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O Poder Judiciário e o direito à saúde.

Parâmetros para intervenção judicial e a análise da condição econômica do postulante como critério para concessão de tratamentos e medicamentos de alto custo

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Agenda 20/12/2012 às 13:13

Conclusão

A garantia constitucional de acesso universal e igualitário não pode ser compreendida como direito ilimitado aos bens e serviços de saúde. Considerada a finidade de recursos, o Estado fica jungido a agir dentro do lhe é financeiramente possível realizar.

O argumento da limitação orçamentária, entretanto, deve ser utilizado de modo criterioso, isto é, a alegação de impossibilidade financeira de custear determinada prestação ou serviço de saúde deve estar embasada em dados e estudos mensuráveis, aptos a demonstrar que o atendimento da solicitação – a todos que se encontram em situação similar – causaria ao orçamento público impacto suficiente à desorganização das políticas públicas previamente planejadas.

A inexigibilidade de fornecimento de todas as prestações e serviços não propicia aos poderes constituídos o direito à inércia. Ainda que instituída de forma programática, é dever do Estado a busca permanente pela otimização da saúde no Brasil, sendo-lhe vedado retroceder nas conquistas alcançadas, bem como se omitir na garantia das condições minimamente dignas ao bem estar físico, mental e social dos indivíduos que compõe  a sociedade.

Em caso de grave ausência de atuação que venha a comprometer o núcleo dos direitos relacionados à saúde, tem-se um desrespeito ao mínimo existencial destes direitos, cuja violação corresponde à sua própria negação, uma inconstitucionalidade por omissão. Em tais situações a inação do Estado gera aos particulares, individualmente ou por meio de órgãos legitimados, um direito público subjetivo ao fornecimento de prestações e serviços de saúde, em sua extensão mínima de dignidade, pelo menos.

A determinação de garantia à saúde mediante políticas econômicas e sociais, revela ser este um direito vocacionado à coletividade, cujos interesses não podem sucumbir, via de regra, às necessidades individuais. Do mesmo modo, percebe-se que a obrigação constitucional é direcionada ao Poder Executivo, a quem, por meio dos representantes eleitos pelo povo, compete o planejamento e execução das políticas públicas.

Assim, apenas quando comprovada omissão do Poder Executivo quanto à formulação de políticas públicas ou sua inobservância ao mínimo existencial, a intervenção do Poder Judiciário será legítima, como garantia de concretização do direito fundamental à saúde. A atuação judiciária, portanto, deve ser residual, sob pena de afronta à harmônica separação dos poderes.

A individualização do direito à saúde, notadamente em relação aos medicamentos e tratamentos de alto custo, enseja uma quebra de isonomia, na medida em que se estará prestigiando pouquíssimos em detrimento de vários que concorrem para o custeio do sistema, ou o pior, em desfavor de outros tantos em situação similar, mas que deixarão de ser atendidos, muitas vezes por falta de esclarecimento ou condições de contratar advogados para representar-lhes em demandas judiciais.

Não configura ingerência, entretanto, as hipóteses de negativa de entrega de fármacos previstos em listas de medicamentos do SUS. Estas situações configuram descumprimento de política pública já estabelecida, com a qual, portanto, o Estado se comprometeu, o que a torna vindicável por todos que dela precisem, sem distinção de qualquer natureza.

Quando se tratar de droga não incluída em relação de medicamentos do SUS o fornecimento pelo Poder Judiciário deve ser evitado, especialmente em se tratando de demandas individuais, salvo em hipóteses excepcionais, quando induvidosa a eficácia do medicamento pleiteado e estiver em jogo a manutenção da vida da pessoa postulante.

Ainda nestas hipóteses, coerente ao sacrifício a ser suportado por toda a sociedade, deve ser aferida a condição financeira do requerente e do seu grupo familiar como requisito para fornecimento parcial ou integral do tratamento ou medicamento de alto custo, o que homenageia o princípio da igualdade em seu sentido material.


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Notas

[1] Ibid.

[2] A respeito da fundamentalidade do direito à saúde: SARLET, Ingo Wolfgang. Contornos do direito fundamental à saúde na Constituição de 1988. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio-Grande do Sul. Porto Alegre, V.25, No. 56, pag. 41/63; e, MASTRODI, Josué. Direitos sociais fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[3] A Organização Pan-Americana da Saúde é um organismo internacional de saúde pública com um século de experiência, dedicado a melhorar as condições de saúde dos países das Américas. A integração às Nações Unidas acontece quando a entidade se torna o Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde. A OPAS/OMS também faz parte dos sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Informações disponíveis em: <http://new.paho.org/bra/index.php?option=com_content&task=view&id=885&Itemid=672>. Acesso em: 12 jul. 2012.

[4] Op. cit.

[5] Informações prestadas pelo Serviço de Informação ao Cidadão do Ministério da Saúde, mediante solicitação protocolizada sob Numeração Única de Protocolo (NUP) 25820000448201242. Fontes: SIASG e Sistema de Ação Judicial do Ministério da Saúde.

