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Direito de família contemporâneo:

conceito de família e nova filiação

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Agenda 14/01/2014 às 12:42

O presente artigo destina-se a uma análise contemporânea da família e sua constituição, bem como das novas formas de filiação e suas características.

I. EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA NO BRASIL

Uma vez que havia, ainda, vínculo entre a igreja e o Estado, o casamento religioso, segundo a Constituição de 1824, era a exclusiva fonte formal da família. Com a Constituição de 1891, assim como a Constituição de 1824, marcada pelo liberalismo, inaugura-se o Estado laico e, sendo assim, instituiu-se o casamento civil, cujo processo deveria ser gratuito. Passa este a ser, portanto, o único ato capaz de constituir uma família e não mais o casamento religioso, do qual se retira valor jurídico. A partir da Constituição de 1934, consagra-se o Estado social brasileiro, caracterizado pela forte intervenção estatal na esfera econômica e social. Consequentemente, o Estado assumia a obrigação de amparar famílias com proles numerosas. Além disso, estendia efeitos civis ao casamento religioso e estimulava a indissolubilidade do casamento, estabelecendo que apenas pudesse ser destituído por anulação ou desquite. Adicionalmente, recomendava o exame de sanidade mental, para os nubentes, antes das núpcias. Determinava, ainda, que o ato pelo qual se reconhecesse filhos naturais deveria ser gratuito. E, por fim, apesar de prever a igualdade dos sexos, estabelecia que a lei civil devesse dispor sobre as condições da chefia da sociedade conjugal e do pátrio poder.

A Constituição de 1937, influenciada pela Constituição polonesa, reconhecia a igualdade entre filhos naturais e legítimos e estabeleceu, como obrigação do Estado, a proteção da infância e da juventude. Todavia, não estendeu efeitos civis ao casamento religioso, sendo, assim, o casamento civil o único meio de constituição familiar. A Constituição de 1946, elaborada após o fim do Estado-Novo, equiparava os efeitos do casamento religioso ao civil e garantia a este proteção estatal. Nesse sentido, o casamento válido e indissolúvel, religioso ou civil, era único modo pelo qual se formava a família. Adicionalmente, além de conferir proteção à infância e à juventude, garantia proteção à maternidade.

A Constituição de 1967 não alterou as disposições constitucionais que tratavam da família. Entretanto, em 1977, após a Emenda nº 1, de 1969, foi aprovada a Lei do divórcio. Aludida Lei estabelecia que o casamento pudesse ser dissolvido após prévia separação judicial por três anos. Com a Emenda nº 2, admitiu-se o divórcio direto em caso de separação de fato há mais de cinco anos. Além da celebração gratuita, do casamento religioso com efeitos civis, da assistência à maternidade, à infância e à juventude, determinou, ainda, a assistência aos excepcionais.

A Constituição de 1988 inaugura o Estado Democrático de Direito, influenciada pelas constituições europeias, no qual o valor maior é a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, a origem da família é reconhecida como natural e, nesse sentido, passa a ser concebida de forma mais ampla. O casamento, seja o civil, seja o religioso com efeitos civis, deixa de ser a única forma de constituição familiar, uma vez que a Constituição de 1988 reconheceu, expressamente, a união estável entre homem e mulher e a família monoparental (constituída por qualquer dos pais e seus descendentes). Além disso, determinou a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher na sociedade conjugal e reduziu os prazos para dissolução do casamento pelo divórcio. Possibilitou o divórcio direto após dois anos de separação de fato e a conversão da separação judicial em divórcio após um ano da ruptura do vínculo. Estabeleceu, ainda, que o planejamento familiar cabe ao casal, devendo o Estado garantir meios para sua realização e criou mecanismos para coibir a violência doméstica. Além disso, é de extrema relevância ressaltar que a Carta de 1988 consagrou uma série de princípios que aplicáveis à família, como o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da igualdade, da liberdade, da convivência familiar,  do melhor interesse da criança e da afetividade. Adotou, ainda, o valor eudonista, segundo o qual o objetivo maior do indivíduo é atingir a paz e a felicidade.

