-de-curitiba/.

335 http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas.

336 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2016/08/1807019-delirios-de-poder.shtml.

337 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/08/26/dilma-fez-despedalada-e-nao-responsabilidade-fiscal-diz-belluzzo.htm.

338 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/serrano-impeachment-mostra-que-brasil-nao-e-tao-diferente-do-paraguai/156752.

339 http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/08/26/apos-novo-bate-boca-julgamento-do-impeachment-e-interrompido.htm.

340 http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/09/08/temer-orienta-ministro-do-trabalho-a-se-retratar-sobre-mudanca-na-jornada.htm.

341 A trilogia dessa leitura talvez devesse ter início em Benjamim (2013), passando por Derrida (2010), até se concluir com Agamben (2004). Nesse caso, Agamben, mais próximo de Benjamin – inclusive porque vê o Estado de Exceção (Benjamin, 1987) que fugiu à análise de Derrida e não se limita ao positivismo jurídico: “força de lei”.

342 http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/09/10/governo-quer-abafar-lava-jato-acusa-ex-agu/.

343 http://www.ihu.unisinos.br/560176-impeachment-e-unica-forma-de-cobrar-responsabilidade-de-ministro-do-stf.

344 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/07/1792350-terror-de-varejo-se-aproxima-da-violencia-urbana-dizem-analistas.shtml.

345 http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/07/1792417-ao-menos-265-morrem-em-confrontos-apos-tentativa-de-golpe-na-turquia.shtml.

346 http://www.monde-diplomatique.fr/2012/11/DURAND/48383.

347 https://professormedina.com/2012/02/28/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/.

348 http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/tentativa-de-desmonte-da-justica-do-trabalho-e-do-proprio-direito-do-trabalho/153527.

349 http://gizmodo.uol.com.br/supercomputador-santos-dumont-desligado/.

350 http://emporiododireito.com.br/nota-em-defesa-da-liberdade-de-expressao-e-de-conviccao-apoio-ao-juiz-luis-carlos-valois/.

351 http://emporiododireito.com.br/nota-dos-professores-estudantes-e-advogados-de-goias-em-solidariedade-ao-doutor-luiz-carlos-valois-um-sistema-de-justica-que-opera-na-contramao-dos-direitos-humanos-nao-merece-o-nosso-respeito/.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Informações sobre o texto

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de Pós-Doutorado em Ciências Políticas, realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da UNESP/Marília, sob a supervisão de Marcos Del Roio, professor titular em Ciências Políticas pela mesma universidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: ditadura inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5410, 24 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65594. Acesso em: 19 abr. 2024.