[6] Embora a Política Nacional de Assistência Farmacêutica indique diretrizes quanto à divisão de atribuições e responsabilidades entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a jurisprudência inclina-se por entender existir responsabilidade solidária entre todas as esferas de governo, tal como decidido pelo STF no julgamento do RE 665764 AgR /RS, em 20.03.2012 e conforme será melhor explicado no capítulo “6”do presente estudo.

[7] Ibidem, idem.

[8] Ibidem, idem.

[9] Para Gustavo Amaral esta seria uma característica das decisões judiciais: “Não se trata, por óbvio, de uma deficiência dos julgados, mas de uma característica das decisões judiciais. O Judiciário está aparelhado para decidir casos concretos, lides específicas que lhe são postas. Trata ele, portanto, da microjustiça, da justiça do caso concreto”. AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

[10] A mais recente Relação Nacional de Medicamentos Essenciais foi publicada através da Portaria MS/GM 533 de 28 de mar. de 2012. Disponível em: <http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=96&data=29/03/2012>. Acesso em 12.07.2012.

[11] Definição encontrada no sítio do Ministério da Saúde como nota explicativa sobre a Política Nacional de Assistência Farmacêutica.  Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1000>. Acesso em: 06 jul. 2012.

[12] Ibidem, idem, p. 65.

[13] A COMARE se reúne a cada dois anos para avaliar a manutenção dos medicamentos constantes na lista de medicamentos essenciais e para inserir novas drogas que tenham a eficácia técnica devidamente comprovada.  Participam da Comissão especialistas da área da saúde de Universidades Federais, entidades de classes científicas, instâncias gestoras do SUS, representantes do Ministério da Saúde, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

[14] A Lei 6.360 de 26 set. 1976, alterada pela Lei 9.787 de 10 fev. de 1999, traz as seguintes definições: Medicamento Similar – aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios ativos, apresenta a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração, posologia e indicação terapêutica, preventiva ou diagnóstica, do medicamento de referência registrado no órgão federal responsável pela vigilância sanitária, podendo diferir somente em características relativas ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, excipientes e veículos, devendo sempre ser identificado por nome comercial ou marca; Medicamento Genérico – medicamento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável, geralmente produzido após a expiração ou renúncia da proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua eficácia, segurança e qualidade, e designado pela DCB ou, na sua ausência, pela DCI;

[15] Em consonância com este entendimento SARLET explica: “[...] O que a Constituição assegura é que todos tenham, em princípio, as mesmas condições de acessar o sistema público de saúde, mas não que qualquer pessoa, em qualquer circunstância, tenha um direito subjetivo definitivo a qualquer prestação oferecida pelo Estado ou mesmo a qualquer prestação que envolva a proteção de sua saúde”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 346-347.

[16] Para Luís Roberto Barroso (2010, op. cit., p. 901) para concessão de medicamentos que não constam nas listas oficiais do SUS o Poder Judiciário deverá considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida: “Parece evidente que, em um contexto de recursos escassos, um medicamento à sobrevivência de determinados pacientes terá preferência sobre outro que apenas é capaz de proporcionar melhor qualidade de vida, sem, entretanto, ser essencial para a sobrevida”.

[17] Com base no princípio da solidariedade entendeu o STF pela constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 41/03 que estendeu a obrigatoriedade da contribuição previdenciária aos servidores inativos, ainda que estes não venham a obter proveito direto com as referidas contribuições.

[18] De forma compartilhada, a Constituição Federal (art. 227) prevê como dever da família, da sociedade e do Estado, de forma prioritária, a proteção à criança, ao adolescente e ao jovem: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

[19] O dispositivo mencionado está inserido no Livro IV (Direito de Família) Subtítulo III (Dos Alimentos) do Código Civil, tendo o caput a seguinte redação: “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.

[20] O casamento, a união estável e a comunidade entre quaisquer dos pais e seus descendentes se enquadram no conceito de família ou entidade familiar nos termos do art. 226 da Constituição Federal.  No julgamento da ADI 4277 e ADPF 132 o STF entendeu, por unanimidade, pela possibilidade de reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo.

[21] O CNIS corresponde a um banco de dados alimentado por instituições como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Caixa Econômica Federal e Ministério do Trabalho e Emprego. No CNIS podem ser extraídas informações, dotadas de presunção de veracidade, sobre histórico de vínculos empregatícios e estatutários, além de valores de remunerações, contribuições e endereços.

[22] Em julho de 2012, o salário-mínimo vigente correspondia a R$ 622,00.

[23] Segundo consulta o medicamento em questão custa em torno de R$ 13.000,00 a caixa. Disponível em: <http://www.cliquefarma.com.br/preco/Afinitor>. Acesso em 26 jul. 2012.

Sobre o autor
Nilson Rodrigues Barbosa Filho

Pós-graduado (Especialista) em Direito Público e em Direito Previdenciário, Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP. Procurador Federal, atualmente exerce a função de Chefe do Serviço Regional de Assuntos Estratégicos da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília. Professor de Direito Previdenciário da FACIPLAC/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA FILHO, Nilson Rodrigues. O Poder Judiciário e o direito à saúde.: Parâmetros para intervenção judicial e a análise da condição econômica do postulante como critério para concessão de tratamentos e medicamentos de alto custo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3459, 20 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23288. Acesso em: 22 nov. 2024.

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