Pelo princípio da solidariedade, que abrange os conceitos de fraternidade e reciprocidade, supera-se o individualismo jurídico em busca de uma sociedade livre, justa e solidária, inclusive, pelos vínculos afetivos que unem os indivíduos em famílias. Afinal, a afetividade permite a realização do indivíduo e o desenvolvimento de sua personalidade. Este princípio tem clara influência, por exemplo, no dever de assistência mútua entre os cônjuges, na proteção da criança e do adolescente e no amparo aos idosos. No que se refere ao princípio da igualdade, destaca-se a conquista da igualdade entre o homem e a mulher, entre os filhos e entre as entidades familiares. Ganha relevo, ainda, a eliminação da discriminação sexual em relação à homoafetividade e à disforia de gêneros. Quanto ao princípio à liberdade, reflete-se sobre a liberdade de formar, manter e extinguir as relações familiares, de constituir novas formas familiares, de administrar o patrimônio familiar e de planejamento. No que se refere à extinção do casamento, fortalecem-se correntes que defendem a separação judicial ou divórcio independentemente de culpa, uma vez que rompida a afetividade, não há motivo para continuidade da união. Pelo princípio da convivência familiar, reconhece-se que a família não se esgota em sua unidade nuclear, mas estende-se a parentes que integram o grande núcleo familiar. De acordo com o princípio do melhor interesse da criança, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, á liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Apenas a observância destes princípios coaduna-se com a preservação da dignidade da pessoa humana em âmbito familiar, bem como os direitos subjetivos da personalidade[i].

Portanto, a Constituição de 1.988 deixa de proteger o casamento para proteger a instituição familiar, seja ela derivada do matrimônio ou não. E, expressamente, reconhece a união estável e a família monoparental como entidades familiares. Contudo, apesar de muitos sustentarem que houve completa equiparação entre as famílias, não é o que se infere do Código Civil. Por exemplo, em caso de filhos havidos de uma união conjugal, estes são, presumidamente, do marido, o que não ocorre em outras formas de relações familiares.

De qualquer modo, conforme se observa, a família deixa de ser patriarcal para tornar-se nuclear, tendo em vista relevantes alterações em sua estrutura sob o aspecto social, econômico, político e cultural. Desaparece o pátrio poder, que passa a denominar-se poder familiar. No que se refere à esfera social, houve significativas alterações em virtude, principalmente, da revolução industrial, momento histórico em que a mulher e os filhos passam a, além do homem, constituírem força de trabalho. Nesse sentindo, deixam de haver funções familiares bem delineadas. Quanto ao âmbito econômico, a família passa a ser uma unidade de consumo ao invés de uma unidade de produção, já que, no mundo industrializado, não é necessário produzir o que se pode consumir no mercado. No plano político, destaca-se a emancipação feminina, graças ao que as mulheres passam a atuar, efetivamente, em decisões políticas e a ocupar cargos de relevância socioeconômica. Dá-se, assim, uma igualdade não meramente formal entre homens e mulheres, mas material. Em sede cultural, observa-se que a jornada de trabalho dos integrantes da família faz diminuir o contato e o afeto entre seus membros. Com isto, a educação deixa de vir, exclusivamente, do âmbito familiar, sendo, fortemente, influenciada por fatores externos[ii].

Além disso, a família deixa de ser uma entidade política para ser reconhecida como uma reunião de pessoas ligadas pelo afeto, estabilidade, assistência mútua e responsabilidade social. Afinal, trata-se do lócus onde o indivíduo poderá desenvolver a sua personalidade. Portanto, pode-se dizer que a Constituição de 1988 passa a aferir a família em sua esfera sociológica, afinal, reconhece que, em havendo uma pluralidade de formas de constituição familiar, todas merecem ser tratadas igualmente. Portanto, não mais se excluem grupos familiares que não se estabelecem pelo casamento. Sendo assim, atualmente, é possível admitir a existência de famílias constituídas, até mesmo, por uma só pessoa, uma vez que a Lei nº 8.009/90 garante a proteção de sua residência como bem de família. Possível, ainda, o reconhecimento de famílias formadas por pessoas do mesmo sexo, quando se tratem de indivíduos ligados pelos mesmos fundamentos de qualquer família.

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Afinal, com a evolução dos tempos, a família perdeu diversas de suas funções iniciais, como a religiosa e a defensiva. Diante disto, o único verdadeiro elemento formador da família, na pós-modernidade, é o afeto. Nesse sentido, a razão de ser da família passa a ser a assistência espiritual, psicológica, material, moral e a sociabilização de seus membros.  Portanto, a família, concebida como instituição, cede espaço à família entendida como instrumento de seu fim social. Nesse sentido, de acordo com o novo paradigma constitucional, sob uma interpretação sistemática, devem ser protegidos, pelo Estado, todos os tipos familiares que cumpram, devidamente, a sua função social, uma vez que a família é uma forma de promoção de diversos direitos da personalidade, como o direito ao nome, à vida, à saúde, à alimentação, à segurança, ao respeito, etc. Nesse sentido, pode-se dizer que o próprio estado familiar integra os direitos da personalidade do indivíduo, sendo, inclusive, um relevante elemento identificador da pessoa natural[iii].

Por isso, não obstante a Constituição de 1.988 proteja, explicitamente, apenas três modalidades de entidade familiar, ou seja, o casamento, a união estável e a família monoparental, grande parte da doutrina, como Paulo Lobo, defende que essas modalidades não são as únicas que merecem proteção, sendo, portanto, este rol, meramente, exemplificativo. Nesse sentido, a mais moderna doutrina concebe o dispositivo constitucional como cláusula geral inclusiva, aberta e não discriminatória, isto é, cabe ao Estado proteger todas as formações familiares fundadas no afeto e no cumprimento de sua função social. Não cabe, portanto, à entidade estatal fixar paradigmas relativos à configuração familiar até mesmo porque rege o direito de família o princípio da intervenção mínima. Portanto, atualmente, pode-se dizer que o conceito de família abrange, necessariamente, a relação socioafetiva e o eudonismo, prestigiando-se, assim, a busca da realização pessoal e felicidade de cada um de seus membros, de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana pela valorização de cada um de seus integrantes como ser humano único e insubstituível. 


II. MODALIDADES DE FAMÍLIA NA ERA CONTEMPORÂNEA

II.1. A FAMÍLIA MATRIMONIAL

A família matrimonial é a família constituída pelos laços matrimoniais monogâmicos, tradicionalmente, difundida no ocidente. Ao contrário do que se verificava durante a vigência das Constituições brasileiras anteriores, a Carta de 1.988 consagrou a igualdade entre o homem e a mulher, tanto no que se refere aos deveres, quanto no que se relaciona aos direitos. Nesse sentido, atualmente, ambos devem cooperar para a administração da família, bem como para seu sustento e educação da prole.

O casamento é civil, entretanto, é possível a extensão de efeitos civis ao casamento religioso. Para isso, é necessário que seja efetuada a habilitação e o registro no Registro Civil das Pessoas Naturais. Trata-se, de qualquer modo, de um ato solene, que conta sempre com a intervenção estatal, com forma prevista em Lei, que visa a constituição de uma família. Baseado em relações de afeição, tem como objetivo o amparo mútuo, o desenvolvimento das potencialidades individuais e o crescimento interior para o alcance do bem estar, da felicidade e da perpetuação do ser humano[iv].

  O atual Código Civil trouxe diversas inovações no casamento. Entre elas, pode-se citar a direção conjunta da sociedade conjugal e a fixação do domicílio conjugal por ambos os cônjuges. Além disso, estabeleceu os mesmos direitos e deveres, sem distinção, para o marido e a esposa.

Além disso, ao contrário do que ocorria na vigência do Código Civil de 1.916, atualmente, grande parte dos efeitos jurídicos da invalidade de um casamento seriam os mesmos ocorridos se este casamento jamais houvesse existido. Isto significa que há efeitos jurídicos derivados da relação familiar que se verificam mesmo quando não há matrimônio, como é o caso do regime de bens e direitos sucessórios. Adicionalmente, foram inseridas, no Código Civil, causas de suspensão do casamento.

Além disso, atualmente, a despeito do que ocorria outrora, não se exige a prévia separação judicial ou decursa de lapso temporal, posterior à separação de fato, para a dissolução do casamento pelo divórcio. Portanto, de acordo com a Emenda Constitucional 66/10 é possível dissolver o casamento diretamente pelo divórcio. A lei nº 11.441/07 autorizou, ainda, o divórcio extrajudicial, mediante escritura pública, desde que não haja filhos menores ou incapazes e que constem com assistência de um advogado. Contudo, não é demais ressaltar que o divórcio não extingue o poder familiar para aquele que não detém a guarda dos filhos menores.

II.2. A UNIÃO ESTÁVEL

De acordo com a Constituição da República, união estável é a entidade familiar formada entre o homem e a mulher, de forma pública, contínua e duradoura, com animus de constituir família, diferente do concubinato, que é a união de pessoas impedidas de se casarem. Não há, portanto, entre os companheiros, celebração de casamento. Todavia, ambos apresentam-se à sociedade como se casados fossem. Em vista disso, surge, entre ambos, o dever de lealdade recíproca. Não é necessário, contudo, que haja coabitação, mas, sim, uma comunhão de vidas com estabilidade.

Durante a vigência do Código Civil de 1.916, apenas a família constituída pelo casamento merecia proteção estatal. Contudo, com a Constituição de 1.988, o panorama alterou-se, passando-se a proteger outras modalidades de formação familiar, entre elas, a união estável. A primeira Lei sobre o assunto foi a 8.971/94, que estabeleceu os primeiros requisitos para sua configuração, reconheceu o direito a alimentos e estabeleceu o direito à meação na partilha de bens. Enfim, em 1.996, a Lei 9.278 estabeleceu requisitos menos rígidos para sua configuração, reconhecendo como entidade familiar a convivência pública, duradoura e contínua entre homem e mulher, com a finalidade de constituir família.

 Atualmente, a união estável é regulada pelo Código Civil de 2002 sob o título “Da União Estável”. De acordo com o artigo 1.723:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com objetivo de constituição de família.

Todavia, há outros dispositivos, espalhados pelo diploma legal, que também tratam da matéria. Nesse sentido, são estendidos direitos alimentares e hereditários ao companheiro, bem como é auferido direito ao bem de família à entidade familiar constituída nessa modalidade. Além disso, são estendidas, à união estável, as causas impeditivas de casamento. Excepciona-se com tudo, o impedimento referente à constituição de união estável com pessoa casada, desde que esta esteja separada de fato ou judicialmente.

                        Todavia, deve-se ressaltar que o tratamento conferido à união estável não é o mesmo que o atribuído ao casamento, apesar de gozar de proteção estatal. Por exemplo, existem regramentos sucessórios distintos o cônjuge e o companheiro. Além disso, a própria Constituição determinou a facilidade de conversão da união estável em casamento, o que não seria necessário se ambos fossem objeto dos mesmos regramentos[v].

II.3. AS UNIÕES HOMOAFETIVAS

A sexualidade e orientação sexual do indivíduo integram a sua própria natureza. Nesse sentido, proibir ou restringi-las significa impedir o exercício de um direito da personalidade. Consagrado o direito à igualdade na própria Constituição da República, não se podem limitar direitos de uma pessoa em razão de sua orientação sexual[vi].

Em 05 de maio de 2011 foi proferida decisão história no Supremo Tribunal Federal. Todos os dez Ministros votantes no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 manifestaram-se pela procedência das aludidas ações constitucionais, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar e aplicando à esta o regime concernente à união estável entre homem e mulher. Com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, em 14 de maio de 2013 prolatou Resolução que obriga cartórios de todo o país a celebrarem casamento homoafetivo, bem como a converterem união homoafetiva em casamentos. A partir da aludida Resolução, nenhum cartório poderá rejeitar a celebração de casamento ou conversão de união estável entre casais homoafetivos. Tanto as referidas decisões do Supremo Tribunal Federal, quanto a resolução do Conselho nacional de Justiça constituem verdadeiro avanço em relação ao reconhecimento do direito à sexualidade e orientação sexual e fortalecimento do direito à igualdade. Além disso, coadunam-se, perfeitamente, com a função social da família, atual paradigma constitucional para constituição da entidade familiar. Também o Superior Tribunal de Justiça vem apresentando atuação efetiva na proteção de famílias formadas por casais homoafetivos. Em sede de recursos especiais, tem admitido, tranquilamente, a adoção conjunta por parceiros homoafetivos.

Nesse sentido, não obstante a lacuna constitucional e legal, no que se refere à menção expressa ao casamento e à união estável homoafetivos, o Poder Judiciário, com base nos princípios constitucionais, sobretudo no princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e da concretização do princípio fundamental à felicidade por meio do afeto, reconheceu as uniões afetivas como entidades familiares equivalentes ao casamento e à união estável heterossexual. Dessa forma, como devido, o Estado adotou ações positivas no sentido de asseverar respeito à diversidade humana e combater a homofobia.

II.4. O CONCUBINATO

Atualmente, entende-se por concubinato a união entre indivíduos que estejam impedidos de se casarem. Uma vez que se aplicam à união estável os mesmos impedimentos relativos ao casamento, o casal não poderá, também, formar uma união estável. Assim, surgiu a figura jurídica referente ao concubinato. Em não se tratando de uma união estável, não se pode cogitar partilha da meação em caso de separação.

Todavia, visando não perpetuar uma situação de injustiça, o Supremo Tribunal Federal (Súmula 380) equiparou o concubinato a uma sociedade de fato, uma vez que haveria a aceitação de ambos quanto à existência de um patrimônio comum e reconhecimento da participação e cooperação de cada um na sua formação, tal como ocorreria em uma sociedade de fato civil ou comercial.  Nesse sentido, a jurisprudência admitiu que a colaboração da mulher nos afazeres domésticos e na educação dos filhos, o que permitiria o progresso do parceiro, levaria-a a merecer uma parcela do patrimônio na partilha ou, ao menos, uma indenização pelos serviços prestados[vii].

Entretanto, o atual Código Civil fez, ainda, perdurarem algumas penalidades em caso de concubinato em que um dos parceiros é casado. Por exemplo, existe a proibição de doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice, com possibilidade de esta ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois da dissolução da sociedade conjugal, nulidade do testamento em favor do concubino por testador casal , salvo se separado de fato há mais de cinco anos, a invalidade da instituição do companheiro como beneficiário de seguro da pessoa, se ao tempo do contrato o segurado não estava separado judicialmente nem de fato e ilicitude de beneficiar filho do concubino por testamento, salvo se este for comum do testador.

Contudo, de acordo com o artigo 1.723, parágrafo 1º, não se aplica o impedimento à união estável se o parceiro casado estiver separado de fato ou judicialmente. Portanto, o Código Civil privilegia a afetividade em detrimento do vínculo conjugal para configurar a formação de família, o que se coaduna com o novo paradigma constitucional no que se refere valorização da dignidade da pessoa humana[viii].

Há, ainda, decisão do Superior Tribunal de Justiça que reconhece direitos à esposa e à concubina no que se refere à impenhorabilidade de bens imóveis do cônjuge infiel destinados a cada uma das famílias constituídas. Em vista de situações como esta, de fato, cabe ao magistrado analisar o caso concreto e aplicar os princípios constitucionais sob o novo enfoque dado à família pela Carta de 1.988.

II.5. A FAMÍLIA MONOPARENTAL

A família monoparental, ou seja, aquela formada por apenas um dos pais e sua prole, é, expressamente, prevista na Constituição da República de 1.988. Todavia, ao contrário do casamento, da união estável e do concubinato, não lhe é feita referência no Código Civil. Em vista disso, aplicam-se as regras atinentes às relações de parentesco em geral.

Esta espécie de família pode constituir-se por diversas formas: adoção unilateral, viuvez, divórcio, não reconhecimento da prole, inseminação artificial, entre outras. Estatísticas mostram que, na maioria dos casos, a família monoparental é formada por uma mulher. Possivelmente, esse advento deve-se em razão da emancipação feminina, seja sob o aspecto financeiro e cultural, seja sob o aspecto emocional e sexual.

Assunto eminentemente contemporâneo é o acesso de mulheres solteiras ou viúvas a técnicas de reprodução assistida. A princípio, poder-se-ia questionar, assim como ocorre na adoção unilateral, se haveria preservação do interesse da criança. No que se refere à adoção, entende-se que o interesse do adotado existe, uma vez que passaria a ter um lar e uma família que, anteriormente, não possuía. Contudo, no caso da reprodução assistida, o contexto que se apresenta é ligeiramente diferenciado, uma vez que, nesse caso, haveria planejamento de uma família, propositadamente, monoparental desde antes da concepção do nascituro. Entretanto, não se deve admitir que a mulher solteira fosse privada de seu desejo de ser mãe sem depender de um homem. Afinal, o direito ao planejamento familiar é constitucionalmente assegurado a todos os indivíduos. Todavia, é certo que, nesse caso, é necessário que a genitora tenha meios para assegurar o adequado desenvolvimento da criança.

Em se tratando de inseminação artificial homóloga, existe presunção de paternidade em relação ao marido ou companheiro, ainda que póstuma. Por outro lado, na hipótese de inseminação artificial heteróloga, exige-se anonimato do doador. Ainda assim, perdura o direito de conhecimento da identidade genética. Portanto, o indivíduo gerado a partir de uma inseminação artificial heteróloga tem direito a buscar sua verdade biológica. Porém, descobrindo-a, não se estabelecem quaisquer relações de parentesco, restando excluídos direitos patrimoniais e sucessórios[ix].

II.6. OUTRAS MODALIDADES FAMILIARES

Conforme aludido, anteriormente, a relação de entidades familiares estabelecida na Constituição de 1.988 não é exaustiva. Trata-se, sim, de uma cláusula geral, inclusiva. Sendo assim, não é dado ao direito determinar o que constitui família ou não e, sim, garantir a devida tutela às mais variadas modalidades de núcleos familiares que vêm surgindo na atualidade.

Por exemplo, a família extensa ou ampliada foi, expressamente, regulada pelo estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 25, parágrafo único:

(...)

Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos, com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Reconhece, também, a doutrina, a família anaparental, ou seja, aquela formada apenas por parentes colaterais, em que não há relação de ascendência e descendência. Assim como se observam, ainda, famílias pluriparentais, sobretudo derivadas de métodos de reprodução assistida, em que é possível que determinado indivíduo possua dois pais e/ou duas mães.

Adicionalmente, fala-se das patchwork families, ou seja, famílias recombinadas. Trata-se de famílias formadas por indivíduos provindos de extintas uniões, com ou sem descendentes, que se unem a outra pessoa, provinda ou não de outra relação, com ou sem descendentes. Trata-se, portanto, de uma agregação social com limites incertos, gerando, em determinados casos, discussões sobre relações de paternidade e filiação socioafetiva e biológica.

Consideram-se famílias, inclusive, as uniões entre casais ou parceiros homossexuais sem descendentes. E, até mesmo, famílias constituídas por um único indivíduo, uma vez que já se reconheceu a tutela do bem de família mesmo que o bem imóvel seja de propriedade e residência de uma única pessoa.

Apesar de não previstas constitucionalmente, ou mesmo, infraconstitucionalmente, nem por isso, devem deixar de receber proteção estatal, cabendo ao direito, na verdade, tutelá-las e proferir soluções para eventuais discussões geradas pelo ineditismo de questões geradas por novas modalidades familiares.

Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. Direito de família contemporâneo:: conceito de família e nova filiação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3849, 14 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26392. Acesso em: 2 nov. 2024.

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